Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 754/2014-T
Data da decisão: 2015-06-09   
Valor do pedido: € 10.203,92
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS - Propriedade Vertical
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PROCESSO N.º 754/2014-T

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1.     RELATÓRIO

 

1.1.Sociedade Civil A…, Lda., contribuinte n.º …, notificada que foi das liquidações de imposto do selo do ano de 2013 apresentou em 30/10/2014, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tal imposto, no montante total de € 10 181,92.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 19/12/2014 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 15/01/2015 ficou constituído o tribunal.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 27/01/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

1.5.Em 23/02/2015 a Requerida apresentou a sua resposta e nesta solicitou a dispensa da realização da reunião arbitral do art. 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações.

1.6.O tribunal, no dia 04/05/2015 ordenou a notificação da Requerente para dizer se pretendia a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.

1.7.A Requerente em 13/05/2015 apresentou requerimento, no qual advoga que nada tem a opor quanto à dispensa de realização da sobredita reunião.

1.8.O tribunal em 26/05/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, concedeu prazo às partes para, querendo, apresentarem alegações finais e agendou a data de 09/06/2015 para a prolação da decisão final, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT.

2.     SANEAMENTO

A cumulação de pedidos subjacentes ao de pronúncia arbitral é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e porque a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3. POSIÇÕES DAS PARTES

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da Requerida na sua resposta.

Sintetizando, a Requerente entende que:

a)     A Requerente não concorda: “… com a aplicação de tais actos tributários, …”;

 

b)     “… urge descodificar qual o âmbito de aplicação da verba 28 da TGIS, nos termos supra descritos.”;

 

c)     “No fundo, é necessário descortinar se a afectação habitacional de um prédio que não esteja constituído em regime de propriedade horizontal, deve ser aplicado um valor patrimonial sobre cada uma das unidades independentes, ou se, pelo contrário, o valor patrimonial deve ser aferido sobre a totalidade do prédio, ou seja, através do somatório do valor patrimonial de todas as unidades independentes.”;

 

d)     “Como é sabido, não existe qualquer definição legal de prédio urbano com afectação habitacional, quer no Código do Imposto do Selo (CIS), quer na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)(…)pelo que, deverá procurar-se a mais correcta interpretação da expressão acima mencionada.”;

 

e)     “Assim, na busca da mais correcta interpretação da expressão acima mencionada, somos obrigados a socorrer-nos do art. 67.º, n.º 2 do CIS e a aplicarmos subsidiariamente o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (adiante CIMI), em tudo aquilo se refere à verba 28 da TGIS.”;

 

f)      “…é possível concluir que actos de liquidação aqui em discussão, não são de todo devidos, porquanto foram aplicados sobre o valor patrimonial total do prédio, nos termos inscritos na verba 28.1 da TGIS…”;

 

g)     “Na realidade deveriam ter sido aplicados a cada uma das unidades do mesmo prédio, conquanto,…”;

 

h)     “…todas as unidades são independentes e com utilização independente, pelo que deverá ser o valor de cada unidade o aplicável.”;

 

i)      “A Requerente atenta que está sobre todos os assuntos relacionados com o presente processo, entende que o seu prédio sendo constituído por unidades independentes, deverá usufruir do mesmo regime da propriedade horizontal, ou seja,…”;

 

j)      “Que cada fracção valha por si, e nunca pelo conjunto das várias fracções de um prédio.”;

 

k)     “No fundo, entende a Requerente, que os presentes actos tributários só seriam aplicáveis caso cada unidade independente tivesse um valor superior a € 1 000 000,00 (um milhão de euros), o que, conforme é facilmente visível não acontece em qualquer das unidades identificadas.”;

 

l)      “Caso tal acontecesse, aí sim, estaríamos na presença de um imóvel classificado como imóvel de luxo e consequentemente sujeito à aplicação da verba 28.1. da TGIS.”;

 

m)   “Mais, qualquer unidade independente é, para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (adiante IMI), tratada como qualquer fracção autónoma,…”;

 

n)     “Tendo valor patrimonial próprio…”;

 

o)     “Tendo liquidações autónomas…”;

 

p)     “E ainda avaliações autónomas…”;

 

q)     “Ora, perante esta factualidade facilmente identificável pela documentação junta ao presente requerimento, porque razão a AT considera, para efeito de IMI, que o prédio da Requerente é composto por unidades independentes e para efeito da aplicação da verba 28.1. da TGIS não se socorre do mesmo critério?”;

 

r)     “Não pode deixar de referir que, para efeitos da aplicação dos princípios da legalidade tributária, igualdade, justiça e proporcionalidade, deve ser aplicado o valor correspondente e a autonomia económica de cada fogo deve ser tida em consideração e nunca o valor patrimonial do prédio.”;

 

s)     “Em conclusão, para efeitos de tributação em sede de IMI, independentemente da existência de um prédio, cada unidade independente do mesmo deve ser avaliada separadamente das restantes, tendo um valor patrimonial e uma tributação própria.”;

 

t)      “ Os actos tributários em causa nos presentes autos violam os mais elementares princípios de razoabilidade, legalidade e bom senso, imperativos de um Estado de Direito.”.

 

 

 

Doutro modo, advoga a Requerida que:

 

a)     “A situação do prédio da Requerente subsume-se literalmente na previsão da verba 28.1 da TGIS...”;

 

b)     “ A Requerente é, pois, proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, pelo que não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio.”;

 

c)     “Decorre da noção do art. 2.º do CIMI, de acordo com o qual só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI.”;

 

d)     “Assim, a ora Requerente, para efeitos de IMI e de imposto do selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietária de 12 fracções autónomas, mas sim de um único prédio.”;

 

e)     “Tendo por adquirido este facto, o que a Requerente pretenderá é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, por ser ilegal existir uma discriminação no tratamento jurídico-fiscal dos dois regimes de propriedade.”;

 

f)      “…pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal será, no mínimo, abusivo e ilegal.”;

 

g)     “Ao intérprete da lei fiscal é vedado equiparar os dois regimes de propriedade, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito têm o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou como se refere no art. 11.º, n.º 2 da LGT…”;

 

h)     “Por outro lado, tendo em conta que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme dispõe o art. 11.º, n.º 1 da LGT que remete para o Código Civil que, no artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei.”;

 

i)      “A lei fiscal não comporta qualquer lacuna.”;

 

j)      “Determina o CIMI, para o qual a verba 28.1 da TGIS remete, que, no regime da propriedade horizontal, as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.”;

 

k)     “Não se poderá aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal, sob pena de violação aberta do princípio da legalidade.”;

 

l)       “Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a tal materialidade, avaliando individualmente, nos termos do art. 12.º, n.º 3, do CIMI, cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente – considerado separadamente na inscrição matricial, mas integrando a mesma matriz –, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.”;

 

m)   “Os andares ou divisões independentes, avaliados nos termos do artigo 12.º, nº 3 do CIMI, são considerados separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado o IMI.”;

 

n)     “Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.”;

 

o)     “A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.”;

 

p)     “Tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”;

 

q)     “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral.”;

 

r)     “É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das parcelas.”;

 

s)     Defende ainda que outra interpretação seria inconstitucional pois: “…violaria (…) a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).”;

 

t)      Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.”;

 

u)     “É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de que o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou divisão a divisão, e não globalmente.”;

 

v)     “Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.”;

 

w)    “A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação…”;

 

x)     “O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.”;

 

y)     “Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.”;

 

z)     “ O facto da ora requerente legitimamente discordar dessa discriminação não implica a violação de qualquer princípio constitucional.”;

 

aa) “O facto tributário do imposto do selo da verba 28.1 ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.”.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

4.1.1. A Requerente é proprietária do imóvel a que corresponde a inscrição …, Urbano, … (…), Lisboa.

4.1.2. Tal prédio compreende, 12 andares com utilização independente, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de … (…) do seguinte modo:

a) RC A, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

b) RC B, com um VPT de € 83 055,51, habitação;

c) RC C, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

d)RC D, com um VPT de € 83 055,51, habitação;

e) 1 A, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

f) 1  B, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

g) 1 C, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

h) 1 D, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

i) 2 A, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

j) 2 B, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

l) 2 C, com um VPT de € 85 208,32, habitação;

m) 2 D, com um VPT de € 85 208,32, habitação.

4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de imposto do selo relativas ao ano de 2013, em relação a cada uma de tais inscrições matriciais, no montante global de € 10 181,92 e que se decompõem do seguinte modo:

a) RC A, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

b) RC B, documento 2014 …, no montante de € 830,56;

c) RC C, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

d) RC D, documento 2014 …, no montante de € 830,56;

e) 1 A, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

f) 1 B, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

g) 1 C, documento  2014 …, no montante de € 852,08;

h) 1 D, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

i)2 A, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

j) 2 B, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

l) 2 C, documento 2014 …, no montante de € 852,08;

m)2 D, documento 2014 …, no montante de € 852,08.

4.1.4. O imóvel identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2013.

4.1.5. A Requerente pagou voluntariamente € 3394,12, montante correspondente à primeira prestação e que se estrutura do seguinte modo:

a) RC A, documento 2014…, € 284,04;

b) RC B, documento 2014…, € 276,86;

c) RC C, documento 2014…, € 284,04;

d) RC D, documento 2014…, € 276,86;

e) 1 A, documento 2014…, € 284,04;

f) 1 B, documento 2014…, € 284,04;

g) 1 C, documento 2014…, € 284,04;

h) 1 D, documento 2014…, € 284,04;

i) 2 A, documento 2014…, € 284,04;

j) 2 B, documento 2014…, € 284,04;

l) 2 C, documento 2014…, € 284, 04;

m) 2 D, documento  2014…, € 284,04.

4.1.6. A Requerente pagou voluntariamente € 3393,90, montante correspondente à segunda prestação e que se decompõe assim:

a) RC A, documento 2014..., € 284,02;

b) RC B, documento 2014…, € 276,85;

c) RC C, documento 2014…, € 284,02;

d) RC D, documento 2014…, € 276,85;

e) 1 A, documento 2014…, € 284,02;

f) 1 B, documento 2014…, € 284,02;

g) 1 C, documento 2014…, € 284,02;

h) 1 D, documento 2014…, € 284,02;

i) 2 A, documento 2014…, € 284,02;

j) 2 B, documento 2014…, € 284,02;

l) 2 C, documento 2014…, € 284, 02;

m) 2 D, documento  2014…, € 284,02.

4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa. De igual modo, também se deram como assentes os factos não impugnados.

5. O DIREITO

5.1. ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO EM CRISE

            Em primeiro lugar, são duas as questões que o tribunal tem de decidir, apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das partes, andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou, se pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais partes. E, em segundo lugar, determinar se a interpretação que conclui que só há incidência de Imposto do Selo quando o VPT de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente é superior a € 1 000 000, viola o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.

Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.

Assim, o art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), dispõem que se encontram sujeitos a tributação: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional -  1 %...”[1].

Em primeiro lugar é necessário perscrutar o conceito de “prédio com afectação habitacional” a que alude a norma em interpretação e o de “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do CIS necessário aplicar as normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

 3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

            Ora, o conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O imposto do selo., Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.

No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com divisões ou andares susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como “prédio com afectação habitacional”. Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma em propriedade horizontal à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[2].

Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT bem demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3 todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada parte, divisão ou andar objecto de utilização separada.

Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 12 andares/divisões do imóvel com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, 31 de Dezembro de 2013, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que os mesmos devem ser classificados como “prédio com afectação habitacional” de natureza urbana.

Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba de CIS em interpretação, isto é, o “valor patrimonial tributário para efeito de IMI”.

A este respeito, como já se descreveu acima, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado “…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado) …” e o documento de cobrança deve conter a “…discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da colecta…”, tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto da inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como “prédio com afectação habitacional” de partes, andares ou divisões com utilização independente.

Ora, se nenhum dos andares da Requerente com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade.

Defende ainda a AT que seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, a interpretação da verba 28.1 da TGIS diversa daquela que conclui que o VPT relevante para tal norma de incidência tem de ser o valor patrimonial tributário global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes. Se assim fosse, não se compreenderia a referência expressa ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. E esse, dúvidas não existem, é objecto de autonomização em relação a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente. De igual modo, também não encontraríamos argumento para a emissão de notas de liquidação autónomas. Acresce ainda que, perante a remissão expressa do art. 67.º, n.º 2 do CIS para o CIMI, no que concerne às matérias não reguladas, as partes, andares ou divisões com autonomia são enquadráveis nos prédios classificados como urbanos e habitacionais, cfr. art. 2.º, 3.º e 6.º, todos do CIMI. Deste modo, entende-se que a referida interpretação não padece de inconstitucionalidade.

 

5.2. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “São devidos juros indemnizatórios, quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) Existência de um erro em acto de liquidação do imposto imputável aos serviços; ii) Determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e iii) Pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Conhecendo a questão, a ilegalidade das liquidações é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa apurada, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.

 

6. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos actos objecto de pronúncia, com todas as consequências legais, incluindo o reembolso da 1.ª e 2.ª prestação do imposto do selo do ano de 2013, no montante de € 6 788,02.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 10 181,92 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia) nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a cargo da AT, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique.

 

Lisboa, 9 de Junho de 2015

 

O árbitro,

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] Na redacção em vigor à data do facto tributário.

[2] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013.