Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 767/2014-T
Data da decisão: 2015-06-30   
Valor do pedido: € 17.655,00
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS - Terreno para construção
Versão em PDF

Decisão arbitral

 

Requerente: A… –Investimentos Imobiliários, Lda.

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I - RELATÓRIO

1.     Pedido

A... –Investimentos Imobiliários, Lda, pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida do …, n.º …, ….º  Dto, …-… ..., doravante designada por Demandante, apresentou, em 13-11-2014, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

-         Anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo com o número …, emitido em 18-03-2014, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano 2013, e ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º …, e inscrito na matiz predial sob o artigo … da União de Freguesias de … e …, … e …, concelho de ...;

A Requerente alega, no essencial, o seguinte:

-         A expressão “prédio com afectação habitacional”, constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, deve ser interpretada de tal forma que corresponda à definição de “prédio urbano habitacional” do artigo 6.º. n.º1, al a) e n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI);

-         Prédio com afectação habitacional da verba 28.1 da TGIS é o edifício ou construção licenciado para habitação ou que tenha como destino normal a habitação, tal como definido no CIMI;

-         Os terrenos para construção não cabem numa tal definição;

-         Na interpretação da expressão “afectação” não é possível substituir a referência ao destino do prédio para certo fim pela referência à potencialidade de o prédio ser eventualmente destinado para o mesmo fim. Uma tal interpretação desrespeitaria o pensamento legislativo subjacente à opção por restringir a tributação aos prédios habitacionais;

-         A interpretação que inclua na expressão “prédio com afectação habitacional” os terrenos para construção menospreza os mais elementares limites da interpretação jurídica e é, por isso, inadmissível;

-         Do elemento histórico da interpretação resulta que, para o autor material da lei, “prédios com afectação habitacional” são apenas edifícios ou construções; resulta ainda que a intenção do legislador pretendeu tributar propriedades habitacionais que revelem uma capacidade contributiva especialmente elevada, o que não é o caso dos terrenos;

-         A alteração efectuada à verba 28.1 da TGIS, que incluiu nela expressamente os terrenos para construção, patenteia o reconhecimento pelo legislador da diferença entre um prédio com afectação habitacional e um terreno para construção;

 

2.     Resposta da Requerida

Em resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente, a Requerida AT -Autoridade Tributária e Aduaneira impugnou o pedido com base nos seguintes argumentos:

-         Não definindo o CIS o que deve entender-se por prédio urbano, terreno para construção ou afectação habitacional, há que recorrer para tal efeito ao CIMI, onde a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis;

-         Conforme resulta da expressão “(…) valor das edificações autorizadas”, constante do art.º 45.º, n.º 2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI. Assim, a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

-         A própria verba 28 da TGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art.º 6º do CIMI. Sendo uma expressão diferente e mais ampla que a utilizada no CIMI, o seu sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.º 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI;

-         O conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma;

-         A constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel;

-         O facto de a avaliação dos terrenos para construção ter em conta a afectação habitacional, quando seja o caso; o facto de o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas dever conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos, número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados; e tudo isto ainda associado ao facto de os planos directores municipais estabelecerem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, torna possível, muito antes da efectiva edificação do prédio, apurar e determinar a afectação do terreno para construção;

-         O art.º 13.º da Constituição da República “obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante”, não sendo este o caso da norma da verba 28 da TGIS;

-         Assim, entende a Requerida que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP.

 

3.     Tramitação subsequente

Mediante a concordância de ambas as Partes, o Tribunal deliberou prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como da fase de alegações.

 

II – SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 30-01-2015, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:

-       A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção, na redacção em vigor em 31 de Dezembro de 2013;

-       Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, em face do princípio constitucional da igualdade.

 

 

IV – FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos provados considerados relevantes

1º A Demandante era proprietária, à data dos factos que deram origem à liquidação impugnada, de uma parcela de terreno destinada a construção, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º … (Documento 1 junto à petição inicial), e inscrito na matiz predial sob o artigo … da União de Freguesias de … e …, … e …, concelho de ... (Documento 2 junto à petição inicial); 

2º O prédio encontrava-se descrito na matriz como terreno para construção (Documento 2 junto à petição inicial);

3º A Demandante foi notificada de acto tributário de liquidação de Imposto do Selo com o número …, emitido em 18-03-2014, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidente sobre o prédio referido e referente ao ano de 2013 (Documento 3 junto à petição inicial);

4º A Demandante deduziu, em 5-6-2014, reclamação graciosa contra a liquidação referida (Documento 6 junto à petição inicial);

5º A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22-8-2014 da Chefe de Serviço de Finanças e ... (Documento 6 junto à petição inicial).

Os factos considerados provados foram-no com base na documentação junta pela Demandante.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO

(i)              Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção

Sobre esta questão, e nos exactos termos em que aqui é colocada, já se pronunciou reiteradas vezes o Supremo Tribunal Administrativo, maioritariamente em sentido concordante com o pugnado pela Requerente (vejam-se os acórdãos daquele Tribunal proferidos de 24/9/2014, procs. n.ºs 01533/13, 0739/14 e 0825/14; de 10/9/2014, procs. n.ºs 0503/14, 0707/14 e 0740/14; de 9/7/2014, proc. nº 0676/14; de 2/7/2014, proc. nº 0467/14; de 28/5/2014, procs. nºs. 0425/14, 0396/14, 0395/14; de 14/5/2014, procs. nºs. 055/14, 01871/13 e 0317/14; de 23/4/2014, procs. nºs. 270/14 e 272/14; e em 9/4/2014, procs. nºs. 1870/13 e 48/14).

A mesma questão foi também objecto de pronúncia por parte dos tribunais arbitrais, nomeadamente nos processos n.ºs 151/2014-T, 42/2013-T, 48/2014-T, 49/2013-T, 53/2014-T, 75/2013-T, 144/2013-T, 158/2013-T, 180/2013-T, 189/2013-T, entre outros) sendo também a jurisprudência arbitral largamente maioritária no sentido de que a previsão da verba 28.1 da TGIS, na redacção em vigor até 31 de Dezembro de 2013, não abrangia os terrenos para construção.

Entre os muitos arestos emanados do STA sobre esta questão, cita-se o acórdão proferido no processo já referido supra, em que se afirma:

“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (…) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido (…), aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, (…) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (…) donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”.

 

Estribando-nos nesta jurisprudência, que inteiramente se acolhe, conclui-se pela procedência da arguição do vício de ilegalidade da liquidação impugnada, por erro nos pressupostos da aplicação da norma da verba 28.1 da TGIS.

 

(ii)            Questão da inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, em face do princípio constitucional da igualdade

 

Considerando-se procedente a arguição de ilegalidade das liquidações impugnadas por erro nos pressupostos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, torna-se supérfluo analisar a questão da inconstitucionalidade da mesma norma quando interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, em face do princípio constitucional da igualdade.

 

VI. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, este Tribunal decide a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo impugnado.

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 17.635,48 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1224,00 euros, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 30 de Junho de 2015.

 

 

 

O Árbitro

 (Nina Aguiar)