Processo arbitral n.º 45/2012-T
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”)
Ano 2010
Requerentes
…e
…
Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (Ministério das Finanças)
1. RELATÓRIO
1.1. …, residente no …, em …, …, com o número de identificação fiscal …, e …, também residente no …, em …, …, …, com o número de identificação fiscal …, doravante “Requerentes”, ambos representados em Portugal, para efeitos fiscais, por …, pessoa colectiva número …, com sede na …, apresentaram, em coligação, pedido de pronúncia arbitral.
O pedido foi deduzido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 3.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou pelo acrónimo “RJAT”, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, sucessora da anterior Direcção-Geral dos Impostos.
Os Requerentes pretendem a anulação dos actos tributários de liquidação de IRS e juros compensatóriosemitidos sob os números … e …, referentes ao ano 2010, no valor individual de € 231.229,85 (duzentos e trinta e um mil, duzentos e vinte e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), por erro na determinação do rendimento colectável.
Sendo estas “já as quartas sucessivas liquidações de IRS emitidas” pela Autoridade Tributária, o objecto da impugnação arbitral é delimitado de forma a abranger os actos de liquidação que subsistam na ordem jurídica e, bem assim, o indeferimento das reclamações graciosas deduzidas dos actos de liquidação que aqueles vieram substituir.
Sustentam os Requerentes que a inclusão no rendimento colectável da totalidade das mais-valias resultantes da venda dos quatro imóveis de que eram, à data, comproprietários, enferma de erro de direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50% do respectivo valor, por aplicação do n.º 2 do artigo 43.ºdo Código do IRS, numa interpretação conforme ao direito comunitário.
Mais alegam que a posição da Requerida de negação da aplicação do citadon.º 2 do artigo 43.ºdo Código do IRS aos residentes de outro Estado-Membro da União Europeia, consubstancia uma violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia1, em virtude do seu efeito discriminatório, invocando, para este efeito, a jurisprudência comunitária.
Acrescentam que a lei portuguesa não prevê, para os não residentes, uma opção pelo regime geral de tributação, mas sim uma opção pela tributação às taxas aplicáveis aos residentes, conforme preceitua o n.º 8 do artigo 72.º do Código do IRS, opção esta que nunca foi adoptada pelos Requerentes. Sendo que a questão em causa diz exclusivamente respeito à determinação do rendimento colectável e não às taxas aplicadas.
Por outro lado, segundo os Requerentes, mesmo que porventura se entendesse que o exercício da opção contida no n.º 8 do artigo 72.º do Código do IRS anularia a diferença entre residentes e não residentes, tal sempre representaria um ónus suplementar destes últimos face aos contribuintes residentes e não excluiria os efeitos discriminatórios do regime supletivo, que permanece inválido à luz do direito comunitário.
Concluempelo pedido de anulação dos actos tributários por vício de violação de lei e pela consequente liquidação em excesso das importâncias de € 115.442,75 (cento e quinze mil, quatrocentos e quarenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), de IRS, e de € 172,18 (cento e setenta e dois euros e dezoito cêntimos), de juros, relativamente a cada um dos Requerentes.
1.2. Os Requerentes optaram por não designar árbitro. Nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o colectivo de árbitros composto por Alexandra Coelho Martins, na qualidade de árbitro presidente, Rogério Fernandes Ferreira e Luísa Anacoreta, estes na qualidade de árbitros-adjuntos.
O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 8 de Maio de 2012, conforme acta de constituição do Tribunal Arbitral colectivo.
1.3. A Requerida apresentou Resposta na qual sustenta a coexistência de dois regimes.
Um, para as pessoas residentes em território português, em que as mesmas são tributadas sobre o rendimento global, incluindo os rendimentos obtidos fora desse território, por uma tabela de taxas progressivas. Neste regime, a tributação - às taxas aplicáveis - das mais-valias, resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis2, incide apenas sobre 50% do respectivo saldo, segundo o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 43.º, ambos do Código do IRS.
Outro, para as pessoas não residentes, em que a sujeição a IRS está limitada aos rendimentos obtidos em território português, sujeitos a uma taxa proporcional de 25%, ao abrigo do n.º 1 do artigo 72.º do Código deste imposto. Neste caso deve ser considerada a totalidade da mais-valia realizada,conforme disposto na lei vigente, pelo que conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
1.4. Em 1 de Junho de 2012, realizou-se a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. Não foram suscitadas excepções e a Requerente declarou prescindir da prova testemunhal requerida, face à ausência de factos controvertidos. Ambas as partes concordaram em dispensar a realização de alegações orais.
1.5. Em face do exposto, importa enquadrar a questão decidenda.
Está em causa aferir se, no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis,o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes e a não residentes no território nacional, em particular no tocante à limitaçãoda incidência de IRS, para os residentes, a 50% do saldo das mais-valias, configura uma situação de discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais, inadmissível à luz do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia3, quando a mencionada limitação não abrange residentes noutro Estado-Membro da União Europeia.
2. SANEAMENTO
O Tribunal é competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
Não se verificam nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
3. FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão, dão-se por assentes os seguintes factos:
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Em 2010, os Requerentes residiam no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (cfr. processo administrativo).
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No mesmo ano 2010, os Requerentes alienaram as quotas-partes - na proporção de 40% cada um - que detinham em compropriedade relativamente a quatro imóveis, localizados em Portugal, no distrito de Évora, freguesia de …, (código …), identificados sob os seguintes artigos matriciais:
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Rústico, artigo …, fracção …;
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Urbano, artigo …;
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Urbano, artigo …; e
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Urbano, artigo ….
(cfr.processo administrativo e Declarações de Rendimentos de IRS, Modelo 3, referentes ao ano 2010 juntos à p.i. como documentos 2.A e 2.B).
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Cada um dos Requerentes apresentou, em 31 de Maio de 2011, a Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2010, a qual foi acompanhada de um único anexo – o Anexo G – Categoria G, sob a epígrafe “Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais”. Nesta Declaração e respectivo Anexo, foram exclusivamente reportadas as operações de transmissão dos imóveis identificados no ponto anterior, na respectiva quota-parte (cfr.Declarações de Rendimentos de IRS, Modelo 3, referentes ao ano 2010 juntos à p.i. como documentos 2.A e 2.B).
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Nas referidas Declarações de Rendimentos Modelo 3 de IRS, os Requerentes enquadraram-se como não residentes em Portugal, assinalando o respectivo quadro 5B, campo 4.
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Ainda nas mencionadas Declarações de Rendimentos, permanecem em branco os campos 6 a 13 do quadro 5B, não tendo sido assinalada,por nenhum dos Requerentes, qualquer opção pela tributação pelo regime geral,ou por outro dos regimes especiais aí indicados.
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Cada um dos Requerentes foi sucessivamente notificado de quatro liquidações de IRS e juros compensatórios emitidas pela Autoridade Tributária, sobre os rendimentos declarados relativamente ao ano 2010, nos moldes constantes do quadro infra:
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Data de emissão
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Números
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Valor
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Documento
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Primeiras liquidações
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13.07.2011
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…
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€ 183.953,81
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Doc. 5.A junto à p.i.
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…
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€ 183.953,81
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Doc. 5.B junto à p.i
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Segundas liquidações
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27.07.2011
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…
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€ 213.899,77
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Doc. 4.A junto à p.i.
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…
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€ 213.899,77
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Doc. 4.B junto à p.i
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Terceiras liquidações
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12.12.2011
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…
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€ 247.401,20
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Doc. 3.A junto à p.i.
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…
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€ 247.401,20
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Doc. 3.B junto à p.i
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Quartas liquidações
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30.01.2012
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…
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€ 231.229,85
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Doc. 1.A junto à p.i.
Doc. 1.B junto à p.i
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…
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€ 231.229,85
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Os Requerentes deduziram reclamações graciosas das segundas liquidações acima identificadas, com fundamento na ilegalidade da determinação do rendimento colectável pela totalidade das mais-valias apuradas em vez de apenas 50% do seu valor, ao abrigo do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS (cfr. processo administrativo e Documentos 6.A e 6.B juntos à p.i.).
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As Reclamações Graciosas deduzidas contra as segundas liquidações foram indeferidas por despachos do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de …, datados de … de Dezembro de 2011 (cfr. processo administrativo).
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Nas quartas e últimas liquidações de IRS emitidas, a Autoridade Tributária fixou o valor total das mais-valias realizadas por cada um dos Requerentes, pela alienação a título oneroso dos imóveis acima identificados, em € 923.541,95 (novecentos e vinte e três mil, quinhentos e quarenta e um euros e noventa e cinco cêntimos) - conforme resulta dos actos tributários de liquidação e IRS juntos à p.i. como documentos 1.A e 1.B.
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A Autoridade Tributária determinou como rendimento colectável de cada um dos Requerentes a totalidade do referido valor de € 923.541,95, sobre o qual liquidou imposto à taxa de 25%, no montante de € 230.885,49 (duzentos e trinta mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), adicionado de juros compensatórios na importância de € 344,36 (trezentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), perfazendo o valor global de € 231.229,85 (duzentos e trinta e um mil, duzentos e vinte e nove euros e oitenta e cinco cêntimos) – cfr.actos tributários de liquidação e IRS juntos à p.i. como documentos 1.A e 1.B.
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No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na prova documental junta aosautos, não se tendo provado outros factos susceptíveis de influenciar a decisão de mérito.
4. DO DIREITO
A principal questão a decidir nos presentes autos arbitrais é a de saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia4, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.
Com efeito, a Entidade Requerida considerou, para efeitos de determinação do rendimento colectável e consequente liquidação do IRS aos Requerentes, não residentes em Portugal, mas num outro Estado-Membro da União Europeia, a totalidade da mais-valia por estes realizada em 2010 na alienação das respectivas quotas-partes dos imóveis acima identificados.
Foi, assim, declinada a aplicação do regime preceituado no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, segundo o qual: “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”, entendendo a Entidade Requerida que tal disciplina apenas é convocável para residentes em território nacional, em consonância, aliás, com o elemento literal da norma.
Conforme assinalado pelos Requerentes, a questão em apreço foi já apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no Acórdão, de 11 de Outubro de 2007, proferido no processo C-443/06 (“Acórdão Hollmann”), na sequência do qual o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) português concluiu que “o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, (…) que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”5.
Trata-se exactamente da mesma questão de direito que se suscita na situação submetida à apreciação deste Tribunal Arbitral, sendo que se mantém inalterado o regime geral do Código do IRS que enquadrou e fundou a jurisprudência citada6 que, de seguida, para melhor compreensão, se sumaria.
Contudo, para além do regime geral que se manteve idêntico, o legislador nacional instituiu, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008), posterior à jurisprudência do Acórdão Hollmann, um regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, com o objectivo de obviar ao tratamento diferenciado dos não residentes comunitários e do espaço económico europeu que obtenham em Portugal mais-valias imobiliárias, face aos residentes.
Esta opção de equiparação permite aos não residentes comunitários e do espaço económico europeu a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal (cfr. o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8, actuais números 8 e 9 após a renumeração operada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/09, de 23 de Setembro).
Em concreto, dispõem os n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º do Código do IRS:
“8 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português
9 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Conforme acima referido, sobre a aplicação exclusiva a residentes em Portugal do limite da incidência de IRS a 50% das mais-valias imobiliárias, prevista no n.º 2 do artigo 43.º do respectivo Código, e a sua conformidade com o artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, já se pronunciou o TJUE no mencionado Acórdão Hollmann.
Cabe aqui relembrar que a prevalência da interpretação do TJUE acerca do direito de fonte comunitária resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”)7e do princípio do primado do Direito Comunitário, seja este originário ou derivado8.
Na jurisprudência Hollmann, o TJUE conclui que a norma nacional vertente [n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS] viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros.
Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais:
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Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais9;
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No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos10;
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Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%11;
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Este regime torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado12;
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A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objectivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25%, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento colectável do residente, não existindo, objectivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos13.
Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Resta saber se a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º do Código do IRS, e vigente à data dos factos subiudicio, permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes.
Para além de, como bem assinalam os Requerentes, a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa14.
Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Salienta aquele órgão jurisdicional que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais15.
E continua aquele tribunal revelando o paradoxo: “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório”16.
Conclui o TJUE que o Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”17.
Não se desconhece que as consequências aqui retiradas da jurisprudência comunitária acima mencionada, em particular do Acórdão Hollmann, propiciam uma tributação mais favorável das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes, pois, para além de beneficiarem de igual modo da redução a 50% da base de incidência de IRS, são sujeitos a uma taxa única de 25%, que será, na maioria dos casos, inferior às taxas progressivas dos residentes, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, a que acresce o facto de estes últimos terem de englobar todos os seus rendimentos.
Todavia, no actual estádio do Direito Comunitário, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos residentes, constituindo a fiscalidade directa um domínio da competência dos Estados-Membros.
Acresce referir que, conforme se extrai da jurisprudência do STA, no Acórdão de 22 de Março de 2011, processo n.º 1031/10, foi a Autoridade Tributária que, “perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.”.
Deste modo, atento o que ficou exposto, procede o vício de violação de lei alegado pelos Requerentes, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação dos actos tributários objecto de pronúncia arbitral.
5. DISPOSITIVO
Em face do exposto, acorda o colectivo de árbitros em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando as liquidações de IRS e juros compensatórios.
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Valor da causa: € 231.229,85.
Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de € 4.284,00, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 4.º, n.º 4 do RCPAT.
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Notifique.
Lisboa, 5 de Julho de 2012.
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Colectivo de Árbitros.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
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Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Rogério Fernandes Ferreira
Luísa Anacoreta