Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 765/2014-T
Data da decisão: 2015-06-12   
Valor do pedido: € 30.437,70
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Terreno para construção
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

1.               Em 29 de novembro de 2014, A… –…, Lda, contribuinte n.º …, doravante designada por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.               A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr.B e a Requerida é representada pela jurista, Dr.ª C.

3.               O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 11 de novembro de 2014.

4.               Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação doato de liquidação de Imposto do Selo,que deu origem às notas de cobrança n.ºs 2014 …, 2014 … e 2014 … relativas ao ano de 2013, no valor de € 30.437,70 (trinta mil, quatrocentos e trinta e sete euros e setenta cêntimos).

5.               Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.

6.               O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 22 de janeiro de 2015, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.               Não houve lugar à primeira reunião do tribunal arbitral por ter sido dispensada, face ao requerimento apresentado pela Requerida a 2 de março de 2015, e, por depois de notificada para o efeito, a Requerente nada ter dito.

8.               Efectivamente, não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes expressa e tacitamente, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

9.               O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 15 de junho de 2015 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

10.            A Requerentesustenta o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo a que foi sujeita, relativamente ao terreno para construção de que é proprietária, sito na freguesia do ..., em Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:

a)     Vício de nulidade e/ou anulabilidade do ato administrativo e de todo o processado, por falta de notificação da liquidação n.º 2013…. respeitante ao Imposto do Selo do ano de 2013, atendendo a que, ”a impugnante desconhece e nunca foi notificada da invocada nota de liquidação nº 2013. …, quando deveria tê-lo sido, apenas tendo sido notificada das alegadamente chamadas “notas de cobrança” que se apresentam com a denominação de “Identificação do Documento”, e por falta de identificação do autor do ato, uma vez que nos “atos administrativos deve constar sempre a indicação da autoridade que os pratica, o que não acontece no presente caso, em que nenhuma assinatura consta, ainda que mecanográfica ou electrónica, o que viola o art.º 133º, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo, e o disposto no n.º 1 do artigo 135.º do mesmo diploma.

b)     Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, porquanto, «[a]requerente é uma sociedade cujo objecto social é aindústria de construção civil, prédios e armações de ferro, especialmente a construção de edifícios, aquisição, venda, loteamentos de imóveis, incluindo os de regime de propriedade horizontal», a qual «adquire lotes de terreno para construção, desenvolve os projectos e executa a construção, constitui a propriedade horizontal e vende as respectivas fracções». Assim sendo, «[o] terreno para construção em causa é a matéria-prima para transformação com a edificação de casas, que hão-de ser vendidas, aí sim, para utilização habitacional, comércio, serviços e outros, em função do projecto que vier a ser aprovado”. O prédio aqui em causa encontra-se, ainda, no estado de terreno para construção, sem qualquer edificação, logo, “insusceptível de qualquer afectação habitacional. Poderá ter outras utilizações, como pastagem ou cultivo, mas não habitação

c)      Mais, alega que, «a verba 28.1 da TGIS é aplicada a prédio com afectação habitacional”, pelo que “considerar um terreno para construção como de afectação habitacional e taxá-lo em Imposto do Selo por isso, é um procedimento que não tem cobertura legal, não está na génese nem na letra da Lei nº 55-A/2012, tratando-se de um exercício meramente virtual, que a lei não contempla e a Constituição também não

d)     Sustenta, ainda, que «o facto de a avaliação para efeitos de IMI ter o coeficiente de afectação para habitação, não colhe, porquanto, as diversas alterações introduzidas ao Código do Imposto do Selo pela Lei nº 55-A/2012, mandam aplicar as regras do IMI, “com as devidas adaptações”, que não permite tal extrapolação.», mormente, porque “O que consta da inscrição na matriz não é ‘habitação’ ou ‘habitacional’ mas sim “terreno para construção”.

e)     Conclui, mencionando que, «a presente liquidação do Imposto do Selo sobre o terreno para construção sofre de manifesta ilegalidade por não se encontrar na previsão da Lei, é contrária ao seu espírito, e ainda que se pudesse entender haver dúvidas quanto a este – mas que como supra evidenciado não há - é feita com base numa interpretação extensiva e sui generis da Lei, o que resulta na mesma ilegalidade».

f)      Vício de violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da legalidade e da confiança, porquanto, entende a requerente que a liquidação controvertida “sofre de inconstitucionalidade pora liquidação não se fazer nos termos da Lei e por estar a ser tributado um conceito juridicamente inexistente, estar a ser tributada uma situação virtual e não uma situação real (…).

g)     Com efeito, e em abono da sua tese, refere ainda a Requerente que “a previsão da Verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, visa tributar o património imobiliário imobilizado, a riqueza, de fins habitacionais. – “Por prédio com afectação habitacional”», pelo que, sendo a Requerente «uma empresa de construção, que adquiriu o terreno como mercadoria, como matéria-prima para o exercício da sua actividade produtiva, para o construir, o transformar, e vender o produto dessa transformação,» não se pode entender que a mesma esteja sujeita à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, porque «não se trata de património imobilizado, de riqueza, mas sim de matéria-prima, que está fora do alcance da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, bem como da previsão que a Lei que aditou esta norma».

h)     Entende, assim, a requerente que «[h]á, pois, uma exclusão objectiva, e bem assim subjectiva, atento o objecto do negócio da impugnante,» acrescentando e concluindo no sentido de que«à parte a discriminação dos sujeitos passivos independentemente da finalidade a que destinam os prédios, mais grave ainda, são discriminados os sujeitos passivos com fins e actividades produtivos, o que não foi, certamente, intenção do legislador nesta matéria, nem, aliás, o poderia ser, por violar o princípio em que devem assentar os impostos, nomeadamente o nº 3 do art.º 104º da Constituição da República Portuguesa, ao determinar que “A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.»

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

11.            Por seu lado, a AT vem alegar, na sua resposta: 

a) Quanto ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações, entende a Requerida que: “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorporavalor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação. Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45º, nº 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.”

b) Defende a Requerida que: “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.”

c) Nesta sequência, entende, a AT, que “o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma,” uma vez que “o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do CIMI.”

d) Mais, refere que: “a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art.45º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno. (…) Quanto ao valor do terreno adjacente à área de implantação, este é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.”

e) Arrematando, no sentido de que: “(…) muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção,” pelo regime jurídico da urbanização e edificação e pelos Planos Directores Municipais a afectação do terreno para construção”, pelo que,  falece a tese da Requerente quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnado.

f)  No que toca ao alegado vício de violação de lei constitucional defende-se a Requerida referindo que: “a Constituição da República obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.”

g) Acrescenta, a requerida, que “ averba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja incide sobre o valor do imóvel” , tratando-se por isso de “uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

h) Mais refere que, “a tributação em sede de imposto do selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, (…) a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para os outros interesses considerados relevantes.”

i)  Concluindo, assim, no sentido de que “a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS”.

 

 IV. Saneamento

 

12.            O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

13.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

14.            Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Matéria de Facto

 

15.            Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

- A Requerente é proprietária do terreno para construção sito na freguesia do ..., distrito e concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …. (cfr. Doc. n.º 1junto com a petição inicial);

- O terreno para construção foi avaliado como tal, em 2011, tendo sido determinado um valor patrimonial tributário (VPT) de € 3.043.770,00 (três milhões, quarenta e três mil, setecentos e setenta euros) (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial);

- Na realização dessa avaliação patrimonial, entendeu a AT aplicar um coeficiente de afetação, o qual foi, neste caso, o da “habitação”, previsto no artigo 41.º do Código do IMI.(cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial);

 - A Requerente foi notificada das notas de cobrança respeitantes ao ato de liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2013, efetuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 30.437,70 (trinta mil, quatrocentos e trinta e sete euros e setenta cêntimos) (cfr. Docs. n.º 3, 4 e 5juntos com a petição inicial);

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

16.            Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VII. Factos dados como não provados

 

17.            Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

18.            No presente caso, são três as questões de direito controvertidas:

1)     saber se, o ato de liquidação de Imposto do Selo, do ano de 2013, aqui controvertido é nulo;

2)     saber se, no ano de 2013, os terrenos para construção estão sujeitos a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS;

3)     saber se o disposto na verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como, do disposto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, por violação do princípio da capacidade contributiva, na interpretação que dele faz a AT.

 

Vejamos,

 

I – Da nulidade do ato de liquidação do Imposto do Selo

 

19.            A Requerente, na sua petição inicial, invoca a nulidade do ato de liquidação do Imposto do Selo respeitante ao ano de 2013 incidente sobre o terreno para construção de que é proprietária, com um valor patrimonial tributário fixado em € 3.043.770,00 (três milhões quarenta e três mil, setecentos e setenta euros) alegando que  «desconhece e nunca foi notificada da invocada nota de liquidação nº 2013. …, quando deveria tê-lo sido, apenas tendo sido notificada das alegadamente chamadas “notas de cobrança” que se apresentam com a denominação de “Identificação do Documento”», acrescentando, ainda que «os documentos de tributação de que a impugnante foi notificada e objecto dos autos, apresentam o vício de falta de identificação do autor do acto», porquanto, entende que « dos actos administrativos deve constar sempre a indicação da autoridade que os pratica, o que não acontece no presente caso, em que nenhuma assinatura consta, ainda que mecanográfica ou electrónica, o que viola o art.º 133º, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo, determinando a nulidade dos actos, que aqui se invoca. E invoca-se subsidiariamente a anulabilidade de tais actos, nos termos do art.º 135º do mesmo Código de Procedimento Administrativo, acarretando, em qualquer caso, a sua invalidade.»

 

20.            Na sua resposta, a requerida nada contra-argumentou quanto a este aspeto, tendo-o feito, no entanto, anteriormente, em sede de análise do pedido formulado na reclamação apresentada pela requerente, a qual faz parte integrante do processo administrativo junto aos autos. Com efeito, sustenta a Requerida quanto à invocada nulidade do ato administrativo, por falta de notificação do ato de liquidação do Imposto do Selo respeitante ao ano de 2013, e da nulidade e, subsidiariamente, anulabilidade, do ato por falta de menção do seu autor, que «quanto à alegada falta de menção do autor do ato na liquidação notificada, cumpre referir que a liquidação vem sempre assinada pelo Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ainda que com assinatura mecanográfica, período do imposto, prédio em causa, montante a pagar e todos os restantes requisitos exigidos pela lei. Coisa diversa é o documento remetido pela reclamante que consubstancia uma nota de cobrança, com a referência de pagamento, data limite para o mesmo e a importância a pagar, entre outros dados

 

Vejamos, 

 

21.            Ora, o n.º 1 do artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) prevê que «Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes seja validamente notificados

 

22.            Dispõe o n.º 4 do artigo 38.º do CPPT que «as notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efectuadas por simples via postal.”

 

23.            Em anotação a este preceito legal, esclarece Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Edição, 2011, pág. 376 que «a característica primacial dos impostos periódicos é a de terem subjacente um facto tributário de carácter duradouro, pelo que cabem neste conceito, além do Imposto Municipal sobre Imóveis (e anteriormente, a Contribuição Autárquica) (…), [cabe também aqui, o Imposto do Selo, previsto pela verba 28.1 da TGIS]. No entanto, em face da regra do n.º 1 deste artigo, em que se prevê a obrigatoriedade de utilização de carta registada com aviso de recepção quanto a actos susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, será de concluir que este n.º 4 se reporta apenas aos casos e que o acto de liquidação não envolve uma alteração da situação tributária dos contribuintes, que é o que sucedia na Contribuição Autárquica e sucede actualmente com o Imposto Municipal sobre Imóveis, pois são, em regra, liquidados oficiosamente, com base nos elementos já existentes (art. 18.º do CCA e 113.º, n.º 1 do CIMI).

Com efeito, é relativamente à Contribuição Autárquica e ao Imposto Municipal sobre Imóveis que se prevê que, sendo a liquidação efectuada no prazo normal, seja enviada aos sujeitos passivos um nota de cobrança (art. 22.º do CCA) ou documento de cobrança (art. 119.º do CIMI), apenas se prevendo a notificação da liquidação nos casos em que ela seja efectuada fora do prazo normal ou seja adicional (n.º 2 do art. 23.º do CCA e 120.º, n.º 2 do CIMI).» 

 

24.            Ora, considerando o disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, introduzido pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, segundo o qual: “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.», seremos forçados a concluir que também aqui serão de aplicar os artigos 119.º e 120.º do CIMI, referidos supra.

 

25.            Assim sendo, e não tendo a Requerente negado que foi notificado das notas de cobrança do Imposto controvertido, teremos que concluir que quanto a este aspeto não lhe assiste razão, pelo que aqui improcede a invocada nulidade do ato e do processo, por falta de notificação da liquidação.

 

26.            Atendendo a que, vem, ainda, a Requerente arguir a nulidade do ato, “por falta de menção do autor do ato de liquidação”, adiantaremos, desde já, que também aqui não assiste razão à Requerente, dado que as notas de cobranças, juntas como Doc. n.º 3, 4 e 5 identificam perfeitamente o seu autor, mencionando desde logo, a entidade de onde proveem, ou seja, da  «Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças de Lisboa  - … - ».

 

II – Enquadramento dos terrenos para construção no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS

 

27.     A Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012, de 29.10 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos. Não nos pronunciaremos sobre todos, mas apenas sobre os que consideramos com maior relevância para a análise do caso sub judice.

28.     Assim, na norma de incidência prevista no artigo 1.º do CIS, o legislador, determinou que, para além dos atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, o imposto do selo passaria também a incidir sobre “situações jurídicas”, agora, igualmente previstas na TGIS.

29.     A nova redação do nº. 4 do artigo 2º., passou a determinar que para essas “situações jurídicas”, são sujeitos passivos do imposto, os referidos no artigo 8º. do CIMI, ou seja, na maior parte dos casos, o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita.

30.     Nestas “situações jurídicas”, o imposto constitui encargo do sujeito passivo previsto no nº. 4 do artigo 2º. do CIS, ou seja, o acima identificado proprietário do imóvel (regra geral), por remissão para aplicação da regra do artigo 8º. do CIMI.

31.     Nestas “situações jurídicas”, a aplicação do princípio da territorialidade, faz com que o imposto seja devido sempre que os prédios estejam situados em território nacional, de acordo com o aditamento ao artigo 4º. do CIS do seu nº. 6, pela Lei nº. 55-A/2012.

32.     Quanto ao nascimento da obrigação tributária, para estas novas “situações jurídicas” ela considera-se constituída “… no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as devidas adaptações” (Vd. alínea u) do artigo 5.º do CIS, aditada pela Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro), o que nos remete para as regras previstas nos artigos 9º. e 10º. do CIMI.

33.     Ora, a alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redação:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------------------------------------- 7,5%”

 

34.     Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:

a)      “prédios urbanos,

b)     com afectação habitacional,

c)     E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)

 

35.     Na verdade, a maior dificuldade com que o contribuinte se tem deparado, face às alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, com expressão no caso sub judice, tem-se manifestado na interpretação da expressão “prédio com afetação habitacional”.

36.     Conceito este que determina,ou não, a incidência, dos terrenos para construção, na verba 28.1 da TGIS, cuja liquidação aqui se impugna.

37.     Ora, o obstáculo surge da inexistência da definição do conceito “prédio com afetação habitacional” na legislação tributária, designadamente no Código do IMI, para o qual o CIS remete, como direito subsidiário, em conformidade com o seu artigo 67.º, introduzido pela Lei n.º 55-A/2012, 29.10.

38.     Na verdade, o CIMI dispõe, nos seus artigos 2.º a 6.º quanto: ao conceito de prédio (artigo 2.º), define o que se deve entender por prédios rústicos (artigo 3.º), o que se deve entender por prédio urbanos (artigo 4.º); o que se deve entender por prédios mistos (artigo 5.º) e enumera as espécies de prédios urbanos (artigo 6.º), para cuja redação remetemos.

39.     No entanto, nenhuma das normas legais acima identificadas admite o conceito de “prédio com afetação habitacional”, pelo que, e de acordo com as regras essenciais de hermenêutica jurídica e de interpretação das leis tributárias, teremos que recorrer em primeiro lugar, à letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, e depois à sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem, contudo descorar a intenção ou espírito do legislador.

40.     Assim, surge a questão de saber: o que é que o legislador terá pretendido quando redigiu a verba 28.1 da TGIS, ao indicar como pressuposto da sua incidência “prédio com afetação habitacional”. Terá o legislador querido abranger neste conceito os terrenos para construção – matéria que aqui nos ocupa -?

41.     Será que pretendeu interpretar a expressão “prédio comafetação habitacional” no sentido, que a Requerida faz, de que «o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma», porquanto «o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção de “ afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrada na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI.»?

42.     Ou, antes e, como refere a Requerente que «“prédios urbanos com afectação habitacional são, assim aqueles que, nos termos do respectivo processo de construção a que se referem os art.ºs 62.º e seguintes do Regime Jurídico das Edificações (RJEU, aprovado pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12) tiverem sido, licenciados ou em função das suas características físicas, tiverem como destino normal a habitação.»?

Vejamos,

43.     Pela clareza na exposição, e quanto à matéria do conceito de “prédios com afetação habitacional” recordamos o sufragado na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T, com a qual aderimos, segundo a qual:” O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais. (…) No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.”

44.     Acresce ainda, e nesta sequência lógica, a posição assumida no Acórdão do STA proferido no rec. nº 317/14,  que acompanhamos, no sentido de que: “a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.

45.     Assim sendo, seguindo este caminho, com o qual aquiescemos na sua plenitude, parece ser de falecer a tese da Requerida, quanto à possível conexão do conceito de “afetação a habitação” a um terreno para construção, sem qualquer edificação passível de ser habitada.

46.     Na verdade, esta alteração – a que o legislador não atribui caráter interpretativo – reforça o caráter inequívoco, para o futuro, de que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28 da TGIS (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00), nada referindo ou esclarecendo quanto às situações precedentes a esta alteração legislativa, nomeadamente a que se encontra sub judice, pelo que será de concluir que no ano de 2013, os terrenos para construção não se encontravam incluídos na previsão da verba 28 da TGIS.

47.     Ademais, invoca, ainda, a Requerida sustentando a sua posição, que «a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.” Mormente, porque e “ conforme resulta da expressão «---valor das edificações autorizadas», constante do art.º 45.º, n.º2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação de prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI».

48.     Concluindo, no sentido de que: «(…)para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada

49.     Ora, a verdade, é que também por aqui não nos parece ser de considerar e aceitar a legitimidade ou legalidade da liquidação de imposto do selo aos terrenos para construção nos termos aduzidos pela Requerida, porquanto, e conforme refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T, à qual aderimos na integra, “No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção.”

 

50.Sobre este assunto pronunciou-se já, no CAAD, o processo n.º 158/2013-T, com o qual concordamos e aderimos, no sentido de que: “É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. “

 

51.Refere, ainda, aquele aresto que “Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais.”

 

52.Mencionando, ainda, que: “Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”

 

53.Assim sendo, o que importa para efeitos de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é que o prédio seja urbano, que tenha um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 e que esteja efetivamente afeto a habitação, o que não sucede com o terreno para construção, cuja liquidação se impugna nos presentes autos.

 

54.É isto que resulta da jurisprudência dos tribunais arbitrais[1] e dos tribunais tributários superiores[2] que têm vindo a interpretar a verba n.º 28.1 do TGIS e os seus pressupostos de aplicação, e com os quais aderimos na integra.

 

55.De referir, por último, a posição do Supremo Tribunal Administrativo, cujo sumário de um dos Acórdãos referenciados aqui se transcreve e que tem sido orientação nos diversos arestos proferidos naquele Venerando Tribunal, quanto à ilegalidade de imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre terrenos para construção:

“Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”

 

56.     Assim sendo, nunca poderia a AT sujeitar a requerente ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2013, que ora se impugna, devendo, deste modo, ser a mesma anulada, por ilegal.

 

B -  Da violação de Lei Constitucional

 

57.     A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro da Lei n.º 55-A/2012, 29.10, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.

58.     Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.

59.     E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço coletivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.

60.     Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

61.     Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

62.     A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

63.     Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

64.     Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um terreno para construção não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.

65.     Na verdade, um terreno para construção pertencente a uma sociedade como a Requerente, não traduz uma riqueza passível de tributação, em sede de Imposto do Selo, dada a sua indexação como ativo, como mercadoria ou matéria-prima.

66.     Ademais, e já no âmbito do princípio constitucional da igualdade fiscal, sempre diremos que, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º, da CRP), não se resume à regra da universalidade dos impostos, segundo a qual estes incidem sobre todos aqueles que têm capacidade contributiva, determinando também que todos devem estar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério - a regra da uniformidade dos impostos.

67.     Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente, e o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida dessa desigualdade.

68.     O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente.

69.     Ora,a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reconhecido o princípio da capacidade contributiva como expressão da igualdade tributária, daí extraindo as exigências técnicas precisas para a conformação legal dos impostos com o referido princípio (cf. Acórdão n.º 106/2013, de 20.02.2013).

70.     Assim, no que diz respeito à verba 28.1 da TGIS, o legislador estabeleceucomo critérios para a determinação da incidência objetiva daquele imposto: (i) a qualificação do prédio – prédio urbano com afetação habitacional – e (ii) o valor patrimonial tributário – igual ou superior a € 1.000.000,00 –. 

71.     No que toca ao primeiro critério, independentemente da qualificação do prédio, o legislador parece ter considerado que não deveria estar englobado no âmbito de incidência da verba 28 da TGIS: a propriedade, usufruto e direito de superfície sobre os prédios rústicos e sobre os prédios urbanos destinados a comércio, indústria e serviços, porquanto parece ter – injustificadamente – ponderado que estes não configuram uma manifestação de riqueza imobiliária que deverá ser sujeita a imposto.

72.     No tocante ao segundo critério, independentementedo valor patrimonial tributário, o legislador tributário optou por tributar, apenas, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, prédios urbanos com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, porquanto parece ter – injustificadamente – entendido que somente estes configuram uma manifestação de riqueza imobiliária que deverá ser sujeita a imposto.

73.     Logo, não se aplicam a um terreno para construção suis generis, sem que nele esteja construída qualquer edificação.

74.     Na verdade, se o legislador incluiu na incidência da verba 28 da TGIS, imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço coletivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.

75.     Assim, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional.

76.     Nestes termos, apenas se pode concluirque o imposto do selo objetivamente delimitado como o está na verba 28.1 da TGIS, na redação prevista para o ano de 2013, viola o princípio da capacidade contributiva enquanto corolário e expressão do princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13º, 103º, n.º 1 e 104º, n.º 1 e n.º 3, todos da CRP; 

77.     Face ao exposto, ato de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2013, impugnado, no montante de € 30.437,70 (trinta mil, quatrocentos e trinta e sete euros e setenta cêntimos) é nulo, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS, do princípio da capacidade contributiva e do princípio da tributação sobre a riqueza.

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

1.     Anular o ato de liquidação de Imposto do Selo impugnado pela Requerente, relativo ao ano de 2013, no montante de € 30.437,70.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 30.437,70 (trinta mil, quatrocentos e trinta e sete euros e setenta cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.836,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de junho de 2015

 

***

O Árbitro

 

(Jorge Carita)



[1] Acórdãos do CAAD proferidos nos processos n.º 50/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 181/2013-T, n.º 183/2013-T, n.º 185/2013-T, n.º 248/2013-T, entre outros.

[2] Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 046/14, de 14.05.2014; n.º 0271/14, de 14.05.2014; n.º 0395/14, de 28.05.2014, 01871/13, de 14.05.2014, 055/14, de 14.05.2014, entre outros.