Decisão Arbitral
1. Relatório
1.1 A… e B… com o número de identificação fiscal … e …, respectivamente, ambos com domicílio na Rua …, …-A, …-… …, doravante também designados por “Requerentes”, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a “Requerida”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).
1.2 Os Requerentes invocam que, quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quer parte das liquidações de IRS n.ºs 2010…., 2011…. e 2012…., relativas aos anos 2009, 2010 e 2011, padecem de vício material de violação de lei, devendo: (i) ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento do pedido de revisão oficiosa na medida em que recusou a anulação da parte indevida das liquidações de IRS supra identificadas; (ii) ser declarada a ilegalidade parcial destas liquidações (e serem consequentemente anuladas) na medida em que as mesmas não incorporam o direito à aplicação do regime de “casados” em IRS, mais concretamente anulação no que respeita aos montantes de € 7.382,81 (2009 – liquidação n.º 2010….), de € 12.009,19 (2010 – liquidação n.º 2011….) e de € 13.654,46 (2011 – liquidação n.º 2012….), num total de € 33.046,46; e (iii) ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso destes montantes e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados desde os pagamentos dos mesmos até ao seu integral reembolso.
1.3 Como fundamento do seu pedido, os Requerentes alegam em síntese que:
(a) Os Requerentes são sujeitos passivos de IRS cuja situação pessoal, à luz das normas legais aplicáveis, corresponde ao instituto jurídico da “união de facto”, situação que perdura há mais de 20 anos e que pode ser facilmente comprovada por qualquer meio legalmente admissível;
(b) Assim, e por preencherem os requisitos previstos no artigo 14.º do Código IRS, isto é, por terem o mesmo domicílio fiscal há mais de dois anos, os Requerentes podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente;
(c) Por desconhecimento de tal facto, entre 2009 e 2011, entregaram as suas declarações de IRS em separado, tendo na sequência das referidas entregas sido notificados das liquidações que pretendem agora ver parcialmente anuladas, dado não terem beneficiado, em face das declarações entregues separadamente, do quociente conjugal.
(d) Não beneficiaram os ora Requerentes do quociente conjugal, previsto no artigo 69.º do CIRS para apuramento da colecta de IRS, tendo sido gravemente prejudicados por isso;
(e) No que respeita às declarações relativas aos anos de 2009 a 2011, e por se encontrar esgotado o prazo previsto no artigo 59.º do CPPT para a entrega da declaração de substituição, por forma a eliminar os efeitos da tributação mais gravosa a que os Requerentes foram sujeitos – pelo facto de terem sido tratados como “solteiros”, quando na verdade se encontravam em “união de facto” – solicitaram a Revisão Oficiosa por parte da AT das liquidações de IRS de 2009, 2010 e 2011 em apreço, bem como o respectivo reembolso do imposto indevidamente pago em excesso, o qual foi objecto de indeferimento.
(f) O recurso a este expediente, em situações semelhantes às dos Requerentes, tem sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo – Acórdãos de 2 de Novembro de 2006 (Processo n.º 0604/06), de 5 de Novembro de 2005 (Processo n.º 0319/05) e de 11 de Fevereiro de 2005 (Processo n.º 0562/05), entendimento que tem sido também acolhido pela generalidade da doutrina.
(g) No caso em apreço, entenderam, e bem, os Requerentes que o erro material praticado nas suas declarações de IRS de 2009, 2010 e 2011 – de não terem mencionado a sua situação de “unidos de facto” – lesava, e lesa, fortemente os seus interesses dignos de tutela, porquanto conduziu ao apuramento de um montante de imposto superior ao devido quando não se omita a condição de “unidos de facto” dos Requerentes e o consequente direito (benefício) da aplicação do regime de “casados”, devendo a omissão ou lapso em causa (fruto de ignorância/errónea representação da lei à data) ser imputável aos serviços para efeitos de Revisão Oficiosa do acto tributário, nos termos legal e expressamente previstos na lei (cfr. artigo 78.º, n.º 2, da LGT).
(h) Ainda que se considerasse que o pedido de Revisão Oficiosa por erro imputável aos serviços não era aplicável ao caso em apreço, a Autoridade Tributária poderia, ainda assim, proceder à Revisão Oficiosa dos actos tributários com fundamento em injustiça grave ou notória, conforme previsto no número 4 do artigo 78.º da LGT acima transcrito.
(i) A conduta da AT, indeferindo o pedido de revisão oficiosa das liquidações em apreço, viola clara e grosseiramente os mais elementares princípios de direito fiscal vigentes no nosso ordenamento jurídico, em particular (i) princípio da legalidade tributária, (ii) princípio da igualdade, (iii) principio da justiça, (iv) princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, (v) principio da boa-fé, (vi) principio da capacidade contributiva e (vii) principio da proporcionalidade.
(j) O peticionado em sede de procedimento de revisão oficiosa foi indeferido pelo órgão competente com base, unicamente, no entendimento de que a lei (leia-se, um ofício-circulado invocado pela AT) não permitiria aos unidos de facto alterar a declaração inicial de IRS passando do regime de tributação separada para o regime da tributação como casados, sendo, pois, apenas com essa fundamentação, e não com outra, que não lhe pode ser acrescentada, que tem de ser apreciado.
(k) No entanto, a orientação genérica da AT em vigor durante 14 anos, e em vigor à data da apresentação das declarações de IRS cuja revisão está aqui em causa (Ofício Circulado n.º 2785, de 20/01/1998), permitia alteração subsequente das mesmas na hipótese dos contribuintes unidos de facto não terem exercido a opção pelo regime fiscal dos casados, ou seja, não considerava as declarações iniciais cristalizadamente irreversíveis na matéria aqui em causa (só considerava irreversível a hipótese contrária, de ter sido exercida a opção em referência).
(l) Donde que a rejeição por parte da AT da revisão das liquidações de IRS aqui em causa, para além de se basear numa orientação genérica posterior aos factos relevantes (aplicação retroactiva do ofício-circulado n.º 20162, de 29/10/2012), viola orientação genérica em vigor à data destes, violando com isto, directamente, o disposto no artigo 68.º-A, n.ºs 1 e 2, da LGT, e violando ainda o princípio da boa-fé previsto no artigo 10.º do CPA e no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição.
(m) O presente pedido de pronúncia arbitral deve, portanto, ser julgado procedente, por provado com as demais consequências legais.
1.4 A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contestação, tendo apenas junto aos autos cópia do processo administrativo. Na reunião a que alude o art 18.º do RJAT concordaram as Partes na apresentação de alegações escritas, tendo a AT alegado em síntese que:
(a) As liquidações foram efectuadas de acordo com os elementos voluntariamente entregues pelos sujeitos passivos, que nunca tiveram qualquer dúvida quanto à situação pessoal declarada em sede do IRS dos anos de 2009, 2010 e 2011;
(b) Encontrava-se decorrido o prazo para apresentação de declarações de substituição relativamente às liquidações dos anos de 2009, 2010 e 2011;
(c) Não existe qualquer fundamento que, à face da lei, possa justificar a procedência de um pedido de revisão oficiosa nos termos do disposto no art.º 78.º da LGT, designadamente, por estar ultrapassado o prazo para a formulação do pedido por iniciativa dos contribuintes (n.º 1), e por não existir, em absoluto, qualquer erro imputável aos serviços que pudesse justificar a revisão oficiosa por iniciativa destes, no prazo de 4 anos após o pagamento do imposto;
(d) Tão pouco se verificam os pressupostos que poderiam justificar a revisão do acto tributário com fundamento em injustiça grave ou notória, desde logo por não poder deixar de ser exclusivamente imputável aos contribuintes a tributação efectuada nos estritos termos em que entregaram as suas declarações de rendimentos;
(e) A pretensão dos requerentes é manifestamente improcedente face à doutrina administrativa da AT, que pretende claramente reduzir o exercício de opções motivadas pelo planeamento fiscal;
(f) Tendo-se a AT limitado a proceder às liquidações de acordo com os elementos voluntariamente declarados pelos contribuintes, é óbvio não existir qualquer direito ao pagamento de juros indemnizatórios, dado não estarem reunidos os pressupostos legais constantes do art.º 43.º da LGT: não apenas não existe qualquer erro, como jamais o mesmo poderia ser imutável à Administração, pois a existir erro no preenchimento das declarações foi o mesmo da responsabilidade exclusiva dos sujeitos passivos, bem assim como o facto de terem deixado passar o prazo de que dispunham para apresentar declarações de substituição, como o fizeram relativamente ao imposto do ano de 2012;
(g) Deve, portanto, o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.
1.5 Conforme já se referiu, a AT não apresentou contestação, tendo apenas junto aos autos cópia do processo administrativo. Na reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, realizada a 9 de Junho de 2015, as Partes concordaram com a apresentação de alegações escritas. Na referida reunião as Partes concordaram que não há excepções que o Tribunal deva apreciar antes da decisão e foi dispensada a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.
1.6 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostraram-se legítimas, a Requerente está regularmente representada por Advogado e não foram deduzidas excepções, cumpre, pois, apreciar e decidir.
2. Matéria de Facto
2.1. Factos que se consideram provados
(a) Com referência aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, os ora Requerentes são sujeitos passivos de IRS cuja situação pessoal, à luz das normas legais aplicáveis, corresponde ao instituto jurídico da “união de facto”.
(b) Entre 2009 e 2011, os Requerente entregaram as suas declarações de IRS em separado.
(c) Neste período, os Requerentes preenchiam os requisitos legais previstos no artigo 14.º do Código do IRS, por terem o mesmo domicílio fiscal há mais de dois anos, para efeitos da opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente.
(d) Em 17 de Outubro de 2013, os ora Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa, solicitando a revisão oficiosa das liquidações de IRS emitidas com referência aos exercícios de 2009 a 2011, pedido este objecto de indeferimento.
(e) A aplicação do coeficiente conjugal aos rendimentos obtidos pelos Requerentes traduzia-se numa poupança fiscal no valor de € 7.382,81, para o exercício de 2009, de €12.009,19, para o exercício de 2010 e € 13.654,46, para o exercício de 2011.
2.2 Factos que não se consideram provados e respectiva fundamentação
Não há factos relevantes para a decisão que se consideram não provados.
2.3 Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e correspondência não foram questionadas.
3. Matéria de Direito
A matéria de facto não é controvertida. De facto a própria AT reconhece que “no caso em apreço verifica-se que estão plenamente preenchidos os requisitos legais de que dependeria a aplicação do regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens” (Cfr. ponto 21 do indeferimento do pedido de revisão oficiosa).
Embora o Requerente venha arguir nas suas alegações escritas que “O acto administrativo de indeferimento de pedido de revisão oficiosa aqui em apreciação tem por fundamento exclusivo a invocação de que a lei (tal como por si entendida) não permitiria reverter o regime de tributação separada constante da declaração de IRS adicional, para o regime de casados”, defendendo a não apreciação da questão associada à tempestividade do pedido de revisão oficiosa, entende este Tribunal que, não obstante a inexistência de contestação da AT, esta questão foi invocada, quer no projecto de decisão, quer na decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS de 2009 a 2011, pelo que merece pronúncia.
A. Revisão do Acto Tributário
Estabelece o art. 78.º da LGT o seguinte:
“1 – A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 – Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 – A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 – O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 – Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 – A revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta pode efetuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 – Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização”.
No que respeita ao dever de revisão oficiosa dos actos tributários e aos seus limites temporais, faz-se referência, por todos, ao Acórdão do STA, de 06 de Outubro de 2005, proferido no âmbito do Processo n.º 0653/05, o qual refere expressamente que (i) “Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T”.; (ii) “O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei”; (iii) “A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior n.º 6) do art. 78.º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer”; e (iv) “O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.]”.
No mesmo sentido refere o Acórdão do STA, de 29 de Maio de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 0140/13, que: (i) “De acordo com o disposto no artº 78º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artº 131º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em auto liquidação”; (ii) “Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade – artº. 266°, n.° 2 da CRP”. (iii) “Face a tais princípios, não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo artº. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no artº. 2° do mesmo código”; e (iv) “Sendo assim, e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efetuado no prazo de quatro anos após a autoliquidação, deverá ser apreciado o respetivo pedido de revisão”.
Por fim, faz-se referência ao Acórdão recentemente proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, a 21 de Maio de 2015, no âmbito do Processo n.º 07787/14, que, com base nos Acórdãos supra referidos e também no Acórdão do STA, de 29 de Outubro de 2010, proferido no âmbito do Processo 01540/13, reportando-se a situação análoga (no sentido da liquidação objecto de revisão oficiosa ter sido efectuada com base em dados declarados pelo contribuinte), igualmente em sede de IRS, defende que “constitui dever da administração fiscal a revisão oficiosa do acto de liquidação, no prazo de quatro anos, desde que o mesmo se mostre inquinado por erro nos pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços; o erro incorrido na autoliquidação é imputável aos serviços, na medida em que recebida a declaração a mesma foi mantida nos precisos termos em que foi apresentada”.
Ora, considerando a jurisprudência supra referida, a qual é acompanhada pela generalidade da doutrina, temos de concordar com o Requerente quando este refere que “ainda que as liquidações de IRS tenham sido efectuadas com base nos dados declarados pelos Requerentes (situação equiparável à autoliquidação de IRC), será possível efectuar-se a revisão do acto tributário, uma vez que se ficciona que o erro cometido pelo contribuinte é imputável aos serviços”.
Conclui-se, portanto, pela legitimidade e tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações de 2009, 2010 e 2011, nos termos do disposto no art. 78.º 1, n.º1 da LGT.
B. Aplicação do Regime de Tributação dos Sujeitos Passivos Casados e não Separados Judicialmente de Pessoas e Bens
Está aqui em causa a alteração das declarações Modelo 3 de IRS, com referência aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, pretendendo os ora Requerente que seja considerada a opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, nos termos enunciados no art. 14.º, n.º 1 do código IRS.
Relativamente a este matéria, à data, – 2009, 2010 e 2011 – vigorava orientação interna da AT, ex vi Oficio-Circulado n.º 2785, de 20/01/1998 da Direcção de Serviços do IRS.
Referia o Oficio-Circulado identificado que “com excepção das opções inerentes à situação familiar do disposto nos artigos 14.º, n.º5 e 59.º, n.º 2 do Código do IRS, as quais uma vez exercidas, são irreversíveis, todas as demais são susceptíveis de alteração subsequente, que poderá ser invocada e atendida como fundamento de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação do imposto, ao abrigo do artigo 131.º ” (Cfr. Ponto 25. da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa)
A AT entendia irreversível a opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, mas a situação inversa era admissível.
Ou seja, a AT admitia que estando reunidas as condições para a tributação ao abrigo do regime de tributação dos sujeitos passivos casados, os contribuintes que tivessem optado pelo regime geral, podiam, subsequentemente, alterar o regime de tributação e beneficiar deste regime opcional.
Só em finais de 2012, com a publicação do Ofício-circulado n.º 20162, de 29/10/2012 é alterado o entendimento da AT relativamente a esta matéria.
A AT inverte o seu entendimento e a possibilidade de alteração subsequente da declaração inicial de IRS passou a abranger apenas a hipótese contrária. Ou seja, apenas é admitida a possibilidade de alteração nas situações em que se pretenda a passagem do regime de tributação opcional para o regime regra.
As Orientação genéricas da AT, onde se incluem os Ofícios-Circulados, apenas a vinculam a ela.
Este Tribunal não acolhe o entendimento defendido pela AT em nenhum dos Ofícios-circulados supra referidos.
À data dos factos objecto da presente decisão arbitral, o regime do artigo 14.º do Código do IRS e, igualmente, o artigo 3.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, era um regime opcional para os “unidos de facto”.
Não se depreende das normas em apreço que a opção pelo regime geral ou regime opcional de tributação seja de aplicação inderrogável, sem possibilidade de revisão das liquidações no prazo legal, quando por ignorância/errónea representação da lei na primeira declaração do período de imposto em causa aqueles não tenham feito uso do direito (benefício) de serem tributados como “casados” ou vice-versa.
Desde que reunidos os pressupostos para o efeito, como acontece no presente caso, é legalmente admissível que sujeitos passivos em condições de beneficiar, do optativo, regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, o possam fazer em momento subsequente, e vice-versa.
Carece de base legal o oficio-circulado invocada pela AT para indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS supra referidas.
É, portanto, ilegal o indeferimento do pedido de revisão oficiosa em apreço e, consequentemente, as liquidações de IRS n.º 2010…., no valor de € 7.382,81, n.º 2011…., no valor de € 12.009,19, e n.º 2012…., no valor de € 13.654,46, num total de € 33.046,46.
C. Juros Indemnizatórios
No que a esta matéria diz respeito acompanhamos o entendimento expresso no Acórdão do STA, de 02 de Novembro de 2005, proferido no âmbito do processo n.º 562/05, o qual expressamente refere que “nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 3, al. a) da LGT, os juros indemnizatórios são devidos a partir de um ano após o pedido de revisão efectuado pelo contribuinte”.
Refere o citado Acórdão que “Dispõe o art.º 43º, nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
“Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na liquidação do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas” (nº 2).
E o seu nº 3 estabelece que “são devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:...c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
“O sentido deste preceito é aquele que a FP lhe atribui quando admite que os juros indemnizatórios, a serem devidos, deverão ser contabilizados a partir de um ano após o pedido de revisão efectuado pela recorrida.
E entende-se que assim seja pois se podia o contribuinte com fundamento em erro imputável aos serviços questionar a liquidação, nos termos do nº 1 do mencionado artº 43º, tendo, em tal situação, caso a sua pretensão procedesse direito aos juros indemnizatórios contados nos termos do nº 3 do artº. 61º do CPPT (desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito) se deixou, eventualmente passar o pedido de impugnação e se socorreu do mecanismo da revisão imediatamente ficou sujeito às consequências deste mecanismo legal.
É que ao solicitar tal revisão é razoável que a AT disponha de certo prazo para a apreciar”
Em face do exposto, os juros indemnizatórios são devidos desde 17 de Outubro de 2014 e calculados com base no valor de € 33.046,46, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 3, c) da LGT.
D. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa nos termos arguidos pelos ora Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios associados à violação dos princípios do Direito Fiscal - artigos 60.º a 112º do Requerimento de pronúncia arbitral- (cfr. art. 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT).
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos referidos vícios.
4. Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido do Requerente e, assim, (i) declara nula a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado com referência às liquidações de IRS identificadas; (ii) declara parcialmente ilegais e objecto de anulação as consequentes liquidações de IRS no que respeita aos montantes de € 7.382,81 (2009 – liquidação n.º 2010….), de € 12.009,19 (2010 – liquidação n.º 2011….) e de € 13.654,46 (2011 – liquidação n.º 2012….), num total de € 33.046,46, que deverá ser objecto de reembolso aos Requerentes; e (iii) condena a AT ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao valor indevidamente pago pelos Requerentes - € 33.046,46-, contados desde 17 de Outubro de 2014.
5. Valor do Processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 33.046,46.
6. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 07 de Julho de 2015
O Arbitro,
André Gonçalves