Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 42/2015-T
Data da decisão: 2015-06-30   
Valor do pedido: € 2.534.121,09
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos; encargos financeiros
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Acórdão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor António Martins e Dr.ª Carla Castelo Trindade (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-03-2015, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, LDA., NIPC …, com sede no …, Edifício …, Escritório …, …-… … (doravante, "Requerente "), veio, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante, "IRC"), identificada com o n.º 2013 …, de 11-12-2013, no valor de € 2.890.667,79 e de Demonstração de Liquidação de Juros, identificada com o n.º 2013 …, de 12.12.2013, que, de acordo com a Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2013 …, deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.890.718,36.

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-01-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-03-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 31-03-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deveria ser julgado improcedente.

Em 17-06-2015, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e produzidas alegações orais.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente em face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, são legítimas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)     Foi realizada uma ação de inspeção à Requerente tendo por objeto os exercícios de 2009, 2010 e 2011, que teve origem numa ação de controlo declarativo, através da qual foi proposta e superiormente sancionada a necessidade de controlo dos juros contabilizados na sociedade respeitantes na sua maior parte a encargos para a sua própria aquisição;

b)     A ação de fiscalização foi levada a cabo através das Ordens de Serviço n.ºs OI2013 …, OI2013 … e OI2013 …, de 06/03/2013;

c)     A Requerente, nos exercícios em causa, exerceu a atividade de “Atividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal", CAE 69200 (até 27.01.2010) e desde 28.01.2010 está inscrita pela atividade de “Atividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório" - CAE 86220, tendo como objeto secundário “Atividades de contabilidade e auditoria: consultoria fiscal" - CAE 69200.

d)     No âmbito da ação de inspeção a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou que nos anos de 2009, 2010 e 2011, a Requerente suportou e inscreveu na sua contabilidade custos (juros) com empréstimo obrigacionista e suprimentos, custos estes que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não estarem relacionados com a sua atividade empresarial, nem servirem à manutenção da sua fonte produtora de rendimentos, tendo antes aproveitado a um terceiro (B… Holding, S.A.R.L., anterior C… S.A.R.L.), pelo que entendeu que esses custos não deviam ser aceites para efeitos da cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC;

e)     A Requerente teve como designações anteriores D…, Lda (até julho de 2008) e E…, Lda. (até dezembro 2008);

f)      Até 25 de junho de 2007, esta sociedade era detida pela F… SGPS, S.A., não tendo praticamente atividade desde que iniciou;

g)     A 26 de junho de 2007, esta entidade alienou as suas quotas na D... à sociedade C... S.A.R.L., com sede em  – …, … route …, no Luxemburgo;

h)     No dia da aquisição, a C… procedeu ao aumento de capital da D..., passando este de € 5.000,00 para € 40.896.711,00, conforme certidão permanente do Registo Comercial e ata n.º 13 (anexo 3 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 3 folhas), aumento este realizado, de acordo com a referida ata, em numerário;

i)       A 10 de dezembro de 2007 a C… procedeu a um novo aumento de capital da D..., passando este de € 40.896711,00, para € 57.773.878.00, conforme certidão permanente do Registo Comercial, aumento este realizado, segundo a certidão, em numerário;

j)      Em julho de 2008 a sociedade D... altera a sua firma e sede para E…, Lda. (doravante E…), alterando a sede, anteriormente na …, e estabelecendo-se em …, na sede atual;

k)     Em dezembro de 2008, a E..., por fusão, incorpora uma sua participada (A…, LDA - NIPC …), participação esta adquirida em agosto de 2007, passando a adotar a sua designação / firma atual, que era a designação da sua participada, assumindo as funções e objetivos sociais da sociedade incorporada;

l)      Por via dessa fusão a Requerente passou a ser titular direta de uma série de empresas no ramo da saúde (nomeadamente diálise);

m)   Em dezembro de 2009, a Requerente procedeu à fusão por incorporação com as empresas do grupo, passando a partir dessa data a dedicar-se à prestação de serviços médicos;

n)     A A… LDA NIPC … cessou a sua atividade devido à fusão por incorporação com a Requerente;

o)     Até à sua incorporação a A… LDA NIPC … tinha como atividade consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação científica, formação profissional e comercial de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao setor de prestação de cuidados de saúde, funcionando como uma central de compras e gestora de uma série de outras sociedades, cujo objeto principal era o tratamento de doentes renais;

p)     A A… LDA NIPC … iniciou a sua atividade em 19 de outubro de 1990 com a designação de G… - SGPS Lda tendo como objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas;

q)     A A… LDA NIPC … iniciou a sua atividade com um capital social de € 1.047.475,58, dividido em 3 quotas, tendo como sócios as sociedades H… e I…, sendo que a primeira destas sociedades detinha duas quotas no valor de € 948.713,60 e € 98.637,28 e a terceira detinha a outra no valor de € 124.70;

r)      Em 22 de dezembro de 2005, a A… LDA NIPC … procedeu a um aumento de capital de € 100,00, tendo a participação da sociedade I… passado para € 224,70 e o capital social para € 1.047,575,56;

s)     A 10 de janeiro de 2006, a A… LDA NIPC … alterou a sua designação para J… Lda (doravante J…), tendo em 26 de dezembro do mesmo ano sido sujeita a uma cisão da qual resultou a sociedade G… - SGPS Lda, com o NIPC …;

t)      Em 1 de agosto de 2007, a J… é adquirida pela D... pelo montante de € 122.611.711,00 (anexo 4 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 3 folhas), alterando a sua designação para A… Lda em 4 de dezembro desse mesmo ano;

u)     Toda a informação relativa a esta sociedade consta do registo da Conservatória do Registo Comercial (anexo 5 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 10 folhas);

v)     A A… LDA NIPC … detinha a totalidade do capital das seguintes entidades:

1. K…, S.A., NIPC: …

2. L… LDA, NIPC: …

3. M… LDA, NIPC: …

4. N… LDA, NIPC: …

5. O…., SÁ NIPC:…

6. P…. - ., S.A., NIPC: …

7. Q… S.A., NIPC:…

8. R…, S.A. NIPC: …

9. S… LDA, NIPC: …

10. T… LDA, NIPC: …

11. U… S.A., NIPC: …

12. V…, S.A., NIPC: …

13. W…, S.A., NIPC: …

14. X… S.A., NIPC: …

w)   A A… LDA, NIPC … detinha ainda parcialmente o capital da sociedade Y… LDA, com o NIPC …;

x)     Em dezembro de 2006, a A… Lda - NIPC … é incorporada na sua participante (E... -, Lda - NIPC: …) através de um processo de fusão por incorporação (anexo 6 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 28 folhas);

y)     A B… HOLDING, S.A.R.L. (com designação anterior C... SAR.L.), NIPC …. Com sede em L -…,… route …, Luxemburgo, é detida por uma sociedade de capital de risco denominada Z…, com sede em Inglaterra e que serviu como veículo para a aquisição do grupo AA  no ano de 2007, informação esta que consta de um pedido efetuado pela Z… à Autoridade da Concorrência da Comissão Europeia no âmbito da aquisição do grupo AA… (anexo 7 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 1 folha).

z)     A C... S.A.R.L. (doravante C…) procedeu em 2007 à aquisição da Requerente (A… LDA, com a firma à altura da aquisição D..., Lda) à sociedade F… SGPS, S.A.;

aa)   A D..., até à sua aquisição em 2007 pela C… foi uma entidade sem qualquer tipo de atividade, tendo registado pequenos prejuízos decorrentes dos custos administrativos da sua existência;

bb)  Após a sua aquisição, procederam a um aumento de capital de € 5.000,00 para € 40.896711,00, aumento este realizado em dinheiro, segundo declaração do gerente da sociedade (ata n.º 13, que consta do documento n. 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

cc)  Pela análise à contabilidade da D... dos anos de 2007 e 2008, efetuada no âmbito das Ordens de Serviço n.ºs OI2010 …/…, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que o requisito da realização em dinheiro nunca se cumpriu, por não existir evidência de movimentos nas contas de disponibilidades durante o exercício de 2007 (anexo 8 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 2 folhas), bem como pelo facto de, em termos contabilísticos, o aumento de capital se ter efetuado não por contrapartida de disponibilidades, mas sim por reflexo em dívidas de contas de terceiros;

dd) Em 28 de junho de 2007, a entidade D... procedeu à emissão de um empréstimo obrigacionista, no valor de € 81.700.000,00, totalmente subscrito pela sócia única, C... S.A.R.L. (anexo 9 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 12 folhas);

ee)  Para tanto foi deliberado em 27 de junho de 2007, conforme Ata n.º 14 da sociedade D... (anexo 10 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 2 folhas e documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que, atendendo às necessidades de capitalização que a sociedade teria que fazer face às transações que se propunha realizar e tendo a intenção de proceder ao pagamento do preço ao abrigo do contrato de cessão de quotas representando a totalidade do capital social da sociedade AA…, procederiam à emissão de um empréstimo obrigacionista no montante de € 81.700.000,00. as quais seriam totalmente subscritas pela sócia única (C... S.A.R.L.);

ff)    Para a realização do empréstimo obrigacionista, tiveram ainda intervenção a BB…, S.A., que procedeu ao pagamento de juros à sociedade subscritora C... S.A.R.L., e a CC…,SA, que procedeu ao registo deste empréstimo;

gg) Através da análise à contabilidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira constatou que os € 81.700.000,00 nunca deram entrada nas contas da entidade, constando este montante como dívidas de terceiros por contrapartida de empréstimos;

hh) A aquisição da J… deu-se em 1 de agosto de 2007 pelo preço de €122.611.711,00 (anexo 4 ao Relatório da Inspeção Tributária);

ii)    Esta operação foi registada na contabilidade por uma transferência de saldos devedores — dívidas de terceiros (sócios pelo aumento de capital e pelo empréstimo obrigacionista) para investimentos financeiros em vez de uma saída de disponibilidades, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que os meios monetários relativos ao aumento de capital como ao empréstimo obrigacionista nunca deram entrada nas contas da D... (anexo 11 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 2 folhas);

jj)    Relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade dos anos de 2007 e 2008, foram pagos através da BB…, S.A., pela entidade J…, sociedade adquirida através daquele empréstimo (anexo 12 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 3 folhas) não tendo a D... qualquer atividade operacional, servindo apenas como veículo para a aquisição da J…;

kk) Estes mesmos juros pagos à entidade C… não foram sujeitos a imposto em Portugal nos termos do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro;

ll)    Nos dois anos em que foi efetuada a análise à contabilidade da D... no âmbito das Ordens de Serviços n.ºs OI2010 …/…,-a Autoridade Tributária e Aduaneira constatou que não tiveram resultados operacionais de relevo, apresentando prejuízos decorrentes dos resultados financeiros negativos derivados do empréstimo obrigacionista, que eram pagos pela J… (entidade adquirida pela D...);

mm)       Em dezembro de 2008, a A… l (antiga J…) foi incorporada na E... (antiga D...) com efeitos a janeiro do ano seguinte (anexo 6 ao Relatório da Inspeção Tributária);

nn)  Atendendo ao facto de a sociedade E... (anteriormente D...) deter a totalidade do capital social da A… (anteriormente J…), tal incorporação foi realizada através de um processo de fusão;

oo) Com esta operação todo o património da incorporada A… foi transferido para a sua incorporante, E...;

pp) Para além do processo de incorporação destas duas entidades, também foi alterada a firma da incorporante para A…, Lda., adotando assim a designação da incorporada;

qq) Com a referida incorporação, todos os ativos e passivos ficaram englobados numa mesma entidade, passando a entidade incorporada, que gerava os proveitos e/ou ganhos a suportar os encargos estabelecidos entre a entidade C… e a entidade D..., decorrentes do empréstimo obrigacionista para aquisição da sociedade J…;

rr)   O montante de juros contabilizados e pagos à sociedade mãe na sociedade atual é de cerca de 8,5 M€, em todos os exercícios analisados pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

ss)   Em 10 de outubro de 2014, a Requerente foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para comprovar a indispensabilidade dos custos e/ou gastos incorridos com os juros suportados com o empréstimo obrigacionista para a obtenção dos proveitos (anexo 13 ao Relatório da Inspeção Tributária, de 1 folha);

tt)    A Requerente respondeu à notificação em 18 de outubro de 2014, dizendo, em suma, o seguinte:

• Em 2007, a Z… acordou a aquisição de parte do negócio do grupo AA… dedicada à prestação de cuidados de saúde renal em diversas jurisdições;

• Para tal, constituiu uma sociedade com sede no Luxemburgo (B… Holdings SARL) com a finalidade de adquirir ou constituir sociedades em cada uma das jurisdições em que a J… possuía atividade com o propósito de concretizar a aquisição das sociedades do grupo BB… ou ainda caso fosse possível adquirir os ativos e passivos dessas mesmas entidades.

• Em Portugal, aquela operação traduziu-se na aquisição da sociedade J… pela D..., pois era nesta sociedade quê sé encontrava o alvo da D... (clínicas de diálise).

• Para tal a B… Holdings SARL dotou a empresa portuguesa de capital e divida com a finalidade proceder à aquisição da J….

• Esta via foi escolhida, entre outras razões, por se adequar às melhores práticas internacionais, por incutir disciplina financeira pela pressão que exerce sobre os resultados, e a saída de capitais via dívida ser mais simples que a distribuição de dividendos.

• Era intenção do grupo DD… a aquisição das clinicas e não as sociedades, o que na jurisdição Portuguesa não é possível em face das regras próprias das Administrações Regionais de Saúde.

• Também foi intenção do grupo simplificar a estrutura das participações que detinha, o que fez através de uma reorganização bifásica.

• Esta reorganização passou, em primeiro lugar, pela fusão da J… na A… (ex- D...) e, em segundo lugar, procedeu-se à fusão das restantes entidades na A…, que teve de obter o aval das Administrações Regionais de Saúde.

• As duas fusões, independentemente de terem acontecido em datas distintas, reportaram-se à data de 1 de janeiro de 2009.

• De um ponto de vista económico-financeiro a fusão trouxe benefícios económicos para o Grupo e, consequentemente, para a Economia Nacional.

• Relativamente à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com o empréstimo obrigacionista subscrito pela casa-mãe:

"Em suma, por forma a atestar a indispensabilidade de um determinado gasto para a geração de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, deverá verificar-se:

• O enquadramento do gasto no âmbito da atividade do sujeito passivo e não de qualquer outra entidade, ainda que dele relacionada;

• Uma conexão entre o gasto e o proveito sujeito a imposto, ainda que de forma indireta;

• O gasto deverá ter, na sua origem e na sua causa, o interesse específico da empresa ou, dito de outra forma, deverá obedecer a critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atender à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas."

• Quanto a dedutibilidade dos encargos financeiros, em data anterior à fusão, o empréstimo foi contraído para aquisição da  J…, o que não era alheio de todo ao objeto social da empresa.

Os encargos financeiros "foram incorridos na estrita prossecução da atividade da Exponente ... e em seu beneficio único e exclusivo" e sem esse financiamento não teria condições de concretizar a aquisição da J…, "aquisição essa que, juntamente com a subsequente gestão das respetivas partes de capital, constituíram uma parte importante da atividade da Exponente em momento anterior à fusão."

• Sem aquela aquisição, "ver-se-ia potencialmente privada de um conjunto de rendimentos" e que não usufruiu do disposto no artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais relativamente às mais-valias e menos-valias realizadas, pelo que os encargos financeiros suportados cumpriam as condições para serem considerados como indispensáveis para a geração de proveitos.

• Relativamente ao período após fusão, não sê poderá questionar a indispensabilidade dos gastos uma vez que (i) estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo, bem como com o seu objeto social, (ii) contribuem para a geração de rendimento sujeito a imposto e (iii) são manifestamente indispensáveis.

•O objeto social da A… passou a ser o seguinte: "1 — Consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação científica, formação profissional, a comercialização de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao setor ' de prestação de cuidados de saúde e a elaboração de estudos e prestação de cuidados médicos em todas as especialidades, bem como a prestação e serviços conexos ou afins. 2 - As atividades constantes do objeto social poderão ser desenvolvidas, total ou parcialmente, de modo indireto, mediante a titularidade de ações ou participações de e em sociedades com objeto idêntico ou análogo", mantendo-se até à atualidade.

• Esta alteração de atividade teve como objetivo acomodar as atividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas, passando a A… a desenvolver, por via da fusão, todas as atividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas.

• Assim, "a fusão da J… na Exponente não resultou no desaparecimento de nenhum ativo na esfera desta última (nomeadamente partes de capital) que tenham estado na origem do empréstimo obrigacionista que gerou encargos financeiros, mas sim na conversão daquele ativo no conjunto de ativos e passivos que aqueles títulos já representavam."

• E como tal os encargos financeiros "enquadraram-se forçosamente na atividade da Exponente após a fusão, i. e., destinaram-se, em substância, a financiar a aquisição do património suficiente e necessário para o desenvolvimento, na sua esfera, da atividade de prestação de cuidados de diálise anteriormente desenvolvida pelas subsidiárias, a titulo individual."

• Relativamente à indispensabilidade dos gastos, refere que "sem o empréstimo obrigacionista a Exponente não teria "adquirido" os ativos e passivos, nomeadamente as unidades de cuidado de negócio de prestação de cuidados de saúde ...as quais são, de facto, a fonte de rendimento sujeito a imposto - primordial da Exponente em momento posterior à fusão."

• "A atividade desenvolvida pela Exponente, após a fusão, incluía a prestação de cuidados de saúde, com recurso aos meios humanos e materiais, bem como os ativos e passivos, das entidades incorporadas, a qual se enquadra plenamente no seu objeto social;

Sem o financiamento em apreço, a aquisição da J… não teria sido possível e, sem ele, a subsequente fusão, que permitiu à então Exponente desenvolver a sua atividade geradora de proveito sujeito a imposto;

• Na verdade, o financiamento em apreço pode ser encarado como se destinando, desde o início, à aquisição dos ativos e passivos que compõem a globalidade do património das sociedades incorporadas...;

• Com efeito, a fusão não deve ser encarada como representando uma alteração à realidade económica consolidada da sociedade incorporante e incorporadas, já que a mesma se mantém intacta;

• Não ocorreu, em qualquer momento, qualquer confusão entre os encargos financeiros suportados pela Exponente e a atividade de terceiros."

 

uu) No Relatório da Inspeção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, a Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se nos seguintes termos, além do mais:

 

 III. 1.4 - Da análise à operação e correções propostas

III.1.4.1 - Custos com empréstimo obrigacionista

Com a incorporação da A…, Lda. (NIPC …), na sua empresa mãe E..., Lda. (NIPC …), todos os ativos e passivos se englobaram numa única entidade, passando os cash-flow libertos pela atividade e património da entidade incorporada a suportar os encargos decorrentes do empréstimo obrigacionista celebrado entre a C… e a D..., empréstimo [este] que veio a permitir a aquisição da sociedade J….

O mesmo é dizer que, com a fusão, os [cash-flow] libertos pela atividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição.

Ora, dispõe o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC que:

(...)

No caso concreto temos que os custos com a aquisição da sociedade J… (posteriormente A…, Lda.), que haviam sido incorridos pela D... (posteriormente E..., Lda.), por via da fusão, passaram a ser suportados pelos cash-flows gerados pela entidade adquirida.

Com a fusão, a atividade desenvolvida pela sociedade incorporante passou a corresponder integralmente à atividade que já vinha sendo exercida pela sociedade incorporada, sendo que o empréstimo obtido pela D... tevê como único objetivo a obtenção de capital para aquisição da J….

A E... (antiga D...) apenas surgiu como veículo para concretizar a aquisição da J… à A…, Lda. (antiga J…).

Aquando da Fusão, a E… (antiga D...) assumiu a denominação da A…, Lda., o que na prática traduziu, tão só e apenas, [n]o cancelamento do registo do sujeito passivo com o NIPC e registo n…..

Não obstante o cancelamento do registo do sujeito passivo …, é a A…, Lda. (antiga J…), a sociedade que prossegue a sua atividade anterior, agora sob o NIPC … e não a E..., já que esta sociedade nada acresceu ao objeto prosseguido pela A…, Lda. (antiga J…), e que teve por epílogo a adopcão da firma A…, Lda.

Os custos objeto de análise apenas serviram para a redução do resultado fiscal da sociedade resultante das fusões, não se tendo alcançado qualquer efeito positivo em termos financeiros.

Em conclusão, a utilização do veículo (D...) da forma descrita, permitiu que o custo de financiamento que seria suportado pela empresa luxemburguesa (C... S.A.R.L., atual B… Holding, S.A.R.L.), numa aquisição direta, [passassem] a ser suportados pelo património da sociedade operacional (A…), sendo integralmente deduzidos ao resultado desta, após a incorporação do seu património na sociedade veículo, com o respetivo impacto a nível fiscal (EBITDA), conforme análise efetuada no ponto "II - 3.5.2Balanço e Demonstração de Resultados".

Em relação a uma estrutura de negócio com contornos comparáveis ao caso em análise, já o Centro de Arbitragem Administrativa (criado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro) teve a possibilidade de se pronunciar, no Processo n.º 14/2011-T, que teve como árbitros o Dr. João Menezes Leitão, a Professora Doutora Ana Paula Dourado e o Juiz Conselheiro Domingos Brandão de Pinho, este último como árbitro-presidente.

(...)

No caso da A… os custos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a sua atividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro (B… HOLDING, S.A.R.L., anterior C... S.A.R.L.), não sendo aceites para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Deste modo, ao lucro/prejuízo fiscal declarado pelo sujeito passivo iremos corrigir o montante dos juros relativos ao empréstimo obrigacionista, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art." 23.º do Código do IRC e atendendo à jurisprudência que se pronunciou sobre esta matéria, conforme atrás referido.

Os montantes por exercício destes custos/gastos financeiros são os seguintes (conforme documentos juntos no anexo 15, de 2 folhas):

 

111.1.4.2 - Encargos com Suprimentos

 

Nos termos das alíneas j), k) e l) do ponto III.1.2, temos que relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade do sujeito passivo dos anos de 2007 e 2008, os mesmos foram pagos através da BB…, S.A., pela entidade J…, sociedade adquirida através daquele empréstimo, porque a D... nunca teve uma atividade operacional, conforme já anteriormente descrito e como evidenciam as operações registadas na contabilidade da entidade e refletidos nos balancetes analíticos dos exercícios de 2007 e 2008 da D... (cfr. anexo 16, de 9 folhas), onde constam meros registos em contas de custos e proveitos financeiros.

Ora, nesses mesmos exercícios (2007 e 2008), a C…, para além do empréstimo obrigacionista, procedeu a empréstimos através de suprimentos a diversas sociedades do grupo, tendo sido a J… a maior destinatária desses suprimentos, no valor de € 37.359.426,00 (anexo 17, de 6 folhas).

Assim, temos que a J… recebeu suprimentos da C… juros de um empréstimo obrigacionista cujos intervenientes foram a C... (credora) e a D... (devedora), constituindo estes juros um crédito da J… à D.... Constatamos que este crédito à D... não produziu qualquer rendimento, independentemente de, por via disso, a J…. estar a suportar um encargo com um juro de suprimento para fazer face ao pagamento de juros que deveriam ser encargo efetivo da sociedade-mãe D....

Esquematicamente, temos o seguinte

 

 

J…

A…

C

B…

E…

D…

 

O montante dos juros que a J… pagou à C… (responsabilidade da participante D...) nos exercícios de 2007 e 2008 ascende à quantia de € 11.664.656,99 (anexo 12), repartido entre € 3.874.826,75 referente à 2007 e € 7.789.830,24 referente a 2008. Este montante constituía um crédito da D… sobre a J… (suprimentos), na medida em que esta última não tinha meios financeiros para liquidar os juros do empréstimo obrigacionista.

Com a fusão, anularam-se os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade luxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este influenciado pela quantia acima referida (€ 11.664.656,99) referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela J….

Assim, e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, iremos proceder à correção dos juros suportados relativo a suprimentos na proporção dos € 11.664.656,99 face ao valor da dívida de suprimentos (€ 47.399.656,99).

Os montantes dos juros suportados nos exercícios em análise e contabilizados como gastos do período na conta "691155 - Juros empresas do grupo - a pagar" foram do seguinte montante (anexo 18, de 8 folhas):

 

 

Esta operação dá-nos a percentagem de 24,61%, que aplicando aos montantes registados na conta 691155 dá-nos as Seguintes correções:

 

vv)  A Requerente pronunciou-se sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, mas a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a posição anteriormente assumida;

ww)        Na sequência das correções propostas no Relatório da Inspeção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou a liquidação de IRC e juros compensatórios com o n.º 2013 …, de 11-12-2013, no valor de € 2.890.667,79 e a Demonstração de Liquidação de Juros, identificada com o n.º 2013 …, de 12-12-2013, que, de acordo com a Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2013 …, deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.890.718,36 (documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

xx) Em 11-04-2014, a Requerente deduziu reclamação graciosa tendo por objeto os atos referidos na alínea anterior;

yy) Por despacho de 05-09-2014, proferido pelo Senhor Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição na reclamação graciosa, o que fez;

zz)        Por despacho de 20-10-2014, proferido pelo Senhor Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direção de Finanças de Lisboa foi indeferida a reclamação graciosa, manifestando concordância com uma informação que consta do processo Administrativo (documento designado «PA11-pdf»), cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

2 - Custos com o empréstimo obrigacionista:

2.1 - A reclamante alega que houve uma motivação económica para as operações de aquisição dos ativos operacionais do Grupo BB… em Portugal e que o empréstimo obrigacionista foi contraído com o propósito de financiar essa aquisição.

No entanto, no relatório da Inspeção Tributária não é questionada essa motivação económica ou a finalidade do empréstimo, mas é concluído que aquelas operações de aquisição não aproveitaram à reclamante, que resultou da fusão com as sociedades adquiridas, mas ao detentor do seu capital.

2.2 - Também não se justifica o argumento de que a reclamante tinha uma atividade de gestão de partes sociais e que os juros do empréstimo obrigacionista se inscreveram como custos no âmbito dessa atividade.

Tal tipo de atividade contrabalança os custos dos financiamentos que obtém, com os rendimentos provenientes das participações em outras sociedades, tais como lucros distribuídos ou mais-valias. No entanto, no caso presente, e no que respeita à detenção de partes sociais da J…/A…, Lda, tal atividade já não podia existir no exercício de 2009, visto que já tinha ocorrido a fusão.

2.3 - O resultado das operações de aquisição das sociedades que detinham os ativos operacionais e atividades do Grupo BB… em Portugal foi a obtenção pela B… Holding SARL da participação social representativa da totalidade do capital da sociedade resultante da fusão (a reclamante), que incorporou aquelas sociedades e ativos.

2.4 - É ainda assinalado na reclamação que o caso tratado no Acórdão Arbitrai mencionada no relatório (Processo nº 14/2011-T) difere do caso aqui em análise por no acórdão se tratar de uma fusão inversa e por aí a entidade contraente do empréstimo não ser a que suporta os custos financeiros do mesmo.

No entanto, não parece que as diferenças tenham relevância para a análise do caso aqui em apreço, visto que, neste, as empresas fusionadas eram controladas direta ou indiretamente em 100% pela C…/B… Holding (cf. pontos 6 e 8 do projeto de fusão -fl. 331-verso e 332) e a conclusão no acórdão não foi que os custos financeiros foram incorridos em benefício de uma ou outra das sociedades que se fundiram, mas em benefício da sociedade "D...", detentora da sociedade resultante da fusão.

25 - Dado o exposto, é de concluir, tal como no relatório da Inspeção Tributária, que os custos suportados com o empréstimo obrigacionista, embora inscritos na contabilidade da reclamante, não beneficiaram a atividade da reclamante nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro, a B… Holding SARL, pelo que não devem ser considerados "indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", para efeitos da aplicação do nº 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Assim é de manter a referida correção.

 

3 - Encargos com suprimentos:

3.1 - Ao contrário do alegado na reclamação, a afirmação no relatório de que o montante de €47.399.162,66 foi influenciado pela quantia de€ 11.664.656,99, afigura-se como correta.

3.2 - Com efeito, consta no relatório (cf. pontos ll-2.3-a e b acima) que nos exercícios de 2007 e 2008 a C…, para além do empréstimo obrigacionista, procedeu a empréstimos através de suprimentos a diversas sociedades do grupo, tendo cabido à  J…, via D..., o valor de € 37.359.426,00.

Consta ainda no relatório (cf. pontos 11-2.3-c e e acima) que o montante dos juros do empréstimo obrigacionista pagos pela J… à C… em 2007 e 2008, € 11.664.656,99, deu origem a um crédito da J… sobre a D... (por o emitente ser a D...) e a um crédito da D... sobre a J…(por esta necessitar de fundos) e que esses créditos foram anulados quando da fusão, restando o montante de € 47.399.162,66 devido à C…/B… Holding.

As informações prestadas na reclamação, embora mais pormenorizadas, não parecem contradizer essa análise.

3.3 - O valor de € 11.664.656,99 influenciou o de € 47.399.162,66 no seguinte sentido: o financiamento da despesa relativa aos juros do empréstimo obrigacionista (utilizado na aquisição, em benefício de terceiro, das atividades da J… em Portugal - cf. ponto 3.2), refletiu-se no valor dos financiamentos necessitados pela reclamante, pelo que uma parte dos juros suportados em 2009 pela reclamante por financiamentos da C…/B… Holding (na proporção de 11.664.656,99 / 47.399.162,66 = 24,61%) não se revela indispensável para efeitos da aplicação do nº 1 do artº 23º do CIRC.

Assim, também neste caso deve ser mantida a correção.

4 - Quanto à alegação de falta de fundamentação, e dado o acima exposto, não se conclui que faltem ao relatório as razões por que os encargos financeiros em questão não foram considerados dedutíveis no cálculo do lucro tributável do exercício.

5 - Dado que, conforme exposto acima nos pontos 2 a 4, não assiste razão à reclamante, propõe-se o indeferimento do pedido, mantendo-se a liquidação adicional objeto de reclamação.

 

 

IV - AUDIÇÃO PRÉVIA

1 - A reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento, conforme consta nas fls. 399 a 402 do processo, para exercer o direito de audição prévia previsto no artº 60º da Lei Geral Tributária. Com a notificação foi enviada fotocópia do projeto de decisão, cuja informação foi reproduzida nos pontos anteriores.

2 - Em audição prévia, vem a reclamante apresentar uma exposição (fls. 403 a 416) na qual reitera o anteriormente alegado, não juntando documentos novos.

3 - Quanto ao ora alegado há a referir o seguinte:

a) Custos com o empréstimo obrigacionista:

Conforme foi tornado evidente no relatório, anteriormente à fusão a sociedade D.../E... serviu de veículo no projeto de aquisição do grupo J… em Portugal através das várias operações descritas no relatório (sem atividade operacional - cf. pontos ll-2.2-befacima).

Assim, no exercício de 2009, após a fusão que deu origem à sociedade reclamante (ocorrida em dezembro/2008), foram os cash-flows libertados pela atividade da sociedade incorporada que passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição (cf. ponto III.1.4.1 do relatório -fl. 303).

Foi por essa razão, ou seja, por aquelas operações de aquisição não terem aproveitado à reclamante, mas ao detentor do seu capital, que os custos do empréstimo obrigacionista foram acrescidos no cálculo do lucro tributável da reclamante, e não por se ter questionado a motivação económica do projeto de aquisição do grupo BB….

b) Encargos com suprimentos:

A reclamante invoca os documentos apresentados com a reclamação e destinados a documentar este ponto (docºs nºs 9 a 14 - fls. 254 a 274 - cf. pontos l-2-b e II-3 acima), especificando as razões das dívidas entre as várias sociedades, sobretudo as anteriores à fusão, e reiterando o alegado.

É ainda argumentado que os encargos em questão em nada diferem dos restantes encargos com suprimentos. No entanto, a correção não resultou da natureza dos custos em questão. Conforme referido, tanto no relatório, como no projeto de decisão, a correção respeita aos juros de suprimentos correspondentes à parte dos suprimentos necessitados para o financiamento de custos com o empréstimo obrigacionista, os quais, conforme referido no ponto anterior, não aproveitaram à reclamante, mas ao detentor do seu capital.

4 - Quanto ao pedido de prestação de esclarecimentos, por via oral, sobre os argumentos e documentação (ponto 50 da exposição), é de referir que é regra fundamental do procedimento de reclamação graciosa a limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo de outras diligências, não estando, no entanto, a administração fiscal subordinada à iniciativa do autor do pedido (artºs 69º al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário e 58º da Lei Geral Tributária).

5 - Dado o exposto nos pontos anteriores, e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados no projeto de decisão, propõe-se que o pedido seja decidido no mesmo sentido de indeferimento (cf. ponto 111-5 acima);

aaa)         Em 18-12-2013, a Requerente pagou a quantia de € 2.534.121,90, relativa à liquidação impugnada, com dispensa de pagamento de juros compensatórios (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

bbb)        Em 27-01-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no Relatório da Inspeção Tributária e nos documentos juntos com a petição inicial, não havendo controvérsia sobre eles.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posição das partes

 

3.1.1 Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

Para a AT, a ação inspetiva à Requerente resultou da necessidade de controlar encargos financeiros de montante elevado e com peso muito significativo relativamente aos rendimentos registados, que teriam origem em dívida contraída para a aquisição de participações sociais de sociedades entretanto incorporadas por fusão. Como consta do RIT, a Requerente tinha como designação societária originária D, Lda. e era inicialmente sedeada na Zona Franca da Madeira, com atividade de prestação de serviços de natureza contabilística e económica, consultadoria e direção de empresas e outras atividades financeiras e económicas. Em 26 de junho de 2007, a F… SGPS, S.A., alienou as suas quotas na D... à sociedade C... S.A.R.L., com sede no Luxemburgo, a qual entretanto alterou a sua designação para B… HOLDING.

Em julho de 2008 a sociedade D... altera a sua firma e sede para E..., Lda. (doravante E...), alterando a sede, anteriormente na Zona Franca da Madeira e estabelecendo-se em Sintra, na atual sede. Em dezembro de 2008, procedeu-se à incorporação da A… (antiga J…) na E..., (antiga D...) com efeitos a janeiro do ano seguinte. A dita incorporação foi realizada através de um processo de fusão e, por meio desta operação, todo o património da incorporada A… foi transferido para a sua incorporante, E.... Procedeu-se também à alteração da firma da incorporante para A…, Lda., adotando assim a incorporante a designação social da incorporada.

Neste contexto, passou a entidade incorporada, que gerava os proveitos ou ganhos, a suportar os encargos estabelecidos entre a entidade C… e a entidade D..., decorrentes do empréstimo obrigacionista para aquisição da sociedade J…. O montante de juros contabilizados e pagos à sociedade mãe é de cerca de 8,5 M€, nos exercícios analisados. Isto é, e para a AT, com a fusão os rendimentos gerados pela atividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição, sendo certo que os fundos não foram utilizados na respetiva exploração. Considerou-se, em consonância, que não eram dedutíveis ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC.

Com a fusão, anularam-se pois os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade luxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este ainda influenciado, segundo a AT, pela quantia de € 11.664.656,99 referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela J….

            A correção específica efetuada relativamente a este último ponto respeita aos juros de suprimentos correspondentes à parte dos suprimentos necessários ao financiamento de custos com o empréstimo obrigacionista, os quais não aproveitariam à Requerente. Conforme resulta do RIT, não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade J…, , Lda. pagou diretamente esses juros por conta da sociedade D..., Lda. em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros. Assim, e para a AT, na falta dessa demonstração, o fundamento da correção reconduz-se ao da correção relativa ao empréstimo obrigacionista.

Decorre, pois, para a Requerida, do citado normativo do CIRC, que na determinação da matéria coletável de cada sujeito passivo não são aceites todos e quaisquer gastos, mas apenas os que se mostrem indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Portanto, para que os encargos financeiros suportados sejam aceites como gasto fiscal é necessário que os mesmos preencham três requisitos: a comprovação (justificação), a indispensabilidade proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.

No entender da AT, a aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades, cujas atividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução aqueles gastos, seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra ínsito no n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC. Assim, e no caso concreto, a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela  A…, Lda com o empréstimo obrigacionista subscrito pela B… Holding, S.A.R.L. (ex- C..., S.A.R.L.), destinado a financiar a aquisição das quotas da sociedade J…, , Lda, nos períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, tem como fundamento legal a não verificação das condições de ordem substantiva de que o n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC faz depender a dedutibilidade dos gastos e perdas, tal como têm sido interpretadas pela doutrina e pela jurisprudência.

Com efeito, no respeitante aos encargos financeiros, aquele normativo exige, segundo a Requerida, tal como para a generalidade dos gastos, que os gastos e perdas, dedutíveis para a determinação do lucro tributável, sejam indispensáveis para a obtenção dos rendimentos e ganhos e sujeitos a imposto ou que sejam indispensáveis para a manutenção da fonte produtora e concretiza, na sua alínea c) do n.º 1, os gastos de “natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. Efetivamente, com as operações de fusão, no âmbito da qual a sociedade E…, Lda (anterior D..., Lda) incorporou a sociedade A…, Lda (anterior J..., Lda), e as sociedades suas participadas, apesar de terem sido fusões up stream implicaram, na perspetiva da AT, uma transmutação integral da sociedade incorporante que juridicamente se manteve mas cuja atividade passou a corresponder integralmente às atividades que já vinham a ser exercidas pelas sociedades incorporadas.

O facto de os encargos financeiros, em momento anterior à fusão, serem dedutíveis, na esfera da sociedade D..., Lda. ou na E..., Lda., não habilita a concluir que esse tratamento ficasse garantido após a fusão, já que, como acima referido, a análise do preenchimento do requisito da indispensabilidade é efetuada em cada período de tributação, isto é, à medida que os encargos são suportados e contabilizados. O que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela sociedade E..., Lda. (ex. D…), a atividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado não teve continuidade, o que subsistiu foi apenas atividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo BB…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das atividades de tratamento renal.

 

3.1.2 Posição da Requerente

 

Alega a Requerente que, num plano de gestão, não fazia sentido que as operações do grupo B… em Portugal se dispersassem por 16 sociedades diferentes.

Assim, a fusão entre a Requerente e a A…Lda, e, depois, com as sociedades operativas (v.g., K…,S.A., L…, Lda., M… Lda., R…, S.A.) teve objetivos económicos bem precisos. Alega ainda que a aquisição dos ativos subjacentes ao negócio não poderia ser feita, por virtude de razões regulatórias em vigor no setor da saúde, de maneira direta.

Relativamente aos gastos suportados com o empréstimo obrigacionista a Requerente refuta a tese da AT, sendo seu entendimento que tais encargos se relacionam, de maneira clara, com a atividade ou interesse da Requerente. Aduz, ainda, que o dito financiamento foi até mais intenso em capital próprio, face a operações similares, pois por cada dois euros de dívida realizou-se um euro de capital próprio.

No entender da Requerente, sem as fusões e os financiamentos verificados, não poderia existir hoje, no seu âmbito de exploração, um resultado contabilístico e fiscal idêntico ao que tem gerado. Sem os encargos que suporta, a Requerente afirma que não poderia ter adquirido a J…, e não atingiria por isso a dimensão e estrutura económica que hoje apresenta. Sintetiza a Requerente que, "os encargos financeiros cuja indispensabilidade cumpre aferir forma incorridos na prossecução da atividade da Impugnante, uma vez que, sem este financiamento, a Impugnante não teria condições de concretizar a aquisição da J…, aquisição essa que, juntamente com subsequente gestão das respetivas partes de capital, constituíram uma parte importante da sua atividade".

Alega também a Requerente que foi ela que contraiu o empréstimo obrigacionista e que os encargos daí derivados se constituíram na sua esfera. E que, com a fusão, esta realidade não se modificou.

Com a fusão deu-se, no entender da Requerente, uma verdadeira aquisição de ativos e passivos, distintos de partes de capital, e geradores de resultados operacionais. Assim, os juros pagos resultam de operações que, após a sua concretização, trouxeram para a esfera da Requerente os ativos (meios de obtenção de rendimentos) as dívidas (suporte financeiro de tais meios), tudo isto com uma racionalidade económica clara.

Ou seja, os ativos e o capital (neste caso, a dívida) que os financia agregaram-se na mesma entidade, não fazendo, segundo a Requerente, sentido a tese da AT de separar tais operações ou efeitos económicos. Cita, em abono da sua tese, decisões arbitrais que iriam no sentido que propugna.

Quanto à questão dos encargos com suprimentos, a Requerente alega que a sua dívida à C… em nada foi influenciada pelos 11,664 milhões de euro que a AT coloca em causa no relatório de inspeção. Na Petição é feita uma explicitação detalhada da origem de tal montante (arts. 278 e segs), concluindo a Requerente que: "Ao contrário do que afirma a AT, esse montante não inflacionou, nem influenciou, o montante da dívida da Impugnante à sua acionista, nem teve qualquer impacto no respetivo cálculo. Pelo que os encargos a ela correspondentes em nada se distinguem dos encargos (...) com os demais suprimentos da C… à Impugnante".

 

 

 

 

3.2. Análise e decisão

 

3.2.1 Fundamentos de direito: da interpretação do artigo 23.º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos

 

Na tributação do rendimento empresarial - em particular nas entidades sujeitas ao imposto sobre o rendimento da pessoas coletivas (IRC) - é no artigo 17.º, n.º 1, do CIRC que o conceito de lucro tributável é definido, aí se determinando que “o lucro tributável [...] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Numa relação de dependência, ainda que parcial, entre resultado fiscal e resultado apurado pela contabilidade, o CIRC estabelece como base do apuramento do resultado tributável o lucro ou o prejuízo apurado pela contabilidade. Porém, e visando salvaguardar o interesse público subjacente à tributação, impõe certos requisitos à consideração fiscal de proveitos e custos.

É na parte dos custos que tais requisitos surgem mais desenvolvidos, sendo o artigo 23.º a disposição que estabelece o princípio geral da sua aceitação. Dispunha, à data dos factos, o artigo 23.º do CIRC (do qual em seguida se transcreve o respetivo n.º 1, subl. do tribunal):

 

Artigo 23.º

Custos ou perdas

1 — Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c)Encargos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Reintegrações e amortizações;

h)Provisões

i)Menos-valias realizadas;

j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

 

Surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos custos (gastos) para fins fiscais: a sua indispensabilidade. Que se deve entender por “indispensabilidade”? A jurisprudência tem, entre nós, uma análise bastante sedimentada acerca de como se deve entender tal conceito. Vejamos.

No Acórdão proferido relativamente ao processo 03022/09 – Acórdão de 6 de outubro de 2009 – o TCAS trata desenvolvidamente o conceito de indispensabilidade e fá-lo nos seguintes termos:

Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)

Fazendo apelo ao estudo de TOMÁS TAVARES (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.

A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.

 

Também sobre este assunto, e tendo por referência a uma decisão do TCA Norte - processo 00624/05.0BEPRT, Acórdão de 12 de janeiro de 2012 – aí se afirma:

 

Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade - impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da atividade societária, ou seja, em função do seu objetivo no âmbito da atividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos , não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.

 

Por fim, em Acórdão de 29-03-2006 - Processo n.º 1236/05 – o STA sustenta que:

 

“O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

 
E, mais adiante, refere este acórdão

 “que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”.

 

Sendo a ligação à atividade ou ao interesse da empresa o elemento decisivo que a jurisprudência tem sublinhado, veja-se alguma doutrina sobre a mesma questão.

Assim, RUI MORAIS, sustenta[1]:

A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”.

 

E prossegue[2]:

Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação direta com obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços…”

 

Para concluir da seguinte forma[3]:

Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test…Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo… Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial… o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc) então tal custo não deve ser havido por indispensável.”

 

J.L. SALDANHA SANCHES, afirma[4]:

“…saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado…de modo a realizar um juízo de mérito sobre um acerta opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos”.

 

A interpretação legal do conceito de “indispensabilidade”, ao tempo constante do artigo 23.º do CIRC, tem sido, como a doutrina e jurisprudência mostram, equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os gastos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.

Ora tendo os entes societários um escopo ou objetivo social definido nos seus estatutos, tendo em vista a realização do fim para o qual tais entes coletivos se formam – a obtenção de um excedente a repartir pelos sócios – então os atos de gestão que contribuam para tal fim hão-de constituir a atividade das empresas.

A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, de exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

O ponto que este tribunal quer sublinhar é o seguinte: a “atividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de atos operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.

A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.

Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.

O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da atividade desenvolvida.

Em síntese conclusiva deste ponto, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

 

3.2.2 A aplicação do conceito de indispensabilidade o caso da A…

 

Como resulta dos autos, a Requerente (A…) resultou da fusão de, essencialmente, três tipos de entidades.

Num primeiro nível existiam sociedades que se dedicavam à prestação de serviços de saúde, em especial ao diagnóstico e tratamento de doenças renais (v.g., K…, S.A; L…, Lda, M…, Lda). Num segundo nível, estas sociedades eram detidas pela sociedade J… Lda, que titulava, em Portugal, as entidades integradas no Grupo sueco BB2…, que atuava mundialmente nesta área de prestação de serviços de saúde.

Num certo momento a entidade então designada por D Lda, adquiriu o negócio do Grupo BB em Portugal (corporizado nas entidades acima referidas). Para tal, foi a D... dotada de meios financeiros (capital próprio e dívida) por parte da empresa C…, com sede no Luxemburgo.

A D... (agora sob as vestes da Requerente A…) passou então a estar endividada perante a sua detentora, e a pagar-lhe portanto encargos financeiros resultantes da dívida com que fora financiada para adquirir os ativos afetos ao negócio que o grupo BB… explorava em Portugal.

Após várias operações de reorganização societária, a A… fundiu-se com a J… (que entretanto passara a designar-se por A… Lda), e, por fim, as várias sociedades já mencionadas (v.g., K…, S.A; L…, Lda, M…, Lda) foram também fundidas. Em suma, no final, a Requerente incorporou quer a antiga J… … Lda, quer as sociedades operativas que esta detinha.

A questão essencial a decidir consiste pois em saber se o artigo 23.º do CIRC implicará, como alega a AT, que os encargos financeiros pagos pela Requerente à C… (B… Holding) não sejam dedutíveis, por não respeitarem o requisito da indispensabilidade ao tempo constante desse preceito legal.

Para a AT, os juros pagos pela Requerente não respeitariam à sua atividade, mas sim à atividade ou interesse da sua participante. Assim, não poderiam concorrer para o resultado tributável da Requerente, por se afastarem do seu interesse social ou da sua atividade própria.

Como refere a AT: "Por outras palavras, aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades, cujas atividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução aqueles gastos, seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra ínsito no n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC".

Ora o STA, no âmbito Processo 0779/12, em Acórdão recente, de 24-09-2014, afasta a interpretação do artigo 23.º do CIRC como tendo que implicar uma obrigatória conexão, um balanceamento ou uma relação entre custos e proveitos. Vejamos:

 

“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redação em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”

 

Não colhe, por isso, que a aceitação fiscal de um gasto tenha de respeitar um princípio de balanceamento (ou de conexão) com proveitos.

Depois a AT sustenta que: "No respeitante aos encargos financeiros, aquele normativo exige, tal como para a generalidade dos gastos, que os gastos e perdas, dedutíveis para a determinação do lucro tributável, sejam indispensáveis para a obtenção dos rendimentos e ganhos e sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora e concretiza, na sua alínea c) do n.º 1, os gastos de “natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. (destaque da AT).

 

Esta questão da aplicação dos capitais na exploração, recorrente na argumentação da AT, merece análise. Vejamos.

Ora, o artigo 23.º dispunha, ao tempo (subl. do tribunal):

1— Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c)Encargos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso;

 

Julga-se ser visível que a tese da AT, segundo a qual apenas os encargos financeiros decorrentes de capitais aplicados na exploração seriam dedutíveis (e ainda assim faltaria definir o que se entende por "exploração") não resulta da lei. Os termos "nomeadamente" e "tais como", que sublinhámos, vincam que os encargos financeiros de capitais aplicados na exploração são dedutíveis, mas não esgotam o universo de encargos financeiros dedutíveis. Estes sê-lo-ão, mesmo quem não aplicados na dita exploração; desde que passem o teste geral da indispensabilidade, estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal.

Ora, o conceito de indispensabilidade, já se viu, é consensualmente interpretado como implicando que os gastos digam respeito à atividade ou interesse da empresa. Assim, os encargos financeiros que aqui se enquadrem, mesmo não sendo aplicados em atividades consideradas operacionais ou de "exploração", podem reunir condições de indispensabilidade.

E, como adiante se verá, os encargos aqui controvertidos, estão relacionados com a atividade da Requerente, pois resultam do financiamento de ativos por esta detidos e que até geram rendimentos de natureza operacional.

A AT avança ainda, relativamente ao afastamento dos encargos financeiros, por não serem inerentes ao interesse próprio da Requerente, em síntese, (arts. 69, 71 e 90 da Resposta, subls. da AT):

«No caso da A…, os custos suportados com o empréstimo não estão relacionados com a sua atividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro (B… HOLDING S.A.R.L., anterior C... S.A.R.L) não sendo aceites para efeitos do cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Efetivamente, com as operações de fusão, no âmbito da qual a sociedade E..., , Lda (anterior D..., Lda) incorporou a sociedade A…, , Lda (anterior J…, , Lda), e as sociedades suas participadas, apesar de terem sido fusões up stream implicaram, de facto, uma transmutação integral da sociedade incorporante que juridicamente se manteve mas cuja atividade passou a corresponder integralmente às atividades que já vinham a ser exercidas pelas sociedades incorporadas.

Efetivamente, o que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela sociedade E..., Lda. (ex. D…), a atividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado não teve continuidade, o que subsistiu foi apenas atividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo BB…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das atividades de tratamento renal."

 

Não tem razão a AT quando põe em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros, em sede da Requerente, com o fundamento de que estes estão desligados da sua atividade, do seu interesse próprio, e que os fundos obtidos não foram aplicados na exploração.

Com efeito, em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os ativos e passivos da sociedades operativas (v.g. K…, S.A; L…, Lda, M…, Lda) e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais.

Quer isto dizer que, antes da fusão, a A… detinha, no lado direito do balanço fontes de financiamento providas da C… (hoje B… Holding) pagando juros por aquelas fontes que consubstanciavam dívida; e, no seu ativo, participações sociais nas entidades operativas. Com a fusão, a mesma entidade (a Requerente) continua a deter os passivos já referidos (dívidas à participante C…) e substituiu as participações sociais - que se anularam com a fusão - passando pois a reconhecer os ativos e passivos das sociedades operativas cuja aquisição, recorde-se, constituíram a causa essencial do endividamento da A… face à C… (B… Holding).

Em suma: a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional.

É pois claro que a dívida da Requerente à sociedade mãe - e os juros daí resultantes - se inscrevem no interesse ou atividade da A…. Há uma ligação económica clara entre a dívida que vence juros e os ativos e os passivos que tal dívida suporta.

Para mais, tais ativos e passivos (dívida financeira) passam a estar reconhecidos no balanço da mesma entidade. Assim, não vê o Tribunal como - na tese da AT - o facto de a dívida ser originária de fundos que a C… cedeu à Requerente pode conduzir, sem mais, ao desrespeito do requisito da indispensabilidade então previsto no artigo 23.º do CIRC.

Quando a AT refere que "o que subsistiu foi apenas atividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo BB…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento", não leva em conta que a titularidade da atividade operacional referida na entidade A… só foi possível por se ter pago ao grupo BB… um preço de aquisição que implicou os financiamentos em empréstimos obrigacionistas e suprimentos que geraram os juros pagos.

Mesmo numa perspetiva estrita de nexo económico entre rendimentos e gastos, ele existe. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. Numa ótica patrimonial há, até, maior aproximação entre ativos e capitais que os financiam, agora inscritos na mesma entidade. Não colocando em causa a AT o propósito económico das operações de reorganização levadas a cabo, a desconsideração dos juros pagos não tem suporte no artigo 23.º do CIRC.

Até se poderá aventar que, sendo certo que em muitas operações de reorganização os ativos figuram numa determinada entidade e a dívida que os financia poderá estar noutra, já no caso em apreço a fusão conduziu uma junção de ativos e passivos cujas operações de gestão se inscrevem, por certo, no interesse ou atividade da Requerente.

 

Quanto ao tema dos suprimentos, e da quantia de € 11.664.656,99, refere a AT que:

"Conforme resulta do RIT, não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade J…, , Lda. pagou diretamente esses juros por conta da sociedade D..., Lda. em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros. Assim, na falta dessa demonstração, o fundamento da correção reconduz-se ao da correção relativa ao empréstimo obrigacionista".

 

Ora, quer o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, quer a prova testemunhal, colocaram em causa a tese da AT, sem que esta, na Resposta, em alegações ou por outra via, tenha rebatido de forma convincente as posições e as explicações da Requerente sobre os ditos € 11.664.656,99.

Além disso, afirmando a AT que "na falta dessa demonstração, o fundamento da correção reconduz-se ao da correção relativa ao empréstimo obrigacionista", e entendendo o Tribunal que não há razão para desconsiderar os juros do empréstimo obrigacionista, então esta conclusão afeta também a correção efetuada pela AT quanto aos suprimentos, pelo que a correção é ilegal e, consequentemente, a liquidação deve ser anulada, por vício de violação de lei, designadamente o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na parte em que nela assenta.

 

4. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que sejam pagos juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido da prestação tributária.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como resulta da alínea aaa) da matéria de facto fixada, em 18-12-2013, a Requerente efetuou o pagamento da quantia de € 2.534.121,90, relativa à liquidação impugnada, com dispensa de pagamento de juros compensatórios.

Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação de IRC, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, já que as correções efetuadas foram ilegais.

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal.

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagaram indevidamente.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, pagando à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia de € 2.534.121,90, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (18-12-2013), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

            5. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– anular a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2013 …, de 11-12-2013, no valor de € 2.890.667,79, a Demonstração de Liquidação de Juros, identificada com o n.º 2013 …, de 12-12-2013, e a Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2013 …, referentes ao exercício de deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.890.718,36 referentes ao exercício de 2009;

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados sobre a quantia de sobre a quantia de € 2.534.121,90, à taxa legal supletiva, desde 18-12-2013 até à data em for processada nota de crédito para pagamento daquela quantia à Requerente.

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.534.121,09.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 32.742,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30-06-2015

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(António Martins)

 

(Carla Castelo Trindade)



[1] RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007. p. 86

[2] Op. cit . p. 86

[3] Op. cit p. 87

[4] J. L SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 215.