|
|
Versão em PDF |
REQUERENTE: A... SA
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
-
A… , SA, Pessoa Coletiva nº …, com sede no …, Avenida …, Lote 1….., 2º andar - Lisboa, doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 2º, nº 1, a alínea a) e 10º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, pretendendo a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) descritas na Lista Anexa ao presente pedido arbitral, todas referentes aos períodos de tributação de 2009 a 2012, descritas na Tabela Anexa ao pedido arbitral, as quais constam no Processo Administrativo junto aos autos pela ATA, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais, no montante global a pagar de €22.816,48.
-
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 24-02-2015, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26-02-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 2-03-2015.
-
A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi designada, em 15-04-2015, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a ora signatária como árbitro singular. A nomeação foi aceite e as partes notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado a vontade de recusar a designação.
-
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 30-04-2015. A AT foi notificada na mesma data para apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT,
-
A AT apresentou a sua resposta em 02-06-2015, a qual se dá por integralmente reproduzida. Consultadas as partes intervenientes no processo, foi proferido despacho arbitral dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Por despacho arbitral de 02-07-2015 foi dispensada a realização da reunião e fixado prazo para prolação da decisão arbitral até 15-10-2015 e advertida a Requerente para, até àquela data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
-
A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade, com a consequente anulação, das liquidações de Imposto Único de Circulação, referentes aos períodos compreendidos entre os anos de 2009 a 2012, discriminadas na Tabela Anexa ao Pedido Arbitral, num total de 116 liquidações, no valor global de €22.816,48.
-
Todas estas liquidações se encontram devidamente identificadas e discriminadas na tabela anexa ao pedido arbitral, com identificação da matrícula do veículo a que respeitam e da situação jurídica em que se encontram, pelo que se dá por integralmente reproduzido o teor da Tabela/Mapa anexo. As liquidações em crise resultam, ainda, confirmadas pela análise do PA junto aos autos, nomeadamente de todos os elementos constantes do procedimento de Reclamação Graciosa deduzida pela Requerente, com o nº … 2014 …, a qual foi considerada improcedente, pelo que se dá por integralmente reproduzidos todos os documentos constantes do PA junto pela ATA.
-
Em síntese, fundamenta o seu pedido, alegando o seguinte:
a) A Requerente é uma instituição de crédito sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua atividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira;
b) A Requerente discorda de todos os atos de liquidação impugnados porquanto não é sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão, em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações objeto de pedido de pronúncia arbitral;
c) A Requerente pagou todas as importâncias liquidadas pela ATA referentes às liquidações impugnadas;
d) Em todos os casos abrangidos pelo presente pedido arbitral, por diversas razões, a Requerente não é sujeito passivo de imposto, por ocorrerem diferentes motivos de exclusão de incidência subjetiva de imposto, pelo que os atos impugnados enfermam de erro sobre os pressupostos do facto tributário, o que consubstancia vício de violação de lei;
e) As primeiras 87 situações identificadas na Tabela Anexa ao Pedido Arbitral partilham a causa de pedir que se constitui no facto tributário de o veículo associado à liquidação ter sido vendido pela Requerente anteriormente à data de vencimento do IUC;
f) As 43 situações seguintes, identificadas na Tabela em anexo, reconduzem-se à mesma causa de pedir, a qual consiste no facto do veículo ter sido objeto de um contrato de leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributável e a correspondente exigibilidade;
g) A última situação identificada na tabela anexa é manifestamente inválida porquanto já tinha sido objeto de liquidação e paga anteriormente.
h) A Requerente foi notificada para pagamento de todas as liquidações oficiosas de IUC relativas às viaturas identificadas na Tabela Anexa ao pedido de pronúncia arbitral, com referência aos períodos de tributação 2009, 2010, 2011 e 2012;
i) Apresentou Reclamação Graciosa, a qual foi considerada improcedente;
j) Quanto à fundamentação de direito do pedido apresentado alega a Requerente que nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 e no artigo 6º do CIUC, o regime legal em vigor, recorrendo aos elementos constantes do registo automóvel, o legislador estabeleceu, simultaneamente, consagra uma norma de incidência subjectiva que estabelece, meramente, uma presunção legal, tanto mais que no ordenamento jurídico tributário podemos encontrar o verbo “considerar” usado com um sentido presuntivo; Já o nº2 do mesmo artigo acrescenta que são equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação;
k) Com efeito, sempre que os veículos são vendidos em leasing, verifica-se uma verdadeira transmissão da propriedade económica do veículo, sendo a propriedade jurídica do mesmo preservada pela instituição de crédito com uma mera função de garantia;
l) Quanto às duas últimas situações indicadas na Tabela anexa alega a Requerente que existe duplicação de coleta porquanto as mesmas já haviam sido objeto de liquidação e pagamento pela Requerente, conforme se poderá comprovar através do acesso aos registos tributários da Requerente.
m) Conclui peticionando a anulação destas liquidações de IUC, no montante global de €22.816,48, correspondente a €20.556,51 de imposto pago indevidamente e €2.259,97 euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43º da LGT.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
-
A Requerida ATA, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, por exceção e por impugnação, alegou, em síntese, o seguinte:
a) A título de questão prévia, alega a falta de junção das liquidações subjacentes ao presente pedido arbitral, porquanto apesar da Reclamação Graciosa que o antecedeu, registada com o … 2014 …, certo é que nem sequer existe identidade de valor entre os dois processos;
b) Assim, na Reclamação Graciosa estavam em causa 147 atos de liquidação de IUC, no valor global de €23.154,87 e no presente pedido arbitral apenas foram questionadas 131 liquidações de IUC, no valor global de €22.816,48, pelo que entende não estar cumprido o disposto no art. 10º, nº2, alínea b) do RJAT.
c) Alega por isso que a Requerente não cumpriu a exigência prevista no artigo 10º, nº 2, alínea b) do RJAT, não tendo a Requerente junto aos autos os atos tributários respeitantes “às várias” liquidações de IUC, cuja legalidade pretende sindicar neste Tribunal Arbitral, o que consubstancia a exceção prevista no artigo 577º, alínea e) do CPC, com as consequências previstas no artigo 278º, nº1 do CPC.
d) Por impugnação, alega a ATA que não assiste razão à Requerente, porquanto:
i. Quanto às liquidações referentes a veículos objeto de locação financeira, cabia à Requerente demonstrar ter dado incumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19º do CIUC, para elidir a presunção do artigo 3º do CIUC; não tendo demonstrado ter cumprido tal obrigação a Requerente é sujeito de imposto;
ii. Como não fez prova do cumprimento da obrigação também não o poderá fazer posteriormente porquanto todos os meios de prova devem ser apresentados com o articulado inicial;
iii. Quanto as viaturas cuja venda alega ter ocorrido antes do facto tributário, também não assiste razão à Requerente, cujo entendimento incorre numa enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC;
iv. Quanto às liquidações referentes a contratos de locação financeira, a Requerente não prova a existência desses contratos, porquanto não juntou aos autos os alegados contratos de locação, os quais deviam ter sido juntos com o pedido arbitral.
e) Alega, ainda, a ATA que a jurisprudência arbitral invocada pela Requerente tem sido inflacionada, para além de não servir de precedente e não corresponder a corrente jurisprudencial de Tribunal Superior, sendo certo que a jurisprudência arbitral mais recente não tem acompanhado em todos os casos a corrente jurisprudencial inicial invocada pela Requerente;
f) Desenvolve a seguir a sua exposição argumentativa em torno da questão da incidência subjetiva do IUC, centrando a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, salientando que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, aliás à semelhança do que sucede em outros normativos legais, exemplificando algumas situações previstas na lei;
g) Entende, por isso, que nos casos em que o legislador fiscal utiliza a expressão “considera-se”, não está a estabelecer uma presunção, mas sim uma opção legislativa de considerar como proprietários aqueles que figurem como tal no registo; entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem;
h) Conclui, pois, que no caso dos presentes autos, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal e que outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei: a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC; reforça esta alegação invocando que este é o entendimento seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais expressa na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do Processo n.º …/13.0BEPNF;
i) Conclui, que o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal, e pela improcedência do pedido arbitral, porquanto os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel;
j) Na óptica da AT, nos termos do disposto no artigo 3º do CIUC, o imposto passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos;
k) Outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei, o elemento sistemático, violando a unidade do regime e seria, ainda, uma interpretação desconforme à Constituição;
l) Alega a AT que, caso assim não se entenda, sempre se teria de considerar que os documentos probatórios juntos pela Requerente (segundas vias das faturas) não são suscetíveis de ilidir a presunção do registo, dado o caráter unilateral da fatura, pelo que se trata de um documento insuficiente para a demonstração do caráter sinalagmático do contrato de compra e venda; o facto de poder titular uma suposta transação que pode não acontecer realmente, por falta de aceitação da contra parte; invoca a este propósito a jurisprudência arbitral vertida nas decisões proferidas nos processos nºs 63/2014-T, 130/29014-T; 150/2014 – T, 220/2014T e 339/2014 T, entre outros; completa com indicação de diversa jurisprudência dos tribunais superiores sobre a força probatória dos documentos, nomeadamente os documentos particulares, unilaterais e internos, entre os quais o Acórdão do TCA Sul de 19-03-2015, proferido no processo nº 08300/14.
m) Conclui pugnando pela procedência da exceção invocada nos termos do disposto no artigo 577º - e) do CPC, geradora de absolvição da instância nos termos do disposto no artigo 278º, nº1, alínea d) do mesmo código ou, caso assim nãos e entenda, deve o pedido ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se a Requerida do pedido.
n) Pelo que, também não deve a AT ser responsabilizada pelo pagamento das custas processuais, por ser inteiramente imputável à Requerente a emissão das liquidações
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
-
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
-
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. 4º e 10º nº2 do DL nº 10/2011 e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).
-
Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação conjunta da legalidade das 131 liquidações de IUC, relativas aos anos de 2009 a 2012, apesar de constituírem atos autónomos, referentes a situações diferenciadas, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os atos tributários de liquidação de IUC e respetivos juros compensatórios que lhes estão associados, dada a identidade do imposto e a apreciação dos atos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito. É o caso do presente pedido arbitral. Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos legais que permitem a cumulação de pedidos, nos termos previstos nos artigos 104º do CPPT e no artigo 3º, nº1 do RJAT, considerando a identidade do tributo e a competência do tribunal, a qual é aceite por este Tribunal.
-
O processo não padece de vícios que o invalidem.
-
Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos Provados
-
Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a) A Requerente é uma Instituição Financeira de Crédito sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que se dedica ao financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira;
b) A Requerente recebeu 131 notas de liquidação de IUC sobre veículos relacionados com a atividade supra mencionada, referentes às viaturas, identificadas na Tabela Anexa ao pedido arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
c) A Requerente Apresentou reclamação Graciosa, que correu termos sob o número … 2014 …, a qual foi indeferida, como consta do PA e aqui se dá por integralmente reproduzida;
d) A Propriedade destes veículos encontrava-se à data dos factos tributários inscrita no registo automóvel a favor da Requerente;
e) A Requerente emitiu os documentos juntos em anexo ao pedido arbitral como documentos nºs 1 a 50, segundas vias de fatura, que se dão por reproduzidos.
f) A Requerente celebrou os contratos de locação financeira juntos aos autos como documentos nºs 54 a 72, que se dão por integralmente reproduzidos.
g) A Requerente não efetuou a comunicação prevista no artigo 19º do CIUC.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
-
Não provado o pagamento do IUC referente à viatura com a matrícula …-…-…, referente ao ano 2011, por não se encontrar junto aos autos o documento nº 76, referenciado na Lista Anexa ao pedido arbitral como comprovativo do alegado pagamento.
-
Não há outros factos não provados com relevo para decisão a proferir.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
-
Os factos supra descritos foram dados como provados com base nos documentos que as partes juntaram ao presente processo, a Requerente em anexo ao pedido formulado e a AT na resposta apresentada e respetivo processo Administrativo.
IV – QUESTÕES DECIDENDAS E FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO
-
Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões a dirimir:
a) Questão prévia: da falta de junção das liquidações em causa no presente pedido arbitral;
b) Decisão e fundamentação das questões de direito suscitadas pelas partes.
-
Quanto à questão prévia suscitada pela AT quanto à falta de junção das liquidações impugnadas, há que ter em conta, antes de mais o disposto no nº2 do artigo 10º do RJAT, segundo o qual:
“2 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
a) a identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede ou, no caso de coligação de sujeitos passivos, do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;
b) a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) a identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objeto do referido pedido de pronúncia arbitral;
d) os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir;
e) a indicação do valor da utilidade económica do pedido;
f) o comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial, nos casos em que o sujeito passivo não tenha optado por designar árbitro ou comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem, caso o sujeito passivo manifeste a intenção de designar o árbitro;
g) a intenção de designar árbitro nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º
(…)”
-
Decorre do disposto na alínea b), supra mencionada, que do pedido arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários impugnados. Ora, atendendo ao enorme volume de documentação em causa, considera-se que a elaboração do Mapa Anexo, onde consta a identificação das liquidações, respetivos veículos, matrículas e valores de imposto cobrado, é suficiente para a identificação das liquidações impugnadas. Pelo que, à luz da exigência contida no nº2 do artigo 10º do RJAT, considera-se que os atos tributários impugnados encontram-se suficientemente identificados.
Assim, não existe dúvida sobre as liquidações que estão a ser impugnadas, as quais são apenas as identificadas na Lista Anexa ao pedido arbitral, em conformidade com a qual a Requerente configurou o seu pedido, no valor de €22.816,48.
Os elementos referenciados pela Requerente na Lista Anexa ao pedido arbitral podem, ainda, ser complementados com os documentos constantes do Processo Administrativo junto aos autos, do qual constam todos os elementos que integram o procedimento de reclamação graciosa que antecedeu o presente pedido arbitral.
-
Cabe referir que a própria ATA, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, usou de idêntico procedimento para sintetizar todas as liquidações reclamadas, elaborando uma nota anexa, na qual faz a análise das situações colocadas para apreciação, atribuindo a cada uma um código de referência (vd. PA junto aos autos). Como resulta da decisão final do procedimento de reclamação graciosa, junta ao PA, a própria ATA utilizou o mesmo processo de identificação das liquidações em causa, ao elaborar um Mapa com todos os elementos relevantes para o efeito, “considerando o enorme volume de documentos apresentados, a quantidade de viaturas objecto das reclamações…”.
-
Assim, do confronto da Lista/Mapa junta em anexo pedido arbitral, e do Mapa elaborado pela ATA em sede de reclamação a qual foi aceite em sede de reclamação graciosa como documento suficiente como base de análise para a decisão final deste procedimento, resulta que as liquidações impugnadas se encontram devidamente identificadas, bem assim como as viaturas a que respeitam e os anos em causa.
Idêntica conclusão se extrai do disposto no artigo 108º do CPPT, o qual refere que a impugnação será formulada em articulado, dirigido ao juiz do tribunal competente, “no qual se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou…”. O legislador não obriga à junção da liquidação mas sim à sua identificação.
Ao que acresce, o disposto no artigo 16º do RJAT, o qual estabelece os princípios do processo arbitral, entre eles o princípio da livre condução do processo, este Tribunal considera que estando devidamente identificadas as liquidações impugnadas, quer no Mapa anexo ao pedido arbitral, quer no PA junto aos autos pela Requerida, está cumprida a exigência prevista no RJAT para o conhecimento do pedido, pelo que não há razão para considerar procedente a exceção invocada pela ATA.
-
Nestes termos, considera este Tribunal improcedente a alegada exceção.
-
Quanto às questões de direito suscitadas pelas partes, considerando as posições assumidas e os argumentos apresentados por ambas, há que apreciar três situações distintas configuradas pela Requerente no seu pedido arbitral, reconduzidas ao vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos, há que distinguir os três grupos de situações identificadas pela Requerente no seu pedido arbitral, a saber.
a) Liquidações de imposto relativas a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador, os quais correspondem às primeiras 87 situações identificadas na Tabela Anexa ao pedido arbitral;
b) Liquidações de imposto relativas a viaturas com contrato de leasing vigente à data do facto gerador;
c) Liquidação de imposto que já fora liquidado e pago anteriormente, o qual vem referenciado na última situação descrita na Tabela Anexa, junta ao pedido arbitral.
-
Posto isto, as questões de direito a decidir são as seguintes:
a) Sentido e alcance da norma de incidência subjetiva prevista no artigo 3º, nº 1 do CIUC, nomeadamente saber se este dispositivo legal prevê uma presunção ilidível ou, ao invés, uma ficção legal, insuscetível, por isso, de ser ilidida mediante prova em contrário;
b) Sentido e alcance do disposto no nº 2 do artigo 3º e do artigo 19º, todos do CIUC, aplicáveis aos casos em que existam contratos de leasing;
c) Valor jurídico do registo dos veículos automóveis;
d) Valor probatório dos documentos juntos aos autos pela Requerente para ilidir a presunção, provar a existência dos alegados contratos de leasing e a duplicação de coleta.
A) Quanto à Interpretação do artigo 3º, nºs 1 e 2 do CIUC
-
Invoca a Requerente que, com referência aos atos de liquidação cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador, não se encontram preenchidos os pressupostos de incidência subjetiva previstos no artigo 3º do CIUC, não sendo, por isso, sujeito passivo de IUC. Invoca que, à data dos factos tributários, já não era proprietária das referidas viaturas (no caso as identificadas no mapa anexo como primeiras 61 situações) e, em consequência, as liquidações devem ser anuladas por manifesta falta de responsabilidade subjetiva pelo seu pagamento.
-
Para o efeito alega, em síntese, que o artigo 3º do CIUC estabelece uma presunção implícita de propriedade dos veículos a favor de quem os mesmos se encontrem registados, presunção essa que, por força da aplicação da regra geral prevista no artigo 73º da Lei Geral Tributária, é ilidível mediante prova em contrário. Já para a Requerida, o artigo 3º do CIUC não estabelece qualquer presunção implícita, mas uma verdadeira ficção legal, inilidível.
-
Ora, com referência a esta questão é já abundante a jurisprudência arbitral emanada nos últimos anos, da qual destacamos as decisões proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de outubro, 26/2013-T de 19 de julho, 27/2013-T, de 10 de setembro, 217/2013-T de 28 de fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de maio de 2014, 293/2013-T, de 9 de junho de 2014, 46/2014-T de 5 de setembro, 246 e 247/2014 T, de 10 de outubro, entre outros. Alega, por sua vez, a Requerente que a jurisprudência arbitral não é uniforme, citando ela própria diversas decisões arbitrais de sentido diverso das que são invocadas pela Requerente, citando, entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos 126/2014-T, 220/2014-T. A esta jurisprudência arbitral acresce a mais recente jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 19-03-2015, proferido no processo nº 08300/14.
-
Mas, vejamos qual deverá ser, de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica, o sentido e alcance do disposto no artigo 3º nº 1 do CIUC. Dispõe o nº 1, do artigo 3º do CIUC:
“São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. “
Da simples leitura do número um do indicado preceito verifica-se, sem grandes dificuldades, que a pedra de toque está na expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador. Deverá entender-se que o legislador pretendeu estabelecer uma presunção implícita ou uma verdadeira ficção legal?
-
Importa atender a alguns conceitos de referência para encontrar a resposta mais adequada a esta questão., tais como o disposto no artigo 349º do Código Civil, segundo o qual “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”
Já segundo o nº 2 do artigo 350º do Código Civil, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.
Acresce, no que diz respeito, em concreto, às presunções de incidência tributária, que segundo o artigo 73º da Lei Geral Tributária, estas admitem sempre prova em contrário.
Situação diversa, à qual, por vezes, o legislador recorre, é a que se designa por “ficções legais”, as quais consistem “num processo jurídico que considera uma situação ou um facto como distinto da realidade para lhe atribuir consequências jurídicas”[1]
-
De acordo com a tese reiteradamente defendida pela Requerida ATA em diversos processos idênticos ao que se discute nos presentes autos, o facto do artigo 3º, nº 1, do CIUC estabelecer que se “consideram” como proprietários, ao invés de “presumem-se” como proprietários, revela que o legislador, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, pretendeu expressamente determinar que as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados se consideram, sem admissibilidade de qualquer prova em contrário, proprietários dos mesmos. E, ainda de acordo com a Requerida, se o legislador pretendesse criar uma presunção e não uma ficção legal, teria escrito, como faz em diversos outros diplomas, que se presumem proprietários e não que se consideram proprietários.
-
Pois bem, este Tribunal não pode sufragar tal entendimento. E, não se diga que esta é uma posição apenas plasmada nos sucessivos processos arbitrais que se debruçaram sobre este tema. Na verdade esta mesma posição foi recentemente sufragada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por Acórdão proferido em 19-03-2015, no processo nº 08300/14, no qual se afirma que “(…) o citado artigo 3º, nº1, do CIUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do art. 73º da LGT.” E, acrescenta o mesmo Acórdão, que “a ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347º do C. Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.”
-
Na verdade, como já foi salientado em diversas decisões arbitrais proferidas, a análise dos elementos histórico e teleológico, para além, naturalmente, do elemento literal, de interpretação legislativa, conduzem à conclusão lógica de que o legislador não pretendeu estabelecer qualquer ficção legal mas apenas e só uma presunção, ilidível mediante prova em contrário nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 73º da Lei Geral Tributária. Tratando-se de norma de incidência tributária outro entendimento seria claramente contrário aos princípios que regem a relação jurídica fiscal.
-
Assim, quanto ao elemento histórico, importa referir que o CIUC teve a sua génese na criação, através do DL 599/72, de 30 de Dezembro, do imposto sobre veículos, o qual já consagrava expressamente que o imposto era devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas em nome de quem os mesmos se encontram matriculados ou registados.[2]
-
Do mesmo modo, o artigo 2.º, do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.
Porém no CIUC, o legislador substituiu a expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se”, o que na perspetiva da Requerida traduziu a consagração de uma ficção legal, inilidível. Não consideramos que assim seja.
-
Na verdade, na versão atual do Código apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a atual entrou em vigor a LGT, que consagrou expressamente o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adoção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.
Como resulta vertido já em diversas decisões arbitrais, agora reforçadas pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, estamos perante uma presunção ilidível.
Além do que, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao nº 3, do artigo 73º, da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objetiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.
-
Acresce que são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros. Tal afigura-se normal, nomeadamente, no caso de outras normas fiscais em que o legislador utilizou a fórmula “considera-se” ou “consideram-se”, mas atribuindo-lhe outro sentido, já que se trata de expressões que, dependendo do contexto, podem assumir uma pluralidade de sentidos, sem que daí possa extrair-se a conclusão que pretende a Requerida.
-
Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções. E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático.
Afigura-se pacífico que, em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante.[3]
A título de exemplo, refere Jorge Lopes de Sousa, que no artigo 40º nº 1 do CIRS se utiliza a expressão “presume-se”, ao passo que no artigo 46º, nº 2 do mesmo Código se faz uso da expressão “considera-se”, não havendo qualquer diferença entre uma e outra expressão, ambas significando, afinal, o mesmo: uma presunção legal.[4]
Assim, não obstante o CIUC ter optado pela expressão “considera-se” em vez da expressão “presume-se”, daí não se extrai qualquer alteração de fundo, tendo ambas o mesmo significado, ou seja, a consagração de uma presunção ilidível.
-
Se atendermos ao elemento teleológico, idêntica conclusão se impõe. Na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, fica explícito o propósito de proceder a uma “reforma global e coerente dos impostos ligados à aquisição e propriedade dos veículos automóveis” a qual resulta da “necessidade imperiosa de trazer clareza e coerência a esta área do sistema fiscal e da necessidade, mais imperiosa ainda, de subordiná-la aos princípios e preocupações de ordem ambiental e energética que hoje em dia marcam a discussão da tributação automóvel.
(…) os dois novos impostos que agora se criam, o imposto sobre veículos e o imposto único de circulação, constituem muito mais do que o prolongamento técnico das figuras criadas nos anos 70 e 80 que os antecederam, voltadas predominantemente para a angariação da receita, indiferentes ao custo social resultante da circulação automóvel. Constituem algo diferente, figuras já do século em que vivemos, com as quais se pretende, com certeza, angariar receita pública, mas angariá-la na medida do custo que cada indivíduo provoca à comunidade.”
-
Nesta linha de pensamento o legislador consagrou o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, como um princípio fundamental no funcionamento do imposto, “deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária. É este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respetiva propriedade e até ao momento do abate”.
O IUC, enquanto verdadeiro imposto ambiental, elegeu como sujeito passivo o utilizador, o poluidor, em obediência ao princípio do poluidor-pagador. Este considerando é particularmente relevante, também, para uma correta interpretação do sentido e alcance a dar ao disposto no nº2, do artigo 3º do CIUC, referente ao caso dos locatários e outros utilizadores das viaturas automóveis. Na verdade, o princípio estruturante da reforma da tributação automóvel é justamente a incidência da tributação sobre o verdadeiro utilizador do veículo, não se coadunando este princípio com a leitura “cega” da letra da lei, que poderia levar, afinal, a tributar quem não fosse proprietário e, dessa forma, quem não fosse o sujeito causador do “custo ambiental e viário” provocado pelo veículo, a que alude o artigo 1º do CIUC.
-
Nesta conformidade, considerando os elementos de interpretação da lei, supra referidos, somos conduzidos à conclusão de que a expressão “considerando-se” tem exatamente o mesmo sentido que a expressão “presumindo-se”, devendo, desta forma, entender-se que o artigo 3º, nº 1, do CIUC, consagra uma verdadeira presunção de propriedade e não qualquer ficção, sendo, por isso, tal presunção ilidível. Pelo que, o sujeito passivo do imposto é, em princípio, o proprietário, porque a lei presume que ele próprio utiliza o bem. Mas se se provar que não é o proprietário quem faz uso do veículo, mas um terceiro, como sucede com os locatários, então será este, o sujeito passivo do imposto. Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel.
-
Neste sentido, também as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 150/2014-T e 220/2014-T, confirmam o mesmo entendimento já plasmado em decisões arbitrais anteriores, entre as quais, a que é invocada nos autos pela Requerente. Ainda a este propósito, e no mesmo sentido, refere o Acórdão arbitral nº 63-2014-T, de 15 de Setembro, que: “(…) se o legislador tivesse, como pretende a Requerida, estabelecido na lei uma qualificação não presuntiva sobre quem é proprietário dos veículos (uma ficção legal), estaria com isso a estabelecer, através de uma diferente formulação, uma regra em tudo idêntica à regra hipotética referida. Estaria a fazer assentar a incidência subjectiva do imposto numa ficção legal, em total desconexão com uma qualquer substância económica como base da incidência subjectiva. (…) E, se assim é, forçoso será também concluir que o artigo 3º, n.º 1, só pode estabelecer uma presunção de propriedade do veículo, mesmo com todas as consequências negativas que essa conclusão acarretará, decerto, em termos de eficiência da administração do imposto.”
-
Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º, da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal. A tudo o que se deixa supra exposto acresceria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respetivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT. Esta interpretação está, ainda, em sintonia com o princípio enunciado no artigo 11º, nº 3, da Lei Geral Tributária, que estabelece, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias que «deve atender-se à substância económica dos factos tributários» e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários.»
A idêntica conclusão chegou o Tribunal Central Administrativo Sul no supracitado Acórdão de 19-03-20015. A presunção de propriedade resultante do registo automóvel pode ser afastada “por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.”
-
De resto, só assim se cumpre o princípio da equivalência subjacente à reforma do imposto único de circulação. A propósito desta questão a posição vertida na Decisão Arbitral nº 286/2013-T, de 2 de Maio de 2014, é bastante esclarecedora ao afirmar:
“É este princípio (da equivalência) que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate, o emprego comum de uma base tributável específica, a revisão do quadro de benefícios fiscais vigente e a afectação de uma parcela da receita aos municípios da respectiva utilização. Ora, pretender, como o faz a Requerida, que o legislador, no art. 3.º, n.º 1 do CIUC, fixou, seja qual for o meio técnico subjacente, a incidência subjetiva do imposto nas pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, com total independência de serem ou não, no período tributário relevante, titulares do direito de utilização do veículo, maxime da sua propriedade, implicaria desprezar aquela finalidade que preside à normatividade tributária, bem manifestada na incidência objectiva e na base tributável associada às diversas categorias de veículos (cfr. arts 2.º e 7.º do CIUC). É que uma inscrição registal, sem correspondência com a titularidade subjacente, nenhuma valia possui para dar satisfação e cumprimento a tal finalidade, pois não são as pessoas em nome de quem os veículos se encontrem inscritos quando não sejam titulares de direitos sobre a sua utilização que provocam custos ambientais e viários, mas antes tais custos ambientais e viários são causados pelos efetivos utilizadores dos veículos, nos termos das situações jurídicas substantivas pertinentes, mesmo que não constem, como deviam, do registo automóvel. O registo, na verdade, em nada depõe ou serve quanto ao princípio da equivalência estabelecido no art. 1.º do CIUC. Aliás, assumir que o elemento determinativo da incidência tributária subjetiva é simples e exclusivamente o registo automóvel também não permite afirmar uma ligação com uma qualquer manifestação de capacidade contributiva relevante, o que, via de regra, nos tributos não estritamente comutativos, é imprescindível, já que deve existir, sem prejuízo de exigências de praticabilidade, uma qualquer ligação efetiva entre o imposto e um pressuposto económico materialmente relevante capaz de fundamentar o tributo. A razão de ser da figura tributária afasta, pois, a ideia de que a incidência respectiva se prende estrita e exclusivamente com a própria inscrição registal da titularidade dos veículos tributários e não com as situações substantivas atributivas do direito de utilização dos veículos (art. 3.º, nºs 1 e 2 do CIUC) a que o registo se destina a dar publicidade (cfr. art. 1.º e art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações posteriores, que regula o registo automóvel).”
Ficamos, assim, reconduzidos á questão da análise dos meios de prova juntos aos autos, para demonstração cabal que o facto constante do registo não é verdadeiro, o que será analisado mais adiante.
-
Quanto ao segundo grupo de liquidações impugnadas pela Requerente, por alegadamente existirem contratos de leasing em vigor, há que ter em conta que, em sintonia com tudo o que se deixa exposto supra, o legislador instituiu uma regra explícita para os contratos de locação, no nº 2, do artigo 3º do CIUC, segundo a qual, na vigência do contrato de locação são os locatários os sujeitos passivos de imposto, durante a vigência do contrato. Após a alienação das viaturas, quer essa alienação tenha ocorrido a favor dos anteriores locatários, quer tenha ocorrido a favor de terceiros por estes indicados, tornam-se sujeitos passivos os novos adquirentes. Pelo que, a locadora ou financeira que suporta a celebração dos contratos de locação ou mútuo para aquisição das viaturas, nunca é sujeito passivo do IUC, com referência às viaturas tituladas nos respetivos contratos desde que faça prova dos pressupostos acabados de enunciar. Ainda para este efeito, o CIUC, obriga à comunicação prevista no seu artigo 19º, de modo a responsabilizar as locadoras e financeiras pelo fornecimento à ATA dos elementos necessários à cobrança do imposto.
Na verdade, o ónus de saber se existe ou não contrato de leasing em vigor à data dos factos tributários, qual o seu início e qual o seu termo, bem assim como a identificação dos locatários, cabe à Requerente e não à ATA. Se esta não receber a informação em tempo útil sobre a existência e condições do contrato, apenas pode orientar-se pelas informações de que dispõe, consultadas as bases registrais e/ou do IMT.
Porém, o incumprimento do disposto no artigo 19º do CIUC implica, como a própria ATA alega, responsabilidade contra-ordenacional à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º n.º 4, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, punível com coima de € 300,00 a € 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira. Certo é que, o incumprimento do disposto no art. 19º do CIUC, não impede a Requerente de provar por recurso a meios de prova idóneos que os contratos de leasing que invoca e junta aos autos estavam em vigor à data dos factos tributários.
Mais uma vez, somos reconduzidos para a questão da análise dos meios de prova, apresentados pela Requerente para alcançar o propósito de demonstrar a existência desses mesmos contratos e respetivo período de vigência.
-
Em síntese, quanto às questões de direito a decidir nos presentes autos, a posição do tribunal arbitral, sufragando as posições já anteriormente plasmadas nas diversas decisões arbitrais proferidas, é a seguinte:
a) Quanto ao primeiro grupo de situações referidas pela Requerente, reportando-se às 87 liquidações de IUC relativas a viaturas cuja propriedade foi alegadamente transmitida previamente ao facto gerador, considera-se que a presunção inscrita no nº1, do art.º 3º, do CIUC, configura uma presunção ilidível, que corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objetivos almejados pelo legislador.
b) Quanto ao segundo grupo de situações referidas pela Requerente, reportando-se aos casos de liquidações que versam sobre viaturas utilizadas pelos respetivos locatários por força dos contratos de leasing, considera-se necessário que a requerente prove que os mesmos se encontravam em vigor ao tempo dos factos tributários. Feita essa prova, parece evidente que os responsáveis pelo pagamento do IUC são os próprios locatários, já que outro entendimento implicaria aceitar a possibilidade de tributar pessoas coletivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, violando o princípio da equivalência, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto, frustrando em absoluto os propósitos reguladores da própria lei, ou seja, a sua verdadeira ratio legis.
c) Quanto à última liquidação impugnada com fundamento em prévio e atempado pagamento desse valor, resta averiguar a prova apresentada pela Requerente do facto alegado.
-
Por tudo o que fica exposto, este tribunal não acompanha o entendimento vertido na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do processo nº 210/13.0BEPNF, que reiteradamente tem sido invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente, quando afirma que “a propriedade e a posse efetiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjetiva e objetiva e do facto gerador do imposto”. De resto, o entendimento vertido nesta Sentença, longe de representar um entendimento pacífico sobre esta questão, veio a ser contrariado pelo entendimento recentemente vertido Acórdão do TCA Sul, de 19-03-2015, já supra referido.
B) Quanto aO valor jurídico do registo automóvel
-
O tratamento das questões anteriores já antecipam, de algum modo, a apreciação desta outra, que se prende com saber qual o valor jurídico do registo automóvel.
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 1º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, que instituiu o Registo da Propriedade Automóvel, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Acrescenta o artigo 7º do Código do Registo Predial, legislação supletiva do registo de automóveis, que “o registo definitivo constituiu presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
-
O registo de propriedade automóvel (e não só) não tem natureza constitutiva, mas meramente declarativa, permitindo apenas a inscrição no registo presumir a existência do direito e a sua titularidade. Logo, a presunção resultante do registo pode ser ilidida mediante prova em contrário, o que, aliás, se concerta com o entendimento vertido na apreciação das questões anteriores. E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408º do Código Civil, salvas as exceções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente da inscrição no registo. [5]
-
No caso de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, não prevendo a lei qualquer exceção para o mesmo, o contrato tem eficácia real, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo, bem assim como o titular inscrito no registo deixará de ser o proprietário, pese embora ainda possa constar, por algum tempo ou mesmo muito, do registo como tal. De notar ainda que, as transmissões efetuadas são oponíveis à Requerida, apesar do disposto no nº 1, do artigo 5º do Código do Registo Predial, que dispõe: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros quando registados.”
Isto porque a AT não é terceiro para efeitos de registo, no contexto previsto na lei. A noção de terceiros para efeitos de registo está consagrada no nº 4 do mesmo artigo 5º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, o que, manifestamente não é o caso da AT.
-
A transmissão da propriedade de um bem móvel, ainda que sujeito a registo, como sucede com um veículo automóvel, opera por mero efeito do contrato, nos termos previstos no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil. O contrato de compra e venda tem natureza real, isto é, a transmissão da propriedade da coisa vendida, ou a transmissão do direito alienado, tem como causa o próprio contrato. As viaturas automóveis são bens móveis, cuja transmissão de propriedade não obedece a formalismo especial. No direito português o facto que determina a transmissão da propriedade de um bem móvel (ainda que sujeito a registo) é o contrato expresso pela vontade das partes. Tanto assim é que o comprador torna-se proprietário do veículo vendido mediante a celebração do contrato de compra e venda, independentemente do registo o qual se assume como condição de eficácia e oponibilidade face a terceiros adquirentes.
-
Assim, a prova da existência deste contrato de compra e venda, pode ser efetuada por qualquer meio, sendo a fatura um documento contabilístico idóneo para este efeito se acompanhada do meio de pagamento que comprove que a transação se concretizou. O carácter unilateral da fatura não lhe retira o valor de documento fiscal nem a possibilidade de ser utilizada como um documento probatório que conjugadamente com outros permitam concluir pela concretização do negócio. As Faturas são documentos que se revestem de particular força legal e contabilístico, por força das regras vigentes em sede de IVA e de Imposto sobre o Rendimento, sendo certo que as Faturas titulam vendas, transações ou prestações de serviços que se presumem verdadeiras por força da presunção de veracidade instituída no artigo 75º da LGT. Esta regra é, aliás, um princípio básico de organização contabilística e fiscal essencial à segurança no funcionamento das transações comerciais. Mas, tratando-se de uma presunção, nada impede a demonstração da sua falsidade ou inadequação face aos requisitos legais estabelecidos no artigo 36º do CIVA.[6] Trata-se, também neste caso de uma presunção ilidível, cabendo, neste caso, o ónus da à ATA. No caso dos autos a ATA questiona a veracidade das segundas vias das faturas juntas aos autos pela Requerente, as quais no seu entender revelam incongruências, conteúdos diversos e, fundamentalmente, daquelas não resulta provada a transmissão da propriedade, já que se trata de documentos unilaterais.
-
Em síntese, uma vez que a presunção resultante do registo é ilidível, resta analisar se no caso em apreço, considerando os elementos de prova juntos pela Requerente nos presentes autos, se tal presunção foi ou não ilidida.
Assim, as faturas apresentadas pela Requerente beneficiam, como se disse da presunção de veracidade contida no artigo 75º da LGT, desde que cumpram os requisitos legais e demonstrem a correspondência à realidade de facto que a Requerente pretende demonstrar nos autos: a transmissão da propriedade das viaturas. Vejamos, pois, se tal prova resulta conseguida nos autos, pois que disso depende a correta decisão a proferir.
C) Quanto ao valor probatório dos documentos constantes dos autos para ilidir a presunção
-
Como resulta da matéria provada nos presentes autos, à data dos factos tributários referenciados aos anos de 2009 a 2012, as viaturas identificadas no Mapa anexo ao pedido arbitral constavam no registo automóvel como sendo propriedade da Requerente.
-
Tendo em conta tudo o que se expôs supra quanto ao regime aplicável nesta sede, resta analisar se a Requerente apresentou meios de prova bastantes e suficientes para afastar a presunção resultante do registo automóvel. Os meios de prova juntos aos autos pela Requerente consistem em 76 documentos, dos quais os primeiros 54 são segundas vias de faturas relativas às viaturas constantes do MAPA Anexo ao pedido arbitral, e os restantes são cópias de contratos de leasing (vd. docs. 55 e seguintes). Analisada a documentação junta aos autos pela requerente verificam-se as seguintes falhas: os documentos referenciados no Mapa Anexo como documentos nºs 40,51,52,53, 73, 74 e 75 não se encontram juntos aos autos. O mesmo sucede com o documento referenciado no pedido arbitral como comprovativo do pagamento da última liquidação impugnada.
-
A Requerente não juntou cópias das declarações de venda das viaturas que alega ter alienado antes da ocorrência dos factos tributários nem dos documentos contabilísticos ou bancários para comprovar que as faturas em causa foram aceites e pagas pelos seus destinatários, de modo a permitir concluir que a transmissão da propriedade ocorreu realmente.
-
Também no que respeita aos contratos de leasing juntos aos autos, que alega estarem em vigor à data da ocorrência dos factos tributários, verifica-se que muitos deles não têm aposta a data da celebração do contrato e, sobretudo, nada prova que à data da ocorrência dos factos tributários aqueles contratos se encontravam em vigor. É sabido que um contrato tem um período de vigência atribuído pelas partes durante o qual podem ocorrer diversas vicissitudes, tais como: a resolução antecipada do contrato, a resolução com fundamento no incumprimento superveniente, a destruição da coisa por acidente ou por facto fortuito, a cessão de posição contratual, entre outras.
Dito isto, é forçoso concluir que para provar a vigência de um contrato de leasing à data em que ocorre o facto tributário, não basta a mera junção da cópia do contrato, sendo necessário demonstrar que, à data, o contrato se encontrava em vigor com o locatário nele identificado. Esta prova pode ser alcançada com a junção aos autos de documentos contabilísticos e bancários que provem os pagamentos das prestações em vigor ou do valor residual previsto no contrato, à data em que ocorrem os factos tributários. A Requerente não alcançou tal prova.
-
Na verdade as segundas vias de fatura juntas têm descritivos muito diversos, como por exemplo: “rescisão” (vd., por exemplo, Doc. 1, 9 e 13 juntos ao pedido arbitral), “valor residual” (vd. por exemplo doc. 6, 8 e 25 juntos ao pedido arbitral), “perda total – Império Bonança” (Doc. 16 junto ao pedido arbitral, entre outros), “rescisão” (vd. por exemplo, Doc. 9 junto ao pedido arbitral).
Ficamos, pois, sem saber quem e a que título usava as viaturas à data em que ocorreram os factos tributários. Nos restantes casos, as faturas, só por si não permitem concluir se foram ou aceites e pagas pelos seus destinatários e se foram estes os adquirentes efetivos dos bens. Tal dúvida podia ser esclarecida pela junção dos documentos comprovativos de pagamento dos respetivos valores faturados ou, melhor ainda, pela junção aos autos das declarações de venda emitidas para finalização das transações e regularização do registo automóvel.
Ora, das segundas vias de faturas, bem assim como dos contratos juntos aos autos, sem acompanhamento de nenhum outro documento não é possível a este Tribunal concluir se à data da ocorrência dos factos tais contratos estavam ou não em vigor, ou se as transmissões ocorreram ou não para os destinatários identificados nas faturas.
-
Por fim, quanto à última liquidação impugnada, a Requerente também não juntou o comprovativo do alegado pagamento, cujo ónus da prova lhe cabia.
-
Do processo administrativo junto pela ATA, não constam outros documentos que alterem a análise deste Tribunal, sendo certo que a afirmação da AT quando diz que a Requerente não junta aos autos “um único contrato de leasing” não corresponde à verdade. A Requerente junta os contratos de leasing que se encontram em anexo ao pedido arbitral com os nºs de documento 54 a 76 (com algumas falhas já supra mencionadas). Coisa diferente é saber se tais contratos fazem prova do facto essencial invocado pela Requerente, o que nos presentes autos não sucedeu.
-
Ao supra exposto acresce que a Requerente não prova ter efetuado a comunicação prevista no artigo 19º do CIUC, a qual se existisse com referência às viaturas e aos contratos em causa nos autos, poderia ser suficiente para a realização do ónus da prova que onera a Requerente, quanto ao segundo grupo de liquidações impugnadas. Ou, alternativamente, a junção de algum outro documento contabilístico ou comprovativo de pagamento da mensalidade acordada em cada um dos contratos com referência á data dos factos tributários, o que poderia fazer prova que aqueles mesmos contratos estavam em vigor à data da ocorrência dos factos tributários e, em consequência, permitiria decidir se o sujeito passivo de imposto era ou não a Requerente ou um determinado e concreto locatário, devidamente identificado.
Assim, seguindo os termos em que a Requerente configurou o seu pedido, conclui-se que:
A) Quanto ao primeiro grupo de situações referentes às primeiras 87 liquidações identificadas no Mapa anexo ao pedido arbitral:
63. Alega a Requerente que, à data em que ocorreram os factos tributários já havia transmitido a propriedade das viaturas para terceiros adquirentes. Para prova disso junta as segundas vias de Faturas, nas quais se menciona a matrícula da viatura, o nº de Cliente, a identificação do destinatário. No descritivo cada documento tem uma menção distinta, por exemplo: no Doc. nº 1 a menção é de “valor residual”, já nos Docs. 3, 7 e 8 a menção é de “venda de bem em crédito”, cujo significado nos deixa muitas dúvidas que possa ter como subjacente uma transmissão de propriedade. Mas, já no doc. nº 5 figura no descritivo ”Perca total seguradora”. Ora, por tudo o que se expôs supra, apenas com estes elementos não fica provado o alegado pela Requerente, ou seja, que à data dos factos tributários, já não era a Requerente mas um terceiro determinado, o proprietário da viatura em causa.
64. Acresce que, em todas as segundas vias de faturas juntas aos autos, consta a expressão “válido após boa cobrança”. Esta menção consta de todos os documentos juntos aos autos pela Requerente. Assim, parece evidente que os descritivos dos documentos em análise não permitem concluir, sem mais, pela existência de compras e vendas subjacentes, dada a diversidade de situações descritas e a ausência de comprovativos de pagamento das faturas emitidas. Mas, tal dúvida podia ter sido esclarecida e a prova da transmissão de propriedade ficaria demonstrada, se a Requerente juntasse aos autos as cópias das declarações de venda relativas a cada um dos veículos em questão, as quais tiveram de ser emitidas e entregues aos respetivos compradores para a conclusão do negócio e posterior alteração do registo de propriedade, ou o documento contabilístico que provasse cabalmente o pagamento do valor residual do contrato. Certamente, se existiram todas essas transmissões de propriedade, as declarações de venda foram devidamente preenchidas e o processo documental convenientemente concluído com a emissão do recibo, porquanto as financeiras não têm por regra enviar os documentos que finalizam o processo para o novo proprietário sem conferirem antecipadamente o pagamento do valor da última fatura, valor residual e encargos inerentes. Aliás, é por isso que os documentos juntos aos autos contêm a indicação de “válido após boa cobrança”. Claro que, a Requerente, dada a sua dimensão e estrutura empresarial, certamente dispõe de todos os processos devidamente organizados e de cópias de todos os documentos de formalização dos negócios. Não é credível que apenas disponha de segundas vias de faturas.
Chegados aqui, importa acrescentar que no caso do financiamento de aquisição automóvel através de contratos de leasing ou de idêntica natureza, a finalização do processo pode conduzir à aquisição da viatura pelo próprio titular do contrato ou por um terceiro que este indique, sendo que o Cliente pode optar por não pagar o valor residual e optar por formalizar um novo contrato para aquisição de uma nova viatura, ficando a anterior na propriedade da financeira. Não sabemos com suficiente grau de certeza o que sucedeu nos casos enunciados nos presentes autos.
65. Em síntese, considera este tribunal que as faturas são um tipo dos meios de prova da ocorrência das transmissões de propriedade se acompanhadas de algo mais que não deixe dúvidas sobre a concretização daquele negócio em concreto com aquele adquirente que é identificado no documento e com indicação das datas de celebração e conclusão do contrato. Ora, a Requerente não juntou outros documentos, para além das ditas segundas vias, donde resulte provado que o negócio se concluiu. Cabia à Requerente fazer essa prova e teve oportunidade de o fazer. No âmbito da Reclamação graciosa esta questão já tinha sido colocada e no âmbito do direito de audição a Requerente não juntou outros elementos de prova, nomeadamente as cópias dos contratos e leasing, as declarações de venda, ou os recibos comprovativos dos pagamentos dos valores faturados.
66. É numerosa a jurisprudência arbitral que tem vindo a exigir que a prova da transmissão da propriedade seja efetuada pela junção das respetivas faturas acompanhadas de outros elementos que não permitam qualquer dúvida sobre a efetiva concretização do negócio.[7] Este entendimento foi sufragado, no essencial, no Acórdão TCA Sul de 19-03-2015, A este propósito, aliás, recorde-se a jurisprudência do Acórdão TCA Sul, já supra mencionado, na qual claro que a prova da fatura poderá ser complementada com qualquer outra donde decorra a existência, o pagamento ou quitação da transação.
67. Quanto à posição já vertida em algumas decisões arbitrais, segundo a qual “uma factura não é apta a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente” importa referir que, a invocada falta de valor probatório tem de ser devidamente contextualizada e analisada em função das condicionantes do caso concreto. Não podendo resvalar para exigências de prova impossível ou diabólica. A propósito da questão da prova e da acrescida dificuldade da prova de factos negativos, deve ser tido em conta, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina “iis quae difficilitoris sunt probationis leviores probationes admittuntur”.[8] Estas exigências de prova devem ser acompanhadas das cautelas devidas e impostas pelo princípio da proporcionalidade, sob pena de imposição de exigências de prova que tornariam impossível o afastamento da presunção, transformando-a em presunção absoluta e inilidível o que de todo se aceita como possível. Assim, os requisitos de prova para o afastamento da presunção não podem ser tão exigentes que, resultem numa impossibilidade pratica de ilidir a presunção ou, dito de outro modo, só lograr a sua ilisão se o alienante provar ter efetuado o próprio registo, substituindo-se ao próprio adquirente, invertendo as regras normais de funcionamento do registo. Essa seria uma solução equivalente a tornar a presunção inilídível o que se considera inaceitável nos termos já supra expostos.
No caso dos presentes autos não se exige nada que a Requerente não deva ter em arquivo na sua contabilidade bem assim como documentado em cada processo individual de cada cliente ou contrato celebrado.
68. Entende este Tribunal que a Fatura acompanhada de outros elementos (declarações de venda, contratos, recibos ou outros) permite, com razoabilidade aferir se o negócio se concretizou ou não. Exigir a prova a partir da junção deste tipo de documentos afigura-se razoável e proporcional, sobretudo quando a Requerente é uma financeira que desenvolve toda a sua atividade concentrada nas operações de financiamento de aquisição de viaturas automóveis, a qual se caracteriza pela celebração de contratos escritos, devidamente documentados, desde o seu início até ao seu termo. No caso dos presentes autos, a verdade é que a Requerente não juntou meios de prova suficientes, para ilidir a presunção resultante do registo, pelo que terá de improceder o pedido formulado pela Requerente.
B) Quanto ao segundo grupo de situações mencionadas pela Requerente:
69. Alega a Requerente a existência de contratos de leasing em vigor ao tempo da ocorrência dos factos tributários. Porém, mais uma vez, a Requerente falhou a concretização da prova. Mas, como já se disse supra, a Requerente juntou alguns desses contratos, os quais revelam falhas quanto à aposição das datas de celebração, mas sobretudo não permitem ao tribunal aferir se, efetivamente, estavam ou não ainda em vigor à data dos factos tributários. Assim, o Tribunal para aferir se estes contratos estavam ou não em vigor, com aqueles sujeitos neles identificados, precisaria de algum outro documento complementar, por exemplo um documento contabilístico que ateste o pagamento da mensalidade ou do valor residual ao tempo em que ocorreu o facto tributário. Tal não sucedeu nos presentes autos.
Dos documentos juntos aos presentes autos, em conformidade com todo o exposto supra, o Tribunal não pode concluir com suficiente grau de certeza se os referidos contratos se encontravam ou não em vigor à data dos factos tributários. Cabia à Requerente fazer prova desse facto, o que não sucedeu.
C) Quanto à situação da última liquidação impugnada por alegada duplicação da coleta
-
Relativamente à última situação descrita no Mapa Anexo ao pedido arbitral, a Requerente alega que a liquidação deve ser anulada com fundamento em duplicação da coleta, já que a Requerente havia efetuado anteriormente o pagamento desse valor. Mas, mais uma vez, no que toca a esta alegação a Requerente não junta qualquer meio de prova do pagamento efetuado. Ora, segundo as regras gerais do ónus da prova já supra mencionadas, a prova do facto cabe a quem o alega, no caso, à Requerente.
-
O documento que referencia como comprovativo de pagamento, certamente por lapso, não comprova tal pagamento. Assim, o último documento junto aos autos, com o nº 77, é um documento informativo sobre o registo automóvel de uma outra viatura, o que em nada permite concluir quanto ao alegado pagamento. Alega, ainda, a Requerente que o referido pagamento “pode ser facilmente comprovado pela ATA através do acesso aos registos tributários do Requerente.”
Sucede que o ónus da prova cabe à Requerente e não à AT.
-
Cabia à Requerente fazer a prova dos factos alegados no pedido arbitral o que não sucedeu. Acresce a circunstância da Requerente, como qualquer contribuinte, mormente de estrutura empresarial, poder aceder via internet ao Portal das Finanças e extrair o comprovativo de tal pagamento para juntar aos autos. Não tendo feito prova do pagamento prévio que alega, não pode este tribunal considerar como provado tal facto.
Em consequência, não resulta provada a alegada duplicação de coleta, pelo que, também nesta matéria o pedido se considera improcedente.
V - do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios
-
Face a todo o supra exposto a propósito da decisão das questões anteriores ficam prejudicado o conhecimento deste pedido.
VI - DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:
A) Considerar improcedente a exceção deduzida pela Requerida;
B) Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral.
VII - VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 305º, nº 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €22.816,48.
VIII - CUSTAS: Nos termos do disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €1.224,00, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 9 de outubro de 2015
O Árbitro singular,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Neste sentido, cfr: PARDAL, F. RODRIGUES. “O uso de presunções no direito tributário”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 325-327, página 20 e ss.
[2] Neste sentido, vd.. artigo 3º do Regulamento do Imposto sobre Veículos, anexo ao indicado DL 599/72, de 30 de Dezembro.
[3] A este propósito, cfr. LOPES DE SOUSA, J. (2011) Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado. Volume I. 6ª Edição. Áreas Editora: Lisboa. Pág. 589 e ss.
[4] Cfr. Ob. Cit., pág. 590 e ss.
[5] Neste sentido, vd, entre outros, os seguintes Acórdãos do STJ: Ac. STJ de 31.05.1966, in Proc. nº 060727 (Relator: Conselheiro Lopes Cardoso), decisão especificamente referente ao registo automóvel; Ac. STJ de 5.05.2005 (Relator: Conselheiro Araújo Barros) e Ac. STJ de 14.11.2013, in Proc. nº 74/07.3TCGMR.G1.S1(Relator: Conselheiro Serra Baptista) exímios na afirmação do predomínio do princípio da substancia sobre a forma, valendo a prova, por qualquer meio idóneo, de quem é substantivamente titular do direito de propriedade, a qual faz ilidir a presunção do registo.
[6] A este propósito, vd. entre outras, a decisão arbitral proferida no processo nº 130/2014 – T.
[7] Cfr., entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais nºs 130/2014-T; 46/2014 – T; 125/2014-T, 212/2014-T; 217/2014T e 231/2014T, todos no sentido de considerar que a Fatura e meio de prova idóneo desde que acompanhada dos respetivos contratos de mútuo ou leasing e/ou outro meio de prova que permita concluir que o negócio se concretizou até final.
[8] Neste sentido, vd. Manuel de Andrade - «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, pág. 203; Assento do STJ nº 4/83 de 11-7-1983, in DR, I série, de 27-08-1983; Ac. STA de 17/10/2012, in proc. nº 0414/12, entre outros.
|
|