DECISÃO ARBITRAL
PROCESSO N.º 812/2014-T
1. RELATÓRIO
1.1.A…, contribuinte n.º …, apresentou em 15/12/2014, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo do ano de 2013, no montante total de € 12 468,00.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 05/02/2015 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 20/02/2015 ficou constituído o tribunal.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 27/02/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5.Em 09/04/2015 a Requerida apresentou a sua resposta e nesta solicitou a dispensa da realização da reunião arbitral do art. 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações.
1.6.O tribunal, no dia 04/05/2015 ordenou a notificação do Requerente para dizer se pretendia a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.
1.7.O Requerente em 19/05/2015 apresentou requerimento, no qual advoga que nada tem a opor quanto à dispensa de realização da sobredita reunião.
1.8.O tribunal em 11/06/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, concedeu prazo às partes para, querendo, apresentarem alegações finais e agendou a data de 03/07/2015 para a prolação da decisão final, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT.
2. SANEAMENTO
A cumulação de pedidos subjacentes ao de pronúncia arbitral é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e porque a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
São duas as posições em confronto, a do Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da Requerida na sua resposta.
Sintetizando, o Requerente entende que:
a) «Não consta de qualquer das(…)notificações, nem a fundamentação, nem a base legal do tributo cujo pagamento é visado pela Autoridade Tributária, e a que consta está errada…»;
b) «O prédio, apesar de constituído por 15 andares e divisões com utilização independente, não se encontra constituído em propriedade horizontal.»;
c) «Cada um dos andares independentes tem um valor patrimonial tributário atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre € 79 300,00 e € 187 240,00.»;
d) «O imposto devido pelas situações previstas na verba 28, deve ser liquidado anualmente em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira e deve ser pago nos prazos, termos e condições definidos no art. 120.º do CIMI e, havendo lugar à liquidação do imposto, o documento de cobrança é emitido nos prazos, termos e condições definidos no art. 119.º do CIMI…»;
e) «…resulta claro que a presente lei visou além do combate à fraude e evasão fiscais, a tributação especial e mais agravada da propriedade de luxo, designadamente, dos prédios urbanos luxuosos com valor superior a 1 000 00,00 de euros com afectação exclusivamente habitacional.»;
f) «De fora dessa tributação e, por isso mesmo, ficaram os prédios com afectação comercial e/industrial.»;
g) «Se assim foi e assim, se quis que fosse, como vem agora a Autoridade Tributária pretender tributar-se como prédio de luxo um prédio afecto simultaneamente a habitação e a comércio?...»;
h) «Por outro lado, verifica-se que a tributação deste novo imposto do selo, fica completamente afastada, relativamente a prédios com os mesmos valores e características, desde que se encontrem constituídos em propriedade horizontal, o que é, no mínimo, gerador de uma enorme desigualdade, desproporcionalidade e injustiça fiscal, quando, todas as fracções pertençam ao mesmo proprietário!»;
i) «Manda a lei(…) que em todas as vertentes da sua aplicação, seja em sede de apuramento, liquidação, cobrança e respectivos prazos, se sigam as disposições aplicáveis, com as necessárias adaptações, em sede de IMI…»;
j) «Por outro lado, a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por unidades ou divisões susceptíveis de utilização independente, obedece às mesmas regras da inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o IMI respectivo, bem como o novo imposto do selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes.»;
k) «Assim sendo, como é que se pode aceitar a interpretação e aplicação por parte da Autoridade Tributária, relativamente a este novo imposto da verba 28 da TGIS, de considerar o valor da totalidade do prédio e, não obstante, por força das disposições aplicáveis, ter de emitir notas de cobrança e liquidações individualizadas?»;
l) «A resposta só pode ser uma: não se pode aceitar essa solução, sob pena de violação do princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal, princípio esse que para efeitos da tributação estática do património se encontra – e bem – há muito consolidado; como aliás, e muito bem, foi já questionado pelo Exmo. Sr. Provedor de Justiça ao Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao que parece, até hoje, sem qualquer resposta!!!»;
m) «Este procedimento, o de considerar o valor da totalidade do prédio em propriedade vertical com unidades ou divisões de utilização independente, está em total oposição com o espírito subjacente à norma constante da verba 28 da TGIS aditada pela citada lei, a qual, expressamente, manda ter em conta o valor patrimonial utilizado para efeito de IMI.»;
n) «Prédio em propriedade horizontal ou em propriedade total, daquilo que resulta da conjugação que do mesmo é feita nos artigos 2.º e 6.º do CIMI e da prática jurídico-fiscal, é cada uma das unidades autónomas, que são individualmente avaliadas e pagam IMI separadamente – Prédio Urbano é, com certeza, a fracção de edifício em propriedade horizontal ou uma unidade autónoma de um edifício em propriedade total.»;
o) «O prédio objecto da tributação de que ora se reclama, não estando constituído em propriedade horizontal, é um prédio constituído por várias unidades autónomas e independentes, 12 destinadas a habitação, 2 destinadas a comércio e 1 a estacionamento, e não um conjunto de uma grande área destinada a habitação luxuosa do respectivo proprietário, em que Valor Patrimonial de qualquer dessas unidades é superior a € 1 000 000,00 de euros.»;
p) «Por outro lado, a existência de lojas e estacionamento no prédio retira-lhe o carácter exclusivamente habitacional que parece estar subjacente à letra da verba 28 da TGIS, pelo que, também por essa via não lhe seria aplicável o imposto do selo…»;
q) «Tributar desta forma o prédio dos autos é contrário às mais elementares regras e princípios de justiça, equidade fiscal e legalidade tributária, violadora dos mais elementares princípios da lei fiscal e da Lei Fundamental, hoje tão comummente esquecida, a Constituição da República Portuguesa, designada e respectivamente os artigos 5.º, 7.º e 8.º da LGT e artºs 101.º, 103.º, 104.º e 165.º da CRP, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.»;
r) «Devendo as liquidações de imposto do selo infra referenciadas ser anuladas em conformidade, sendo em consequência anuladas e dadas sem efeito as notificações para pagamento dos tributos indevidos seja no que concerne à 1ª como à 2ª e 3.ª prestações já notificadas ao contribuinte, com condenação da Autoridade Tributária no pagamento de todas as custas resultantes deste processo arbitral, tudo com as devidas, necessárias e legais consequências».
Doutro modo, advoga a Requerida que:
a) «O ora requerente é proprietário de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI…»;
b) «Encontrando-se o prédio de que é proprietário, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio.»;
c) «Assim, o ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto do selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietário de 15 fracções autónomas, mas sim de um único prédio.»;
d) «Tendo por adquirido este facto, o que o requerente pretende é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir uma discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal.»;
e) «…pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal...»;
f) «E o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito têm o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.º, n.º 2 da LGT…»;
g) «Por outro lado, ainda tendo em conta que, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.º, n.º 1 da LGT que remete, assim, para o Código Civil, o seu artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei.»;
h) «Ora a lei fiscal não comporta qualquer lacuna. Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.»;
i) «Não podemos, pois, aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal.»;
j) «Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do art. 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12º, n.º 3, do CIMI, cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.»;
k) «Os andares ou divisões independentes, avaliados nos termos do art. 12.º, nº 3 do CIMI, são considerados separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.»;
l) «Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.»;
m) «A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.»;
n) «Tal prédio não deixa, pelo facto de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal.»;
o) «O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28, nº 1, da Tabela Geral.»;
p) «É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.»;
q) Defende ainda que outra interpretação seria inconstitucional pois: «…violaria (…) a letra e o espírito da verba 28.1«. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).»;
r) «Cabe à lei – Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado – estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos.»;
s) «Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.»;
t) «É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, no sentido de que o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou divisão a divisão.»;
u) «Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.»;
v) «A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação…»;
w) «O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.»;
x) «Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.»;
y) «O facto do ora requerente legitimamente discordar dessa discriminação não implica a violação de qualquer princípio constitucional.»;
z) «O facto tributário do imposto do selo da verba 28.1 ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.».
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
4.1.1. O Requerente é proprietário do imóvel a que corresponde a inscrição ..., Urbano, União de Freguesias de Coimbra – ... (...), Coimbra.
4.1.2. Tal imóvel compreende 15 partes e andares com utilização independente, inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de Coimbra – ... (...) do seguinte modo:
a) Anexo, com um VPT de € 79 300,00, comércio;
b) Cave, com um VPT de € 187 240,00, estacionamento;
c) RC, com um VPT de € 178 060, 00, comércio;
d) 1.º Drt., com um VPT de € 105 770,00, habitação;
e) 1.º Esq., com um VPT de € 102 030,00, habitação;
f) 2 Drt., com um VPT de € 105 770,00, habitação;
g) 2 Esq., com um VPT de € 102 030,00, habitação;
h) 3.º Drt., com um VPT de € 105 770,00, habitação;
i) 3.º Esq., com um VPT de € 102 030,00, habitação;
j) 4º Drt., com um VPT de € 105 770,00, habitação;
l) 4º Esq., com um VPT de € 102 030,00, habitação;
m) 5º Drt., com um VPT de € 105 770,00, habitação;
n) 5º Esq., com um VPT de € 102 030,00, habitação;
o) 6º Drt., com um VPT de € 105 770,00, habitação;
q) 6º Esq., com um VPT de € 102 030,00, habitação.
4.1.3. O Requerente foi notificado das liquidações de imposto do selo relativas ao ano de 2013, em relação a cada uma de tais inscrições matriciais, com afectação habitacional, no montante global de € 12 468,00 e que se decompõem do seguinte modo:
a) 1º Dto., no montante de € 1057,70;
b) 1º Esq., no montante de € 1020,30;
c) 2º Drt., no montante de € 1057,70;
d) 2º Esq., no montante de € 1020,30;
e) 3º Drt., no montante de € 1057,70;
f) 3.º Esq., no montante de € 1020,30;
g) 4.º Drt., no montante de € 1057,70;
h) 4.º Esq., no montante de € 1020,30;
i) 5.º Drt., no montante de € 1057,70;
j) 5.º Esq., no montante de € 1020,30;
l) 6.º Drt., no montante de € 1057,70;
m) 6.º Esq., no montante de € 1020,30;
4.1.4. O imóvel identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2013.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa. De igual modo, também se deram como assentes os factos não impugnados.
5. O DIREITO
Em primeiro lugar, o Requerente imputa às liquidações em crise um vício formal, isto é, a falta de fundamentação de tais actos. Ou seja, sustenta que as liquidações não se encontram fundamentadas, pois, no seu juízo, não é possível perceber as razões da decisão, até porque não contêm qualquer motivação de facto e de direito.
Afirma a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que: «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n. 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.»[1]. Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da AT.
Na hipótese sub judice, é possível vislumbrar nas liquidações a referência à identificação matricial dos andares inscritos, ao seu valor patrimonial, ao ano do imposto, à data de liquidação, à verba da TGIS e à taxa utilizada para determinar o montante de imposto e, por último, ao valor da colecta. Razão pela qual, entende o tribunal que os actos se encontram suficientemente fundamentados, uma vez que contêm as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizada pela Requerida para a sua prática. Até porque, a falta de fundamentação imputada às mesmas, não constituiu qualquer obstáculo para que o Requerente solicitasse a sua anulação em articulado em que imputa às liquidações um rol de vícios. Em suma, os actos não padecem do vício de falta de fundamentação que o Requerente lhe imputa.
No que tange ao mérito, são duas as questões que o tribunal tem de decidir, apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das partes, andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou, se pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais partes. E, em segundo lugar, determinar se a interpretação que conclui que só há incidência de Imposto do Selo quando o VPT de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente é superior a € 1 000 000, viola o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.
Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
Assim, o art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1 %...»[2].
Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio com afectação habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do CIS necessário aplicar as normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.».
Ora, o conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo., Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.
No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com divisões ou andares susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio com afectação habitacional». Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma em propriedade horizontal à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[3].
Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT bem demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3 todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada parte, divisão ou andar objecto de utilização separada.
Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 12 andares/divisões do imóvel com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, 31 de Dezembro de 2013, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que os mesmos devem ser classificados como «prédio com afectação habitacional» de natureza urbana.
Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, isto é, o «valor patrimonial tributário para efeito de IMI».
A este respeito, como já se descreveu acima, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado) …» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto da inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio com afectação habitacional» de partes, andares ou divisões com utilização independente.
Ora, se nenhum dos andares do Requerente com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. E não é pelo facto de, como sustenta o Requerente, a afectação não ser habitacional em todos os andares com utilização independente, que se excluiria qualquer um deles da incidência da verba do Imposto do Selo em interpretação. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma, que as partes dissentem na sua interpretação: i) Que o andar susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000 e ii) Que o referido andar tenha uma afectação habitacional.
Defende ainda a Requerida que seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, a interpretação da verba 28.1 da TGIS diversa daquela que conclui que o VPT relevante para tal norma de incidência tem de ser o valor patrimonial tributário global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes. Se assim fosse, não se compreenderia a referência expressa ao «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». E esse, dúvidas não existem, é objecto de autonomização em relação a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente. De igual modo, também não encontraríamos argumento para a emissão de notas de liquidação autónomas. Acresce ainda que, perante a remissão expressa do art. 67.º, n.º 2 do CIS para o CIMI, no que concerne às matérias não reguladas, as partes, andares ou divisões com autonomia são enquadráveis nos prédios classificados como urbanos e habitacionais, cfr. art. 2.º, 3.º e 6.º, todos do CIMI. Deste modo, entende-se que a referida interpretação não padece de inconstitucionalidade.
Solicita finalmente o Requerente no seu pedido o «pagamento de custas e todos os encargos com o processo».
Ora as custas, no processo arbitral, denominam-se como expressa e concretamente descreve o art. 2.º, n.º 1 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, de taxa de arbitragem e incorporam as despesas emergentes da condução do processo arbitral e os honorários dos árbitros. Por outras palavras, não abrangem o reembolso de quaisquer outras despesas resultantes da lide ou os honorários dos mandatários judiciais. Na verdade, prevê o n.º 2, do último artigo citado que: «Os eventuais encargos decorrentes da designação de peritos, tradutores, intérpretes e outros encargos com a produção de prova são suportados directamente pelas partes.».
Razão pela qual, tem de improceder o pedido de condenação em encargos que, aliás, nem sequer estão alegados no pedido de pronúncia arbitral. Mas ainda que o estivessem, não tinha o presente tribunal competência normativa para condenar a Requerida no ressarcimento de tais encargos. Nesta linha, sustenta a jurisprudência: «Pelo que ao decidir condenar a Administração Tributária ao pagamento de outras despesas resultantes da lide, bem como aos honorários dos mandatários, extravasou o tribunal arbitral a competência – aliás, restritiva – que lhe está legalmente conferida, com o que padece a decisão arbitral proferida, nesta parte, do vício de pronúncia indevida…», cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12/06/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 6224/12 e em que foi relator o Exmo. Desembargador PEDRO MARCHÃO MARQUES.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide o tribunal julgar parcialmente procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos actos de liquidação objecto dos autos. No mais, indefere-se a pretensão do Requerente na condenação da Requerida ao pagamento dos encargos.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 12 468,00 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia) nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, na medida em que o pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo supra identificadas procedeu integralmente.
Notifique.
Lisboa, 3 de Julho de 2015
O árbitro,
Francisco Nicolau Domingos
[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01690/13 e em que foi relator o conselheiro ASCENSÃO LOPES.
[2] Na redacção em vigor à data do facto tributário.
[3] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013, na qual assumiu as funções de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.