DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
A… – FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO, com sede na Rua …, … – ….º andar, fração “M”, …-…, Lisboa, com o NIPC … (doravante designado por Requerente), representado por B… – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA, com sede na Rua …, … – ….º Piso, em Lisboa e com o NIPC …, vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2012, emitidas em 7 de novembro de 2012 e em 22 de março de 2013, relativas às vinte e três divisões suscetíveis de utilização independente e destinadas a habitação, do prédio urbano designado por “Bloco B”, constituído pelos Lotes …./… a …/…, sito em … – … e inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho de Loulé, distrito de Faro, área administrativa do Serviço de Finanças de Loulé 2, de que é proprietário.
Cumulativamente, pede o Requerente a condenação da Requerida na restituição dos valores indevidamente pagos a título de Imposto do Selo do ano de 2012, pela quantia global de € 38 665,65 (trinta e oito mil, seiscentos e sessenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), bem como no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data de cada um dos pagamentos indevidos, até à data da sua efetiva restituição.
São os seguintes os fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012:
1. “Da verba 28 da TGIS (a norma de incidência):
a. A verba 28 da TGIS dispõe o seguinte: «28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%; 28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças»;
b. Para que estejam cumpridos cumulativamente os pressupostos objetivos da incidência previstos na Verba 28 da TGIS é necessário que: (a) exista um direito de propriedade, usufruto ou direito de superfície de um prédio urbano (situado em território português); e (b) o prédio urbano, em causa, tenha um valor patrimonial tributário (constante da matriz) igual ou superior a € 1 000 000 (um milhão de euros); e ainda que (c) o prédio urbano tenha «afetação habitacional» [Verba 28.1 da TGIS]; ou (d) (…);
c. (…) a enumeração dos requisitos mencionados na Verba 28 da TGIS, levada a cabo pelo legislador, é uma enumeração taxativa;
d. É certo que a Requerente é proprietária de um imóvel sito em …, Lotes …/… a …/… (…) Freguesia de … (…) descrito na Caderneta Predial Urbana como um «Prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. De Utiliz. Independente», consistindo em «Prédio Urbano destinado a habitação, designado por “Bloco B”, composto por 8 edifícios (…) [à] data das liquidações descritas supra, o VPT do Imóvel era de € 2.577.710,00 (dois milhões, quinhentos e setenta e sete mil setecentos e dez euros) (…);
e. É, por último, confirmado pela Requerente que o referido Imóvel é um prédio urbano nos termos do disposto no arrigo 4.º (Prédios urbanos) e 6.º (Espécies de prédios urbanos), n.º 1, alíneas a) e b), ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante “CIMI”) e que, (…) para efeitos da verificação dos pressupostos de incidência da Verba 28.1 da TGIS, o Imóvel tem uma «afetação habitacional»;
f. (…) na ausência de enquadramento do que se tem por «afetação habitacional» em sede de Código do IS, deverá o intérprete socorrer-se das disposições subsidiariamente aplicáveis, in casu, as disposições do CIMI;
2. Crítica da Verba 28 da TGIS – inconstitucionalidade:
a. Segundo depreende a Requerente, as Liquidações em causa foram efetuadas da forma seguinte: (i) A Autoridade Tributária e Aduaneira somou o valor patrimonial tributável das partes do Imóvel, suscetíveis de utilização independente, com «afetação habitacional» apurando um valor patrimonial dessas mesmas partes, à data, de € 1 088 680,00 (…) e, seguidamente, (ii) efetuou um ato tributário de liquidação por partes do prédio suscetíveis de utilização independente (com «afetação habitacional»);
b. Sucede que, os VPT dos andares (unidades autónomas) do prédio em questão, com afetação habitacional variam entre 89.000,00 e 116 000,00 euros, ou seja, nenhuma das unidades independentes, que integram o prédio da Requerente, apresenta um valor patrimonial superior a € 1.000.000;
c. (…) a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez uma liquidação única pelo valor patrimonial tributário do “prédio” (o qual apresentava à data das liquidações, o valor patrimonial tributário de € 2 577 710,00 (…);
d. (…) não alcança a Requerente que a ideia plasmada na atual Verba 28 da TGIS, para efeitos de tributação, seja a de que o simples facto de a propriedade horizontal não estar constituída reflete qualquer especial capacidade contributiva dos respetivos proprietários face aos proprietários de prédios idênticos mas sobre os quais aquela propriedade horizontal tenha sido constituída;
e. (…) o artigo 7.º (Valor patrimonial tributário) dispõe o seguinte:
«Artigo 7.º (Valor patrimonial tributário)
1 - O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.
2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:
a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;
b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.
3 - O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbanos determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.» [sublinhado nosso – no original);
f. Assim, de acordo com o disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 7.º (…) o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes (…);
g. (…) o artigo 12.º (Conceito de matrizes prediais) determina no seu n.º 3: «Artigo 12.º (Conceito de matrizes prediais)
(…)
3 – Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário (…)» (sublinhado nosso – no original);
h. A ser assim parece que o valor patrimonial do «prédio», constituído por andares ou partes suscetíveis de utilização independente, é, para efeitos tributários, o somatório dos vários VPTs apurados de acordo com critérios autónomos;
i. Ora, assim sendo, apenas os «prédios», também os andares ou partes suscetíveis de utilização independente, individualmente considerados, que tenham «afetação habitacional» e um valor patrimonial tributário, utilizado para efeito de IMI, igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de euros) são suscetíveis de integrar a norma de incidência constante da Verba 28.1 da TGIS;
j. Uma vez que o Código do IS remete para o Código do IMI, deve-se pois considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal;
k. O que justificará, a título de exemplo que, quando o proprietário de um imóvel, quer revista este propriedade horizontal ou vertical, apresenta a respetiva declaração de IRS, conta os apartamentos um a um e não o prédio em conjunto numa só linha. Ora, assim não fosse, i.e., caso se aplicasse a máxima vertida no cálculo feito pela AT quanto às liquidações em causa, tal significaria que no ordenamento jurídico português o mesmo prédio seria tratado unidade a unidade para pagar IMI e considerado no seu conjunto para pagar o imposto do selo…
l. A este respeito veja-se o plasmado na decisão arbitral, no âmbito do processo n.º 181/2013-T, de 10-02-2014 «(…) importa trazer à colação o princípio da universalidade do VPT, segundo o qual a avaliação efetuada nos termos do Código do IMI tem plena aplicação nos restantes impostos, incluindo Imposto do Selo […] Portanto, à luz do Código do IMI, cada parte autónoma do imóvel dispõe de VPT próprio, constituindo valor tributável para efeitos deste imposto, pelo que dever ser esse o valor tributável para efeitos de Imposto do Selo, nomeadamente, no domínio da aplicação da verba 28.1 da TGIS que, de resto, o exige expressamente ao mencionar que o valor a considerar é “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”»;
m. (…) Não pode a AT somar o VPT apurado individualmente para cada andar de um prédio para chegar a um valor superior a 1 milhão de euros e fazer incidir sobre o mesmo imposto do selo (…);
n. Idêntica posição foi acolhida pelo CAAD, conforme sustentado em decisão arbitral proferida no Processo n.º 50/2013-T, de 29-10-2013: «(…) Claramente o legislador entendeu que este valor [1 milhão de euros], quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.» (…) «se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1 da TGIS.» [sublinhado nosso (no original)];
o. (…) É entendimento da Requerente que não se vislumbra com a presente taxa qualquer propósito de desencorajamento da propriedade vertical, antes pretendendo o legislador tão só alargar a base tributável, exigindo sim um esforço acrescido, aos contribuintes detentores de propriedades imobiliárias de elevado valor, na medida em que as mesmas são reveladoras da sua maior capacidade contributiva, independentemente das propriedades revestirem cariz horizontal ou vertical;
p. Neste sentido, veja-se o plasmado na Douta decisão arbitral proferida no Processo 88/2014-T, de 04-07-2014: «(…) Relativamente à determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, o critério adotado pela AT não se afigura conforme ao princípio da legalidade fiscal. Uma vez que o CIS remete para o CIMI, devemos considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal. Daí decorre que o respetivo IMI, bem como o Imposto de Selo, são liquidados individualmente em relação a cada uma das partes. Por este facto, o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo.» [sublinhado nosso (no original)];
q. Basta, aliás, a análise da discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, da qual se retira que a «taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» para concluir que [n]ão pode a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal ser, por si só, indicador de qualquer capacidade contributiva;
r. Veja-se ainda, nesta senda, o defendido pela Jurisprudência arbitral, no Processo n.º 132/2013-T, de 13-01-2013, no qual se entende o seguinte: «Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objetivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. (…) Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das frações de prédios em propriedade horizontal – não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.» [sublinhado nosso – no original];
s. (…) a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não tem diploma preambular que possa auxiliar o intérprete na sua tarefa hermenêutica. Todavia, [a]treve-se a Requerente a considerar que o legislador não terá querido tributar em Imposto do Selo andares ou partes de prédios suscetíveis de utilização independente e com «afetação habitacional» integrados em prédios em propriedade plena e deixar frações autónomas com «afetação habitacional» fora da incidência, i.e., de tributação, quando essas frações e andares tenham valores patrimoniais tributários idênticos (e iguais ou superiores a € 1.000.000 (um milhão de euros);
t. Tal equivaleria a querer tributar de forma diferente realidades económicas iguais, o que não acontece no IMI e, na medida em que assim fosse, sempre seria violador da Constituição da República Portuguesa (Cf. artigo 13.º);
u. Certo é que a matéria fiscal deve respeitar os princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material, o que implica que a AT trate fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente;
v. (…) Face o exposto, crê a Requerente que se assiste à total ausência de fundamento legal que legitime o critério aplicado pela AT no caso em concreto, ao considerar o valor somatório do VPT atribuído às divisões com utilização independente, com o fundamento de o prédio não se encontrar em regime de propriedade horizontal;
w. Como tal, a tributação levada a cabo pela AT do IS previsto na verba 28 da TGIS nos termos aqui descritos viola os princípios da legalidade e igualdade fiscal, assim como o princípio da verdade material (…) faz tábua rasa de princípios como os da segurança jurídica, da tipicidade tributária e da capacidade contributiva (…) com previsão legal na Constituição, Lei Geral Tributária, Código do I.M.T. e Código do I.S.”
Termina o Requerente por formular os pedidos de (i) anulação das liquidações identificadas no pedido de pronúncia arbitral e (ii) [de] ser reembolsada (…) pela totalidade do montante pago por força das Liquidações descritas na presente p.i., acrescido dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso.”.
O Requerente atribui ao pedido o valor económico de € 38 665,65 (trinta e oito mil, seiscentos e sessenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), juntando procuração forense e 8 documentos.
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT pronunciou-se pela manutenção das liquidações impugnadas, por consubstanciarem uma correta interpretação da Verba 28.1, da TGIS:
1. “(…) A ora Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de …, concelho de Loulé, sob o artigo …, prédio, este, constituído em regime de propriedade total, também designada de vertical;
2. O prédio é composto por 23 apartamentos destinados a habitação, sendo estes divisões ou partes suscetíveis de utilização independente, composto por 3 andares, distribuídos por 8 edifícios, conforme se infere da respetiva caderneta predial;
3. O valor patrimonial tributário foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo o valor patrimonial tributário na sua totalidade no montante de € 2.577.710,00;
4. Foi ao valor patrimonial dos andares/partes com afetação habitacional, que corresponde a um VPT de € 2. 577.710,00, que foi tido em conta nas liquidações efetuadas, relativas aos anos de 2012;
5. Foi sobre esse valor de € 2.577.710,00, que a AT liquidou o imposto do selo da verba 28.1, da Tabela Geral, do ano de 2012, nos termos do artigo 6°, n.º 1, alíneas a) e f) da referida Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, para 2012;
6. Destas liquidações de imposto do selo resultou um valor global para o ano em referência de € 38.665,65;
7. A sujeição ao imposto do selo da verba 28.1, da Tabela Geral, resulta da conjugação de dois factos, a saber, a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1 000 000,00;
8. (…) Vista a posição da requerente não podemos, de todo, aderir a qualquer dos seus argumentos, pelas razões que se seguem, mas vamos, apenas, focar-nos na questão interpretativa da norma de incidência (sublinhado nosso);
9. A situação do prédio dos Requerentes subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba em causa, que tem a seguinte redação:
28 Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual au superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afectação habitacional;
10. (…) Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º, do CIMI. Logo,
11. Encontrando-se os prédios de que é proprietária, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio;
12. Assim, a ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto do selo, por força da redação da referida verba, não é proprietária de 23 frações autónomas, mas sim de um único prédio, segundo a caderneta predial;
13. (…) o que a ora requerentes pretende é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal (…);
14. (…) Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal, é que é abusivo e ilegal (…);
15. (…) o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos dos outros ramos de direito têm o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”;
16. Por outro lado, ainda tendo em conta que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.º, n.º 1, da LGT que remete, assim, para o artigo 10.º, do Código Civil sobre a aplicação da analogia, determinando que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei;
17. Ora a lei fiscal não comporta qualquer lacuna. Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as frações constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as frações são partes suscetíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns;
18. (…) Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes suscetíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e, consequentemente, nos termos do artigo 12º, n.º 3, do CIMI, cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte;
19. (…) A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente;
20. (…) O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da verba 28, n.º1, da Tabela Geral;
21. É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas;
22. Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1, da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
23. (…) Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1, da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afetação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei;
24. É, assim, inconstitucional, por ofensa do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1, da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou divisão a divisão;
25. Não se vislumbra como, por outro lado, a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade (…) a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados;
26. (…) A inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta da uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade - veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio;
27. (…) estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes suscetíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade horizontal (…);
28. O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente;
29. E esta interpretação da norma de incidência a imposto de selo resulta da conjugação da outra norma de incidência a IMI que é o artigo 1.º, segundo a qual o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, atendendo à noção de prédio do artigo 2.º e de prédio urbano constante do artigo 4.º e ainda das espécies de prédios urbanos descritas no artigo 6.º;
30. (…) Tudo visto, temos, necessariamente, de concluir que os atos tributários em causa, em termos de substância, não violaram, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos;
31. Dado que a matéria em litígio é (…) exclusivamente de direito, e é recorrente nesta sede arbitral, não se antevê a necessidade da reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, e bem assim da produção de alegações, pelo que se solicita a sua dispensa, encontrando-se, pois, a posição das partes ampla e claramente definida;
32. Não se envia processo administrativo, porque se considera verdadeiros os documentos juntos pelos requerentes e instroem o presente processo de forma cabal” (sublinhado nosso).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 6 de abril de 2015, tendo sido aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 8 de abril de 2015.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, ambos do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exm.º Senhor Dr. Augusto Vieira, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo as Partes sido notificadas dessa designação.
O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 22 de junho de 2015.
Na mesma data, foi a AT notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, tendo a sua resposta dado entrada nos autos em 14 de agosto de 2015, com notificação ao Tribunal Arbitral Singular e ao Requerente, na mesma data.
Em 17 de agosto de 2015 foram as partes notificadas do Despacho Arbitral que determinou a dispensa de realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a produção de alegações, agendando-se a adopção da decisão final para o dia 24 de agosto de 2015 e convidando-se o Requerente para, antes dessa data, proceder ao pagamento dos 50% remanescentes da taxa de arbitragem.
Por Despacho do Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, notificado às Partes em 9 de setembro de 2015, sem oposição, foi a signatária designada árbitro nos presentes autos, em substituição do Exm.º Dr. Augusto Vieira, que pediu escusa das suas funções; a substituição ocorreu em 24 de setembro de 2015.
Em requerimento remetido ao CAAD em 11 de setembro de 2015, veio a M. I. Mandatária do Requerente comunicar a sua renúncia ao mandato, requerendo a manutenção do mesmo a favor dos restantes M. I. Mandatários, Dr. C… e Dr. D…, conforme a procuração junta aos autos. Este requerimento foi notificado à AT em 14 de setembro de 2014, que sobre o mesmo se não pronunciou.
No Despacho Arbitral proferido em 25 de setembro de 2015 e notificado às Partes na mesma data, considerando o Despacho do Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 do Código Deontológico do CAAD, no artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do RJAT e no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) (por remissão do n.º 6 do artigo 119.º, do mesmo Código), foi determinado o prosseguimento dos autos, fixando-se a data de 15 de outubro de 2015 para prolação da decisão arbitral, advertindo-se o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e aceitando-se a manutenção do mandato a favor dos restantes M. I. Mandatários constituídos nos autos.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. O artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, admite expressamente “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos” e a coligação de autores “quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
2. MATÉRIA DE FACTO
2.1. Factos provados, de acordo com os documentos junto ao pedido de pronúncia arbitral:
2.1.1. O Requerente é proprietário do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho de Loulé, integrado por 23 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, todas afetas a habitação;
2.1.2. O somatório dos VPT atribuídos aos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional era, à data da emissão das liquidações impugnadas, da quantia de € 2 577 710,00, sendo esse o valor indicado em cada uma das notas de cobrança do IS referentes ao ano de 2012, emitidas em 7 de novembro de 2012 e em 22 de março de 2013, respetivamente, como “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”;
2.1.3. O VPT atribuído a cada andar ou divisão suscetível de arrendamento separado e afetação habitacional, tal como consta das notas de cobrança emitidas, variava então entre € 102 040,00 e € 155 170,00;
2.1.4. Em nome do Requerente foram emitidas, para pagamento voluntário em prestação única, até 20 de dezembro de 2012, as liquidações de IS do ano de 2012 que constam das notas de cobrança identificadas no quadro que segue, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 0,5%, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro:
Identificação do prédio
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Identificação do documento
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Data da emissão
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Valor a pagar
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… U-… E1 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E1 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E1 2.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E2 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E2 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E2 2.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 775,85
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… U-… E3 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E3 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E3 2.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-.. E4 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 658,25
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… U-… E4 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 658,25
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… U-… E4 2.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 658,25
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… U-… E5 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E5 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E5 2.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E6 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 658,25
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… U-… E6 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 658,25
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… U-… E6 2.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 658,25
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… U-… E7 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E7 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E7 2.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E8 RC
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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… U-… E8 1.º
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2012 …
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2012-11-07
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€ 510,20
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2.1.5. As liquidações identificadas no quadro supra, num valor total de € 12 888,55 (doze mil, oitocentos e oitenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), foram integralmente pagas em 19 de dezembro de 2012;
2.1.6. Em nome do Requerente foram emitidas em 22 de março de 2013, para pagamento voluntário até 30 de abril de 2013, 31 de julho de 2013 e 30 de novembro de 2013, respetivamente, as liquidações de IS do ano de 2012 que constam das notas de cobrança identificadas no quadro que segue, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente, assim como a taxa de 1%, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro:
Identificação do prédio
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1.ª Prestação – Id. Doc.s e valores a pagar
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2.ª Prestação – Id. Doc.s e valores a pagar
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3.ª Prestação – Id. Doc.s e valores a pagar
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… U … E1 RC
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2013 …
€ 340,14
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2013 …
€ 340,13
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2013 …
€ 340,13
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… U … E1 1.º
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2013 …
€ 340,14
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2013 …
€ 340,13
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2013 …
€ 340,13
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… U … E1 2.º
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2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
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2013 …
€ 340,13
|
… U … E2 RC
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2013 …
€ 340,14
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2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
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… U .. E2 1.º
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2013 …
€ 340,14
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2013 …
€ 340,13
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2013 …
€ 340,13
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… U … E2 2.º
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2013 …
€ 517,24
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2013 …
€ 517,23
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2013 …
€ 517,23
|
… U … E3 RC
|
2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
|
… U … E3 1.º
|
2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
|
… U … E3 2.º
|
2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
|
… U … E4 RC
|
2013 …
€ 438,84
|
2013 …
€ 438,83
|
2013 …
€ 438,83
|
… U … E4 1.º
|
2013 …
€ 438,84
|
2013 …
€ 438,83
|
2013 …
€ 438,83
|
… U … E4 2.º
|
2013 …
€ 438,84
|
2013 …
€ 438,83
|
2013 …
€ 438,83
|
… U … E5 RC
|
2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
|
… U … E5 1.º
|
2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
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2013 …
€ 340,13
|
… U … E5 2.º
|
2013 …
€ 340,14
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2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
|
… U … E6 RC
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2013 …
€ 438,84
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2013 …
€ 438,83
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2013 …
€ 438,83
|
… U … E6 1.º
|
2013 …
€ 438,84
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2013 …
€ 438,83
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2013 …
€ 438,83
|
…U … E6 2.º
|
2013 …
€ 438,84
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2013 …
€ 438,83
|
2013 …
€ 438,83
|
… U … E7 RC
|
2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
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2013 …
€ 340,13
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… U … E7 1.º
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2013 …
€ 340,14
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2013 …
€ 340,13
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2013 …
€ 340,13
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… U … E7 2.º
|
2013 …
€ 340,14
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2013…
€ 340,13
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2013…
€ 340,13
|
… U … E8 RC
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2013 …
€ 340,14
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2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
|
… U … E8 1.º
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2013 …
€ 340,14
|
2013 …
€ 340,13
|
2013 …
€ 340,13
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2.1.7. As liquidações identificadas no quadro que antecede foram pagas pelo Requerente em 29 de abril de 2013, em 30 de julho de 2013 e em 29 de novembro de 2013, respetivamente, pelas quantias de € 8 592,52 a primeira prestação e de € 8 592,29 cada uma das restantes, num valor global de € 25 777,10; totalizam as liquidações emitidas em 2012 e em 2013 a quantia de € 38 665,65;
2.1.8. Em 18 de abril de 2013, o Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de Loulé 2, reclamação graciosa sob o assunto “Reclamação graciosa – Imposto de Selo, verba 28.1 – Liquidações: Datadas de 7/11/2012 e 22/03/2013”, com identificação do imóvel a que as mesmas liquidações se reportavam (“artigo matricial U … da freguesia de …”), requerendo “a anulação de todas as liquidações em assunto”, por considerá-las indevidas face à redação da verba 28.1, da TGIS;
2.1.9. A reclamação graciosa n.º … 2013 …, que apenas teve em consideração as vinte e três liquidações efetuadas em 2013, pela quantia de € 25 777,10, embora refira expressamente que “Consultando a demonstração das liquidações da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo e respetiva compensação verifica-se que (…) [c]omo data do facto tributário foi considerado 31 de outubro de 2012 (…)”, foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças de Faro, de 16 de janeiro de 2014, decisão notificada ao Requerente através do ofício n.º … daquela Direção de Finanças, expedido por carta registada com aviso de recepção, e recebido pelo destinatário em 20 de janeiro de 2014;
2.1.10. Em 28 de novembro de 2013 foi apresentada nova reclamação graciosa, no Serviço de Finanças de Loulé 2, sob o “Assunto: Reclamação Graciosa – Imposto de Selo, verba 28.1. Liquidações referentes à 2.ª e 3.ª prestação com datas limite de pagamento respetivamente em julho e novembro de 2013”, em que foi requerida “a anulação das Liquidações e o reembolso dos valores pagos”;
2.1.11. Por requerimento remetido à Direção de Finanças de Faro a coberto do registo postal n.º RC … PT, de 17 de fevereiro de 2014, foi apresentado recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º … 2013 …; o recurso hierárquico assentou “na discordância da interpretação que é feita pela Administração Tributária no que respeita ao Valor Patrimonial (VPT) a considerar para efeitos de aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS e no que respeita aos prédios em propriedade vertical (…) ”;
2.1.12. O recurso hierárquico n.º … 2014 … viria a ser indeferido por despacho da Senhora Diretora de Serviços do IMT, de 16 de dezembro de 2014, decisão notificada ao Requerente pel n.º 5 da Direção de Finanças de Faro, de 2 de janeiro de 2015, recepcionado em 5 de janeiro de 2015;
2.1.13. Na informação que serviu de base à decisão de indeferimento do recurso hierárquico, foi considerado que “O presente recurso tem por as liquidações da verba 28.1 da tabela Geral de Imposto do Selo, respeitantes ao artigo matricial urbano …, da freguesia de …, concelho e Loulé, efetuadas em 2013 (…)” e “Em 2013-11-28, na sequência da recepção das notas de cobrança respeitantes à verba 28.1, o Fundo reclamou graciosamente das liquidações solicitando a sua anulação e o reembolso dos montantes pagos”.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópias da caderneta predial do imóvel identificado, das notificações e comprovativos do pagamento das notas de cobrança acima identificadas, das decisões da reclamação graciosa e recurso hierárquico e respetivas notificações ao sujeito passivo), não contestada pela Requerida, que, na sua resposta, expressamente os reputa de “verdadeiros”.
2.3. Factos não provados
Não fica provado que o requerimento remetido pelo sujeito passivo ao Serviço de Finanças de Loulé 2, em 28 de novembro de 2013, tenha servido de base à instauração do processo de reclamação graciosa n.º … 2013 ….
3. MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Questão prévia
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, estatuindo o n.º 1 do artigo 609.º, do Código ultimamente citado, que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”. De conhecimento prioritário, são as “questões processuais que possam determinar a absolvição da instância”, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do CPC.
Prende-se a questão prévia com a definição do objeto dos presentes autos e seu respetivo valor económico, tendo em conta a factualidade acima descrita: (i) se o pedido se reporta a todas as liquidações do ano de 2012, emitidas em 7 de novembro de 2012 e em 22 de março de 2013, como consta do requerimento de reclamação graciosa remetido ao Serviço de Finanças de Loulé 2, em 18 de abril de 2013, pelo valor global de € 38 665,65; (ii) se apenas respeita às liquidações do ano de 2012, emitidas em 22 de março de 2013, para pagamento em três prestações, conforme consta das decisões de indeferimento da reclamação graciosa n.º … 2013 … e do recurso hierárquico n.º … 2014 …, pela quantia de € 25.777,10.
Efetivamente, o pedido de pronúncia arbitral reporta-se à “anulação dos atos de liquidação de imposto do selo efetuado nos termos da verba 28 da TGIS e referentes ao ano de 2012 (1.ª a 3.ª prestação) ”, embora por referência ao valor global de € 38 665,65, quer expresso no mesmo pedido, quer implícito nos documentos juntos aos autos, que reproduzem todas as notas de cobrança das liquidações emitidas em 2012 e em 2013 e comprovativos do respetivo pagamento.
Da resposta a estes quesitos dependerá a decisão quanto à tempestividade do pedido relativo à anulação das liquidações de Imposto do Selo emitidas em 7 de novembro de 2012 e à eventual correção do valor da causa.
No requerimento apresentado pelo Requerente em 18 de abril de 2013, foi formulado o pedido de “Reclamação graciosa – Imposto de Selo, verba 28.1 – Liquidações: Datadas de 7/11/2012 e 22/03/2013”, com identificação do imóvel a que as mesmas liquidações se reportavam (“artigo matricial U … da freguesia de …”), com vista à “anulação de todas as liquidações em assunto.
É certo que, naquele requerimento, não identificou o sujeito passivo as notas de cobrança do imposto, não fez junção das respetivas cópias, nem sequer indicou o valor global das liquidações reclamadas; porém, de acordo com o n.º 2 do artigo 74.º, da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe de “Ónus da prova”, “2 – Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária.”
Tendo sido identificados corretamente o sujeito passivo do imposto, o imóvel a que respeitam as liquidações reclamadas e as respetivas datas de emissão, deverá considerar-se satisfeito o ónus da prova do seu direito de reclamação, concluindo-se que terá sido por lapso da AT que, na reclamação graciosa, não foram levadas em consideração as liquidações do ano de 2012, emitidas em 7 de novembro de 2012.
Relativamente a estas, com data limite de pagamento em 20 de dezembro de 2012, a reclamação graciosa apresentada em 18 de abril de 2013, mostra-se tempestiva, tendo em conta o prazo de 120 dias, previsto no n.º 1 do artigo 70.º, em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPPT.
É igualmente certo que o recurso hierárquico se cingiu à decisão da reclamação graciosa; porém, o “recurso hierárquico é uma garantia administrativa que (…) consiste em solicitar ao superior hierárquico da entidade que praticou um ato uma nova apreciação deste (…)” e “funciona como um “filtro administrativo, tentando-se evitar o recurso imediato ao tribunal e dando ao superior hierárquico o possibilidade de revogar o ato (…)”[1]
Deverá, pois, concluir-se, que a omissão de decisão sobre o pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2012, emitidas em 7 de novembro de 2012, apresentado tempestivamente, se não fica a dever a facto imputável ao contribuinte.
Ainda assim, caso devesse entender-se ter havido um indeferimento tácito relativamente àquele pedido de anulação, a sua formação teria necessariamente que coincidir com o indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º … 2014 …, notificado ao Requerente em 5 de janeiro de 2015, dada a sua natureza de “revisão” do ato recorrido (indeferimento da reclamação graciosa).
Ainda que assim se entendesse, sempre seria de considerar tempestivo o pedido de pronúncia arbitral, no que àquelas liquidações concerne.
No que respeita à contradição implícita no pedido de pronúncia arbitral, entre o valor global de € 38 665,65 e a referência à “anulação dos atos de liquidação de imposto do selo efetuado nos termos da verba 28 da TGIS e referentes ao ano de 2012 (1.ª a 3.ª prestação) ”, entende este tribunal arbitral que a mesma fica suprida pela junção de cópias de todas as notas de cobrança emitidas em 7 de novembro de 2012 e em 22 de março de 2013 e comprovativos dos respetivos pagamentos, tanto mais que tal contradição não foi invocada pela AT, que expressamente aceitou como verdadeiros todos os documentos juntos pelo Requerente.
Resolvida a questão prévia relativa ao objeto dos presentes autos e seu respetivo valor económico, não existe qualquer óbice à apreciação do mérito da causa.
3.2. Do conceito de prédio urbano com afetação habitacional
Na sua redação inicial, aplicável à situação em análise, a verba 28, da TGIS, dispunha que se encontravam sujeitas a imposto do selo as seguintes situações:
«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»
De acordo com a norma transcrita, constituem requisitos cumulativos da sua aplicação (i) que o imóvel a tributar seja um prédio urbano “com afetação habitacional”, e (ii) que o seu valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.
É, de há muito, pacificamente aceite pela doutrina que as normas tributárias se interpretam como quaisquer outras normas jurídicas, solução que consta hoje expressamente do n.º 1 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária (LGT), ao estabelecer que “1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.
De entre os elementos de interpretação, aquele de que o aplicador da norma deve partir é, precisamente, do elemento gramatical, ou seja, do texto da lei, havendo no entanto a salientar que, na determinação do sentido e valor da norma, não pode o intérprete deixar de considerar o elemento lógico ou, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º, do Código Civil, deixar de “reconstituir (…) o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
A norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, utiliza a expressão “prédio de afetação habitacional”, cujo conceito se não encontra definido no Código em que se insere, nem em qualquer outra legislação de natureza tributária.
Tratando-se de uma expressão polissémica, que poderá comportar mais do que uma significação e, a fim de determinar o seu exato sentido e alcance, no respeito pela unidade do sistema, deverá o intérprete recorrer aos chamados “lugares paralelos”, ou seja, haverá que ter em consideração as “disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins”[2].
Tais “lugares paralelos” encontrar-se-ão, necessariamente, no caso em apreço, nas normas do Código do IMI, para cuja aplicação subsidiária remete, em bloco, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, aditado pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, ao estatuir que “2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”
Contudo, não obstante a remissão expressa para o Código do IMI, que o legislador quis consagrar no n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, por referência às matérias respeitantes à Verba 28, da TGIS, também aquele nos não dá o conceito de “prédio com afetação habitacional”.
Efetivamente, o seu artigo 6.º, inserido no Capítulo I, sob a epígrafe “Incidência”, não utiliza aquela expressão ao enumerar, no n.º 1, as espécies de prédios urbanos, que poderão classificar-se como: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.
A espécie de prédio urbano que melhor corresponde ao conceito de “prédio com afetação habitacional” é a de prédios habitacionais, enquanto edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).
Confirma o Requerente que, efetivamente, o prédio de que é proprietário, em propriedade vertical, composto por 23 divisões suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação, e sobre o qual incidiram as liquidações de Imposto do Selo do ano de 2012, é um prédio “com afetação habitacional”, pretendendo a aplicação, ao caso concreto, das regras atinentes à tributação das frações autónomas dos prédios em propriedade horizontal.
3.3. Da distinção entre andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e frações autónomas, para efeitos tributários
Não obstante a norma do n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI, dispor que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”, o qual é também discriminado no documento de cobrança (cfr. o n.º 1, do artigo 119.º do Código do IMI), defende a AT que o VPT relevante para efeitos da norma de incidência da verba 28.1, da TGIS, é o valor patrimonial global do prédio e não o valor de cada uma das divisões de utilização independente.
E fá-lo pretendendo que, caso o VPT relevante para aplicação daquela norma de incidência fosse o de cada divisão de utilização independente, estar-se-ia a aplicar, por analogia, aos prédios em propriedade vertical o regime da propriedade horizontal, em que, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, do Código do IMI, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.
Efetivamente, do ponto de vista formal, a AT tem razão ao referir que um prédio constituído em propriedade horizontal é uma realidade jurídico-tributária distinta de um prédio urbano em “propriedade total” ou “propriedade vertical”; porém, se o n.º 4 do artigo 2.º, do Código do IMI, estabelece a ficção legal de que cada uma das frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal consubstancia um prédio, o certo é que uma parte de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal continua a ser apenas isso – uma parte de um prédio e não um prédio.
Tanto assim é que, no caso concreto, a AT emitiu liquidações individualizadas para cada uma das divisões de utilização independente que integram o prédio do Requerente, de acordo com os respetivos VPT constantes da matriz e não uma única liquidação, pelo “valor global” do prédio.
3.4. Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em propriedade total
No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do Código do IMI, mas apenas quanto aos “prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior” (sublinhado nosso), caso em que, de acordo com a sua alínea b), “(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.
E é esta a única norma do Código do IMI que faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto, assim como a não poderá ter ao nível da tributação em sede de Imposto do Selo, dada a remissão para as normas do Código do IMI, contida no n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, por referência às matérias respeitantes à Verba 28, da TGIS.
Da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Código do IMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, integrar exclusivamente partes ou divisões “com afetação habitacional”, o valor do prédio não equivale à soma das suas partes.
O que equivale a dizer-se que cada uma dessas partes suscetíveis de utilização independente é autónoma e que, não lhe tendo sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, ficará excluída da incidência do Imposto de Selo – verba 28.1, da TGIS.
Assim sendo, o elemento literal das normas antes citadas (n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Código do IMI), revela-se impeditivo de que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, pretendendo tributar partes de prédios, ainda que económica e funcionalmente independentes e, como tal, separadamente inscritas na matriz, pois a lei é clara ao sujeitar a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, os prédios urbanos de afetação habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.
Tal como refere o Requerente na petição inicial e já serviu de fundamento a outras decisões arbitrais, nomeadamente a proferida no processo n.º 50/2013-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_selo=1&s_processo=50%2F2013-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=66, “A ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor, mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1 000 000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. O critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1000 000,00.
Tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a “habitação”, seja ela “casa”, “fração autónoma” ou “parte de prédio com utilização independente” “unidade autónoma”, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas, porque detidas pelo mesmo indivíduo, é que se superaria o milhão de euros.
Tal conclui-se da análise da discussão da proposta de Lei n.º 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2.ª, de 11 de outubro de 2012.”.
Temos pois que, para além dos elementos gramatical e sistemático de interpretação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, também o elemento racional ou teleológico, a ratio legis ou fim visado pelo legislador ao elaborar aquela norma, aponta no sentido de a tributação incidir sobre prédios urbanos e não sobre partes de prédios urbanos, ainda que de utilização independente e com afetação habitacional.
Pelos motivos que antecedem, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, decorrente da errada interpretação da norma de incidência contida na verba n.º 28.1, da TGIS, não poderão as liquidações impugnadas manter-se na ordem jurídica.
3.5. Do pedido de juros indemnizatórios
O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010). Assim, apesar de o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” como delimitativa da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, deverá entender-se que se compreende nessa competência os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.
Por outro lado, determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
Dispondo o n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
O erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”[3] ou em erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”[4] e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”[5].
No caso em apreço, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito do Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária.
3.6. Questões de conhecimento prejudicado
Em face da solução dada às questões relativas à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS e ao pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente, fica prejudicado o conhecimento da invocada inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.
4. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:
4.1.Declarar a ilegalidade as liquidações de Imposto de Selo do ano de 2012 impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;
4.2.Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pelo Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios, desde as datas dos pagamentos indevidos até à data da emissão das respetivas notas de crédito.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 38 665,65 (trinta e oito mil, seiscentos e sessenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos)
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de outubro de 2015.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, 5.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 241 e ss.
[2] MACHADO, J. Baptista, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 183.
[3] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado”, I
Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 115.
5 CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, SOUSA, Jorge Lopes de, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, pág. 342.