Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 623/2014-T
Data da decisão: 2015-07-10   
Valor do pedido: € 19.740,55
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 623/2014-T

Tema: IRC; dedutibilidade de custos

 

Requerente: A… – …, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”)

 

 

            O árbitro, Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, acorda no seguinte:

 

 

1.         RELATÓRIO

 

1.1. A sociedade A…- …, S.A. com o número de identificação fiscal … (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2014 …, referente ao exercício de 2010, que ditou imposto e juros compensatórios a pagar no valor de € 19.740,55.

 

1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada por “AT”) em 20 de Agosto de 2014, tendo sido designado como árbitro do Tribunal Arbitral Singular aquele já acima indicado, que aceitou o encargo.

 

1.4. Em 02 de Outubro de 2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 17 de Outubro de 2014.

 

1.6. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

(i)                     Que durante o ano de 2010 a Requerente teve de efectuar vários investimentos que visaram a sua preparação para um conjunto de actividades que fazem parte integrante do seu objecto social.

(ii)            Por esse facto, foram necessários efectuar um conjunto de gastos que não estão relacionados com a actividade principal, agrícola e vinícola, tendo juntado um conjunto de documentos que não se referem ao exercício fiscal de 2010.

(iii)           Que relativamente à correcção promovida pela Requerida à conta 62.6.1.114 – Conservação e Reparação de Equipamento – 370, a aquisição do barco e de todos os componentes a ele destinados, teve como único objectivo o desenvolvimento das actividades que fazem parte do objecto social (Marítimo Turística) da Requerente, a partir de Maio de 2010 e que o motor (documento 52012 no valor de €1.625,00 junto aos autos pela Requerente) se refere a um motor de barco auxiliar, de baixo valor e que tem uma vida útil muito inferior a do motor principal.

(iv)          E que é um facto que devido às actuais dificuldades de acesso à propriedade, o referido barco também dá apoio ao transporte de pessoas e bens que vão trabalhar na vinha, nomeadamente, no transporte do administrador, colaboradores, clientes, enólogos, contudo o seu verdadeiro objectivo é a sua exploração na vertente de Marítimo Turística, já que, alega, pretende-se realizar passeios turísticos.

(v)                   Quanto ao custo reportado na conta 62.6.1.114, no valor de € 9.900,00, respeitante a recuperação de uma estrutura de alumínio e reparação de um talude de encosto de embarcações existentes na Quinta …, refere que o custo respeitante a este investimento prende-se igualmente com a actividade por si desenvolvida.

(vi)          Quanto à correcção relativa à conta 62.5111.123/5 – Deslocações e Estadas não aceites, vem dizer que a Requerida deveria ter aceite como gasto fiscal os documentos apresentados nas contas 62511123 e 62511125, respectivamente, os valores de € 665,26 e € 1.309,16, já que a mesma se encontrava justificada, pois este gasto apenas existiu enquanto a casa que foi idealizada para o exercício da actividade de turismo/alojamento, não reunia todas as condições necessárias para acolher pessoas/turistas.

(vii)        Quanto à correcção referente à conta 62 6.5 - Contencioso e Notariado, reconheceu que ocorreu um lapso na classificação desta conta, porquanto deveria ter introduzido na conta 62.5.1 esta despesa. Contudo, diz, as despesas em causa deveriam ter sido aceites pela Requerida pois alega que as mesmas foram realizadas durante o exercício da sua actividade. Sustenta que apenas tem como único trabalhador o seu administrador único, pelo que este é o único beneficiário das despesas com refeições, não existindo assim outro beneficiário a quem se possa imputar esta despesa, pelo que deveria ter sido aceite pela Requerida.

(viii)      Quanto à correcção referente a Construção de edifícios (em madeira no valor de €97.500,00, com depreciação de €6.493,50), refere que por razões variadas, o projecto turístico planeado não pôde avançar, em virtude de falta de investimento, nomeadamente por parte das instituições bancárias, pois em 2010 Portugal entrou em recessão económica, facto esse, diz, que a impediu de obter o investimento necessário para implementar o seu projecto turístico.

(ix)          Sustenta que as despesas com a construção de edifícios tiveram como único objectivo o desenvolvimento de um projecto de exploração turística, pelo que deverá ser considerado como depreciação o montante de € 6.493,50 contabilizada na conta 64.2.2 não havendo assim qualquer razão para a Requerida não aceitar o respetivo gasto fiscal, pois o mesmo insere-se no âmbito do objecto social que vem exercendo.

(x)                  Quanto à correcção relativa à aquisição do Barco de Motor, a Requerente alega que como o único acesso à Quinta é por via marítima através do Rio Douro, se viu obrigado a ter de munir-se de meios para poder ultrapassar esta situação, uma vez que toda e qualquer pessoa que pretendesse se deslocar à Quinta teria sempre que o fazer de barco. Justifica esta aquisição como sendo fundamental para poder aceder à Quinta, bem como os seus clientes interessados na compra do vinho produzido, e os técnicos que dão apoio na vinicultura, entre outros, já que a única via, ou pelo menos a mais confortável e de melhor acesso diz, é a marítima.

(xi)          Refere que acordou com o seu fornecedor "B…", que os trabalhadores desta deslocar-se-iam sempre por via marítima, e que ficava a seu cargo o transporte, em virtude de este fornecedor não possuir os meios náuticos para se fazer transportar. Concluindo, deste modo, que a depreciação havida deve ser aceite.

(xii)        Quanto à correcção relativa ao projecto para remodelação de 3 casas na quinta do Douro - Estudo de reconstrução da casa – reconhece que numa fase inicial teve a intenção de desenvolver na quinta do Douro, um projecto turístico, sendo esta a principal razão que o levou a elaborar um projecto de ampliação, porquanto as mesmas se destinam a alojar turistas, considerando que a finalidade é a actividade turística e hoteleira.

(xiii)      E que só por dificuldades de financiamento bancário lhe não foi possível concluir o referido projecto turístico, concluindo que estes gastos, e respectiva depreciação no montante de €3.330,00, deve ser aceite pois este tipo de despesa insere-se no âmbito do seu objecto social e que o mesmo, diz, tem vindo a exercer.

(xiv)       Por último, no que se refere às Diferenças nos stocks, designadamente à diferença registada nas quantidades de garrafas verificadas nos vinhos dos vários anos, refere que quando se está a lançar novos produtos a forma mais eficaz de o fazer e de os apresentar é dando-os a provar e que foi isso que fez, realizando provas e degustações, para os quais convidou clientes, enólogos, escanções e chefes. Diz ser igualmente prática corrente, para além da prova no local, estes convidados adquirir os vinhos para comparar com outros vinhos no mercado, para tentar combinar com vários pratos, tudo com o objectivo de classificar o vinho e saber como o colocar no mercado.

(xv)         E que a razão supra referida é a principal razão pelas diferenças encontradas nos stocks dos vinhos nos vários anos, visto não ter existido no ano de 2010 qualquer venda destes vinhos.

(xvi)       Quanto ao vinho a granel refere ser normal haver quebras no engarrafamento, quando se passa das barricas para as garrafas.

(xvii)     Em sede de Alegações reforçou o expendido supra.

 

(xx)     Termos em que pugna pela procedência do seu pedido, devendo ser restituído o imposto e juros compensatórios pagos.

 

 

1.7. A Requerida respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, alegando de forma sumária, como segue:

 

(i)                    Começa por referir que a Requerente, em bom rigor, como faz em todo o Pedido, alega, efectua uma errónea apreciação dos factos e dos preceitos fiscais aplicáveis e que da análise do pedido de pronúncia arbitral resulta a constatação de uma evidente ausência da fundamentação de direito.

(ii)            E que a Requerente, diz, vem apenas manifestar a sua discordância face às conclusões alcançadas no âmbito do procedimento inspectivo, bastando-se, para o efeito, com meras alegações genéricas e contraditórias entre si.

(iii)          E que nos termos do artigo 552.º do CPC, aplicável, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, na petição inicial o Autor deve, não só expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir como também as razões de direito que servem de fundamentação à acção, pelo que diz, se vê impedida de rebater os argumentos num plano jurídico-fiscal, dado que em momento algum a Requerente aponta ou justifica o erro de facto ou de direito em que baseia a suposta ilegalidade da liquidação controvertida nos autos.

 

(iv)          Razão pela qual, no seu entendimento, se verifica a existência de uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Requerida da instância.

 

(v)                   Por impugnação vem rebater, ponto por ponto, como segue sumariamente:

(vi)          Sustenta que nem por referência ao exercício de 2010, nem actualmente, a Requerente, contrariamente ao que alega, faz prova, como lhe compete, da existência de um projecto turístico naquela quinta, mas somente de uma mera vontade / hipótese de o vir a fazer.

(vii)        Da mesma forma, alega que são totalmente incoerentes as referências feitas à obra de reconstrução porquanto a finalidade das mesmas ora se traduz na implementação de um projecto turístico, ora na permanência do proprietário na quinta, cujo enquadramento tributário, sustenta, é, necessariamente, distinto.

(viii)      Conclui que não é possível concluir que a Requerente tenha exercido, de facto, a actividade que alega, nomeadamente a de exploração turística.

 

(ix)          Relativamente aos gastos fiscalmente não aceites, entende que os gastos desconsiderados pela Inspecção Tributária foram os que comprovadamente não foram indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, no exercício de 2010, conforme exigido pelo artigo 23.º do CIRC.

 

(x)                   Pois, refere, no exercício de 2010, os rendimentos da Requerente foram os obtidos pela venda de madeira de eucalipto e comercialização e produção de vinho, tendo os gastos inerentes a estas actividades sido aceites pela Inspecção Tributária.

(xi)           Diz que face aos factos apurados a Requerente nunca logrou provar o questionado requisito da racionalidade económica dos custos que registou, apesar de ter tido oportunidades para tal.

(xii)        Alega que inexiste prova de que os gastos em questão nos autos extrapolem a esfera pessoal do único administrador da Requerente, recaindo na esfera da empresa e sendo indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que, defende, não merece censura a desconsideração de tais gastos nos termos do artigo 23.º do CIRC.

(xiii)      Relativamente à “Conta 62.6.1.114 – conservação e reparação de equipamento”, entende que o Requerente contabilizou como gasto do exercício o valor de €1.625,00, referente à aquisição de um motor de um barco, sendo que esta operação deveria, em conformidade com o artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, ter sido contabilizada antes como um activo fixo tangível.

(xiv)       E que tal aquisição não tem qualquer causalidade económica com os rendimentos sujeitos a imposto ou a manutenção da fonte produtora, pois, alega, no exercício de 2010, os rendimentos da Requerente foram os obtidos pela venda de madeira de eucalipto e comercialização e produção de vinho.

(xv)         Por outra parte, a Requerente contabilizou como gasto o valor de €9.900,00 respeitante à recuperação de um talude de encosto de embarcações existente na quinta da Ferradosa, quando a operação em causa, tendo em conta a descrição mencionada no documento de suporte, deveria ter sido objecto de contabilização a título de grandes reparações e beneficiações e depreciado ao abrigo do artigo 5.º, n.º, 2, alínea c) do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

(xvi)       Quanto à “Conta 62.511.123/5 - deslocações e estadas não aceites”, diz que tais gastos não identificam a pessoa que pernoitou nesses lugares, e que os documentos de suporte dizem respeito a consumos de refeição dos quais não consta a identificação do destinatário do serviço de restauração, nada justificando e provando quanto à empresarialidade e à necessidade de tais gastos.

(xvii)     E ainda que tais facturas estivessem identificadas, o que desde logo seria necessário para aferir se, de facto, foi a Requerente que suportou tais gastos, o que não sucedeu, esses gastos, ainda que devidamente documentados, não passam pelo crivo do artigo 23.º do CIRC.

(xviii)   No que se à correcção relacionada com a “Conta 62.6.5 - contencioso e notariado”, vem referir que como a mesma se refere, alegadamente, ao consumo de refeições por diversas pessoas, mas em que não se identifica o respetivo destinatário, não é possível aceitar esta despesa à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC.

(xix)       Quanto à correcção relativa à “Conta 64.2.2 – Depreciações de edifícios e aquisição de barco a motor”, diz que, em 2010, a Requerente construiu, nos terrenos da sua propriedade, construções em madeira com fundações em alvenaria, pelo valor de €97.500,00, edifícios estes que, segundo afirmações do administrador da Requerente, teriam como destino a exploração turística, actividade essa, que diz nunca ter sido exercida pela Requerente, pelo que não pode aceitar o gasto à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC.

           

(xx)         Relativamente à correcção atinente à “Conta 64.2.2 – Depreciações de edifícios e aquisição de barco a motor”, vem dizer que não aceita a justificação dada pela Requerente de que a aquisição de tal barco se destinaria a transportar trabalhadores, até porque, diz, é sabido que a Requerente não tem trabalhadores à sua conta.

(xxi)       Sendo certo que, sustenta, se a Requerente contratou com outra parte o transporte de trabalhadores, como refere no artigo 69.º do seu pedido, sempre deveria fazer prova do alegado.

(xxii)     Pelo que, conclui, o gasto de depreciação do barco e da aquisição do motor, no valor de €2700,20, não pode ser considerado como gasto para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do CIRC bem como do artigo 11.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

(xxiii)   Por fim, e pelos motivos expostos a propósito da correcção atinente à conta 64.2.2, na parte atinente à depreciação de edifícios (cf. fls. 18 e 19 do RIT e artigos 103.º e seguintes da sua Resposta), entende que é correcta a interpretação dada pela Inspecção Tributária ao desconsiderar, para efeitos fiscais, a verba de €3.330,00, contabilizada na “Conta 6221114 – trabalhos especializados”», referente aos gastos do projecto de remodelação e ampliação de 3 casas na quinta do Douro cuja utilidade foi «permitir a permanência dos proprietários na quinta, conforme declarou o representante do sp em resposta a uma notificação no âmbito da OI 2011…» (cf. fl. 20 do RIT junto aos autos).

(xxiv)    Quanto à correcção dos proveitos, vem dizer que a Requerente discorda sobre o cálculo do vinho em falta no inventário de 2010, sustentando ser normal haver quebras no engarrafamento e na realização de provas e degustações, o que concomitantemente, resultou numa omissão de réditos em 2010, mas que não prova em momento algum, as correcções efectuadas pela Requerida, pois nunca logrou demonstrar ou fazer qualquer tipo de prova da existência do tipo de eventos que a Requerente invoca terem ocorrido.

(xxv)      Por outro lado, refere que não obstante a junção de documento apresentado pela Requerente - IVDP das quebras e ofertas de 200 garrafas (150 litros) – cf. mapa 4 do doc. 20 junto pela Requerente com o seu pedido arbitral – alega que do mesmo não se pode retirar o efeito pretendido pela Requerente, somente, porque, em Dezembro de 2008, foi declarado um abate de existências de 150 litros.

(xxvi)    Porquanto não existe na contabilidade informação documentada de que tenha havido quebras de vinhos ou ofertas que justifiquem as quantidades de vinho em falta.

(xxvii)  No que se refere ao vinho a granel, defende que em momento algum duvidou da anormalidade das quebras de engarrafamento, porém, entende jamais será de aceitar como justificação a mera alegação de normalidade das quebras no engarrafamento, proferida pela Requerente, considerando, até, que a Requerente não reflectiu contabilisticamente tais perdas, ainda em que em valores aproximados.

 

(xxix)  Conclui, pugnando pela absolvição da instância, por procedência da excepção dilatória invocada ou, não se entendendo assim, e por impugnação, pela total improcedência do pedido arbitral.

 

 

1.8. O Tribunal dispensou a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, por Despacho Arbitral inserido no sistema processual, considerando que os autos contêm já os elementos de facto necessários e suficientes para decidir de Direito, o que não mereceu oposição das partes. As partes foram notificadas para apresentar Alegações escritas, o que ambas decidiram fazer. A prolação da decisão arbitral foi fixada até ao fim do prazo legal previsto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.

 

 

* * *

 

1.9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

2.0. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

2.1. Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

 

 

2.         QUESTÃO PRÉVIA 

 

            A Requerida, nas suas alegações, alega que o Tribunal Arbitral não deve considerar e admitir os documentos juntos pela Requerente com as suas alegações, porquanto a sua junção seria extemporânea.

 

            A este respeito cumpre informar que nos termos do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT compete ao Tribunal Arbitral total autonomia na condução do processo.

 

            E mesmo se fosse traçado um paralelismo com o processo judicial tributário[1] a conclusão a que se chegaria seria a de que é possível, em tese, apresentar prova por documentos após os 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final de julgamento[2], sempre que a junção dos documentos não tenha sido possível apresentar até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

 

            Ou seja, o processo civil[3] admite essa possibilidade, embora com restrições, reconheça-se.

 

            Face ao princípio da descoberta da verdade material, este Tribunal admite a junção dos documentos apresentados pela Requerente com as suas alegações.

 

 

4. QUESTÕES DECIDENDAS 

 

 

Na petição arbitral, a Requerente suscita a apreciação pelo Tribunal, em síntese, das seguintes questões:

 

  1. A desconsideração dos gastos para efeitos fiscais promovida pela Requerida é legal, ou, como esta alega, viola o regime de dedução dos custos em sede de IRC?
  2. A correcção promovida pela AT com referência ao cálculo do vinho em falta no inventário de 2010 afigura-se legal?

 

A Requerida, na sua Resposta, suscita ao Tribunal que se pronuncie sobre matéria de excepção dilatória, ao invocar a existência de uma excepção dilatória que, no seu entendimento obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Requerida da instância, por existência de falta de fundamentação de Direito por parte da Requerente.

 

5.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

1.     A Requerente foi constituída como sociedade anónima a 22/02/2010, tendo iniciado a sua actividade na mesma data, encontrando-se tributada em sede de IRC, no regime geral, e em sede de IVA, no regime normal trimestral. (Cfr. PA junto aos autos).

 

2.     Aquando da sua constituição, e segundo o respectivo registo societário, a Requerente tinha como objecto a “exploração agrícola e vitivinícola, actividades turísticas, indústria hoteleira, administração de bens, bem como organização de eventos” (Cfr. PA junto aos autos e certidão comercial junto pela Requerida com as suas alegações).

 

 

3.     A 08/05/2010, a Requerente alterou o seu objecto societário para “exploração agrícola e vitivinícola, actividades turísticas, indústria hoteleira, administração de bens, bem como organização de eventos diversos. Organização de actividades marítimo-turísticas, com programas previamente estabelecidos, aluguer de embarcações com ou sem tripulação, pesca turística e outros serviços de natureza marítima e similar”. (Cfr. certidão comercial junta pela Requerida com as suas alegações).

 

4.     No âmbito da acção inspectiva externa realizada com base na OI 2012…, referente ao exercício de 2010, de âmbito geral, efectuada à Requerente, a Inspecção Tributária efectuou correcções meramente aritméticas à matéria tributável de IRC, no montante de € 91.020,25, e, em sede de IVA, apurou imposto em falta no montante de € 2.097,21, em resultado de infracções ao disposto e previsto nos artigos 17.°, 20.° e 23.° do CIRC, artigo 1.° do Decreto-Regulamentar n.0 25/2009, e aos artigos 19.° a 27.° do CIVA. (Cfr. PA junto aos autos).

 

5.     A acção inspectiva iniciou-se em 24/01/2014, tendo a ordem de serviço sido subscrita por C, contribuinte n.º…, o qual é presidente do conselho de administração da Requerente. (Cfr. PA junto aos autos).

           

6.     Entre 04/2010 e 03/2011, como expressamente refere a Requerente no artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral, esta tinha como seu único funcionário o administrador C.

 

7.     No âmbito do referido procedimento, e após notificação para o exercício do respectivo direito de audição, a Requerente não exerceu o respectivo direito de audição, pelo que as propostas de correcção passaram a ser definitivas. (Cfr. PA junto aos autos).

 

8.     Em 21/05/2014 a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2010, ditando IRC a pagar no valor de €19.740,55 (Cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerente com o seu pedido arbitral).

 

9.     A Requerente, para efeitos fiscais, tem como CAE principal a viticultura (código 01210) e como CAE secundário a organização de actividades de animação turística (código 93293) (Cfr. PA junto aos autos e Documento n.º 3 junto pela Requerente com o seu pedido arbitral).

 

10. A Requerente não exerceu, de facto, a actividade marítimo-turistica que consta do seu objecto social com referência ao exercício de 2010 (Artigos 55.º e 56.º da Petição Arbitral da Requerente).

 

 6.        FACTOS NÃO PROVADOS

 

                        Não existem outros factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

 

7.         FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

                        Quanto aos factos essenciais, a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base na prova documental junta ao processo e acima discriminada, cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

           

8.         DO DIREITO

 

De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 4 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 5, importa agora determinar o Direito aplicável.

 

            Começar-se-á por analisar a excepção invocada pela Requerida em sede da sua Resposta, por comportar matéria de excepção dilatória, que, em caso de procedência, importa a extinção da instância e o não conhecimento do pedido.

 

            A Requerida invoca que no caso sub judice se verifica a excepção dilatória de falta de fundamentação de Direito na acção arbitral que a Requerente propôs.

 

            No entanto, não tem razão.

 

            O Tribunal reconhece alguma confusão no modo como a Requerente apresenta os factos e, até, alguma incorrecção no que se refere às correcções promovidas pela Requerida, designadamente em sede do apuramento do seu lucro tributável.

 

            No entanto, é manifestamente excessivo pretender-se retirar daí o efeito jurídico pretendido pela Requerida, o de que teria ocorrido uma manifesta falta de fundamentação de Direito, até porque a Requerente procura justificar os gastos incorridos em face do regime previsto no artigo 23.º do CIRC.

 

            De tal modo não é assim, que a Requerida contesta, por impugnação e correcção a correcção, a argumentação promovida pela Requerente ao longo da sua petição arbitral, não correspondendo à verdade que tenha ficado impedida de rebater os argumentos num plano jurídico-fiscal, porquanto o faz exaustivamente em sede da sua Resposta e Alegações.

 

            Por este motivo, improcede a excepção dilatória invocada pela Requerida.

Vejamos, agora, se, in casu, ocorre a violação do regime de dedução dos custos em sede de IRC no conjunto dos gastos cuja dedutibilidade fiscal a Requerida recusa.

Analisemos, então, o conceito de indispensabilidade dos custos à face do artigo 23.º do CIRC, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 159/2009, de 13 de Julho.

 

“Artigo 23.º

Custos ou perdas

 

1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

 

a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta;

f) Encargos fiscais e parafiscais;

g) Reintegrações e amortizações;

h) Provisões;

i) Menos-valias realizadas;

j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

2 - Não são aceites como custos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação.

3 - No caso das rendas de locação financeira, não é aceite como custo ou perda do locatário a parte da renda destinada a amortização financeira.

4 - Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 40.º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

5 – Não são aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, quando detidas pelo alienante por período inferior a três anos e desde que:

a) As partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58º;

b) As partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com domicílio em país, território ou região com um regime de tributação claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças;

c) As partes de capital tenham sido adquiridas a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação.

6 - Não são também aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, sempre que a entidade alienante tenha resultado de transformação, incluindo a modificação do objecto social, de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas e tenham decorrido menos de três anos entre a data da verificação desse facto e a data da transmissão.

7 – Não são, igualmente, aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º, ou a entidades com domicílio em país, território ou região com regime de tributação claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação”.

          

            Diga-se, desde já, que acompanhamos de perto a posição expressa por Rui Duarte Morais, in “Apontamentos ao IRC, Edições Almedina, páginas 81 a 88.”, na parte que se refere à indispensabilidade dos custos.

            Efectivamente, como, e bem, refere esse ilustre Autor e citando-o por facilidade de exposição:

O elemento literal aponta, pois, para a necessidade dos custos. Necessários para quê? Para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, responde o nº 1 do art. 23.º . Tal frase tem que ser cuidadosamente ponderada.

(…)

            A expressão manutenção da fonte produtora não pode ser entendida num sentido estático ( de conservação da empresa tal como existe ), mas sim num sentido dinâmico. As empresas visam o seu desenvolvimento, o seu crescimento. As despesas incorridas com tal objetivo são, indiscutivelmente, custos fiscais. Pense-se, p. ex., nos encargos incorridos com a procura de novos produtos, de novos mercados, com a racionalização dos processos empresariais, com a aquisição de equipamentos mais modernos, com investigação, com a certificação de qualidade.”.

            Continuando a afirmar Rui Duarte Morais, no que igualmente o acompanhamos: Os sujeitos passivos são, pois, livres nas suas escolhas, nomeadamente para decidirem como gerir as suas empresas, para decidirem quais (na sua espécie e montante) os encargos por eles tidos por convenientes para a prossecução de determinada actividade económica. Temos, como princípio inerente à ideia de Estado Fiscal, a não interferência da administração na gestão das empresas.

                        Um custo não deixa de o ser (não deve deixar de ser considerado como tal para efeitos fiscais) pelo facto de, numa avaliação a posteriori, se revelar inútil ou ineficaz (p. ex., por não se mostrar gerador de proveitos) ou, simplesmente, excessivo na óptica dos interesses fazendários . Até porque uma tal avaliação resultaria, muitas vezes, viciada pelo facto de, no momento em que é realizada, serem conhecidos factos novos, não presentes aquando da tomada da decisão pelo sujeito passivo.

Não podemos ter como boa orientação de certa jurisprudência que recusa a aceitação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação directa com a obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços ou conseguisse a redução de outros custos.

Na mesma lógica, também não seriam fiscalmente dedutíveis os encargos com outras formas de desenvolvimento da empresa, p. ex., com a prospecção de novos produtos e mercados, sempre que tais iniciativas não viessem a ter seguimento, concretizando-se na obtenção de novos proveitos.”.

Para concluir no seguinte sentido: “O requisito “ indispensabilidade”, porque está presente relativamente a todo e qualquer custo enquanto condição da sua aceitação fiscal, não pode ser referido à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo aconteceu. Se à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial - no entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social – o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.) então tal custo não deve ser havido por indispensável.

 

Negrito, itálico e sublinhado do Tribunal.

 

Enquadrado preliminarmente e dogmaticamente o que para este Tribunal se deve entender pelo requisito de indispensabilidade, analisemos, pois, o caso concreto, começando pela análise dos gastos da Requerente que não foram considerados pela Requerida para efeitos fiscais.

A questão central a determinar para a boa decisão do caso sub judice, na óptica deste Tribunal, é se, apesar de a actividade marítimo-turística que consta do objecto social da Requerente não ter sido por esta exercido com referência ao exercício de 2010, se, ainda assim, se pode aceitar os gastos em causa nos autos.

Compulsada a prova oferecida pela Requerente nos a conclusão a que se chega é que não se retira da mesma que tenha havido uma prévia decisão de se avançar para um projecto marítimo-turístico com referência ao exercício de 2010, considerando que a esmagadora maioria dos documentos oferecidos pela Requerente se reportam a anos posteriores a 2010, na maior parte dos casos a 2012, 2013 e 2014.[4].

De facto, a justificação que a Requerente fornece ao longo do seu itinerário argumentativo é a de que a maioria dos gastos em causa nos autos enquadrar-se-iam no desenvolvimento das actividades relacionadas com o objecto social (componente marítimo-turística) e que, como tal, estavam justificadas, mas da prova que ofereceu ao Tribunal retira-se que a motivação (e decisão) de dar início à possibilidade de se avançar para a concretização de um projecto desse tipo terá ocorrido em exercícios não anteriores[5], mas posteriores a 2010.

Não basta alterar o objecto social de uma empresa para que se conclua que a mesma exerceu essa actividade ou iniciou a preparação preliminar ou prévia para o exercício da mesma.

É necessário que se verifique, constate, a prática de alguns actos ou processos decisórios, que conduzam a essa mesma conclusão, ainda que posteriormente à prática de tal acto preparatório ou decisão de gestão, por razões de carácter económico e/ou financeiro e/ou outras, se acabe por abandonar esse projecto, decisão, essa, totalmente legítima, e que não mereceria qualquer censura por parte deste Tribunal, conquanto os gastos incorridos apresentassem uma genuína motivação empresarial, que, in casu, não se logra descortinar.

Aliás, é a própria Requerente que assume[6] que os gastos incorridos tiveram a sua motivação na exploração da vertente marítimo-turistica, já que, afirma, pretende-se realizar passeios turísticos.

Afirma no artigo 56.º da sua petição arbitral que por razões várias, que todavia não concretiza em detalhe, não foi possível avançar com o projecto turístico por falta de investimento, nomeadamente das instituições bancárias, o que a teria impedido de obter o necessário investimento financeiro.

No entanto, não faz qualquer prova do que alega, e seguramente que não seria difícil juntar alguma prova de que teria tentado obter esse mesmo investimento que vem dizer aos autos que não logrou alcançar.

Pelas razões acima referidas, o Tribunal considera não se verificar o requisito da indispensabilidade, tal como o enquadrou previamente, aos gastos relacionados com a Conta 62.6.1.114 – conservação e reparação de equipamento, pelo que entende que as correcções promovidas pela Requerida não merecem censura.

No que se refere às correcções promovidas à Conta 64.2.2 – depreciação de edifícios e barcos e motor - a Requerente, no que se refere à aquisição de um barco de recreio, vem justificar estes gastos com a necessidade de transportar os trabalhadores da B… para trabalharem na sua vinha. No entanto, mais uma vez não faz qualquer prova desta responsabilidade que teria assumido, e considerando que no exercício de 2010 a Requerente não tinha quadro de pessoal para além do seu administrador, não merece censura a correcção promovida pela Requerida.

No que se refere ao gasto incorrido com a construção de edifícios, o mesmo não deve ser aceite porquanto, no dizer da Requerente, se relaciona unicamente com um projecto turístico[7] que, por referência ao exercício de 2010, não se logra encontrar prova de que teria sido sequer equacionado, pelo que não merece censura a correcção efectuada pela AT em face da prova produzida pela Requerente nos autos.

No que se refere à correcção promovida pela Requerida à Conta 6221114 – Projecto para remodelação de 3 casas na quinta do Douro - a Requerente, mais uma vez, vem justificar este gasto unicamente como o desenvolvimento de um projecto de exploração turístico[8] pelo que, pelas mesmas razões já amplamente explanadas ao longo desta decisão, não merece censura a correcção promovida pela Requerida. Adicionalmente, a prova junta pela Requerente na sua petição arbitral como o seu Documento n.º 17 refere-se à adjudicação de uma obra atinente à “realização do projecto geral de execução para a remodelação de um armazém rural para habitação”, não se fazendo qualquer referência a um projecto turístico, nem que fosse, simplesmente, à execução de actos preparatórios com vista à implementação do mesmo.

No que se refere às correcções promovidas às Contas n.ºs 62.511.123/5 – Deslocações e estadas não aceites e Conta 62.6.5 – Contencioso e notariado, a Requerente vem, no essencial, justificar as mesmas com o exercício da sua actividade.

No entanto, os documentos de suporte que constam dos autos não identificam o destinatário de tais refeições/dormidas, nem, sobretudo, o motivo de fito empresarial que justificou as mesmas.

A natureza deste tipo de gastos prende-se com despesas com refeição e alojamento quando habitualmente se presta um serviço fora do local habitual de trabalho. A Requerente apenas invoca o interesse geral da actividade da empresa para justificar o gasto, mas isso não chega, porquanto, considerando que a Requerida vem colocar em causa a indispensabilidade deste gasto, alegando que muito facilmente pode o mesmo revestir a natureza de um gasto pessoal face às circunstância do caso sub judice[9] impunha-se que a Requerente procurasse demonstrar minimamente o contrário, o que de todo não faz nos autos.

Aliás, a Requerente nos artigos 46.º e 47.º da Petição Arbitral vem declarar que estas despesas apenas existiram enquanto a casa que foi idealizada, segundo diz, para o exercício da actividade de turismo/alojamento, não reunia as condições necessárias para acolher pessoas/turistas e que como o local onde desenvolve a sua actividade vinícola se situa no Douro, houve necessidade de incorrer neste tipo de despesas.

Curiosamente, analisadas as facturas de refeição que constam do anexo 5 do RIT, as mesmas ocorreram quase todas no Distrito de Lisboa e não no Distrito de Bragança…

Pelo que não merece censura a correcção promovida pela Requerente.

Finalmente, no que se refere às diferenças registadas pela Requerida nos seus stocks, alega a Requerente ser normal registarem-se quebras no engarrafamento e, justifica as diferenças, igualmente, através da realização de provas e degustações, para, os quais, diz, convidou clientes, enólogos e escanções.

E que esta é, no seu entendimento, a razão das diferenças encontradas nos stocks dos vinhos nos vários anos[10].

Porém, não logra demonstrar nos autos ou fazer qualquer tipo de prova da existência deste tipo de eventos.

Nem existe na sua contabilidade informação documentada de que tenha havido quebras de vinhos ou ofertas que justifiquem as quantidades de vinho em falta.

Pelo que, em face da prova produzida nos autos, a conclusão a que se chega é a de que não merece censura a correcção promovida pela Requerida.

 

 

9 – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

 

·       Julgar improcedente o pedido da Requerente, referente ao pedido de ilegalidade da liquidação oficiosa de IRC n.º 2014 …, referente ao exercício de 2010, que ditou imposto e juros compensatórios a pagar no valor de € 19.740,55.

 

 

 

Custas calculadas nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, em função do valor do pedido, a cargo da Requerente em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros).

 

 

Notifique-se

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 10 de Julho de 2015

 

 

O Árbitro

 

 

Henrique Nogueira Nunes

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 

 

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 



[1] O que nem seria necessário face à natureza do contencioso arbitral.

[2] Vide n.º 2 e n.º 3 do artigo 423.º do CPC.

[3] Aplicável ao processo judicial tributário, ex vi, artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

[4] A título de exemplo, os documentos 16 a 19 juntos pela Requerente, datados de 15 de Dezembro de 2013 e 30 de Abril de 2014, respectivamente, consistem num convite endereçado pela Requerente a um atelier de arquitectura para que este pudesse emitir opinião sobre a oportunidade de um projecto turístico para a quinta, e em caso afirmativo, sobre a emissão de uma proposta de trabalho.

[5] Caso em que faria sentido, pois se existisse alguma prova de que a Requerente pretendia avançar para um projecto deste tipo, seguramente que não lhe seria muito difícil reunir alguma prova de que antes ou, no limite, em 2010, teria empreendido acções concretas com vista à concretização dessa parte do seu objecto social.

[6] Veja-se, por exemplo, o por si afirmado nos artigos 40.º e 55.º da sua petição arbitral.

[7] Vide artigo 63.º da petição arbitral da Requerente.

[8] Vide artigo 79.º da petição arbitral da Requerente.

[9] A Requerente apenas tinha um funcionário, o seu Administrador.

[10] Artigo 84.º da petição arbitral.