Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 761/2014-T
Data da decisão: 2015-06-30   
Valor do pedido: € 630,67
Tema: IUC – Incidência subjectiva; Presunções legais
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A…, contribuinte n.º …, residente na Rua …, … – …, Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Único de Circulação, referente ao ano de 2011 (pese embora o pedido seja formulado no sentido daquela liquidação ser corrigida e emitida em nome do sujeito passivo e real proprietário na data da matrícula), sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

2.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

       As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 19-01-2015.

 

3.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que suscitou a excepção de caducidade, por extemporaneidade do pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

4.    Notificou-se o requerente para a junção de documentos o que este fez.

 

5.    Foi dispensada, com a anuência das partes, a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

* * *

 

6.    Pretende o requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação do acto de liquidação do Imposto Único de Circulação relativo ao ano de2011 e referente ao veículo automóvel com a matrícula …-…-…, alegando em síntese:

 

       a) Ter sido proprietário do veículo com a matrícula …-…-…, até ao dia 07-07-2011.

       b) Dia em que celebrou, na qualidade de vendedor, contrato de compra e venda sobre o mesmo, tendo então sido entregues as respectivas chaves e documentos.

       c) Assim, o requerente não é o sujeito passivo do IUC em 2011, ou seja, a responsabilidade pelo pagamento do imposto não recai sobre o requerente.

       d) O veículo encontra-se registado em nome do actual proprietário, mas a data do registo não corresponde à data da aquisição do direito de propriedade, o que gerou a liquidação de IUC em nome do requerente.

       e) Se o actual proprietário adquiriu o veículo antes da data da matrícula, então é ele o sujeito passivo do imposto, enfermando a liquidação de IUC de 2011 de vício de ilegalidade.

       f)  Os elementos do registo são uma mera presunção, a qual admite necessariamente prova em contrário.

       g) A AT não pode afastar a sua responsabilidade na liquidação, escudando-se nos dados do registo automóvel; recaindo a incidência subjectiva do imposto sobre o proprietário, então compete à AT, na qualidade de entidade liquidadora, aferir o legítimo proprietário e exigir do mesmo o pagamento do imposto.

       h) O contrato celebrado entre duas pessoas, válido e eficaz, não pode ser desvalorizado ou ser reduzido a letra morta. Com a tradição da coisa, todas as partes assumiram os devidos efeitos: o antigo dono assumiu que perdeu a propriedade e o novo dono assumiu-se como proprietário! E quem paga o IUC é o proprietário.

 

7.    Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a) O requerente não faz prova das datas de notificação das liquidações do imposto ou mesmo das datas fixadas para a realização do pagamento voluntário do mesmo.

       b) O único documento junto ao processo e relativo à liquidação contestada é o comprovativo do pagamento do IUC em sede de processo executivo tributário, podendo concluir-se que o prazo de pagamento voluntário do imposto havia já terminado há muito.

       c) O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deverá, por isso, ser considerado extemporâneo.

       d) O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no nº 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados.

       e) Realça que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados.

       f)  O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros.

       g) O legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais (como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas) as pessoas em nome das quais [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

       h) Trata-se de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

       i)  Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

       j)  À luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel.

       k) A interpretação veiculada pela requerente mostra-se contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

       l)  De qualquer modo, certo é que para afastar a qualidade de proprietário do veículo em causa e, por conseguinte, a incidência subjectiva do IUC, o requerente teria que fazer prova idónea dos factos constitutivos do direito que alega em juízo arbitral.

       m)                                                         A prova apresentada pelo requerente não é, por si só, bastante para efectuar prova concludente da transmissão do mesmo.

           

* * *

 

9.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O processo não enferma de nulidades.

 

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    O requerente constou no registo comercial como proprietário do veículo com a matrícula …-…-…, até ao dia 07-08-2011.

b)    De acordo com a liquidação de IUC relativa ao ano de 2011, o requerente procedeu ao pagamento do imposto em 26-09-2014.

c)    O requerente apresentou, em 05-11-2104, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

1.2  Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo pelo requerente.

 

1.3  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

1.4  O DIREITO

 

A AT invoca, no seu articulado, ser o pedido de constituição do tribunal arbitral extemporâneo.

 

Questão que deve ser apreciada preliminarmente.

 

De acordo com o estipulado no art. 10º, n.º 1, a) do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral deverá ser apresentado no prazo de 90 dias, contado, no que respeita aos actos susceptíveis de impugnação autónoma, a partir dos factos previstos nos n.º 1 e n.º 2 do art. 102º do CPPT.

 

No caso, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

 

No caso do IUC a liquidação deverá, face ao disposto nos n.º 2 e 3 do art. 16º do CIUC, ser efectuada através de autoliquidação ou em qualquer serviço de finanças, por solicitação do sujeito passivo que não esteja abrangido pela obrigação prevista no n.º 9 do artigo 19.º da lei geral tributária (obrigação que não abrange o ora requerente).

 

Sendo que o n.º 2 do art. 17º dispõe que a liquidação e pagamento do imposto devem ser efectuados até ao termo do mês em que se torna exigível, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do mesmo diploma (data de aniversário da data da matrícula).

 

Aplicados os preceitos vindos de referir ao caso em apreço, resulta que o IUC deveria ter sido liquidado e pago, por iniciativa do proprietário do veículo automóvel, até 31-07-2011.

 

O que, é indiscutível, não sucedeu.

 

Dispõe o n.º 2 do art. 18º do CIUC que na falta ou atraso de liquidação imputável ao sujeito passivo, ou no caso de erro, omissão, falta ou qualquer outra irregularidade que prejudique a cobrança do imposto, a Direcção-Geral dos Impostos procede à liquidação oficiosa com base nos elementos de que disponha, notificando o sujeito passivo para, no prazo de 10 dias úteis proceder ao respectivo pagamento.

 

Quer dizer, na falta de liquidação e pagamento pelo contribuinte, a AT promove a liquidação oficiosa do IUC e notifica o contribuinte para proceder ao pagamento do respectivo imposto no prazo de dez dias úteis.

 

Decorrido tal prazo sem que o imposto se mostre pago, é extraída certidão de dívida que serve de base à instauração do processo de execução fiscal [art. 162º, a) do CPPT].

 

Feitas tais considerações, temos que o requerente se sustenta no pagamento do IUC em processo executivo, como elemento temporal determinante para apresentação do presente pedido.

 

Atendendo a que tal pagamento é irrelevante para a fundamentação e tramitação do pedido de pronúncia arbitral, foi o requerente notificado para juntar aos autos a notificação da liquidação e pagamento do imposto objecto dos autos.

 

Em resposta, juntou novamente DUC do pagamento do imposto e comprovativos de troca de e-mails com a AT, entre eles um e-mail de 23-09-2014, com “recomendação de pagamento” por existência de dívidas fiscais.

 

Apresentou, também, um seu e-mail de resposta ao àquele outro, e do mesmo dia, em que refere “em relação a esta dívida já me dirigi quer à repartição de finanças quer ao registo automóvel para comprovar que a venda foi feita no dia 07 de julho de 2011”. Daí, bem como da existência de prévia petição remetida ao Provedor de Justiça, resulta que o requerente já sabia da existência da dívida em causa, em momento anterior ao aludido e-mail de 23-09-2014.

 

O que prefigura a verificação da extemporaneidade do pedido de constituição arguida pela requerida.

 

Se o requerente entendesse que não foi notificado da liquidação em causa ou que o título executivo que serviu de base à execução padece de falsidade, o meio próprio para reagir seria a oposição à execução [art. 204º, n.º 1, c) e e) do CPPT] e nunca o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Pese embora a extemporaneidade do pedido tenha sido arguido pela requerida, tal questão é de conhecimento oficioso, estando excluída da disponibilidade das partes [o que resulta da aplicação conjugada dos art. 333º, n.º 1 do CC e 89º, n.º 1, h) do CPTA ex vi art. 2º, c) do CPPT, face ao que dispõem as alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 29º do RJAT].

 

Decorre do exposto que ocorre caducidade do direito de acção, por extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral relativamente à liquidação de IUC referente ao ano de 2011 e relativa ao veículo com a matrícula …-…-…, o que conduz à absolvição da AT.

 

Diga-se lateralmente que, ainda que assim não fosse, e face à relação de factos dados por provados, o pedido improcederia de qualquer forma.

 

É que, pese embora propendamos a admitir que o art. 3º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção de incidência subjectiva, é manifesto que o requerente não logrou, como lhe competia, ilidir tal presunção, cujo ónus lhe competia.

 

 

***

 

 

3. DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

a)     decide-se declarar a caducidade do direito de acção, por extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira.

                                             b) condenar orequerente no pagamento das custas do processo.

 

 

VALOR DO PROCESSO:  De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 630,67 € (seiscentos e trinta euros e sessenta e sete cêntimos).

 

 

CUSTAS:                            Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 306,00€ (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30-06-2015

 

 

 

                                                                                            O árbitro

                                                                                                  

                                                                               António Alberto Franco