Processo n.º 790/2014-T
I – Relatório
1.1. A…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede no Edifício …, Avenida …, lote ……….., segundo andar, Lisboa (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada de “várias notas de liquidação de IUC sobre veículos relacionados com a actividade supra mencionada cujo termo do prazo para pagamento voluntário ocorreu, relativamente a algumas das liquidações, no dia 25 de Agosto de 2014 e, relativamente às restantes, no dia 31 de Outubro de 2014”, e cuja identificação remete para Tabela Anexa, apresentou, em 24/11/2014, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “anulação das liquidações de IUC identificadas na Tabela Anexa, por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC, quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 19.467,07 Euros de imposto pago indevidamente, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT.”
1.2. Em 30/1/2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo. A AT apresentou a sua resposta em 5/3/2015, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido do requerente e invocado existir incumprimento do disposto no art. 10.º do RJAT.
1.4. Notificada, por despacho de 2/6/2015, a requerente pronunciou-se sobre o referido invocado incumprimento através do seu requerimento de 16/6/2015.
1.5. Em resposta a despacho arbitral de 19/6/2015, que solicitava a remessa ao tribunal arbitral de cópia do processo administrativo, a AT respondeu, a 26/6/2015, que, no presente caso, não houve “instauração de qualquer processo gracioso ou informação adicional”, pelo que não tinha documentos adicionais a juntar aos presentes autos.
1.6. Por despacho de 1/7/2015, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 8/7/2015 para a prolação da decisão arbitral.
1.7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
1.8. Vem a ora requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “discorda de todos os actos de liquidação objecto do presente requerimento [...], por não se preencherem os pressupostos subjectivos da incidência do imposto”; b) “não é o sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações oficiosas objecto de pedido de pronúncia arbitral”; c) “as situações identificadas na Tabela Anexa com o código A. correspondem [...] a veículos que foram objecto de um contrato de leasing, o qual se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributável e a correspondente exigibilidade”; d) “da aplicação conjugada [do art. 3.º, n.º 1 e 2, do CIUC] resulta [...] que o IUC se vence numa base anual, sendo que, embora por norma o respectivo sujeito passivo seja o proprietário, caso o veículo tenha sido objecto de leasing, o sujeito passivo deverá ser o locatário financeiro”; e) “estando em curso nas situações assinaladas um contrato de locação financeira durante o período de tributação do veículo e, em particular, no momento em que se despoletaram os factos geradores do imposto, o sujeito passivo de imposto era exclusivamente o locatário financeiro e não a Requerente”; f) “as situações identificadas na tabela supra com o código B. partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação ter sido vendido pela Requerente anteriormente à data de vencimento do IUC”; g) “na data de vencimento do imposto, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada veículo, ou outro detentor equiparável nos termos do art. 3.º, n.º 2, do Código do IUC, que só este último estará em condições de identificar”; h) “a causa de pedir associada à situação identificada na tabela supra com o código C. funda-se no facto de os veículos associados às liquidações não estarem na disposição da Requerente à data de vencimento do IUC [por se encontrarem] cedidas, em locação financeira, a um cliente da Requerente”; i) “nos casos em apreço, assiste-se que o locatário mantém na sua esfera, por força da não restituição do bem, todas as prerrogativas a que o habilitava a relação contratual de locação financeira, ainda que o registo do leasing tenha sido cancelado”; j) “entende [...] a Requerente que deve ser imputado aos detentores do veículo/locatários, em linha com o seu comportamento demonstrado, o imposto que pretende liquidar”.
1.9. Conclui a requerente que: a) “as liquidações ora objecto de pedido de pronúncia arbitral não lhe devem ser imputadas, sendo, como tal, ilegais”; b) deve ser declarado procedente “o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas na Tabela Anexa, por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC, quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de €19.467,07 Euros de imposto pago indevidamente, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT.”
1.10. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) como questão prévia, que ocorre “falta de junção das liquidações atinentes ao presente pedido de pronúncia arbitral” visto que “não obstante a Requerente juntar Tabela Anexa na qual se encontram elencados os números das liquidações, não se encontram juntas ao presente processo as liquidações de IUC”; b) que “determina peremptoriamente o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 10.º do RJAT, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que deve constar do pedido de pronúncia arbitral «b) a identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral»”; c) que “a requerente incumpriu o citado normativo legal, não tendo procedido à identificação dos actos tributários de IUC cuja legalidade vem sindicar”; d) que “a requerente não juntou as liquidações de IUC quando podia e devia tê-lo feito, ou seja, no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se, agora, precludida a possibilidade de o fazer em momento posterior”; e) que “a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova, consagrando o art. 423.º do novo Código de Processo Civil que aqueles deverão ser apresentados com o articulado onde se aleguem os factos correspondentes. Assim sendo, após a dedução do pedido de pronúncia arbitral, ficou precludida, por banda da Requerente, a apresentação ulterior de prova documental; f) que, “caso assim não se entenda [...] a resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral pela entidade Requerida encontra-se balizada somente pelos outros documentos juntos pela Requerente”; g) que, “[quanto às pretensões constantes da p.i. e, nomeadamente, quanto às liquidações referentes a veículos objecto de locação financeira] não assiste razão à Requerente [...] [porque,] ainda que se concluísse estarmos perante contratos de locação financeira outorgados pela Requerente, sempre cabia a esta última demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do CIUC”; h) que, “em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto. Ora, nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis com as matrículas [identificadas no ponto 24.º da resposta da AT]”; i) que, “[quanto à venda dos veículos antes do facto tributário] as alegações não podem [...] proceder, porquanto [a Requerente] incorre [...] [em] enviesada leitura da letra da lei”, [sendo que a] interpretação [da Requerente] não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre, ainda, de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e, bem assim, em todo o CIUC”; j) que “[quanto às liquidações referentes a contratos de locação financeira resolvidos], nenhuma razão assiste [...] à ora Requerente [porque] a prova dos factos não se faz com meras alegações [tendo-se limitado] a proceder à junção dos contratos de locação financeira, sem fazer qualquer prova ou sequer demonstrar qualquer indício do incumprimento e, sobretudo, da resolução antecipada dos contratos de locação financeira que alega”; l) que “[os alegados actos tributários em crise] não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que, à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”; m) que os documentos juntos, relativos a segundas vias das facturas (Docs. 1 a 68), não são prova suficiente para “abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC”; n) que “a interpretação veiculada pela Requerente [...] mostra-se contrária à Constituição”; o) que “a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida [ou] dito de outra forma, o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida”; p) que “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”.
1.11. Conclui por fim a AT que “deve ser julgada procedente, por provada, a excepção invocada nos termos do disposto no artigo 577.º, e), do CPC, na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a qual dá lugar à absolvição da instância nos termos do artigo 278.º, n.º 1, d), do mesmo diploma legal”, e que deve “ainda ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.”
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A. A requerente é uma instituição financeira de crédito que realiza a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente através da concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.
B. Na p.i., a requerente afirma que discorda de “todos os actos de liquidação objecto do presente requerimento” (v. ponto 9.º da p.i.), mas não os identifica com detalhe, afirmando, apenas, que o “requerimento versa sobre os actos de liquidação relativos a várias viaturas e em relação aos anos de 2013 e/ou 2014” (ponto 4.º). Acrescenta que, “por razões de facilidade de exposição, fruto da vasta quantidade de situações em apreço, [remeterá] para a Tabela Anexa [a identificação de] cada acto de liquidação (pelo número da nota de liquidação), o ano a que o mesmo se reporta, a matrícula da viatura bem como o montante de imposto associado a cada acto” (ponto 5.º).
C. Verifica-se, contudo, que tal Tabela Anexa não se fez acompanhar dos documentos comprovativos das liquidações invocadas (cuja identificação a AT colocou em causa). Com efeito, apesar de a ora requerente referir que os documentos anexos à sua p.i. (Docs. 1 a 96) “consistem em documentos comprovativos do enquadramento de facto referente a cada liquidação/veículo” e que, através da sua Tabela Anexa, “é possível fazer a correspondência entre cada documento [...] e a viatura a que respeita bem como a liquidação que se contesta”, certo é que não se encontram, entre tais documentos, os referidos documentos comprovativos das liquidações de IUC alegadas (i.e., faltam os elementos de prova das liquidações).
D. A AT apresentou a sua resposta em 5/3/2015, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido e, ainda, invocado o incumprimento do disposto no artigo 10.º do RJAT.
E. A ora requerente respondeu ao invocado incumprimento no seu requerimento de 16/6/2015, afirmando que, “em estrito cumprimento [pelo disposto no art. 10.º do RJAT e no art. 108.º do CPPT], a Requerente juntou, à data do pedido de constituição do tribunal arbitral, uma tabela na qual se encontram devidamente identificados todos os actos de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral”, e que, “se assim não fosse, o tribunal arbitral a quem compete apreciar o requerimento apresentado pela Requerente já teria, em momento prévio à notificação da AT, dado conhecimento à Requerente da existência de deficiências ou nulidades insanáveis, nomeadamente as previstas no n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.” Referiu, por essa razão, que “o Tribunal [não terá] entendido que a Requerente tenha omitido alguns dos requisitos obrigatórios previstos no art. 10.º do RJAT [...] [razão pela qual], atenta a total ausência de suporte legal para a excepção invocada pela AT, deve a mesma ser considerada improcedente, com todos os devidos e legais efeitos.”
F. Na impossibilidade de permitir a junção de novos documentos por parte da ora requerente (vd. infra), o tribunal arbitral solicitou à requerida o envio do proc. administrativo, (cuja eventual apensação poderia, em tese, permitir uma identificação comprovada dos actos tributários em causa).
G. Em resposta a despacho arbitral de 19/6/2015, no qual se solicitava o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, a AT respondeu, em 26/6/2015, que, no presente caso, não ocorreu “instauração de qualquer processo gracioso ou informação adicional”, pelo que a AT não tinha quaisquer documentos adicionais a juntar aos presentes autos.
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II – Questão Prévia: Da Excepção relativa ao Art. 10.º do RJAT
Tendo em consideração que foi invocada pela AT a excepção supra referida, justifica-se, previamente, a apreciação da mesma.
Lendo o disposto no artigo 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT, parece que a ora requerente teria “identificado” os actos tributários de IUC que afirma estarem em causa. Nomeadamente, porque “indicou”, em quadro próprio (“Tabela Anexa”): o número de cada nota de liquidação; a matrícula de cada viatura associada; o ano a que se reporta cada uma das liquidações; e o valor de IUC respectivo.
Observa-se, contudo, que a requerente não juntou aos presentes autos os documentos que suportam a referida identificação. Tais documentos não deixam de ser (muito) relevantes porque, como refere, v.g., o Acórdão do STA de 28/1/2003, no proc. 02A4013, ainda que “os documentos não constitu[a]m factos, [constituem] elementos de prova de factos articulados”.
Pelo exposto, poderá concluir-se que a falta, na p.i., de documentos que suportem a identificação do(s) acto(s) tributário(s) objecto do pedido de pronúncia arbitral configura, por si, incumprimento da al. d) do art. 10.º do RJAT – o qual implica, por sua vez, concluir pelo incumprimento do disposto na al. b) do referido artigo (i.e., sem os elementos de prova das liquidações oficiosas que a ora requerente invocou terem existido, não se poderão considerar identificados os referidos actos).
Com efeito, como refere, e.g., a DA proferida no proc. n.º 130/2014-T, de 15/10/2014, “[de acordo com] o princípio contido nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, [...] o momento da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é o adequado para exposição das questões de facto e de direito objecto do pedido de pronúncia arbitral e para apresentar elementos de prova dos factos invocados e indicar os meios de prova a produzir.”
No mesmo sentido, afirma o Acórdão do STA de 2/4/2009, no proc. 685/08, que, “nos termos do n.º 1 do artigo 523.º do CPC [actual artigo 423.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT e art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT], os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.”
Acresce que – como refere a AT na sua resposta – novos documentos não podem ser juntos, posteriormente, pela ora requerente, pois, como se salientou na “decisão interlocutória proferida pelo Tribunal Arbitral Colectivo presidido pelo magistrado Jorge Lopes de Sousa, a 2012-10-25, no âmbito do processo arbitral que, sob o n.º 75/2012-T, correu termos neste Centro de Arbitragem Administrativa, «(...) Como resulta do teor expresso das alíneas c) e d) do n.º 2 do art. 10.º do RJAT, o momento da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é o adequado para a exposição das questões de facto e de direito objecto do pedido de pronúncia arbitral e para apresentar elementos de prova dos factos invocados e indicar os meios de prova a produzir. Por isso, não há suporte legal para [...] concessão de prazo para apresentação de novos documentos.»” (Sublinhados nossos).
Apesar do que refere o art. 10.º, n.º 2, al. d), do RJAT (e o art. 423.º, n.º 1, do CPC), a requerente, na sua resposta à excepção invocada pela AT, sustenta que, “[se alguma omissão existisse na petição] o tribunal arbitral [...] já teria, em momento prévio à notificação da AT [para responder, de acordo com o artigo 17.º do RJAT], dado conhecimento à requerente da existência de deficiências ou nulidades insanáveis, nomeadamente as previstas no n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.”
É certo que, como nota Jorge Lopes de Sousa, em “Comentário ao regime jurídico da arbitragem tributária” (in: Villa-Lobos, Nuno; Vieira, Mónica Brito (Coords.) – Guia da Arbitragem Tributária. Coimbra, Almedina, 2013, p. 193), “antes de receber o requerimento, o tribunal arbitral deverá apreciar se ele enferma de deficiências ou irregularidades sanáveis, designadamente se satisfaz todos os requisitos indicados no n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, devendo providenciar para que sejam sanadas todas as deficiências ou irregularidades que o possam ser (n.º 2 do art. 110.º do CPPT, subsidiariamente aplicável)”, e que é “admissível o indeferimento liminar da petição de impugnação judicial”. E também é certo que, como refere o autor, “o pedido de pronúncia deve ser liminarmente indeferido quando for manifesto que é inepto [v. artigos 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 89.º, n.º 1, alínea a), do CPTA]” (ibidem; sublinhado nosso).
Sucede, contudo, que, no específico caso em análise, o pedido não era manifestamente inepto naquela fase inicial. Apenas deveria ser considerado como tal se não existissem, àquela data, condições para suprir a omissão da ora requerente. Mas essas condições ainda existiam: embora a requerente não pudesse apresentar novos documentos (v. supra), os documentos em falta poderiam chegar ao processo arbitral se constassem de um Processo Administrativo (PA) ou informação adicional a enviar pela AT (v. art. 17.º, n.º 2, do RJAT).
No entanto, a AT viria a informar, em resposta a despacho arbitral de 19/6/2015, que, no presente caso, não tinha havido “instauração de qualquer processo gracioso ou informação adicional” – pelo que falecia, assim, a possibilidade de obter tais documentos (e, portanto, de superar a ineptidão da petição) através da apensação do PA (ou de informação adicional pela AT) aos presentes autos.
Nestes termos, é forçoso reconhecer que apenas a posteriori se pôde concluir, com absoluta certeza, pela omissão de elementos de prova dos factos articulados pela requerente. E, consequentemente, também somente a posteriori se pôde concluir pelo incumprimento do disposto na als. b) e d) do art. 10.º do RJAT, bem como pela verificação da excepção prevista no artigo 89.º, n.º 1, al. a), do CPTA (ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT).
A este respeito, cabe salientar que a excepção por ineptidão da petição inicial (v. artigo 89.º, n.º 1, al. a), do CPTA) verifica-se quando ocorre a falta de indicação da causa de pedir (v. artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, e artigo 98.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT).
A este respeito, refere, v.g., o Ac. do TRC de 14/10/2008, proc. 2377/07.8TBVIS.C1, que “a causa de pedir é a matéria de facto alegada, quer seja narrada na petição, quer conste dos documentos juntos com a petição e para os quais esta remeta” – sendo que a omissão de documentos que comprovem a existência e exactidão dessa matéria de facto terá de implicar a referida falta (e a ineptidão da p.i.). Nesse sentido, esclarece, também, o artigo 79.º, n.º 2, do CPTA (ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT), que, na apresentação da p.i., “deve o autor juntar documento comprovativo da prática do acto [...] impugnado” – o que não sucedeu neste caso.
A respeito do que se entende por “documento comprovativo”, refere o Ac. do TCAN de 17/2/2005, proc. 65/04.6BEPNF, que, “tal como sustentando pelo Dr. Mário Esteves de Oliveira [...], em anotação [ao art. 79.º, n.º 2, do CPTA], e cujo entendimento aqui se sufraga e acolhe, «(...) documento comprovativo é aquele que, por si só, atesta a prática do acto ou a publicação da norma, o que [pressupõe] a apresentação do (ou de um) documento oficial original ou de uma certidão contendo a norma ou o acto praticado»”.
Por fim, justifica-se ter presente o que refere o Ac. do STA de 2/3/2011, proc. 711/10, a respeito das dificuldades em distinguir casos de deficiência da causa de pedir que importam a ineptidão de casos de deficiência que importam a improcedência do pedido: “como salienta o Prof. Alberto dos Reis (loc. cit.) «Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga. (...). Por vezes, torna-se difícil distinguir a deficiência que envolve ineptidão da que deve importar improcedência do pedido. Há uma zona fronteiriça, cuja linha divisória nem sempre se descobre com precisão. São os casos em que o autor faz, na petição, afirmações mais ou menos vagas e abstractas, que umas vezes descambam na ineptidão por omissão da causa de pedir, outras na improcedência por falta de material de facto sobre que haja de assentar o reconhecimento do direito.»”
Não se trata, aqui, contudo, de falta de suficiência ou adequação da prova documental (que os impugnantes, no caso do aresto acima citado, requereram que fosse junta por via do processo de reclamação graciosa – o qual, no presente processo, não existe, como já se disse), trata-se da própria falta de prova documental (decisiva), por falta de junção de elementos que permitam o reconhecimento dos actos tributários que são alegados. Naturalmente que, se tais elementos estivessem presentes na p.i. ou nos seus anexos (ou pudessem ser depreendidos de processo administrativo apenso ou de informação adicional da AT), concluir-se-ia – tal como o fez o aresto citado – que, estando minimamente provada a factualidade alegada, a questão sobre se “é, ou não, adequada e suficiente para a procedência da pretensão [...] é [já] questão que se prende [...] com o mérito da impugnação e não com a questão da ineptidão da PI.”
Assim e pelo exposto, verifica-se a ineptidão da p.i., atento o disposto no artigos 10.º, n.º 2, als. b) e d), do RJAT, 89.º, n.º 1, al. a), do CPTA, e 98.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPPT (estes últimos ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT), da qual resulta a nulidade de todo o processado (art. 193.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT), configurando excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.os 1 e 2, do CPC (ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT, e art. 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT), a qual conduz à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. a), do CPC (ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Nestes termos, julga-se procedente a mencionada excepção dilatória (de conhecimento oficioso), absolvendo-se a requerida da instância e ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento da questão de mérito.
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III – Decisão
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente a excepção dilatória resultante de ineptidão da petição inicial;
- Absolver a requerida da instância (artigos 96.º e 278.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Fixa-se o valor do processo em €19.467,07 (dezanove mil quatrocentos e sessenta e sete euros e sete cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da requerente, no montante de €1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 8 de Julho de 2015.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.