Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 54/2013-T
Data da decisão: 2013-09-06  IRC  
Valor do pedido: € 231.481,99
Tema: Despesas não documentadas
Versão em PDF

Proc nº 54/2013 – T

Tema: IRC – Despesas não documentadas

 

 

ACÓRDÃO

 

 

Requerente: ..., Lda., com sede no ..., NIPC ....

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. Em 22 de Março de 2013, foi aceite o pedido de constituição de tribunal arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) que a..., Lda., com sede no..., NIPC... (adiante abreviadamente designada por Requerente) havia submetido ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) solicitando a anulação da liquidação adicional de IRC do ano de 2007 nº 2011..., no montante global de €213.481,99 (que inclui €26.905,45 de juros compensatórios).


 

  1. Nos termos do artigo 6º, n.º 2, alínea a) do RJAT e por decisão do Conselho Deontológico foram designados árbitros do tribunal arbitral colectivo os Senhores Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Dr. José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves e Dr. João Maricoto Monteiro, que aceitaram a nomeação no prazo legal para o efeito.


 

  1. O tribunal arbitral foi constituído no dia 27 de Maio de 2013, na sede do CAAD (cfr. Acta de constituição do tribunal arbitral), tendo a Requerida sido notificada para apresentar resposta, no prazo e termos legais. Foi designado o dia 5 de Julho de 2013 para realização da primeira reunião do tribunal arbitral.


 

  1. A Requerida apresentou a sua resposta em 26 de Junho de 2013, pugnando pela manutenção do acto sindicado.


 


 

  1. Conforme designado, realizou-se no dia 5 de Julho de 2013 a primeira reunião do tribunal arbitral nos termos e com os propósitos do artigo 18º do RJAT.


 

  1. Não existiam excepções a conhecer nem necessidade de efectuar correcções às peças processuais apresentadas. O tribunal decidiu dispensar a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, bem como alegações orais.


 


 

A.1) O Pedido da Requerente


 


 

  1. A fundamentar o pedido de decisão arbitral, a Requerente alegou, em síntese, que:


 

  1. A liquidação adicional de IRC e juros compensatórios em crise teve por base diferenças acumuladas do caixa no valor de € 380.000, decorrentes de erros de contabilização que se prolongaram por diversos exercícios.


 

  1. Tais erros decorrem do facto de a Requerente ser gerida por dois médicos que se dedicavam a tempo inteiro à medicina e que por isso estavam pouco vocacionados para as matérias contabilísticas.


 

  1. Aliás, parte desses erros haviam já sido explicados e demonstrados ao longo da inspecção e no âmbito do direito de audição


 

  1. No entanto, é inconcebível considerar que as diferenças apuradas no caixa possam ser tributadas como despesas confidenciais.


 

  1. Mesmo que tal ocorresse, por se tratar de anos anteriores, nos termos do CIRC, do POC e do SNC, teria que ser respeitado o princípio da especialização de exercícios.


 

  1. O que determinaria que apenas poderiam ficar sujeitos a tributação € 110.000, pois apenas este montante respeitava ao exercício de 2007.


 

  1. Em qualquer caso, não estamos na presença de despesas confidenciais ou indocumentadas mas apenas de acertos contabilísticos necessários para corrigir erros de contabilização verificados ao longo de vários exercícios.


 

  1. Dos quais, aliás, € 137.911,67 já haviam sido justificados em sede de direito de audição no âmbito da acção inspectiva, não tendo a Autoridade Tributária realizado – como lhe competia – todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.


 

  1. Pois se o tivesse feito, consideraria aqueles € 137.911,67 como custos justificados e apenas o valor restante seria objecto de tributação, não como despesas confidenciais ou indocumentadas, mas eventualmente como adiantamentos por conta de lucros.


 

  1. Termina requerendo a anulação da liquidação em crise e arrola uma testemunha.


 

A.2) A Resposta da Requerida


 


 

  1. Na sua resposta, a Requerida pugnou pela total improcedência do pedido, sustentado o acto sindicato com a seguinte fundamentação:


 

  1. A liquidação em crise resultou de uma acção inspectiva relativamente aos exercícios de 2007, 2008 e 2009.


 

  1. No procedimento inspectivo foram efectuadas diversas correcções à matéria colectável tendo o sujeito passivo sido notificado para apresentar justificação para o movimento de € 380.000 na conta 26811005 (Out.Dev. – Bancos P/Conf.), em que detalhasse, por escrito, a natureza da operação e os destinatários/beneficiários daquela conta.


 

  1. Bem como que justificasse a natureza e a razão do movimento ocorrido em 2009, da referida conta e pelo indicado montante, para a conta 4333 (O.Dir.-Bancos p/Conf), bem como o tratamento contabilístico dado ao mesmo montante em 2010.


 

  1. Em resposta referiu o ora Requerente:


 

  1. Este lançamento (na conta 26811005 em 31.12.2007) deve-se a divergências encontradas nas contas de depósitos à ordem e empréstimos bancários, valores exagerados em dívida nas contas ..., reportados a exercícios anteriores, em virtude do procedimento contabilístico de lançamento a débito da conta de clientes cujo pagamento é processado por transferência bancária” ;

  2. Quanto ao movimento de 31.01.2009 – Conta 4443 – O.Dir-Bancos p/conf. “Por não ter sido ainda possível a sua correcção exacta e para não prejudicar a análise financeira da empresa, optou-se por transferir para uma conta de imobilizações corpóreas”;

  3. E por fim, quanto ao movimento de 31.12.2010 (Conta 4443 – Activos intangíveis) “Pelo aparecimento do SNC anulou-se o lançamento por contrapartida da conta 27 – “Outras contas a rec. e pag.” sob pena do seu desreconhecimento;


 

  1. Tendo ainda sido possível verificar que a 31.12.2010 a conta 4443-Activos Intangíveis foi anulada, por um aumento de conta de outros devedores (278811012) por € 380.000.


 

  1. Pelo que:


 

  1. Em 31.12.2007 saiu da conta caixa em virtude do aumento numa conta de outros devedores (direito de receber de terceiros) o valor de € 380.000, isto é, este montante saiu da esfera patrimonial do sujeito passivo a favor de beneficiários que se desconhecem;

  2. A ausência de documentos justificativos de gastos e a falta de explicitação das características essenciais das operações subjacentes (sujeitos, preço, data e objecto dos actos mercantis em que as mesmas se consubstanciam) culmina na sujeição dos valores assim indocumentados à tributação autónoma prevista no artigo 81º do CIRC (numeração à data dos factos);

  3. Acrescendo que o sujeito passivo não deu a conhecer o fundamento da saída de dinheiro nem o seu destinatário, pelo que houve que proceder à tributação na esfera da empresa, autonomamente à taxa de 50%;


 

  1. As explicações dadas pelo sujeito passivo em sede de direito de audição e reclamação graciosa, em que junta apenas extractos como documentos não permitem aferir da natureza nem proveniência do fluxo financeiro.


 

  1. E mesmo que se admitisse que pudesse ter havido uma ou outra saída de caixa (pontual), com valores reduzidos em numerário, as mesmas seriam facilmente detectadas em sede de reconciliação bancária, dada a materialidade dos valores (€ 59.399,80 em 2004, € 53.737,91 em 2005 e € 24.773,96 em 2006). Não é verosímil que tal não ocorresse.


 

  1. Tal como não é crível que tais divergências não fossem detectadas por ocasião dos inventários de caixa.


 

  1. Aliás, o sujeito passivo não apresentou, sequer, os extractos contabilísticos de 2004, 2005 e 2006 que permitissem comprovar o que alega.


 

  1. Pelo que é manifesta a incidência de tributação autónoma sobre a totalidade da verba de € 380.000.


 

  1. Não releva a alegação do sujeito passivo, ora Requerente, da eventual tributação desta importância como adiantamento por conta de lucros, porquanto se de tal se tratasse, a contabilidade teria que o registar numa conta divisionária de sócios/accionistas.


 

  1. Também não releva o argumento de que a correcção não poderia ser totalmente operada em 2007 atento o princípio da especialização de exercícios, porquanto foi em 2007 que o saldo de caixa foi artificialmente diminuído em € 380.000 por contrapartida de um crédito na conta 26811005.


 

  1. Deve assim manter-se a correcção e consequente liquidação de IRC nos termos efectuados.


 


 

  1. Juntou aos autos o processo administrativo.


 


 


 

  1. SANEAMENTO DO PROCESSO


 


 

  1. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do RJAT.


 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.


 

  1. O Processo não tem, pois, vícios que o invalidem.


 


 

  1. QUESTÃO A DECIDIR


 


 

  1. A questão submetida a este Tribunal Arbitral consiste em determinar se o movimento contabilístico, não devidamente documentado, efectuado pela Requerente no dia 31.12.2007 e traduzido no crédito de € 380.000 da conta 111 (Caixa) por débito da conta 26811005 (Outros Devedores – bancos para conferência) pode ser qualificado como despesa não documentada para efeitos do artigo 81º do CIRC (na redacção e numeração vigente à data dos factos), ficando consequentemente sujeito à tributação autónoma de 50%.


 


 

  1. MATÉRIA DE FACTO ASSENTE


 

  1. Com interesse para a decisão da causa foi dada como assente a seguinte factualidade:


 

  1. No dia 31.12.2007, a Requerente efectuou um lançamento contabilístico no montante de € 380.000 por crédito na conta 111- Caixa e débito na conta 26811005 (Out.Dev. – Bancos P/Conf.).


 

  1. Em sede inspectiva a Autoridade Tributária questionou esta operação solicitando que a Requerente a justificasse cabalmente.


 

  1. Em resposta, a Requerente informou que se tratava de uma mera regularização contabilística em virtude das suas contas de depósitos à ordem e empréstimos bancários apresentarem significativas divergências acumuladas ao longo de diversos exercícios, por ser lançada a débito a conta de clientes cujo pagamento era processado por transferência bancária.


 

  1. Referiu ainda que tais factos influenciam a referida conta do caixa, pelo menos desde 2004 sem, porém, apresentar documentação que o demonstrasse inequivocamente no que aos exercícios anteriores respeita.


 

  1. Considerou a Administração Tributária que a movimentação contabilística supra referida se traduz numa diminuição da esfera patrimonial da Requerente pelo valor de € 380.000, a favor de beneficiários que não foram identificados, tendo tratado a referida operação como uma despesa indocumentada e, sujeitando-a à tributação autónoma de 50% prevista no artigo 81º do CIRC.


 

  1. O lançamento contabilístico em causa foi uma mera operação de contabilidade sem correspondência financeira, porquanto, ao mesmo, não correspondeu uma diminuição material dos valores monetários da Requerente no dia 31.12.2007, como admitido pela própria Autoridade Tributária na informação que justificou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, junta ao presente processo a fls. 12 a 16 do procedimento de reclamação graciosa.


 

Veja-se, em particular, o referido a fls. 13 (pág. 3 da mencionada informação):


 

As diferenças do Caixa verificadas traduzem, na minha opinião, na constatação da existência de saldos elevados refletidos na contabilidade, a débito dessa conta, mas que não correspondem aos meios monetários existentes nos cofres da empresa ( se, à data dos factos, fosse realizado um teste de contagem físico ao dinheiro ( moedas, notas, cheques, etc) que existia nos cofres da sociedade, chegávamos à conclusão, de que os valores reais eram muito inferiores aos que constam da sua contabilidade).

Para dissimular o saldo do caixa naquelas circunstâncias, foi utilizado um artifício contabilístico que consiste em transferir a totalidade ou uma parte do saldo do Caixa para uma conta de terceiros denominada" saco", que, no caso em concreto da reclamante, foi escolhida a conta 26811005

Bem como a fls. 14 do mesmo documento, em sede de conclusões:


 

4.1) - é um facto indesmentível que no exercício de 2007, o saldo contabilístico do Caixa foi artificialmente diminuído em 380.000 €, através de um lançamento a crédito nessa conta por contrapartida de um débito, de igual montante, na conta 26811005, que foi suportado por documento interno


 


 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


 

E.1) O Conceito de despesas confidenciais e/ou não documentadas


 


 

  1. Historicamente, foi a Lei n.º 2/88 de 26 de Janeiro (Orçamento Geral do Estado para 1988) que alterou a redacção do artigo 27º do Decreto-Lei 375/74 e criou a tributação de despesas confidenciais enquanto tal, passando a ser tributadas à taxa da Contribuição Industrial agravada em 20% (sendo então a taxa da C.I. de 30%, tal tributação implicava uma taxa efectiva de 50%).


 

  1. Com efeito, a penalização – multa de valor equivalente ao gasto - que anteriormente existia para “gastos confidenciais”, apenas era aplicada se os mesmos excedessem 1% da facturação ou Escudos 10.000.000 (supra citado art.º 27º do DL 375/74).


 

  1. Com a entrada em vigor do Código do IRC (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30/11) e simultânea revogação do Código da Contribuição Industrial, desapareceram (momentaneamente, diga-se) quer a tributação das despesas confidenciais, quer a penalidade aplicada quando as mesmas excediam determinado montante.


 

  1. Mas logo em 1992, através do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 192/90 de 9 de Junho, regressou a tributação de despesas confidenciais ou não documentadas, então à taxa de 10%:


 

As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS ou IRC que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8º e 9º do respectivo Código são tributadas autonomamente à taxa em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%”.

  1. Isto é, na vigência do IRC e desde 1992, a distinção da despesa como confidencial ou não documentada não releva para efeitos da tributação autónoma que sobre as mesmas incide, e que será aplicada independentemente da sua caracterização.


 

  1. Em sede jurisprudencial, e depois de alguns avanços e recuos sobre a natureza do conceito, o Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em 18.02.2009 no âmbito do Processo 600/08 veio esclarecer que “despesas confidenciais são despesas não especificadas ou identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade”.


 

  1. Sendo de extrema relevância o Acórdão n.º 204/10 do mesmo STA (de 07.07.2010), que define as despesas não documentadas como ”despesas relativamente às quais não existe prova documental (…)”.


 

  1. Deste modo, temos por assente uma característica fundamental do conceito, que determina a incidência da tributação autónoma: tratar-se de uma despesa.


 


 

  1. Quanto à natureza da tributação incidente, inicialmente era claro o carácter penalizador ou sancionatório da mesma, porquanto visava substituir - agravadamente - a tributação que, eventualmente, se pretendia evitar com a ocultação do beneficiário do rendimento, ao mesmo tempo que teria um efeito dissuasor de pagamentos ilegais.


 

  1. Razão pela qual sempre se entendeu que esta tributação autónoma constituía um limite à tributação pelo lucro real, garantida pelo artigo 104, n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa (aliás, tal como expressamente reconhecido pelo Tribunal Constitucional).


 

  1. Nos últimos anos tem-se assistido a uma certa “banalização” das tributações autónomas de despesas, mesmo as devidamente documentadas (v.g. encargos com viaturas, deslocações, etc.) o que poderá questionar se a natureza das mesmas continua a ser marcadamente sancionatória, ou se será mais um “incentivo” de redução de despesas das empresas. Mas essa não é matéria fundamental a tratar nesta decisão, pelo que não nos alongaremos nesta problemática.


 


 

E.2) A noção de despesa e a operação contabilística efectuada pela Requerente


 

  1. Como vimos, é intrínseco ao conceito de despesa confidencial ou não documentada que seja efectivamente realizada uma despesa que, no caso em apreciação se teria que traduzir numa saída efectiva de valores monetários existentes no “Caixa”, nomeadamente “notas de banco ou moedas metálicas de curso legal, cheques ou vales postais, nacionais ou estrangeiros”.


 

  1. Ora, no caso em apreço, estamos perante um lançamento contabilístico não (devidamente) documentado, mas estaremos perante uma despesa?


 

  1. Tal como reconhece a Administração Tributária, o lançamento contabilístico efectuado pela Requerente não tinha suporte material, tratou-se de um artifício contabilístico sem correspondência com os meios monetários existentes nos cofres da empresa (se, à data dos factos, fosse realizado um teste de contagem físico ao dinheiro ( moedas, notas, cheques, etc) que existia nos cofres da sociedade, chegávamos à conclusão, de que os valores reais eram muito inferiores aos que constam da sua contabilidade).


 

  1. Deste modo, não se pode concluir, como a AT, que o património da empresa diminuiu com este “expediente”, pois não ocorreu uma efectiva despesa.


 


 

E.3) A presunção de boa-fé das declarações e contabilidade


 

  1. É certo que, como bem refere a AT, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita”.


 

  1. Mas não é menos verdade que esta presunção só é aplicável quando a contabilidade e escrita ”estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.


 

  1. Referindo, em corolário do exposto, o n.º 2 do citado art.º 75º da LGT que a presunção não se verifica quando ”as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.


 

  1. Nesta matéria é ponto assente entre a Requerente e a AT que o lançamento contabilístico efectuado não tinha suporte material. Alega a Requerente que se destinava a regularizar erros contabilísticos passados que deram origem a um registo contabilístico totalmente desfasado com a realidade; contrapõe a AT que não é possível comprovar tal alegação pela inexistência de documentação de suporte.


 

  1. Mas as Partes estão de acordo num ponto (essencial, diga-se): o saldo do caixa era artificial e a operação praticada foi um expediente contabilístico.


 

  1. Ora, quando a contabilidade das empresas não merece credibilidade, quando os lançamentos efectuados não têm o devido e necessário suporte documental, determina a lei que deve a AT recorrer à aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria colectável (al. b) do artigo 87º e art.º 88º da LGT).


 

  1. O que a AT não pode fazer é, a coberto da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (que, como vimos é afastada no caso), “aproveitar” uma operação contabilística que considera artificiosa e imaterial para da mesma extrair a qualificação e tributação que incidiria sobre uma operação efectiva e substancial.


 

  1. Pelo contrário, se a AT considerou esta operação artificiosa e atenta a relevância da mesma, se considerou existirem irregularidades relevantes na contabilidade da Requerente, devia ter recorrido à determinação da matéria colectável por métodos indirectos.


 

  1. E não, como fez, à tributação autónoma deste lançamento contabilístico artificioso como despesa não documentada.


 

  1. Neste sentido acompanhando-se plenamente o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 7/2011-T: “as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre se certas despesas foram incorridas ou não (se há dúvidas sobre se elas foram incorridas, também não há documentação relevante), não podem cair na categoria de despesas não documentadas mas são antes pressuposto de aplicação de métodos indirectos nos termos do art.º 87º al. b) e 88º da LGT”.


 


 

  1. DECISÃO


 


 

  1. Em face do exposto, julga-se a impugnação procedente e, em consequência, anula-se a liquidação adicional do exercício de 2007 nº … de 23.12.2011 (compensação n.º … de 26.12.2011 e nota de cobrança n.º …), pelo montante global de €213.481,99 (que inclui €26.905,45 de juros compensatórios).


 

Custas a cargo da Requerida Autoridade Tributária, no montante de €4.284,00, por força do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último, considerando o valor da causa que se fixa em €231.481,99.

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 6 de Setembro de 2013.

 

O Árbitro Presidente

 

(Jorge Lino Alves de Sousa)

 

O Árbitro Vogal

 

(José Eduardo Mendonça Gonçalves)

 

 

O Árbitro Vogal e Relator

 

 

(João Maricoto Monteiro)