Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 35/2012-T
Data da decisão: 2012-12-11  ISP  
Valor do pedido: € 3.147,54
Tema: Gasóleo colorido - caducidade do direito de ação
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Processo arbitral n.º 35/2012-T

Imposto sobre os Produtos Petrolíferos

 

Requerente

…, Lda.

 

Requerida

Alfândega de Braga - Autoridade Tributária e Aduaneira (Ministério das Finanças)

 

 

1. Relatório

 

1.1. …, Lda. (“Requerente”), sociedade comercial por quotas, com o número de identificação de pessoa colectiva …, com sede na Avenida de …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”1), visando a anulação do acto de liquidação praticado pelo Director da Alfândega de Braga, no âmbito do processo de cobrança a posteriori relativo a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, (“ISP”) no valor de € 3.145,74, respeitante ao ano 2010.

 

A Requerente invoca que a alegada venda irregular de gasóleo colorido e marcado não é efectiva e que o diferencial positivo em relação às existências físicas derivou de erro continuado de manuseamento da máquina de leitura dos cartões agrícolas, por parte de uma funcionária. Conclui com o pedido de anulação da liquidação.

 

1.2. De acordo com o artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitro único Alexandra Coelho Martins.

 

O tribunal arbitral foi constituído no CAAD, em 17 de Julho de 2012, conforme acta de constituição do tribunal arbitral.

 

1.3. A Requerida apresentou resposta na qual suscitou a questão prévia do valor da causa, que considera dever corresponder à importância do imposto liquidado, de € 3.147,54 e não ao valor aleatório de € 3.220,87.

 

Invoca, por excepção, a intempestividade da acção arbitral.

 

Por fim, a título subsidiário, assinala, por impugnação, que as vendas de gasóleo colorido e marcado a titulares de cartão de microcircuito registadas nos “point of sale” ou terminais de pagamento automático (POS/TPA) da Requerente foram substancialmente superiores às quantidades de combustível adquiridas ao seu fornecedor, …-PORTUGAL, no período objecto da acção inspectiva, o que constitui presunção da sua introdução regular no consumo. Considera a Requerida que as anomalias da máquina ou do seu manuseamento invocadas pela Requerente não foram demonstradas e que tais anomalias, caso existissem, deviam ter sido comunicadas nos termos da lei, não o tendo sido.

 

Conclui pela procedência da excepção de caducidade do direito de acção e consequente absolvição da instância. A título subsidiário, peticiona a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.4. Em 27 de Setembro de 2012, realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT.

 

Sobre a extemporaneidade do pedido arbitral, o mandatário da Requerente invocou a apresentação de um recurso hierárquico de que a Requerida declarou não ter conhecimento.

 

Ouvidas as partes, o tribunal prescindiu de alegações orais e relegou para final a pronúncia sobre a fixação do valor da causa, sobre a qual as partes nada acrescentaram, e o conhecimento da excepção da caducidade.

 

1.5. Em requerimento complementar a Requerente veio informar que afinal não havia recorrido hierarquicamente da decisão da reclamação graciosa cuja liquidação é impugnada no processo arbitral, mantendo, no entanto, a posição de que não ocorre extemporaneidade.

Para este efeito, faz apelo ao artigo 144.º do Código de Processo Civil (“CPC”), segundo o qual o prazo de propositura da acção se suspende no decurso das férias judiciais.

 

No exercício do contraditório, a Requerida contrapôs que a Requerente não pode invocar argumentos novos e que o prazo em apreço é substantivo não se suspendendo em férias, por não lhe ser aplicável o artigo 144.º do CPC, mas, antes, o artigo 279.º do Código Civil.

 

* * *

O Tribunal é competente.

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

* * *

 

1.6. Constituem questões a decidir previamente ao mérito, a relativa ao valor da causa e a da intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral que, de imediato, se apreciam.

 

 

2. Do Direito

 

2.1. Fixação do valor da causa

 

A Requerida impugna o valor da acção, de € 3.220,87, por este não ter correspondência com o valor da liquidação impugnada, emitida sob o número de registo B….3, em 10 de Dezembro de 2010, referente ao mesmo ano, no montante de € 3.147,54.

 

E tem razão.

 

Na verdade, é aqui aplicável, por remissão explícita do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), o disposto no artigo 97.º-A do CPPT que, na sua alínea a) do n.º 1, determina que o valor atendível, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.

 

Critério legal que decorre do facto de estarmos no âmbito de um processo impugnatório, em que o pedido consiste precisamente na anulação do acto impositivo praticado pela Administração e na pronúncia constitutiva inerente.

 

O presente pedido arbitral visa a eliminação da liquidação de ISP no valor de € 3.147,54, pelo que se decide alterar e fixar o valor da causa em conformidade.

 

2.2. Caducidade do direito de acção

 

Para a decisão da excepção, importa atender à seguinte factualidade:

 

  1. Em 20 de Dezembro de 2010, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de ISP, sob o número B 2010/…, praticado pelo Director da Alfândega de Braga, no valor de € € 3.147,54, relativo ao ano 2010 – cfr. aviso de recepção constante do processo administrativo a fls. 18, Vol. I, 1.ª parte.

 

  1. A Requerente deduziu reclamação graciosa que foi indeferida por despacho de 20 de Outubro de 2011, que lhe foi notificado em 21 de Outubro de 2011 – cfr. fls. 62 e segs. do Vol. II do processo administrativo e cópia do aviso de recepção a fls. 73.

 

  1. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado pela Requerente junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 7 de Fevereiro de 2012 – conforme registo no sistema sistema informático do CAAD.

 

Apreciando,

 

Os prazos para a propositura de acções são prazos substantivos, de caducidade, e integram a própria relação jurídica material controvertida. Visam determinar o período para o exercício de um direito e são peremptórios, pois o seu decurso extingue o próprio direito2 3.

 

Antes de a acção dar entrada ainda não há processo. Logo, não há prazos judiciais ou processuais antes de haver processo.

 

Com efeito, o prazo judicial ou adjectivo supõe que a acção está em juízo e assinala o lapso de tempo necessário, segundo a lei, para se produzir certo efeito processual ou, de acordo com outra definição, para a prática de um acto judicial. Não é isto que se verifica com o prazo fixado para a propositura de uma acção, quer em tribunais estaduais, quer arbitrais.

 

Deste modo, a contagem do prazo para deduzir a acção deve observar as regras do artigo 279.º do Código Civil, como de resto prevê expressamente o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, no que se refere à impugnação judicial. Por essa razão, a contagem de tal prazo é corrida e não se suspende durante as férias judiciais, sendo inaplicável o disposto no artigo 144.º do CPC, cujo âmbito se restringe aos prazos judiciais ou adjectivos.

 

A este respeito, salienta-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.

 

E, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29.º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo e do Código de Processo Civil.

 

Determina o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos no artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

Na situação sub iudice a contagem do mencionado prazo de 90 dias inicia-se a partir da notificação da decisão da reclamação graciosa, ou seja, começa no dia 22 de Outubro de 2011 (dia seguinte ao da mencionada notificação).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral tinha de ser submetido, como acima se assinalou, no prazo máximo de 90 dias, i.é, até ao dia 19 de Janeiro de 2012, o que não sucedeu, tendo dado entrada no CAAD no dia 7 do mês de Fevereiro de 2012, ou seja, após o decurso do prazo legal de 90 dias.

 

Pelas razões e com os fundamentos acima expostos, em concreto, por o requerimento inicial ter sido apresentado após o decurso do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conclui-se pela intempestividade do pedido de constituição e pronúncia deste tribunal arbitral.

 

 

3. Dispositivo

 

Em face do exposto, procede a excepção intempestividade do pedido de constituição e pronúncia do tribunal arbitral e, em consequência, absolve-se a Requerida da instância.

 

 

* * *

 

Valor da causa: € 3.147,54, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 315.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

 

Custas a cargo da Requerente fixando-se o respectivo montante em 612.00, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2012

 

 

A árbitro

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

1 Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

2 Veja-se a posição do STA após o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 12 de Outubro de 1988, proferido no recurso n.º 4.759, publicado no Apêndice ao Diário da República de 28 de Fevereiro de 1990, páginas 1096-1100, Boletim do Ministério da Justiça n.º 380, páginas 346-350, e na Fisco n.º 6, páginas 19-21, com anotação favorável de SALDANHA SANCHES, e com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b8fb4d773c676475802568fc003771f0?OpenDocument. Esta jurisprudência, posterior à entrada em vigor da LPTA (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos).

3 Seguimos o Acórdão do TCA Norte, processo n.º 01811/09.7BEBRG, de 23 de Setembro de 2010, para o qual se remete para maior desenvolvimento da evolução da jurisprudência do STA, e a doutrina aí citada (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, 1987, páginas 463-464, MOTA PINTO, Teoria Geral de Direito Civil, 2.ª edição, n.º 93, páginas 370-375, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, págs. 272/273).