Decisão Arbitral
REQUERENTE: a…, sa (a…)
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. a…, sa, pessoa coletiva nº …, com sede na Rua de …, … -… …, …, doravante designado por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 2º, nº 1, a alínea a), artigo 10º e seguintes do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, relativamente à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), pretendendo a declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) e respetivos juros compensatórios, relativos ao exercício de 2012, identificada com o número 2014 …, junta aos autos em anexo ao pedido arbitral como documento nº 2, que se dá por integralmente reproduzido, no montante global a pagar de €10.532,95.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 21-01-2015, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e imediatamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1, do artigo 6º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a ora signatária como árbitro singular e as partes notificadas dessa designação em 03-02-2015. A nomeação foi aceite e as partes notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado a vontade de recusar a designação.
4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 31-03-2015. Em 06-04-2015 foi a ATA notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT, para apresentar resposta, a qual foi apresentada nos autos em 12-05-2015.
5. Em 25-05-2015 a Requerente pronunciou-se nos autos, por requerimento, no qual não aceita a sugestão da ATA, vertida na sua Resposta, de dispensar a produção de prova testemunhal por desnecessária, bem assim como a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. Em 25-05-2015 foi proferido despacho arbitral a designar a realização da reunião para o dia 8 de junho de 2015, pela 14 horas, com o objetivo de proceder à produção da prova testemunhal indicada pela Requerente, audição das partes quanto às questões mencionadas nas alíneas a) e b) do artigo 18º, e eventual produção de alegações orais. No dia 08-06-2015, pelas 14 horas, realizou-se a reunião conforme designado pelo tribunal, tendo sido inquirida a testemunha B… (diretor financeiro do grupo A…). Terminada a inquirição o Tribunal, conforme solicitação das partes, fixou o prazo de 10 dias para a Requerente juntar aos autos a Petição inicial da ação que correu termos no Tribunal de Trabalho de Braga e o prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para a Requerente e Requerida apresentarem as respetivas alegações por escrito.
O Tribunal notificou a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente até à data para prolação da decisão arbitral.
Requerente e Requerida entregaram as suas Alegações no prazo determinado pelo Tribunal, nas quais reforçam as respetivas posições já vertidas, respetivamente, no pedido arbitral e na Resposta juntas aos autos.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
6. O Requerente, formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida e a consequente anulação, da liquidação de retenções na fonte de IRS, referente ao ano de 2012, alegadamente devidas por força do contrato de trabalho celebrado com C…, ao tempo trabalhador ao serviço da requerente deslocado em Moçambique.
7. A liquidação impugnada pretendeu cobrar à ora requerente «as retenções na fonte de IRS alegadamente devidas sobre as ajudas de custo pagas ao trabalhador em causa, deslocado em Moçambique. O valor das retenções na fonte e respetivos juros totaliza o valor de €10.532,95. Requer, ainda, a condenação da ATA ao pagamento de indemnização devida pelos custos suportados ou a suportar pela requerente com a prestação de garantia com vista à suspensão do processo executivo.
8. Em síntese, fundamenta o seu pedido, alegando o seguinte:
a) A Requerente tem como atividade central a construção civil e a realização de empreitadas de obras públicas, em Portugal e no estrangeiro;
b) Para o desenvolvimento desta atividade, nomeadamente no estrangeiro, a Requerente tem necessidade de que alguns dos seus trabalhadores permaneçam durante períodos mais ou menos longos fora do país, ou seja, expatriados; naturalmente que a estes trabalhadores tem de pagar abonos de ajudas de custo, de modo a compensá-los pelas despesas acrescidas por estes suportadas por se encontrarem expatriados;
c) Encontrava-se nesta situação, no período de 2012, o trabalhador C…, cujo contrato de trabalho datava de fevereiro de 2010, e que em 2012 passou a exercer funções em Moçambique, onde permanecia longos períodos de tempo para a prospeção e desenvolvimento da estratégia de investimento da requerente naquele país;
d) Por força disto a requerente passou a pagar ao dito trabalhador, além do valor da sua remuneração mensal, os abonos de ajudas de custo, conforme boletins de itinerário, juntos aos autos, nos termos exigidos pela lei fiscal, sendo que os correspondentes valores nunca ultrapassaram os limites estabelecidos para os servidores do Estado;
e) Logo, os pagamentos em causa consubstanciam efetivos abonos de ajudas de custo, pois que este trabalhador esteve deslocado em Moçambique, longe da sua residência e com todos os custos inerentes a tal deslocação no estrangeiro, assumindo assim natureza compensatória e não retributiva, encontram-se dentro dos limites de valor estabelecidos legalmente, pelo que não estão sujeitos a retenção na fonte, como resulta do disposto no artigo 2º, nº3, alínea d) do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS);
f) Invoca que a motivação da conduta da ATA neste processo tem origem numa denúncia do trabalhador, que em litígio com a ora requerente pretendia ver reconhecido como retribuição todo o valor então recebido a título de ajudas de custo;
g) A liquidação de IR e juros, aqui impugnada afigura-se ilegal, por vício de falta de fundamentação e de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 2º, nº3, alínea d) e 103º do CIRS, ainda por violação das regras aplicáveis à substituição tributária, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, capacidade contributiva das pessoas singulares e tributação das pessoas coletivas pelo seu lucro real.
h) Conclui peticionando a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação oficiosa de retenções na fonte de IR atinente ao ano de 2012 e da correspondente liquidação de juros compensatórios e do ato de indeferimento da reclamação graciosa que as manteve, bem como a condenação no pagamento dos custos suportados ou a suportar pelo requerente com a prestação de garantia com vista à suspensão do processo executivo.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
9. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou Resposta nos presentes autos, na qual, por impugnação, alega em síntese o seguinte:
a) A questão essencial em discussão nos presentes autos é a da natureza jurídica da remuneração do trabalhador C…;
b) Do ponto de vista da ATA a inspeção realizada, após denúncia apresentada pelo trabalhador, detetou divergências declarativas resultantes dos valores constantes da declaração de IRS (Modelo 3) apresentada pelo trabalhador e da declaração apresentada pela Requerente (Modelo 10);
c) No essencial a ATA transcreve na sua resposta as conclusões do Relatório de Inspeção salientando que o caráter regular, processadas de forma sistemática e continuada das ajudas de custo indicam um caráter de permanência o que preenche os pressupostos de subsídio de deslocação e não de ajudas de custo;
d) Tais valores, designados pela Requerente como “ajudas de custo” são remunerações acessórias, pelo que constituem rendimentos do trabalho dependente enquadráveis no artigo 2º do CIRS, estando assim sujeitas a IRS, pela categoria A, motivo pelo qual a AT procedeu à correção do rendimento declarado e, consequentemente, à liquidação adicional ora impugnada;
e) Como rendimento de trabalho dependente que é, e de acordo com o estabelecido nos artigos 98º e 99º do CIRS e Decreto-Lei nº 42/91 de 22.01, que aprova o regime das retenções na fonte, as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares.
f) Conclui, refutando a existência de vício de falta de fundamentação, bem assim como de violação de lei invocados pela Requerente, bem assim como dos princípios constitucionais invocados, pugnando pela improcedência do pedido arbitral.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
10. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
11. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. 4º e 10º nº2 do DL nº 10/2011 e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).
12. O processo não padece de vícios que o invalidem.
13. Tendo as posições assumidas pelas partes e já supra expostas, a prova documental junta aos autos pela Requerente, a constante do Processo Administrativo (PA) junto pela ATA, bem assim como a prova testemunhal produzida nos presentes autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos Provados
14. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a) A Requerente tem como atividade central a construção civil e a realização de empreitadas de obras públicas, em Portugal e no estrangeiro.
b) Para o desenvolvimento desta atividade no estrangeiro a Requerente tem necessidade de que alguns dos seus trabalhadores permaneçam durante períodos mais ou menos longos fora do país, ou seja, expatriados;
c) Apesar de a Requerente ter sede em Braga, esta concretiza os seus serviços em vários pontos do país (de norte a sul) e no estrangeiro;
d) Em 2012, ano a que se reportam os factos em análise, a Requerente empregava várias centenas de trabalhadores;
e) Dos países estrangeiros onde se encontra com projetos em curso os mais relevantes são França e Angola, tendo em 2012 apostado também na expansão de negócio em Moçambique (vd. depoimento da testemunha B…);
f) A A… compensa os seus trabalhadores, deslocados e expatriados com o pagamento de despesas contra apresentação de fatura e abonos de ajudas de custo de modo a compensá-los pelas despesas acrescidas por estes suportadas por se encontrarem deslocados ou expatriados;
g) O trabalhador C… foi contratado em 17.02.2010 pela D…, SA (empresa do grupo A…, SA) para exercer as funções de Diretor Comercial, com a retribuição ilíquida mensal de €3.331,00, com local de trabalho na sede da empresa sita na Rua de …, …, concelho de …;
h) Em 01.01.2012 foi celebrado um contrato de cessão de posição contratual entre a D…, SA, a A…, SA (ora Requerente) e o trabalhador C…, por via do qual a primeira cedeu a sua posição contratual à segunda no contrato de trabalho celebrado em 2010 com aquele trabalhador, o que este expressamente declarou aceitar (vd. Doc. 14 junto ao pedido arbitral)
i) Nesta conformidade, e como consta da cláusula 3ª do contrato de cessão de posição contratual junto aos autos, foram “mantidos os direitos do(a) segundo(a) Outorgante, adquiridos até hoje na referida relação laboral, nomeadamente, no que respeita à antiguidade, retribuição e categoria profissional”; (Vd. Doc.14 junto ao pedido arbitral)
j) Esta cessão de posição contratual ocorreu num período de recessão da atividade da D… SA, e pela oportunidade de trabalho no projeto que a A…, SA estava a iniciar em Moçambique, no qual havia necessidade de alguém com o perfil do trabalhador C…; (depoimento da testemunha B…)
k) Desde 29.01.2012 este trabalhador passou a exercer funções em Moçambique, como Diretor Comercial, para explorar oportunidades de negócio;
l) Desde então, este trabalhador passou a desempenhar a sua prestação de trabalho em Moçambique, comprometendo-se a realizar todas as ações necessárias para incrementar a atividade da empresa em Moçambique, definir e implementar a estratégia comercial, representar a empresa e desenvolver relações institucionais com as autoridades locais, identificar oportunidades de negócio com vista ao crescimento da empresa;
m) Como contrapartida da sua prestação de trabalho em Moçambique o dito trabalhador auferia, além do salário previsto contratualmente, os abonos de ajudas de custo, conforme boletins de itinerário a apresentar, bem assim como um conjunto de condições adicionais, todas relacionadas com a situação de trabalhador expatriado, algumas das quais constantes da ficha de colaborador expatriado;
n) Como decorre da Lei Laboral e Fiscal, a empresa está obrigada a pagar diversas importâncias aos seus trabalhadores além do vencimento regular, tais como os subsídios legais ou contratualizados, compensações por isenção de horário de trabalho, subsídios de alimentação e de férias e, entre outros, abonos de ajudas de custo destinados a compensar as despesas incorridas em deslocações ao serviço da empresa;
o) Isso mesmo sucedia com C… consequência de estar temporariamente expatriado em Moçambique, efetuando algumas viagens a Portugal para férias ou reuniões de trabalho;
p) Este trabalhador sempre residiu perto de Braga com a sua esposa que também era funcionária da Requerente;
q) A Requerente passou a processar o pagamento ao ex-colaborador C…, para além da sua retribuição ou remuneração, de abonos de ajudas de custo, de modo a compensar este trabalhador pelas despesas acrescidas relacionadas com deslocações, alimentação e alojamento que este teve de suportar por ter de permanecer em Moçambique e viajar também neste país para promover as oportunidades de negócio;
r) Tudo conforme os boletins itinerários constantes dos autos;
s) Eram processados diferentes recibos referentes aos pagamentos de vencimentos e de abonos de ajudas de custo constando destes últimos que os pagamentos efetuados a título de ajudas de custo não se encontravam sujeitos a tributação em sede de IRS e não eram objeto de retenção na fonte;
t) Os valores de ajudas de custo pagos ao trabalhador C… respeitaram os limites previstos no regime aplicável aos servidores do Estado para deslocações ao estrangeiro;
u) No fim do ano de 2012 o trabalhador C… cessou a sua prestação de trabalho com a Requerente, em processo litigioso, o qual se encontra devidamente referenciado e documentado nos presentes autos; (Doc. nº 5 junto ao pedido arbitral e documento junto aos autos por requerimento de 19.06.2015)
v) O Trabalhador intentou uma ação laboral com vista à obtenção de uma indemnização de cerca de € 75.000 pela alegada resolução do contrato de trabalho por sua iniciativa com justa causa, a qual terminou por acordo, com redução do pedido ao valor de €25.000,00;
w) Apresentou, ainda, denúncias junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social;
x) No seguimento da denúncia apresentada junto da ATA foi instaurado o procedimento inspetivo tributário que conduziu à elaboração do Relatório propondo as correções correspondentes às retenções na fonte de IR que deu origem à liquidação de imposto em discussão nos presentes autos;
y) Apresentou, ainda, uma declaração de substituição da sua declaração de IRS (Modelo 3) apresentada com referência ao ano de 2012, de modo a fazer constar os abonos de ajudas de custo como retribuição o que resultou nas divergências mencionadas no Relatório de Inspeção a saber:
i. O trabalhador declarou (na declaração de substituição) ter recebido a título retribuições a quantia de €65.715,69, sujeito a retenções na fonte de €21.141,08 e contribuições para a segurança social de €7.228,73;
ii. Já a Requerente, no Modelo 10 apresentado, declarou como rendimentos do trabalhador C…, o valor de €44.830,05, retenções na fonte de €12.018,00 e contribuições para a segurança social no valor de €4.931,29, valores que correspondem aos declarados pelo próprio trabalhador na declaração de IRS (Modelo 3) inicialmente apresentada;
iii. Daqui resultaram as divergências mencionadas no Relatório de inspeção e que deram origem à liquidação do valor de €9.123,08 a título de retenções na fonte, acrescida de juros, impugnadas nos presentes autos;
z) Do Relatório de inspeção que sustenta a liquidação impugnada resulta que na ótica da AT os abonos de ajudas de custo que tinham sido pagos em 2012 pela Requerente ao trabalhador C... devem ser consideradas como retribuição e como tal sujeitos a retenções na fonte de IRS, aderindo à tese defendida pelo ex-trabalhador da Requerente;
aa) O procedimento de inspeção em apreço teve a duração de um único dia tendo sido iniciada em 28 de Janeiro de 2014 e terminado no dia seguinte;
bb) Resulta assente que os valores de abonos de ajudas de custo em discussão nos presentes autos nunca ultrapassaram os limites estabelecidos para os servidores do Estado;
cc) A Requerente pronunciou-se em sede de audição quanto ao projeto de relatório de inspeção, como consta dos documentos juntos aos autos em anexo ao pedido arbitral e no Processo Administrativo junto pela Requerida;
dd) A ATA manteve a sua posição inalterada que verteu no Relatório final da inspeção, promovendo a respetiva liquidação de imposto e juros;
ee) A Requerente, não se conformando com esta liquidação deduziu Reclamação Graciosa, a qual, exercido o direito de audição da reclamante, foi indeferida com fundamentos idênticos aos constantes no relatório de Inspeção;
ff) No seguimento deste indeferimento a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.
gg) As partes apresentaram as respetivas alegações como constam dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
hh) A Requerente prestou garantia bancária no montante de €13.618,29, conforme documento junto pela requerente aos autos em anexo às Alegações: Garantia Bancária prestada pela Caixa geral de Depósitos, em 04.07.2014, válida por um ano e renovável nos anos seguintes.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
15. Não há factos não provados com relevo para decisão a proferir.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
16. Os factos supra descritos foram dados como provados decorrem da matéria factual aceite pelas partes e vertidas nas respetivas peças processuais, nos documentos que a Requerente juntou ao processo, em anexo do Pedido Arbitral e, posteriormente, no seguimento da reunião realizada no dia 8.06.2015, por solicitação da ATA aceite pela Requerida e pelo Tribunal, bem assim como nos documentos que integram o processo administrativo de reclamação graciosa junto aos autos pela ATA, e, ainda, no depoimento da testemunha inquirida, a qual revelou um conhecimento rigoroso dos factos e dos procedimentos internos da empresa ora Requerente referentes ao pagamento das retribuições salariais e restantes subsídios, bem assim como quanto aos abonos de ajudas de custo pagos aos trabalhadores expatriados, nomeadamente, quanto ao colaborador que está na origem dos presentes autos. A Testemunha revelou-se credível pelo conhecimento e razão de ciência revelada, atendendo às funções profissionais exercidas.
IV – QUESTÕES DECIDENDAS e FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO
17. Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões a dirimir, tal qual se encontram configuradas pelas partes nos presentes autos e que são as seguintes:
a) Do alegado vício de forma por falta de fundamentação;
b) Do Vício de violação de lei
c) Da violação dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da tributação das pessoas singulares de acordo com a sua capacidade contributiva e da proporcionalidade;
d) Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios;
e) Do pedido de indemnização pelos custos inerentes à apresentação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal.
18. O Tribunal apreciará o mérito da questão, conhecendo dos vícios invocados pela ordem indicada pela Requerente.
A) Dos Vícios de Forma por falta de fundamentação e de violação de lei, invocados pela Requerente:
19. Alega a Requerente a absoluta falta ou insuficiência de fundamentação da liquidação impugnada, porquanto “fica por explicar em que medida a referência a algumas (e alegadas) inconsistências nos boletins de itinerário disponibilizados pela Requerente conduz ou sequer permite que se ponha em causa a qualificação da globalidade dos pagamentos efetuados pela Requerente a favor do seu ex-colaborador C... a título de abonos de ajudas de custo como tal e sustentar a sua inclusão na categoria de rendimentos do trabalho dependente. (…) Em particular, ao longo do Relatório Final de Inspeção, a AT reconhece e afirma os factos que lhe imporiam reconhecer que os pagamentos em crise são efectivos abonos por ajudas de custo, porém a final a AT acaba por sustentar o contrário sem que afaste ou infirme aqueles mesmos factos. Ou seja, a AT reconhece que o ex-trabalhador C... esteve deslocado em Moçambique, a AT não questiona que durante o período em que esteve expatriado o mesmo ex-trabalhador recebeu da Requerente pagamentos que respeitaram os limites das ajudas de custo aos trabalhadores do Estado e a AT sabe e declara que existem e foram-lhe disponibilizados os boletins de itinerário que justificam aqueles pagamentos. Nesta conformidade, à Requerente afigura-se que o único fundamento da actuação da AT seja a participação apresentada pelo ex-colaborador da Requerente, o senhor C..., sem que a AT se tenha preocupado — por um momento — em analisar de modo independente as alegações daquele e, mais importante ainda, em confrontá-las com os factos e com o direito aos mesmos aplicável.” (…)
20. Pela síntese de argumentação supra exposta e analisado o relatório de inspeção que sustenta a decisão final do procedimento e a liquidação impugnada afigura-se um conjunto de argumentos extraídos da análise dos factos relatados pelo trabalhador C... nas denúncias apresentadas junto da ATA e vertida na petição inicial apresentada no processo laboral que correu termos no Tribunal de Trabalho de Braga. Movida pela denúncia do trabalhador que agindo intencionalmente no seu próprio interesse arquitetou uma estratégia de argumentação orientada para peticionar uma indemnização muito superior à que poderia peticionar por referência ao contrato de trabalho em vigor, a inspeção tributária conclui de forma direta e imediata pela existência de divergências suscetíveis de originar o recurso a correções dos valores de retenção na fonte processadas e declaradas pela entidade patronal (ora Requerente). Por isso a inspeção realizada teve início em 28 de janeiro de 2014 e terminou a 29 de janeiro de 2014.
21. A este propósito, esclarece este Tribunal que é seu entendimento que os elementos constantes do supra referido processo laboral, juntos aos presentes autos, não podem de todo sustentar as conclusões do relatório de inspeção e consequente ato de liquidação, porquanto o ónus da prova que impende sobre a ATA para a demonstração cabal dos fundamentos para recurso às correções operadas, não se compadece com tal procedimento. Dos autos não resultam quaisquer indagações adicionais levadas a cabo pela inspeção para aferir da veracidade do que foi alegado pelo dito trabalhador. Por sua vez resulta claro que este apresentou uma primeira declaração de IRS (Modelo3) em perfeita conformidade com os valores processados, pagos e declarados pela entidade patronal, a qual veio posteriormente a alterar, através de uma declaração de substituição na qual declara como retribuição o valor recebido a título de salário e de ajudas de custo, no claro propósito de exercer “vingança” sobre a entidade patronal que o havia despedido por quebra de confiança. Agiu, pois, neste condicionalismo, tentando alcançar um duplo efeito: fundamentar um elevado pedido de indemnização e prejudicar a entidade patronal com quem entrou em litígio.
22. Assim, o respeito pelos princípios da imparcialidade e do inquisitório determinam que uma correta análise dos factos relevantes em sede de procedimento tributário conduzisse, desde logo, à indagação minuciosa dos factos, totalmente independente e isenta para apurar se o alegado pelo trabalhador na apresentação da declaração de substituição era ou não a verdade factual. Mas, certo é que a ATA assume como verdadeiros tais factos, sem qualquer indagação adicional, sem cumprir o dever de apurar se os mesmos correspondiam á verdade ou não, e assim manteve a sua posição, mesmo depois da requerente ter demonstrado que o trabalhador acabou por reduzir o pedido de €75.000,00 para €25.000,00, conforme resulta da documentação junta aos autos. Ao que acresce que os factos invocados pelo trabalhador naqueles autos não ficaram provados, nem sequer foram apreciados pelo Tribunal e, mesmo que assim não fosse, nunca a ATA ficaria desonerada da investigação a realizar nos autos de inspeção tributária realizada em menos de 24 horas.
23. Resulta ainda do que se encontra vertido no Relatório que serve de suporte à liquidação a alegação que havia discrepâncias (de valores reduzidos a cêntimos) entre os boletins de itinerário fornecidos pela entidade patronal e os que foram apresentados pelo trabalhador. Mas, ainda que se considerassem relevantes tais discrepâncias as correções a operar seriam, necessariamente de “cêntimos”, obedecendo à correção rigorosa de tais discrepâncias. O que não se afigura fundamentado é que, tendo sido detetadas essas discrepâncias mínimas, as correções operadas consistam em considerar como retribuição todos os valores pagos ao trabalhador a título de ajudas de custo, desconsiderando integralmente tais valores.
24. Resulta ainda do relatório de inspeção que os valores processados a título de ajudas de custo somados ao valor da retribuição líquida se aproxima do valor constante na ficha de trabalhador expatriado referente ao Sr. C.... Porém a ficha em causa não substitui o conteúdo do contrato de trabalho e do contrato de cessão de posição contratual celebrados e juntos aos autos. O valor constante da dita ficha parece corresponder, isso sim, à determinação do valor previsível a receber por este trabalhador expatriado considerando o valor das ajudas de custo contempladas e calculadas em função do tempo e período das deslocações. Não se nos afigura que desse documento resulte qualquer outra conclusão, ao que acresce que seguramente não configura qualquer alteração de conteúdo ao contrato de trabalho subjacente à relação deste trabalhador com a Requerente. Tanto assim é que, nos períodos em que este trabalhador não se encontrou deslocado em Moçambique tais valores não foram processados (vd. por exemplo o período de licença de paternidade).
25. Por fim, a invocação do disposto no artigo 103º, nº4 do CIRS afigura-se meramente conclusiva e insuficiente para sustentar a fundamentação da decisão de proceder às ditas correções aritméticas. Chegados a que, importa referir que a norma fundamentadora, invocada no relatório para sustentar a liquidação oficiosa por correção dos valores das retenções na fonte, não se afigura aplicável no caso dos presentes autos. Constata-se que resulta do disposto no artigo 103º do CIRS o seguinte:
1. “Em caso de substituição tributária, é aplicável o artigo 28º da lei geral tributária, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2. …
3. …
4. Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido.”
Acresce agora recordar o que dispõe o artigo 28º, nº 2 da LGT:
“2. Quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até á entrega do imposto retido se anterior.”
26. Sendo assim, é manifesto que andou mal a ATA quando, sem mais indagações deu por adquirido que os factos declarados pelo trabalhador na declaração de substituição eram verdadeiros. Andou, ainda, mal quando assumiu que os valores pagos a título de ajudas de custo afinal não deviam ser aceites como tal, sem qualquer investigação que fosse ao fundo da questão e apurasse verdadeiramente se este e outros trabalhadores daquela empresa, em igualdade de circunstâncias recebiam os ditos valores de ajudas de custo, limitando-se a dar como corretos factos declarados por um trabalhador em litígio com a empresa. Recorde-se que este trabalhador apenas denunciou esta situação após ter entrado em litígio com a empresa, pois que até este momento e durante todo o ano de 2012 recebeu tais montantes, assinou todos os recibos (de vencimento e de outros recebimentos) sem nunca ter reclamado da sua entidade patronal outro procedimento, o que traduz bem a intencionalidade de vingança da sua denúncia. Porém, como resulta da lei (artigo 28º, nº2 da LGT) num caso com estes contornos devia, em primeira linha, ter sido chamado o próprio trabalhador a cumprir a sua obrigação fiscal, já que o substituto é apenas responsável subsidiário.
Por fim, andou ainda mal a ATA, porquanto a existir irregularidade no pagamento das ajudas de custo a este trabalhador, numa empresa onde algumas centenas de trabalhadores se encontram regularmente na situação de expatriados, procedeu a uma inspeção de um dia, sem indagar até onde tal irregularidade afetaria também outros trabalhadores.
27. Posto isto, resulta que a fundamentação é insuficiente e até incongruente quanto à desconsideração das ajudas de custo e meramente conclusivo quanto à sua sujeição a retenção na fonte. Mas resulta, ainda, que o ato impugnado padece do vício de violação de lei por incorreta aplicação do direito ao caso concreto, assente em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacente á liquidação impugnada.
28. A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo a considerar que, “no que respeita às correções operadas com referência ao pagamento de ajudas de custo que a AT fundamente de modo concreto e circunstanciado a sua posição, não sendo suficiente a formulação de juízos conclusivos e genéricos (…) não colhendo como fundamento para a não aceitação das verbas declaradas pelo contribuinte como “ajudas de custo” o argumento de que tais verbas “têm carácter permanente”, “são pagas pela totalidade dos dias de calendário ao longo dos 12 meses do ano (…) são afirmações de conteúdo tão vago e genérico que se fica sem saber se é muito ou pouco, mais ou menos pelo que para a clareza da decisão, deveria ter sido concretizada a situação do impugnante, a qual, como premissa do silogismo efectuado, deveria ter sido também indicada. (…) Doutro modo, não são explicados os fundamentos de facto e de direito da decisão que, assim, não é clara, não permitindo, através dos seus termos, que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, nem suficiente, por não possibilitar ao administrado um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou, e muito menos congruente, pois a decisão não constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não envolvendo entre eles um juízo de adequação.” - Cfr. Ac. TCAS, de 2.12. 2008, proferido no processo n.º 0206/08; Ac. TCAN de 17/05/12, acórdãos de 12/03/13, processo nº 01674/13, do STA e o acórdão do TCAS de 26/06/14, processo nº 5778/12» — cfr. acórdão do TCA Sul, de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 07442/14 (cit.).
29. Neste sentido, a Jurisprudência tem vindo a considerar como fundamentação suficiente aquela que assenta em argumentos ou fundamentos capazes de dar a perceber ao destinatário da decisão o processo lógico e jurídico que levou à decisão consubstanciada no ato de liquidação. As exigências de fundamentação do ato nos casos de aplicação de correções aritméticas é particularmente exigente, pois que se impõe a demonstração objetiva e sem margem para dúvida sobre os valores corrigidos. Ao que acresce que, tratando-se de correções aritméticas não podem estas ser fundamentadas em indícios ou convicções subjetivas dos técnicos que procedem à inspeção. Este tipo de correções assenta em cálculos ou em valores determinados de modo objetivo e direto, Daí que se deve ter como insuficiente a fundamentação só de facto ou só de direito, ou meramente conclusiva, vaga ou por recurso a indícios ou convicções subjetivas.
30. Face ao supra exposto, o relatório fundamentador da liquidação impugnada afigura-se conclusivo, assente em factos declarados por alguém que tinha um interesse próprio e egoístico em declarar algo em contradição com o declarado anteriormente, e em desacordo com os termos resultantes do contrato de trabalho, cujas condições, direitos e regalias se mantiveram inalteradas na relação com a Requerente por força do contrato de cessão de posição contratual celebrado entre as partes e junto aos autos. Assim, no caso em análise a fundamentação afigura-se insuficiente e incongruente.
31. É certo que a jurisprudência também tem vindo a considerar que o dever de fundamentação fica cumprido ainda que, de forma sumária, através de uma declaração de concordância com anteriores informações, pareceres ou propostas. Sendo que, em matéria tributária, tal dever de fundamentação deve considerar-se como mais exigente quando a ATA procede a correções aritméticas ou a recurso a métodos indiretos. Em todo o caso, deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto. Tais exigências impõe-se com maior rigor sempre que a determinação da matéria coletável resulta, como no caso dos presentes autos, da aplicação de correções aritméticas.
32. Mas, ainda no sentido de melhor determinar o alcance do que se discute nos presentes autos, importará analisar, com referência à matéria em causa, a correta qualificação dos pagamentos efetuados pela Requerente e refletidos nos mencionados Boletins de Itinerário, que vêm referidos no relatório de inspeção que serve de baso à liquidação impugnada. Para tanto há que ter em conta o regime laboral subjacente, assente por acordo entre as partes, o qual se caracteriza como rendimentos de categoria “A”, à luz do CIRS, ou seja, rendimentos proveniente de relação jurídica de trabalho dependente. Este facto é pacífico e reconhecido pelas partes intervenientes.
33. Não persiste dúvida face à matéria provada nos autos, que entre Requerente e o trabalhador C... existia uma relação de trabalho dependente (vd. contrato de trabalho e acordo de cedência de posição contratual juntos aos autos). Nos termos propostos ao trabalhador em causa, por força da sua deslocação em Moçambique, para aí exercer as funções de Diretor Comercial da Requerente, ao salário base em vigor (e que se manteve inalterado) acresceria o pagamento de ajudas de custo diárias, para cobertura de despesas decorrentes da sua condição de trabalhador expatriado. No caso em apreço e segundo a testemunha inquirida nos autos a Requerente tinha e tem algumas centenas de trabalhadores deslocados em diversos países estrangeiros, sendo estas as condições oferecidas genericamente a todos, embora em certos países, como é o caso de Moçambique se leve em consideração o elevado custo de vida (vd. depoimento da testemunha inquirida nos presentes autos). À luz do artigo 260.º n.º 1 do Código do Trabalho, em vigor à data dos factos, tais verbas atribuídas a título de ajudas de custo não eram consideradas retribuição.
34. Em sede fiscal, o artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do CIRS estabelece que “As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.
35. Nos termos do n.º 14 do citado artigo 2.º, os limites legais previstos neste artigo serão os anualmente fixados para os servidores do Estado, resultante do Decreto-lei nº 192/95 de 28 de julho (funcionários e servidores que se desloquem para o estrangeiro) e Decreto-Lei 106/98, de 24 de abril (funcionários e servidores que se desloquem em território nacional).
36. Tem sido pacífico na jurisprudência que, em sede IRS, as ajudas de custo só constituem remuneração na parte que excederem os limites legais supra referidos. A título meramente exemplificativo podem citar-se os seguintes Acórdãos: Ac. STA, de 22/05/2013, Proc. 0146/13; Ac. STA de 12/03/2008, Proc. 01065/07; Ac. STA de 23/04/2008, Proc. 01044/07 e, ainda, Ac. STA de 06/03/2008, Proc.01063/07.
37. Resulta assente nos presentes autos que o valor dos abonos de ajudas de custo processadas ao trabalhador em causa não excederam tais limites, considerando a sua condição de expatriado e os valores aplicáveis aos trabalhadores deslocados no estrangeiro. A questão controvertida é a de saber se este valor integra o valor das ajudas de custo como pretende a Requerente e resulta da documentação junta aos autos que as mencionam como tal, ou se tais valores corresponderiam a remuneração acessória, nos termos previsos no n.º 4 da al. b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.
38. Na sistematização do artigo 2.º do Código do IRS, além da regra geral prevista no n.º 1, o legislador decidiu incluir um conjunto de regras especiais ao longo do n.º 3 com o objetivo de garantir a tributação efetiva dos rendimentos aí descritos excluindo os que se destinem a ajudas de custo contidas nos limites legalmente aplicáveis. Assim, o regime de ajudas de custo exige a aplicação dos “pressupostos da sua atribuição aos servidores do estado” (al. d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS) previstos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho, que regula a atribuição de ajudas de custos por deslocação em serviço público ao estrangeiro e no estrangeiro.
Definida a norma de incidência aplicável, cabe determinar se o valor de ajudas de custo atribuído cumpre ou não os limites fixados legalmente e não resulta numa vantagem económica para dissimular retribuição atribuída ao trabalhador deslocado no estrangeiro.
39. Atentos aos factos dados como provados, a resposta àquela questão terá de ser negativa, porquanto a condição de deslocado no estrangeiro implica um conjunto de despesas diárias que justificam a atribuição da ajuda de custo, precisamente, dentro dos limites previstos na lei. É este o caso do trabalhador C... considerado nos presentes autos.
40. A razão de ser da permissão de atribuição destes valores de ajudas de custo, se contidos dentro dos limites estabelecidos na lei, sem sujeição a retenções na fonte de IRS, tem precisamente a ver com o facto de um trabalhador deslocado fora da sua residência (no caso, fora do país) ter de suportar todo um conjunto de gastos que justificam e impõem a atribuição de justa compensação, sob pena de a não ser assim, se impor um custo desproporcional ao trabalhador, ausente do seu país, longe da família e sem qualquer apoio quotidiano, totalmente privado do conforto do seu lar.
41. No caso em discussão nos presentes autos, verifica-se isso mesmo, sendo ponto assente que se tratava de um trabalhador jovem, casado com uma funcionária da Requerente, residente em Braga e que se encontrava grávida do primeiro filho do casal. Nada nada aponta para que esse valor de ajudas de custo represente um acréscimo de retribuição, dissimulada, com o intuito de evitar os encargos associados (retenções na fonte de IRS e segurança social). Não descortinamos, in casu, qualquer vantagem económica efetiva do trabalhador ou acréscimo de rendimento pessoal resultante da atribuição das referidas ajudas de custo para um trabalhador expatriado em outro continente e num país como Moçambique. Sendo certo que, nos termos do disposto no art. 74º, nº1 da LGT, cabia à ATA o ónus da prova de que tais ajudas fossem, afinal, uma remuneração dissimulada. Tal não sucedeu, por certo, nos presentes autos.
42. Não foi posto em causa nos autos a natureza jurídica dos abonos de ajudas de custo são montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos devidos da sua condição de trabalhador deslocado no interior do país ou no estrangeiro, ao serviço da entidade patronal. Resulta face à lei, como já se disse supra, que a qualificação de um pagamento como abono de ajudas de custo depende de o trabalhador ter efetuado a deslocação ao serviço da empresa, conforme os respetivos mapas de itinerário, e de tal deslocação e permanência no estrangeiro implicar despesas a compensar com o pagamento das ajudas de custo. Nestas circunstâncias o legislador fiscal abdica da tributação das eventuais vantagens económicas que o trabalhador pudesse obter em consequência do recebimento de abonos de ajudas de custo, desde que os mesmos fiquem contidos num determinado limite quantitativo previsto legalmente para os servidores do Estado — cfr., artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRS. No caso dos autos verificam-se todos os pressupostos de que depende a não tributação dos referidos valores, pelo que os mesmos estão isentos de retenção na fonte. – Neste sentido, vd. Ac. TCAN, de 13.02.2014, proc. n.º 00237/06.9BEBRG; Ac. TACAN, de de 08.05.2008, proc. nº 00272/06.7BEPNF, entre outros.
43. Acresce, por fim, que a ATA não demonstrou (sendo que a esta cabia o ónus da prova) que os pagamentos em causa não constituíssem efetivos abonos de ajudas de custo. Limita-se a concluir desse modo, induzida num erro de apreciação decorrente de ter assumido como verdadeiros os factos alegados pelo trabalhador num processo laboral no qual nada ficou provado, bem pelo contrário, a redução do pedido de €75.000,00 para €25.000,00 e a concretização do acordo no âmbito do processo induzem, ao contrário do que conclui a ATA, que o trabalhador temeu seriamente pelas consequências de uma eventual improcedência da ação.
44. Assim, mais uma vez, se reforça a existência de ao vício de forma por falta de fundamentação quanto á desconsideração dos abonos como ajudas de custo, ao que acresce, ainda, o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de
45. Nesta conformidade, verificados os vícios de forma por insuficiente e incongruente fundamentação (o que equivale a falta de fundamentação) e de violação de lei nos termos supra expostos, os quais inquinam a liquidação oficiosa de retenções na fonte impugnada e respetivos juros, bem assim como o ato de indeferimento da reclamação graciosa, devem os mesmos ser anulados com as legais consequências.
B) Quanto ao pedido de condenação no pagamento dos custos com a garantia prestada
46. A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.
De harmonia com o disposto na alínea b), do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
47. Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, caracteriza-se a instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
48. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências. Entendimento que tem vindo a ser seguido em numerosas decisões arbitrais, considerando-se já como pacífico. Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
49. Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, consagrado de forma geral no artigo 24º, nº1 do Código de Processo Tributário, o qual afirmada que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços». Também a LGT, no seu artigo 43.º, n.º 1, estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Finalmente, no n.º 2, do artigo 61.º do CPPT afirma-se que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
50. Já com relação ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
51. Assim, não resta dúvida que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação. E, como se disse supra, o pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso do n.º 1, do artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
52. Acresce que a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2, do artigo 9.º do Código Civil.
Posto isto, o regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º e seguintes da LGT, sendo que o artigo 53º, em caso de garantia indevida, estabelece o seguinte:
“ 1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
53. No caso em apreço, é manifesto que os vícios do ato de liquidação e as correções efetuadas foram da iniciativa da ATA e são uma responsabilidade sua. Resulta também, que e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados. Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, no processo de execução. Como resulta da matéria de facto, a Requerente a prestação da garantia bancária no montante de €13.618,29 – (vd. documento junto pela requerente aos autos em anexo às Alegações – garantia Bancária prestada pela Caixa geral de Depósitos), prestada em 04.07.2014, válida por um ano e renovável nos anos seguintes.
54. Todavia, que a Requerente não alegou qual o prejuízo que derivou da prestação da garantia bancária. Dito por outras palavras, qual a comissão que teve de suportar junto do Banco pela prestação da garantia bancária, a fim de poder suspender a execução da liquidação impugnada. Também não sabemos por quanto tempo terá de manter, ainda, a prestação de garantia e quais os custos finais a suportar com a mesma. O Tribunal pode, contudo, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, dar por assente a existência real de um prejuízo pela prestação de garantia bancária. Mas, por outro lado, a indemnização, segundo o artigo 53º supra citado “(...) tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios (…)”.
Ignorando-se qual o montante da comissão paga sobre o valor garantido e não podendo o Tribunal Arbitral apurar se o mesmo é inferior ou superior ao limite máximo, fica impossibilitado de fazer a sua quantificação.
55. Este circunstancialismo, todavia, não põe em causa o direito da Requerente de ver ressarcidos os custos que suportou com a prestação da garantia, devendo os mesmos ser apurados no momento em que a Requerida liberte a garantia, nos limites estabelecidos no artigo 53.º, n.º 3 da LGT, e ser liquidados em execução de sentença. Deve, por conseguinte, ser julgado procedente o pedido de indemnização pela garantia prestada formulado pela Requerente, a liquidar em execução de sentença.
C) Questões de conhecimento prejudicado
56. Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente, nomeadamente os vícios de inconstitucionalidade. Atendendo ao disposto no artigo 125º, nº1, parte final e no artigo 608º, nº2 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o juiz deve conhecer na sentença de todas “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada às questões relativas aos vícios de forma e de violação de lei invocados pela requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas partes, nomeadamente as invocadas inconstitucionalidades.
V - DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral e, em consequência, anular a liquidação impugnada, no valor das correções das retenções na fonte processadas e respetivos juros;
b) Condenar a Requerida a pagar os custos com a garantia prestada;
c) Condenar a Requerida pagamento das custas processuais, nos termos previstos no artigo 2º, 3º e 4º, nº,6, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 305º, nº 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €10.532,95.
CUSTAS: Nos termos do disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €918,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 01 de outubro de 2015
O Árbitro singular,
(Maria do Rosário Anjos)