Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 725/2014-T
Data da decisão: 2015-06-15   
Valor do pedido: € 48.903,60
Tema: IRC – Mais valia imobiliária; Residência fiscal; Caducidade; Litispendência
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 725/2014-T

 

1.        RELATÓRIO

 

            A…, contribuinte fiscal n.º …, com domicílio fiscal em …, caixa postal …, … Faro, adiante “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo dos artigos 5.º, 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, adiante denominado “RJAT”[1].

 

            O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação oficiosa de IRC n.º 2007 …, de 19 de Fevereiro de 2007, reportada ao ano 2004, no montante de € 48.903,60, na sequência da decisão de indeferimento (parcial) proferida no Recurso Hierárquico n.º …2012…, em 26 de Junho de 2014. Peticiona ainda a anulação dos respectivos juros compensatórios e a condenação da AT nas custas do processo.

 

            A fundamentar o seu pedido o Requerente alega, no essencial, os seguintes vícios: 

 

(a)   Preterição, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), do direito de audição prévia na imputação da qualidade de responsável solidário, a título de gestor de bens ou direitos, pela dívida de IRC da B… (sujeito passivo originário, doravante “B”) e, bem assim, preterição do direito de audição antes da conclusão do procedimento inspectivo e do acto de liquidação de IRC.

Segundo o Requerente, tais omissões representam uma violação do princípio da participação dos interessados nas decisões administrativas, consagrado nos artigos 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), 100.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (“RCPIT”);

 

(b)  Incompetência da Direcção de Finanças de Faro para ordenar a acção inspectiva interna que determinou o acto tributário de liquidação de IRC à “B”, pelo que o procedimento inspectivo padece de ilegalidade à face do disposto no artigo 16.º, n.º 3 do Código do IRC;

 

(c)   Falta de notificação ao Requerente do acto de liquidação de IRC dentro do prazo de caducidade, i.e., até 31 de Dezembro de 2008, e falta de notificação do mesmo acto à própria B dentro do referido prazo, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT; 

 

(d)  Ilegalidade da quantificação da mais-valia imobiliária auferida pela B, não tendo a AT aplicado o regime de limitação da matéria colectável em 50%, constante do artigo 43.º, n.º 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), àquela entidade não residente [B], o que configura um tratamento discriminatório que viola o preceituado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”);

 

(e)   Ilegalidade da quantificação da mais-valia sujeita a tributação por não consideração das despesas suportadas pela B com a aquisição e alienação do correspondente imóvel (incluindo Sisa, Imposto do Selo e despesas notariais); e

 

(f)   Ilegalidade, por erro de facto e de direito, na aplicação do regime previsto no artigo 44.º do CIRS, com a errónea assunção do valor patrimonial tributário como valor de realização.

 

            O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em conformidade com o artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular Alexandra Coelho Martins, tendo o Tribunal sido constituído em 24 de Dezembro de 2014.

 

            A AT respondeu por excepção, tendo suscitado a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do vício de caducidade invocado, por se tratar de matéria atinente à eficácia do acto de liquidação (“inexigibilidade”) e não à sua legalidade e validade, nos moldes do disposto no artigo 2.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

            A título subsidiário, a AT alega a excepção de litispendência, por se encontrar pendente o processo de oposição à execução fiscal n.º .../12....BESNT, deduzido pelo Requerente no TAF de Sintra. Entende existir identidade de sujeito, pedido e causa de pedir relativa à parte do pedido arbitral que se funda em vícios geradores de “[in]exigibilidade da dívida”.

 

            Adicionalmente, a AT considera que a matéria referente à falta de pressupostos de responsabilidade solidária do Requerente ao abrigo do artigo 27.º da LGT e à alegada falta de notificação no prazo de caducidade constituem questões prejudiciais que devem determinar a suspensão da presente instância até ao trânsito em jugado da decisão que vier a ser proferida no processo de oposição.

 

            Por impugnação, a AT sustenta que a B foi regular e validamente notificada, para exercício do direito de audição prévia, do Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”) e da liquidação oficiosa de IRC, através de registo postal endereçado ao seu representante fiscal, expedido para o domicílio fiscal deste m 2007, ou seja, dentro do prazo de caducidade (cf. artigos 38.º e 39.º do CPPT).

 

            Em seu entender, as notificações ou citações dos responsáveis solidários ou subsidiários não relevam para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação, o qual se reporta à esfera do sujeito passivo originário da relação jurídico-tributária (cf. artigos 21.º e 22.º da LGT).

 

            Por outro lado, a lei não prevê o exercício do direito de audição prévia que antecede a liquidação relativamente ao responsável tributário, ainda que solidário, uma vez que os factos tributários susceptíveis de originar a liquidação respeitam a outrem. Quanto ao exercício do direito de audição prévia sobre a imputação ao Requerente da qualidade de responsável solidário trata-se de matéria que extravasa o âmbito da competência arbitral.

 

            Acrescenta a AT que o Requerente interveio no acto de alienação do imóvel gerador da mais-valia enquanto procurador, resultando do teor da procuração que aquele reúne os requisitos para ser considerado gestor de bens ou direitos da B e, nessa medida, responsável solidário uma vez que o mandato contempla “todos os poderes necessários, para em nosso nome e como se de nós próprios se tratasse fazer, praticar, executar e assinar quaisquer dos seguintes actos, escrituras e coisas” (cf. artigo 27.º da LGT). 

 

            No que se refere à competência para o procedimento de inspecção tributária, a AT defende a competência do Director de Finanças de Faro, por ser a área em que o representante fiscal da B tinha o seu domicílio (freguesia de ...). Acresce que aquela entidade não consta do despacho publicado no Diário da República que designa os sujeitos passivos a inspeccionar pelos serviços centrais, pelo que, segundo a AT, a Requerente incorreu, neste ponto, em manifesto erro de interpretação do artigo 16.º, n.º 3 do CIRC e do artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do RCPIT.

 

            Em matéria de quantificação, a AT salienta que o rendimento da B não foi determinado como se de um sujeito singular se tratasse. Em IRC a consideração de apenas 50% da mais-valia obtida redundaria num tratamento mais favorável face aos sujeitos passivos residentes ou àqueles com estabelecimento estável ao qual a mais-valia fosse atribuível. Para efeitos de IRC, a mais-valia apenas é considerada em metade do seu valor quando reunidos os pressupostos previstos no artigo 48.º do CIRC, ou seja, quando ocorra reinvestimento, condição que não está verificada.

 

            No que se refere à não consideração de despesas e encargos incorridos, a AT assinala que o Requerente não cumpriu o ónus de as comprovar, razão pela qual os mesmos não foram atendidos.

 

            Por fim, no tocante ao alegado erro na aplicação do regime do artigo 44.º do Código do IRS a AT acompanha a fundamentação da decisão do recurso hierárquico, segundo a qual a demonstração do preço efectivo devia ter sido realizada e requerida nos termos do artigo 129.º do Código do IRC, o que não sucedeu, para além de que a escritura de venda não é idónea para ilidir a presunção contemplada no artigo 44.º, n.º 2, do Código do IRS.

 

            A AT conclui pela procedência das excepções suscitadas e pela absolvição parcial da instância. Na parte remanescente, solicita a suspensão da instância por pendência de questão prejudicial em processo de oposição à execução. A título subsidiário, pugna pela improcedência da acção arbitral e, sem conceder, a entender-se existir excesso na determinação da matéria colectável, sustenta que deve apenas ter lugar uma anulação parcial da liquidação, na respectiva proporção.

 

            O Requerente juntou articulado de resposta às excepções ao abrigo do princípio do contraditório.

 

            Em 8 de Abril de 2015, realizou-se na sede do CAAD a reunião do Tribunal Arbitral Singular, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT, incluindo o debate contraditório sobre as excepções suscitadas, cuja apreciação foi relegada para a decisão final. Ouvidas ambas as partes concedeu-se prazo para alegações e para a decisão arbitral.

 

            Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações por escrito mantendo, no essencial, os argumentos vertidos nos articulados.

 

 

2.        QUESTÕES A DECIDIR

 

            Antes de mais, importa conhecer das questões prévias suscitadas pela AT relativas à incompetência do Tribunal Arbitral e à litispendência e decidir o pedido de suspensão fundado na alegada pendência de uma causa prejudicial.

 

            Quanto à questão material decidenda a mesma consiste em aferir da legalidade da liquidação de IRC n.º 2007 …, de 19 de Fevereiro de 2007, no valor de € 48.903,60, decorrente de uma mais-valia imobiliária realizada pela sociedade B no exercício de 2004.

 

 

3.        MATÉRIA DE FACTO

 

3.1.  Factos provados

 

            Com relevo para a decisão importa atender aos seguintes factos, assentes no processo:

 

A.     A…, aqui Requerente, é advogado de profissão, com escritório, à data dos factos, na Praça …, n.º …, …, … Faro – cf. procuração com Apostilha da Haia, constante do Processo Administrativo (“PA”), fls. 35 a 38 do ficheiro PA8.

 

B.     Em 6 de Outubro de 2003, a sociedade de Direito gibraltino B…, também designada por “B” ou “SOCIEDADE”, constituiu o Requerente seu bastante Procurador, identificando-o como advogado e conferindo-lhe todos os poderes necessários para: “em nosso nome e como se de nós próprios se tratasse fazer, praticar, executar e assinar quaisquer dos seguintes actos, escrituras e coisas:

 

OU SEJA:

 

1.     Para vender pelo preço e condições que entender convenientes a propriedade da Sociedade, designada por lote …, situado em …, ..., Portugal, assinando contratos promessa de compra e venda, recebendo o respectivo preço e dele dando quitação, assinar a escritura de compra e venda e todos e quaisquer documentos necessários à concretização da transacção.

 

2.     Para requerer na Conservatória do Registo Predial de ... quaisquer actos de registos provisórios e, ou definitivos, bem como na repartição de finanças e Câmara Municipal, bem como celebrar contratos de fornecimento de água, telefone, electricidade e gás.

 

E nós, concordamos em ratificar tudo o que o nosso procurador possa fazer ou ordenar, em consequência deste acto, que declaramos válido pelo período de um ano a partir desta data.”cf. procuração com Apostilha da Haia, de fls. 35 a 38 do ficheiro PA8.

 

C.     A B era titular do número de identificação emitido pelo Registo Nacional das Pessoas Colectivas …, enquadrando-se como entidade não residente e sem estabelecimento estável em território nacional – cf. cópia do Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”), de fls. 33 a 37 do ficheiro PA2 e fls. 18 a 20 do ficheiro PA8.

 

D.     No dia 13 de Fevereiro de 2004, o Requerente, em representação da B, outorgou na escritura pública de venda de um lote de terreno para construção urbana, designado por lote …, inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo …, pelo preço de € 200.000,00 – cf. cópia da escritura de compra e venda, de fls. 41 a 45 do ficheiro PA2.

 

E.     O referido lote de terreno havia sido adquirido no ano 2000, 8/9 indivisos por escritura de 28 de Março de 2000, pelo preço de 5.110.000$00 (€ 25.488,57), e o restante 1/9 indiviso por escritura de 27 de Setembro de 2000, pelo preço de 638.750$00 (€ 3.186,07) – cf. cópia das escrituras de compra e venda, de fls. 46 a 53 do ficheiro PA2 e de fls. 24 a 27 do ficheiro PA7.

 

F.      A B não reportou qualquer mais-valia relativa à venda do imóvel [lote de terreno], não tendo apresentado a declaração de IRC modelo 22 referente ao exercício de 2004 – cf. cópia do RIT, de fls. 33 a 37 do ficheiro PA2.

 

G.     Desde 9 de Novembro de 2004 que C consta do sistema de registo de contribuintes como representante fiscal da B – cf. fls. 18 a 34 do ficheiro PA8.

 

H.     Na sequência de acção inspectiva interna à B, de âmbito parcial [IRC] ao exercício de 2004, determinada pela Ordem de Serviço n.º OI2006…, de 17 de Novembro de 2006, emitida pela Direcção de Finanças de Faro, foi proposta a correcção oficiosa à matéria tributável de IRC no valor de € 195.614,40 – cf. cópia do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, de fls. 40 a 43 do ficheiro PA7.

 

I.       Em 11 de Janeiro de 2007, foi, pela Direcção de Finanças de Faro, remetido ofício de notificação (n.º …) por carta, sob o registo postal RM … PT, dirigido à B, para exercício do direito de audição sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, para a morada Praça …, …, … ... – cf. fls. 48 a 50 do ficheiro PA7.

 

J.      Em resposta ao ofício de notificação (n.º …) endereçado à B, para exercício do direito de audição, D, na qualidade de Advogado com escritório na referida morada, informou, por escrito, que há muito tempo que não representava aquela sociedade, tendo devolvido a respectiva notificação – cf. fls. 51 do ficheiro PA7.

 

K.     Em 11 de Janeiro de 2007, foi, de igual modo, remetido, pela Direcção de Finanças de Faro, ofício de notificação (n.º …) por carta, sob o registo postal RM … PT, ao cuidado do representante C, para exercício do direito de audição sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, para a morada Rua …, Lote …, …., … ... – cf. fls. 1 a 4 do ficheiro PA8.

 

L.     Este ofício de notificação (n.º …) veio devolvido com a indicação “Mudou-se” – cf. fls. 3 do ficheiro PA8.

 

M.    Foi emitido o Relatório Final de Inspecção Tributária (“RIT”), sancionado por despacho de 6 de Fevereiro de 2007, no qual se manteve a proposta de correcção à matéria tributável de IRC, no valor de € 195.614,40, com base nos fundamentos infra transcritos:

 

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

No exercício de 2004 verificou-se que o contribuinte procedeu à alienação do lote de terreno para construção urbana inscrito na respectiva matriz sob o artigo …º, da freguesia de ..., concelho de ..., não tendo procedido à entrega da declaração de rendimentos modelo 22, conforme estipulado no artº 109º e al.b) do nº 5 do artº 112º, ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (C.I.R.C.).

 

Dado que o contribuinte é uma entidade não residente sem estabelecimento estável e obteve rendimentos previstos no artº 10º do C.I.R.S. (Mais Valias), iremos proceder à determinação da matéria colectável, conforme dispõe o nº 2 do artº 16º e o artº 51º do C.I.R.C..

 

O prédio em causa foi adquirido a título oneroso, pelo montante de € 28.674.64 conforme conhecimentos de sisa n.º … de 28/03/2000 (€ 25.488,57) e … de 18/05/2000 (€ 3.166,07) emitidos pelo Serviço de Finanças de ...-…, sendo que o valor de realização foi de € 227.730,00, o qual corresponde ao valor patrimonial resultante da avaliação efectuada ( anexo 1), conforme dispõe o nº 2 do artº 44º do C.I.R.S., em virtude de o mesmo ser superior ao constante da escritura pública celebrada em 12/02/04 no 2º Cartório Notarial de Faro (€ 200.000,00). Assim sendo, a mais valia obtida no exercício de 2004, determinada com base no disposto nos artigos 43º, 44º, 46º e 50º, todos do C.I.R.S., foi de € 195.614,40 conforme a seguir se demonstra:

 

Valor

Realização

Valor

Aquisição

Coef. Desv.

Da Moeda*

 

Mais Valia

227.730,00

28.674,64

1,12

195.614,40

 

*Portaria n.º 376/04, de 14 de Abril

(…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

 

O contribuinte não exerceu o direito de audição previsto no artº 60º da L.G.T. e artº 60º do R.C.P.I.T..”

– cf. cópia do RIT, de fls. 33 a 37 do ficheiro PA2 e fls. 5 a 8 do ficheiro PA8.

 

N.     A Direcção de Finanças de Faro remeteu, em 8 de Fevereiro de 2007, ofício de notificação do RIT (n.º …), por carta registada com aviso de recepção, dirigida à B na morada da Praça …, …, … ... – cf. fls. 9 a 12 do ficheiro PA8.

 

O.     Em resposta ao ofício de notificação do RIT (n.º …) o advogado D, com escritório na morada de destino, informou, por escrito, que há muito tempo que não representava aquela sociedade, tendo devolvido a respectiva notificação – cf. fls. 13 do ficheiro PA8.

 

P.      A Direcção de Finanças de Faro remeteu, em 9 de Fevereiro de 2007, ofício de notificação do RIT (n.º …), por carta registada com aviso de recepção, dirigida a C, na qualidade de representante da sociedade B, para a morada Rua …, Lote …, ..., … ... – cf. fls. 14 a 17 do ficheiro PA8.

 

Q.     Este ofício de notificação (n.º …) veio devolvido com a indicação “Não reclamado” – cf. fls. 17 do ficheiro PA8.

 

R.     Em 19 de Fevereiro de 2007 foi efectuada à B a liquidação oficiosa de IRC, emitida sob o n.º 2007 …, referente a 2004, no montante de € 48.903,60, nos moldes da seguinte demonstração de liquidação – cf. print de demonstração de liquidação extraído do sistema informático da AT a fls. 39 do ficheiro PA2 e documento 3 junto com a resposta da AT:

 

 

 

S.      Em 3 de Dezembro de 2007, a demonstração da liquidação oficiosa de IRC constante do ponto anterior foi expedida, por correio registado, dirigido ao representante fiscal da B, C, para a Rua … n.º …, …, … ..., sob o registo postal RY … PT – cf. documentos 1 a 4 juntos com a resposta da AT.

 

T.     Em 10 de Fevereiro de 2012, foi o Requerente citado no processo de execução fiscal n.º …2008…, a correr termos no Serviço de Finanças de Sintra… (…), sendo-lhe imputada, pela AT, a responsabilidade solidária com a B pelo pagamento das importâncias de € 48.903,60, a título de quantia exequenda de IRC do ano 2004, e de € 15.763,00, a título de acrescido (juros de mora e custas processuais), perfazendo o total de € 64.666,60. Foi-lhe nessa data remetida cópia certificada do título executivo, do RIT, da demonstração de liquidação e do despacho que ordenou a citação, de 7 de Fevereiro de 2012 – cf. nota de citação, certidão de dívida, Informação, RIT e demonstração de liquidação de IRC, de fls. 27 a 36 do ficheiro PA2. 

 

U.     A responsabilidade solidária imputada ao Requerente funda-se na Informação do Serviço de Finanças de Sintra …, confirmada por despacho de 7 de Fevereiro de 2012 da Chefe do Serviço de Finanças, segundo a qual o Requerente, ao outorgar a escritura de venda do lote de terreno em representação da B agiu como “gestor de bens ou direitos da sociedade não residente” e, nos termos do artigo 27.º da LGT, responde solidariamente pelas dívidas fiscais daquela sociedade – cf. fls. 29 a 32 do ficheiro PA2. 

 

V.     Em 27 de Abril de 2012, o Requerente apresentou reclamação graciosa pugnando pela anulação da liquidação oficiosa de IRC n.º 2007 … e pela nulidade consequente dos juros compensatórios com fundamentos idênticos aos alegados na presente acção arbitral – cf. fls. 2 a 49 do ficheiro PA3. 

 

W.   Notificado do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, em 6 de Agosto de 2012 o Requerente exerceu direito de audição prévia, tendo a reclamação sido indeferida em 17 de Agosto de 2012, por despacho do TAT Assessor Principal, por delegação do Director de Finanças Adjunto em regime de Substituição – cf. fls. 51 a 61 do ficheiro PA3, fls. 1 a 13 do ficheiro PA4 e fls. 21 a 51 do ficheiro PA9.

 

X.     Não se conformando com o indeferimento da reclamação graciosa, o Requerente deduziu recurso hierárquico que foi parcialmente deferido por despacho da Directora de Serviços de IRC, em 26 de Junho de 2014, relativamente à não consideração, por parte da AT, de despesas de aquisição do lote de terreno em causa, em concreto da Sisa no montante de € 2.876,47, concluindo que a mais-valia tributável será de € 192.746,93 – cf. ficheiro PA1, fls. 1 a 11 do ficheiro PA2, fls. 1 a 28 do ficheiro PA5 e documento 1 junto com o pedido arbitral. 

 

Y.     O Requerente deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º …2008… que contra si corre no Serviço de Finanças de Sintra …. O processo de oposição corre termos no TAF de Sintra sob o n.º .../12....BESNT, tendo a Representação da Fazenda Pública sido notificada para contestar até 24 de Setembro de 2012 – cf. documento 12 junto com a petição inicial.

 

Z.     Em 17 de Outubro de 2014, o Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

* * *

 

            No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na análise crítica dos elementos documentais indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, tendo AT, do cotejo dos documentos juntos no articulado de resposta (documentos 1 a 4), evidenciado indícios sólidos da expedição, por via postal registada, em 3 de Dezembro de 2007, da notificação da demonstração da liquidação oficiosa de IRC (n.º de registo RY … PT), ao representante fiscal da B.

 

            De notar que a expedição do documento de notificação da liquidação de IRC é subsequente ao envio de diversos envios de ofícios por parte da AT, relativos ao mesmo procedimento, desde o Projecto de Relatório ao próprio Relatório de Inspecção, tendo a AT demonstrado de forma consistente a respectiva remessa por via postal.

 

            A este respeito, é ainda de salientar que o facto de a consulta aos CTT mencionar “Objecto não encontrado” não consubstancia sequer contraprova, pois esta referência prende-se tão-só com a circunstância de os CTT apenas disporem de informação no sistema de pesquisa de objectos postais - Track and Trace - até 15 meses, ou 18 meses no caso de arquivo físico.

 

3.2.  Factos não provados

           

            Não foram alegados factos com relevo para a apreciação da validade do acto de liquidação de IRC que não tenham resultado provados.

 

 

4.        QUESTÕES PRÉVIAS

 

4.1.  Da “incompetência absoluta” do tribunal arbitral

 

            A AT argui a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria. Para tanto, considera que a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade invocada pela Requerente constitui vício atinente à eficácia e à exigibilidade do acto de liquidação e não à sua legalidade e validade, não se encontrando tal vício compreendido no âmbito da jurisdição arbitral em matéria tributária, que se restringe à apreciação da legalidade dos actos tributários, de acordo com o disposto no artigo 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

            Entendemos que, sem prejuízo de a falta de notificação do acto de liquidação dentro do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º n.º 1 da LGT consubstanciar um dos fundamentos taxativos do processo de oposição à execução (cf. artigo 204.º, n.º 1, alínea e) do CPPT), esta falta deve ser, em simultâneo, entendida como causa de ilegalidade superveniente do acto de liquidação (no pressuposto de que este foi emitido dentro do prazo de caducidade, como sucede no caso concreto, pois caso contrário o acto seria inválido ab initio).

 

            No mesmo sentido, compulsamos o ilustrativo excerto da Decisão Arbitral de 21 de Abril de 2013, no processo n.º 126/2014-T:

 

            “Depois de decisões contraditórias, o Supremo Tribunal Administrativo veio a entender em recurso por oposição de julgados que, nos casos em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT e, quando foi efectuada uma notificação de um acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada depois de ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (acórdão do Pleno de 20/01/2010, processo n.º 832/08).

 

Depois desta jurisprudência, resta saber se, para além de poder ser invocada como fundamento de oposição à execução fiscal a falta de notificação da liquidação antes de terminado o prazo de caducidade pode ser também fundamento de impugnação judicialmente por implicar ilegalidade superveniente do ato de liquidação.

 

Na abordagem desta questão, tem de levar-se em conta o regime previsto no art. 45.º, n.º 1, da LGT e a supremacia que a esta Lei é reconhecida pelo art. 1.º do CPPT, ao dizer que este Código se aplica «sem prejuízo do disposto ... na lei geral tributária».

 

Na verdade, naquele n.º 1 do art. 45.º estabelece-se que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos», o que tem ínsito que a falta de notificação nesse prazo afecta o direito de liquidação, afectando a sua legalidade, sendo esse, aliás, o regime vigente no momento em que a LGT foi publicada, antes do CPPT.

 

O referido art. 1.º do CPPT, ao referir que este diploma não prejudica o disposto na LGT, é uma norma geral que limita o alcance de todas as disposições deste Código, pelo que se chega à conclusão de que não pode, com base na referida alínea e) do n.º 1 do art. 204.º, considerar-se revogado o art. 45.º, n.º 1, na parte em que atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante.

 

Mas, assim, será de restringir o alcance da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º, harmonizando-o com o art. 45.º, n.º 1, da LGT, na parte em que pode considerar-se revogatório deste, mantendo a possibilidade de invocação em impugnação judicial da ilegalidade que deriva da falta de notificação dentro do prazo de caducidade.

 

Porém, o facto de o art. 204.º, n.º 1, do CPPT admitir explicitamente a possibilidade de invocação da intempestividade da notificação como fundamento de oposição à execução fiscal impõe que se entenda que também se pode deduzir oposição com este fundamento.

 

O que significa, assim, que haverá uma dupla possibilidade de invocação da intempestividade da notificação à face do art. 45.º, n.º 1, tanto como fundamento de impugnação judicial como fundamento de oposição, à semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta da liquidação e da duplicação de colecta.

 

Conclui-se do exposto que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui ilegalidade superveniente da liquidação que tenha sido efectuada dentro desse prazo, pelo que não há qualquer obstáculo à sua invocação como fundamento de pedido de declaração de ilegalidade de acto de liquidação, enquadrável no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, já que foi legislativamente pretendido com o processo arbitral criar um «meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial» (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).”

 

            Idêntica posição sufraga o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado[2] conforme excerto que se transcreve:

 

            “Com efeito, no referido n.º 1 do art. 45.º estabelece-se que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos», o que tem ínsito que a falta de notificação nesse prazo afecta o direito de liquidação, afectando a sua legalidade, sendo esse, aliás, o regime vigente no momento em que a LGT foi publicada, antes do CPPT.

O referido art. 1.º do CPPT, ao referir que este diploma não prejudica o disposto na LGT, é uma norma geral que limita o alcance de todas as disposições deste Código, pelo que se chega à conclusão de que não pode, com base na referida alínea e) do n.º 1 do art. 204.º, considerar-se revogado o art. 45.º, n.º 1, na parte em que atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante.

Mas, a ser assim, será de restringir o alcance da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º, harmonizando-o com o art. 45.º, n.º 1, da LGT, na parte em que pode considerar-se revogatório deste, mantendo o incongruente regime de relevância da notificação intempestiva para invalidar o anterior acto de liquidação, o que tem como corolário que esta intempestividade, como ilegalidade da liquidação, seja fundamento de impugnação judicial, nos termos do art. 99.º do CPPT.

Porém, o facto de o art. 204.º, n.º 1, do CPPT admitir explicitamente a possibilidade de invocação da intempestividade da notificação como fundamento de oposição à execução fiscal impõe que se entenda que também se pode deduzir oposição com este fundamento.

O que significa, assim, que haverá uma dupla possibilidade de invocação da intempestividade da notificação à face do art. 45.º, n.º 1, da LGT tanto como fundamento de impugnação judicial como fundamento de oposição, à semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta da liquidação e da duplicação de colecta.”

 

c) Conclusão sobre o regime de invocação da intempestividade da notificação da liquidação

 

Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte do contribuinte, nestas situações será o seguinte:

-          se o contribuinte é notificado de um acto de liquidação fora do limite temporal fixado pelo art. 45.º, n.º 1, da LGT (ou prazo especial previsto na lei), poderá deduzir impugnação judicial, com fundamento nessa intempestividade da notificação;

-          se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação do acto de liquidação, o contribuinte pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i) do n.º 1 deste art. 204.º, invocando a ineficácia do acto, que impede que este produza efeitos em relação a ele e, por isso, que a dívida seja exigida; é indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o da extemporaneidade da liquidação, pois a questão da sua legalidade é matéria de impugnação judicial, a deduzir quando e se o acto for notificado;

-          se foi instaurada uma execução e foi efectuada notificação do acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada fora do prazo de caducidade previsto no art. 45.º, n.º 1, da LGT (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e) do n.º 1 deste art. 204.º, para além de poder impugnar o acto de liquidação.”

 

 

            À face das razões expostas, concluindo-se que o vício de falta de notificação do acto tributário no prazo de caducidade constitui uma causa que fere de invalidade o próprio acto tributário, ainda que o seja supervenientemente, improcede a excepção de incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

4.2.  Da litispendência

 

            A título subsidiário, a AT suscita a excepção de litispendência, na parte referente ao vício de falta de notificação da liquidação oficiosa de IRC, por se encontrar pendente, no TAF de Sintra, o processo de oposição à execução fiscal n.º .../12....BESNT, no qual esse vício foi, de igual modo, suscitado, pelo aqui Requerente.

 

            Sustenta a AT, para o efeito, que se verifica identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir relativa à parte do pedido arbitral que se funda em vício gerador de “[in]exigibilidade da dívida”, devendo ser parcialmente absolvida da instância arbitral ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) e nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i), 578.º, 580.º, 581.º e 582.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.

 

            Vejamos o artigo 581.º do CPC, que estabelece os requisitos da litispendência e do caso julgado:

 

“1 — Repete -se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 — Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 — Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 — Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.”

 

            In casu, não só se afigura que as partes não são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica como, seguramente, o efeito jurídico da oposição à execução é distinto daquele que se alcança com o processo de impugnação judicial, inexistindo risco de contradição ou de repetição de decisões. No caso da oposição à execução, o efeito jurídico pretendido é o da extinção do processo de cobrança fiscal, e no da impugnação o da anulação ou declaração de nulidade do acto tributário. Não existe qualquer sobreposição.

 

            Assim mesmo o reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, citando-se, a título ilustrativo, os Acórdãos de 26 de Abril de 2001 (Recurso n.º 25324) e de 19 de Setembro de 2012 (Processo n.º 0472/12). Refere o primeiro que “Com a impugnação pretende-se a declaração de nulidade ou a anulação do acto tributário da liquidação e com a oposição à execução a extinção desta donde resulta que é diverso o objecto daquela ou desta. Isto nos basta para concluirmos pela inexistência de litispendência entre o processo de oposição confrontado com o processo de impugnação já que neste se discute a legalidade da liquidação e naquele a legalidade da execução com vista à sua extinção”.

 

            E reforça o segundo Acórdão citado que “embora os pedidos formulados numa e noutra acção sejam os mesmos e a causa de pedir seja idêntica, o sujeito não intervém nas duas acções na mesma qualidade jurídica – pois que o faz na qualidade de oponente na oposição e na de impugnante na impugnação – não se verificando, pois, repetição da causa. É que, numa situação como a dos autos, não corre o risco de contradição ou repetição de decisões, pois que o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução de impugnação judicial – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis, tendo, aliás, por objecto, actos diversos. Não se verifica, pois, a excepção de litispendência (…).”

 

            Deste modo, não só Oponente e Impugnante não assumem a mesma qualidade jurídica em ambas as instâncias, como não existe identidade de pedido entre uma pretensão de declaração de ilegalidade e de anulação de um acto tributário, assente em vício invalidante do acto tributário, e outra pretensão, de extinção (ou eventualmente suspensão) do processo de cobrança coerciva fiscal, com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda. A título de exemplo, basta referir que a validade de um acto tributário é perfeitamente compatível com a sua simultânea inexigibilidade, designadamente por prescrição da dívida tributária.

 

            Não se encontram, pois, reunidos os pressupostos da tripla identidade do sujeito, do pedido e da causa de pedir, julgando-se improcedente a excepção de litispendência suscitada pela AT.

 

5.        DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA ARBITRAL PARA DECISÃO DE CAUSA PREJUDICIAL

            Considera a AT que a matéria referente à errónea imputação de responsabilidade solidária ao Requerente, por falta dos respectivos pressupostos, ao abrigo do artigo 27.º da LGT e, bem assim, a alegada falta de notificação no prazo de caducidade constituem questões prejudiciais que devem determinar a suspensão da presente instância até ao trânsito em jugado da decisão que vier a ser proferida no processo de oposição à execução.

 

            A este respeito é de relembrar que a relação de prejudicialidade se verifica quando a decisão de uma causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta (cf. artigo 272.º, n.º 1 do CPC), condição que não ocorre no caso concreto.

 

            De facto, começando pela imputação de responsabilidade solidária ao Requerente, esta constitui matéria que respeita à exigibilidade da dívida tributária e não à validade do acto de liquidação. Assim, relativamente a esta imputação, o Tribunal Arbitral não tem jurisdição para dela conhecer, por não se tratar de questão atinente à legalidade do acto tributário. Deste modo, quanto a este ponto o meio próprio é o processo de oposição à execução e não a acção arbitral tributária, que sobre o mesmo não tem poderes de cognição.

 

            E no que se refere às questões de (in)validade do acto tributário objecto da acção arbitral, nenhuma delas se encontra na dependência da prévia decisão sobre a questão da imputação da responsabilidade solidária ao Requerente, que se coloca noutro plano. Em conclusão, não se identifica a alegada relação de prejudicialidade do problema (a resolver em sede de oposição) da imputação de responsabilidade ao Requerente no âmbito da validade do acto de liquidação de IRC.

 

            Por outro lado, relativamente à alegada falta de notificação no prazo de caducidade, a mesma também não depende da análise feita no âmbito da oposição à execução fiscal, pelo que não há razão para aguardar pela decisão nesse processo. Esta questão, encarada como vício de ilegalidade do acto de liquidação, pode e deve ser apreciada no processo que o tem [ao acto de liquidação] por objecto, ou seja, na forma processual de impugnação judicial ou na sua alternativa arbitral.

 

            Aliás, tal questão a ser prejudicial seria do processo de oposição à execução e não da presente acção arbitral.

 

            Salientando a inexistência de uma relação de prejudicialidade entre o processo de impugnação judicial e o processo de execução fiscal, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que as vicissitudes do processo de execução fiscal não constituem questão prejudicial ao processo de impugnação “onde está em causa a legalidade de um acto de liquidação que, por definição, é prévio à constituição do título executivo e diferenciado dos trâmites processuais inerentes ao processo executivo. Ao invés, a ilegalidade do acto de liquidação poderá determinar a extinção do processo executivo pelo que, é do melhor interesse do impugnante a sua rápida conclusão” – cf. Acórdão de 3 de Setembro de 2014, Processo n.º 0201/14. Chegando a idêntica conclusão veja-se o Acórdão de 4 de Julho de 2014, Processo n.º 1770/13. 

 

            Neste sentido se pronuncia também a decisão arbitral acima invocada (processo n.º 126/2012-T): “a alegação de que, se naquele invocado processo de oposição for julgado que a notificação foi feita fora do prazo de caducidade do direito de liquidação, o presente processo perderá utilidade, não tem qualquer correspondência com a realidade, pois neste são imputadas outras ilegalidades ao acto impugnado e, por outro lado, se no presente processo for declarada a ilegalidade deste acto, seja qual for o fundamento da ilegalidade, será o processo de oposição à execução fiscal que perderá utilidade, por a execução ter de ser julgada extinta (artigo 270.º, n.º 1, do CPPT).

            Não se verifica, assim, qualquer fundamento para a suspensão do presente processo, por alegada pendência de uma oposição à execução fiscal, sendo de equacionar, antes, a questão de saber se a oposição deverá ser suspensa por estar pendente o presente processo, questão que, naturalmente, não importa apreciar aqui.”

 

            De salientar que para além da ausência de uma relação de prejudicialidade que justificasse a suspensão desta acção arbitral à mesma se oporia o objectivo de celeridade subjacente à criação e funcionamento da jurisdição arbitral, que confessadamente consta do preâmbulo do RJAT: “A introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objectivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais.”.

 

            Pelas razões expostas, indefere-se o pedido de suspensão da instância deduzido pela AT. 

 

6.        DO MÉRITO

6.1.  Sobre os vícios de forma: preterição do direito de audição

 

(a)  Preterição do direito de audição na imputação da qualidade de responsável solidário

 

            O Requerente defende que o facto de não ter sido notificado para exercer o direito de audição previamente à imputação da qualidade de responsável solidário pela dívida de IRC viola o princípio da participação dos interessados. Sem prejuízo da bondade intrínseca deste argumento, tal questão prende-se com a determinação dos pressupostos da responsabilidade solidária, matéria que não afecta a validade ou existência do acto tributário, mas a sua produção de efeitos em relação ao Requerente. Assim, tal matéria está fora do âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, e deve ser apreciado em sede própria, de oposição à execução fiscal.

 

(b)  Preterição do direito de audição antes da conclusão do procedimento inspectivo e do acto de liquidação de IRC

 

            Invoca ainda o Requerente que em nenhum momento foi notificado pela AT no âmbito do procedimento de inspecção que precedeu a liquidação de IRC em crise, tal como não foi directamente notificado da respectiva liquidação de imposto, muito menos lhe foi concedido prazo para o respectivo pagamento voluntário.

 

            Importa, antes de mais, analisar a qualidade em que o Requerente intervém nesta relação jurídica tributária que é, conforme a citação no processo de execução fiscal, não a de sujeito passivo originário, mas a de responsável solidário, derivado da putativa actuação como gestor de bens ou direitos de uma entidade não residente, enquadrável no artigo 27.º da LGT.

 

            O artigo 18.º, n.º 3 da LGT define como sujeito passivo da relação jurídico-tributaria “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”

 

            A categoria de responsável tributário surge, assim, a par da do contribuinte directo[3], ou seja, do sujeito passivo originário relativamente ao qual se verificaram os pressupostos de incidência, da qual se distingue. O responsável surge obrigado ao cumprimento de uma prestação tributária de outrem, i.e., do devedor principal como prevê o artigo 22.º da LGT, sendo a sua natureza diferente da obrigação tributária do sujeito passivo originário relativamente ao qual ocorreu o preenchimento do tipo legal.

 

            Nota Sérgio Vasques sobre a responsabilidade tributária que: “o responsável surge obrigado ao cumprimento da prestação tributária na medida em que o contribuinte directo não se mostra capaz de a satisfazer e porque o responsável, em virtude das suas funções, se encontra em posição de influenciar o seu comportamento ou na incumbência de o fiscalizar de algum modo. O responsável tributário, assim observa Pasquale Russo, mostrando-se estranho ao facto tributário e respondendo nesse exacto sentido por dívida de outrem, garante com o seu património o cumprimento da prestação tributária na medida em que da sua actuação depende a declaração desse facto ou a preservação do património do contribuinte directo.”cf. Manual de Direito Fiscal, 2011, Almedina, p. 349.

 

            Em concreto sobre o artigo 27.º refere Sérgio Vasques que se trata de uma responsabilidade objectiva, ou seja, independente de culpa, verificando-se logo que se dê a falta de pagamento de “contribuições e impostos” no decurso do exercício das suas funções – cf. obra cit. p. 357.

 

            Também António Lima Guerreiro sustenta que a “actuação em nome e por conta do não residente, juntamente com a falta de pagamento dos impostos devidos, é o facto constitutivo da responsabilidade solidária que o presente preceito regula.” – cf. Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 154.

 

            De referir ainda que figura distinta da responsabilidade tributária é a da solidariedade passiva que o artigo 21.º da LGT contempla.

 

            Esta última é aplicável quando os pressupostos do facto tributário se verificam em relação a mais do que uma pessoa, caso em que todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária. Estamos no domínio da pluralidade de sujeitos passivos originários ou de contribuintes directos e não no quadro da responsabilidade tributária (seja ela solidária ou subsidiária), cujos efeitos constitutivos estão condicionados a diversos factores exógenos e ulteriores ao acto de liquidação, como sejam, no caso concreto, a actuação em nome e por conta do não residente, juntamente com a falta de pagamento, por este, dos impostos devidos.

 

             Quer o artigo 60.º da LGT, quer o artigo 60.º do RCPIT prevêem o exercício do direito de audição antes da liquidação ou antes da conclusão do relatório da inspecção tributária. Trata-se de um direito da maior relevância e que não só materializa o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, conforme estabelece o artigo 267.º, n.º 5 da CRP, como constitui a emanação do princípio fundamental do contraditório (audi alteram partem) que não pode ser alienado no procedimento decisório de actos impositivos de deveres e encargos, também vertido no artigo 100.º CPA, na redacção vigente à data dos factos.

 

            No entanto, o exercício do direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPIT refere-se ao sujeito passivo originário, ao contribuinte directo ou à entidade inspeccionada e não aos sujeitos passivos derivados que sejam chamados, em momento posterior, à relação jurídica tributária pela verificação, superveniente ao acto de liquidação, de condições constitutivas de responsabilidade tributária.

 

            Deste modo, a lei não prevê o direito de audição do responsável solidário em momento anterior ao da liquidação, quer porque estão em causa factos tributários respeitantes a outrem, quer porque nesse momento ele (responsável) ainda não é dotado dessa qualidade de responsável tributário, pelo que lhe falece legitimidade. 

 

            Com efeito, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do CPPT “A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal.”

 

            Jorge Lopes de Sousa preconiza, de igual modo que a legitimidade dos responsáveis solidários “só é reconhecida quando for feita em relação a eles a exigência de cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários”. Assim, “a sua legitimidade não existirá durante a pendência do procedimento tributário conducente à liquidação do tributo a que se reporta a responsabilidade e, só passando a existir após a decisão desse procedimento de liquidação do tributo, visando assegurar-lhe a possibilidade de reclamação e impugnação do acto de que deriva a sua responsabilidade, direitos estes assegurados pelo n.º 4 do art. 22.º da LGT. 

            A notificação para pagamento é condição de eficácia do acto de liquidação do tributo em relação ao responsável solidário (arts. 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT) e, uma vez que ela seja efectuada tem de se reconhecer a este o direito de reagir contra o acto, susceptível de afectar a sua esfera jurídica.”cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 122.

 

            De notar que o acima dito não contende com o Acórdão do STA de 28 de Outubro de 2009, Processo n.º 742/09, pois a base civilística em que possa assentar a figura do responsável solidário por dívidas de outrem, não derroga ou afasta o regime tributário específico que acima se explicitou, assente nos artigos 9.º, n.º 2, 22.º e 27.º da LGT.

 

            Resulta do exposto que o Requerente não foi notificado pela AT no âmbito do procedimento de inspecção que precedeu a liquidação de IRC objecto desta acção, nem o devia ter sido, pois para tal não tinha legitimidade, não se encontrando abrangido pelo âmbito subjectivo dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT.

 

            De assinalar que tal conclusão não é extensível à falta de participação da formação da decisão que imputou ao Requerente a qualidade de responsável solidário. Porém, esta matéria cabe nos poderes de apreciação de outro Tribunal, que não este.

 

            No tocante à alegação de que não foi directamente notificado da liquidação de IRC, salienta-se que, conjuntamente com a citação, foi dada ao Requerente cópia certificada do título executivo, do RIT, da demonstração da liquidação e do despacho que ordenou a citação, pelo que, neste ponto, não há preterição de formalidades ou qualquer irregularidade a apontar à AT.

 

 

 

            De igual modo, a alegação pelo Requerente de que não lhe foi concedido prazo para o pagamento voluntário da dívida não procede, porquanto a responsabilidade (neste caso solidária) pelo pagamento do IRC só se constituiu após a ultrapassagem desse prazo. Dito de outro modo, o regime de responsabilidade implica necessariamente, na sua génese, que o prazo para pagamento voluntário tenha decorrido sem que o responsável principal ou contribuinte directo tenha pago o imposto, pelo que não assiste razão ao Requerente.

 

             Nestes termos, não foi preterida a formalidade essencial de audição prévia do Requerente no âmbito do procedimento de inspecção que precedeu o acto de liquidação de IRC, pois o Requerente não dispunha de legitimidade procedimental e/ou substantiva, a qual apenas lhe adveio em momento posterior, quando da imputação da qualidade de responsável tributário.

 

            Esta posição não limita os direitos constitucionalmente consagrados do Requerente, a partir do momento em que a AT o pretenda investir da qualidade de responsável e, dessa forma, de sujeito passivo derivado da relação jurídico-tributária. Todavia, esta matéria extravasa a apreciação sobre a legalidade e validade do acto tributário, única que aqui está em causa.

 

            De referir também que resulta do adquirido processual ter sido expedida a notificação para exercício do direito de audição à B, na pessoa do seu representante fiscal. O não recebimento da notificação por incumprimento dos deveres de colaboração, neste caso, de comunicação de alterações de domicílio fiscal por parte do representante fiscal da B, não é oponível à AT, conforme preceitua o artigo 43.º, n.º 2 do CPPT.

 

            Improcede, desta forma, a alegação de vício de forma por preterição do direito de audição.

 

6.2.  Sobre os vícios de forma: incompetência

 

            O Requerente invoca a invalidade da acção inspectiva por vício de incompetência da Direcção de Finanças de Faro para a respectiva realização, em violação do artigo 16.º do RCPIT e 16.º, n.º 3 do CIRC e, em consequência, considera ilegal o acto de liquidação dela resultante.

 

            Afigura-se que, para além de o vício de invalidade procedimental invocado não ser de forma inevitável um vício invalidante do acto de liquidação, e não o será se tiver sido alcançado o fim ou interesse que a norma procedimental pretende tutelar, a posição do Requerente assenta em pressupostos erróneos.

 

            Com efeito, o domicílio fiscal da B em Portugal era o do seu representante fiscal, pois sendo uma entidade não residente, sem estabelecimento estável no território nacional, era obrigada a designar um representante com residência em Portugal, de acordo com o artigo 19.º, n.º 4 da LGT, o qual, na qualidade de representante, deve proceder ao cumprimento das obrigações acessórias fiscais portuguesas, naturalmente na sua própria morada (do representante), pois outra não existe em Portugal, para efeitos fiscais.

 

            Dispõe o artigo 19.º, n.º 4 da LGT, sob a epígrafe “Domicílio fiscal” que: “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.”

 

            Sendo a residência do representante fiscal C localizada na freguesia de ..., em ..., esta insere-se, sem dúvida, na área de competência territorial do Director de Finanças de Faro.

 

            Relativamente à competência para a prática de actos de inspecção tributária, dispunha a este respeito o artigo 16.º do RCPIT, na redacção à data dos factos:

 

“Artigo 16.º

Competência material e territorial

1.     São competentes para a prática da inspecção tributária, nos termos da lei, os seguintes serviços da Direcção-Geral dos Impostos:

(a)  As direcções de serviços de inspecção tributária que nos termos da orgânica da Direcção-Geral dos Impostos integram a área operativa da inspecção tributária, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que devam ser inspeccionados pelos serviços centrais;

(b)  Os serviços periféricos regionais, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial;

(c)   Os serviços periféricos locais, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial

2.     São inspeccionados directamente pelos serviços centrais os sujeitos passivos designados pelo director-geral dos Impostos, bem como os que constem de despacho publicado no Diário da República.”

 

            Segundo este preceito os serviços periféricos regionais (leia-se a Direcção de Finanças de Faro) são competentes para a prática da inspecção tributária aos sujeitos passivos com domicílio (o do representante fiscal no caso de sujeitos passivos não residentes e desprovidos de estabelecimento estável em Portugal) na sua área territorial (ou seja, no distrito de Faro).

 

            Quanto à competência dos serviços centrais o n.º 2 expressamente determina que estes inspeccionam os sujeitos passivos designados pelo director-geral dos Impostos ou que constam de despacho publicado no Diário da República, não mais. A B não está claramente abrangida por nenhuma destas categorias, pelo que a competência inspectiva repousa sobre o serviço periférico regional ou local, ao contrário do que preconiza o Requerente.

 

            O que ficou exposto não é refutado pela disciplina sobre métodos e competência para a determinação da matéria colectável, constante do artigo 16.º, n.º 3 do Código do IRC, que infra se transcreve:

 

            “3. A determinação da matéria colectável no âmbito da avaliação directa, quando seja efectuada ou objecto de correcção pelos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, é da competência do director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo, ou do director dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária nos casos que sejam objecto de correcções efectuadas por esta no exercício das suas atribuições, ou por funcionário em que por qualquer deles seja delegada competência.”

 

            A interpretação desta norma tem de ser conjugada com o disposto no artigo 16.º do RCPIT, que é ulterior ao artigo 16.º do Código do IRC, pois ambas versam sobre a competência para a determinação de correcções à matéria tributável. Neste contexto, integrando-se os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária nos serviços centrais, e tendo estes competência atribuída apenas no caso de sujeitos passivos designados pelo director-geral dos Impostos, ou no de sujeitos passivos constante de despacho publicado no Diário da República, o que não é manifestamente o caso, então o domicílio fiscal dos sujeitos passivos não residentes, sem estabelecimento estável, deve ser o do seu representante fiscal, que se equipara à da sede ou dos estabelecimentos localizados em Portugal, sendo competente o director de finanças da área respectiva.

           

            Acresce referir que mesmo que se entendesse que a interpretação preconizada pelo Requerente seria correcta (que não entendemos) a falta de competência para a realização do procedimento inspectivo que, salienta-se, foi interno, não se afigura passível de, por si só, afectar a validade acto de liquidação emitido pelo órgão competente, o Director-geral dos Impostos.

 

6.3.  Do vício de falta de notificação do acto de liquidação no prazo de caducidade

 

(a)  Falta de notificação à B dentro do prazo de caducidade

 

            Dispõe o artigo 38.º, n.º 3 do CPPT que as notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeito do direito de audição, são efectuadas por carta registada.

 

            Por sua vez, o artigo 39.º, n.º 1 do CPPT, prevê que as notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior (38º) se presumem feitas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

 

            Ficou provado que a demonstração de liquidação foi, nos termos legais, remetida pela AT por correio registado ao representante fiscal da B, para a morada constante do respectivo cadastro, no dia 3 de Dezembro de 2007, presumindo-se, de acordo com o artigo 39.º, n.º 1 do CPPT, que a notificação foi efectuada no terceiro dia posterior ao do registo, ou seja, no dia 6 de Dezembro de 2007.

 

            Efectivamente a AT cumpriu ónus de demonstrar os factos constitutivos do seu direito, em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, factos esses que, neste âmbito, respeitam à expedição, nos termos legais (por correio registado, para o representante fiscal da entidade não residente, sem estabelecimento estável), da notificação da liquidação de IRC. Sendo que o Requerente não logrou demonstrar factos impeditivos ou extintivos daquele direito.

 

            Em sentido idêntico ao que ora se preconiza, veja-se o Acórdão do STA de 12 de Janeiro de 2012, proferido no Processo n.º 0331/113, de que se retira o seguinte excerto:

           

            “Nesta sequência, verifica-se que, em regra, no âmbito do CPPT, as notificações por carta registada presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (art. 39-º, n.º 1, do CPPT).

Como refere JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6.ª ed., ÁREAS, Editora, Lisboa, 2011, p. 382.), em anotação a este preceito, “Para se extrair a presunção prevista no n.º 1 deste artigo, é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar”.

 

            Respeitando a liquidação de IRC ao ano 2004, e tendo sido observadas pela AT as regras legais exigidas para a notificação endereçada ao representante fiscal para o domicílio constante do seu cadastro fiscal, esta deve considerar-se efectuada em 6 de Dezembro de 2007, data em que não tinha decorrido o prazo de 4 anos previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, pelo que não se verifica o alegado vício de ilegalidade superveniente.

 

(b)  Falta de notificação ao Requerente dentro do prazo de caducidade

 

            Entende o Requerente que uma interpretação do artigo 45.º, n.º 1 da LGT conforme aos artigos 13.º e 268.º, n.º 2 da CRP determina que, para além do contribuinte directo, também o responsável solidário tem de ser notificado da liquidação de imposto dentro do prazo de caducidade de 4 anos, como condição de efectivação da sua responsabilidade.

 

            Atendendo a que a notificação da liquidação ao Requerente apenas ocorreu com a citação no processo de execução fiscal, em 10 de Fevereiro de 2012, já haviam, nessa data, decorrido mais de 4 anos sobre o facto tributário, que remonta a 2004.

 

            Não é, porém, de acolher a tese do Requerente, pois, quanto ao disposto no artigo 45.º da LGT (segundo o qual o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos), a notificação da liquidação respeita ao sujeito passivo originário do imposto e não ao responsável. Adoptando este entendimento, podem ver-se os acórdãos do STA de 18 de Maio de 2005, Processo n.º 381/05, e de 2 de Novembro de 2005, Processo n.º 361/05.

 

            De igual modo, refere, a este respeito, Jorge Lopes de Sousa o seguinte:

                        “A notificação relevante para efeitos de obstar à caducidade do direito de liquidação é a relativa ao contribuinte, o sujeito passivo originário do tributo, e não a dos outros responsáveis subsidiários ou solidários.

                        Com efeito, a caducidade é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que se refere o direito (art. 331.º, n.º 1 do CC), pelo que, uma vez praticado validamente o acto, o afastamento da caducidade é definitivo, se não vier a ser anulado o acto que a impediu.

                        À face da LGT, o facto que obsta à caducidade é a notificação do contribuinte no prazo de 4 anos (art. 45.º, n.º 1) e, por isso, ocorrendo essa notificação, não é necessária a notificação de qualquer outra pessoa para obstar à ocorrência da caducidade.

                        No que concerne às notificações ou citações dos responsáveis solidários ou subsidiários, não lhes reconhecendo a lei qualquer relevo para efeitos de caducidade, é indiferente que ocorram após o termo desse prazo” cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume III, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 491.

 

 

            Em linha com a posição da AT, importa distinguir os sujeitos passivos originários do imposto, em relação aos quais se verificam os pressupostos do facto tributário, dos restantes responsáveis tributários que, solidária ou subsidiariamente, respondem por dívidas de outrem, conforme resulta de uma leitura atenta do disposto nos artigos 21.º e 22.º da LGT.

 

            No caso em apreciação, cumpre distinguir o estatuto da B, enquanto sujeito passivo originário da relação jurídico-tributária, do estatuto do Requerente, responsável tributário pela dívida daquela entidade não residente.

 

            Conforme salienta Saldanha Sanches, “a noção de contribuinte (o taxpayer da literatura inglesa) corresponde, na sua essência, a uma relação puramente fáctica: o conceito de contribuinte é um conceito que é necessária e naturalmente pouco rigoroso” – cf. Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, 2007, Coimbra Editora, p. 251.

 

            O facto da expressão “contribuinte” poder conter genericamente também os substitutos e responsáveis, tal como acontece no artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, não significa que o estatuto de sujeito passivo da relação jurídico tributária seja idêntico para todos indistintamente. Pelo contrário, enquanto a situação jurídica do contribuinte directo assenta no dever sociológico e pré-jurídico de contribuir e na sua capacidade contributiva, já a situação de terceiros chamados a responder tem por pressuposto o dever de colaborar (neste sentido, Vítor Faveiro, “O Estatuto do Contribuinte – A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito”, 2002, Coimbra Editora, p. 821).

 

            A posição adoptada não implica decisões arbitrárias nem a violação do princípio da igualdade e representa, ao invés, o tratamento diverso de situações distintas. 

 

            Desta forma, não se acompanha o processo interpretativo do Requerente concluindo-se, ao invés, pela irrelevância da notificação da liquidação ao responsável tributário, para efeitos de contagem do prazo de caducidade, referindo-se o artigo 45.º, n.º 1 da LGT à notificação do contribuinte directo, sujeito passivo originário e único destinatário imediato do acto de liquidação e não à notificação de outros sujeitos passivos como os responsáveis ou substitutos tributários. Soçobra, por esta razão, o argumento do Requerente, pelo que o mesmo não consubstancia vício invalidante da liquidação de IRC controvertida.

 

 

6.4.  Vícios de violação de lei: incompatibilidade do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do TFUE

 

            Considera o Requerente que a liquidação de IRC é inválida por violação da liberdade de circulação de capitais prevista nos artigos 63.º e 65.º do TFUE e do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, à face da natureza discriminatória do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, que limita a tributação das mais-valias a 50% do saldo apurado no ano por sujeitos passivos residentes, mas não prevê tal limitação para as mais-valias obtidas por não residentes.

 

            Preconiza que o Requerente que a AT deveria ter aplicado o regime de limitação da matéria colectável em 50%, constante desse artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, apesar de a B ser uma entidade não residente sem estabelecimento estável em território nacional.

 

            Alicerça-se no Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), proferido em 11 de Outubro de 2007, Processo C-443/06, que se pronunciou pela incompatibilidade do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, no âmbito da tributação de pessoas singulares às quais, segundo o Requerente, se equipara a situação da B, pela remissão do artigo 56.º, n.º 1 do Código do IRC (actual artigo 51.º) segundo o qual “Os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS”.

 

            Porém, importa salientar a este respeito que a AT não determinou o rendimento colectável da B como se de um sujeito singular se tratasse, antes determinou o seu rendimento colectável de acordo com as regras estabelecidas para as correspondentes categorias de rendimentos, no caso os rendimentos de mais-valias obtidas com a alienação onerosa de imóveis, previstos no artigo 10.º do Código do IRS, para efeitos da sua subsequente tributação em IRC.

 

            E, em matéria de discriminação entre sujeitos passivos residentes e não residentes, à qual o mencionado Acórdão Hollmann se refere, não se vê como a mesma se possa suscitar em idênticos moldes para efeitos de IRC. É que os sujeitos passivos de IRC residentes ou com estabelecimento estável em Portugal não são tributados apenas em 50% do saldo das mais-valias imobiliárias, sendo estas tidas em consideração na sua totalidade. Assim, não só a B não se enquadra no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, pois não reveste o atributo de residente, como esse tratamento não é discriminatório face ao regime geral aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes, pois estes são tributados considerando 100% da mais-valia obtida com a alienação onerosa de imóvel e não apenas em 50% como resultaria em caso de procedência da tese do Requerente.

 

            Na verdade, de acordo com as regras gerais de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC residentes, que exerçam a título principal actividade comercial, industrial ou agrícola, consideram-se rendimentos as mais-valias realizadas, conforme disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea h) do Código do CIRC, a calcular de harmonia com o disposto no artigo 46.º do mesmo Código, sendo que a mais-valia apenas é considerada em metade do seu valor quando reunidos os pressupostos previstos no artigo 48º do citado diploma, inaplicável in casu, uma vez que postula o reinvestimento dos valores de realização.

 

            Nestes termos, não se verifica o vício de excesso de quantificação da matéria colectável nem qualquer tratamento discriminatório de entidades não residentes violador do Direito Comunitário, pelo que improcede nesta parte a alegação do Requerente.

 

6.5.  Vícios de violação de lei: da errónea quantificação do rendimento colectável decorrente da não consideração de despesas inerentes à mais-valia

 

            Segundo o Requerente o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição devendo, para tanto, ser consideradas as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e artigo 51.º, alínea a), ambos do Código do IRS, por remissão do artigo 56.º, n.º 1 do Código do IRC). Neste quadro, o Requerente alega que a AT não relevou qualquer das despesas suportadas pela B com a aquisição e alienação do imóvel em causa, excepto, em sede da reapreciação levada a efeito no recurso hierárquico, a SISA suportada.

 

            Em concreto, o Requerente invoca o Imposto do Selo e outros encargos suportados. Todavia não só reconhece que as escrituras de aquisição do lote de terreno não mencionam qualquer pagamento desse imposto, como não junta elementos probatórios, documentais ou outros, que sustentem a afirmação do pagamento do Imposto do Selo e dos “outros encargos suportados”, ónus que sobre si recai atento o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, em linha com o princípio geral do artigo 342.º do Código Civil.

 

De notar que cabe ao sujeito passivo manter, pelo período de 10 anos, o processo de documentação fiscal, o qual deve estar centralizado nas instalações do representante fiscal quando o sujeito passivo não tenha a sede ou direcção efectiva em território português e não possua estabelecimento estável aí situado, como estabelecido no então artigo 121.º do Código do IRC.

 

            Acresce que não cabe ao Tribunal suprir o ónus de alegação e comprovação dos factos constitutivos de direitos alegados por alguma das partes, sob pena de violação do princípio da igualdade de armas e da essencial paridade processual. 

           

            No que se refere ao Imposto do Selo incidente sobre a venda do imóvel o mesmo constitui encargo do adquirente dos bens e não da B (alienante), nos termos do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a) do Código deste imposto, pelo que nem sequer poderia integrar o cálculo da mais-valia daquela.

 

            Por fim, relativamente à alegação de que a AT devia efectuar diligências para obter o valor do Imposto do Selo pago na aquisição do imóvel e o valor dos custos notariais (artigo 74.º, n,º 2), os elementos que estão em poder da AT foram juntos aos autos e apenas evidenciam como encargo atendível no cômputo da mais-valia o valor da Sisa aceite em sede de recurso hierárquico.

 

6.6.  Vícios de violação de lei: da errónea aplicação do artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRS

 

            Na situação em apreço, a AT aplicou o artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRS, nos termos do qual deve ser considerado como valor de realização o valor patrimonial tributário (“VPT”) determinado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (“IMT”), quando este seja superior ao valor da contraprestação declarada pelas partes. Por essa razão a AT considerou como valor de realização o VPT que resultou da avaliação do imóvel alienado, de € 227.730,00 e não o valor da escritura, de € 200.000,00.

 

            O Requerente refuta a aplicação deste regime porquanto sustenta que o valor de venda é efectivamente o de € 200.000,00 e ficou aquém do resultante da avaliação promovida pela AT, alegando que através da apresentação da escritura notarial de venda fica ilidida a presunção implícita no artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRC.

 

            É sabido que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, como afirma o artigo 73.º da LGT e a jurisprudência constitucional (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional de 29 de Abril de 1997, n.º 348/97; de 28 de Abril de 2003, n.º 308/02, e de 21 de Junho de 2003, n.º 211/03).

 

            Não está, pois, em causa a possibilidade de o Requerente infirmar a presunção.

 

            Adicionalmente, e ao contrário do entendimento perfilhado pela AT, também não se considera que a única forma de elisão desta presunção passe pela adopção do procedimento previsto no artigo 129.º do Código do IRC, por remissão do artigo 31.º-A[4], n.º 6 do Código do IRS.

 

            Este artigo 129.º do Código do IRC tem restrições temporais que implicariam que no caso do responsável este, na maioria dos casos, não pudesse aceder ao procedimento de elisão da presunção, a um tempo por falta de legitimidade, e a outro por, já investido da qualidade de responsável, ter (há muito) decorrido o curtíssimo prazo de 30 dias a contar da data em que a avaliação (para efeitos de IMT) se tornou definitiva, para submeter o requerimento próprio dirigido ao director de finanças.

 

            Para este efeito, é de convocar o regime geral das presunções previsto no artigo 64.º do CPPT que, no seu n.º 1 dispõe: “O interessado que pretender ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária deverá para o efeito, caso não queira utilizar as vias da reclamação graciosa ou impugnação judicial de acto tributário que nela se basear, solicitar a abertura de procedimento contraditório próprio.”

 

            É, pois, admissível que a elisão da presunção seja feita em sede de reclamação graciosa ou de acção impugnatória do acto tributário que nela se basear, sendo que nesta não pode deixar de se compreender a acção proposta na jurisdição arbitral, a qual tem de assegurar o mesmos meios de defesa que a impugnação judicial, da qual se assume como meio alternativo.

 

            Como salienta Jorge Lopes de Sousa, “o procedimento previsto neste art. 64.º não é de uso obrigatório, pelo que o interessado poderá na reclamação graciosa ou na impugnação judicial que deduzir relativamente ao acto de liquidação ilidir qualquer presunção que nele tenha sido aplicada.” – Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 589.

 

            Já no que se refere aos meios probatórios, sem prejuízo de poderem ser em geral atendidos todos os meios de prova admitidos em direito (cf. artigo 72.º da LGT), não se afigura que a escritura ou documento de venda possa constituir meio idóneo para este efeito. Com efeito, na hipótese normativa, a presunção que o Requerente visa afastar aplica-se precisamente (e expressamente) para prevalecer sobre o valor constante do contrato de compra e venda (cf. artigo 31.º-A, n.º 1 do Código do IRS), pelo que não se pode opor o valor do contrato que, quando inferior ao VPT, constitui o pressuposto (constante da própria hipótese normativa) de aplicação da presunção, para ao mesmo tempo afastar essa presunção.

 

            Se assim fosse, o regime consagrado nos artigos 31.º-A, n.º 1 e 44.º, n.º 2 do Código do IRS não teria campo de aplicação, pois a simples menção ao contrato por valor inferior ao VPT afastaria sempre a aplicação deste último, conduzindo ao resultado, absurdo, de uma norma esvaziada de aplicação e desprovida de qualquer efeito útil, o que não pode, de todo, atribuir-se ao escopo do legislador, que se presume ter consagrado as soluções mais acertadas e se exprimiu em termos adequados.

 

            Quanto ao pedido deduzido no artigo 207.º da p.i. salienta-se que não cabe ao Tribunal Arbitral desenvolver diligências probatórias assistenciais às partes, em especial sobre documentos ou informações de que estas deviam dispor. Não se pode esquecer que, neste caso concreto, e especificamente quanto ao valor de realização ou venda, foi o Requerente que pessoalmente concretizou, em nome e representação da B, o contrato de compra e venda, “recebendo o respectivo preço e dele dando quitação”, como consta da procuração emitida e transcrita no ponto B da matéria de facto. A que acresce que a falta de produção de prova não obsta ao prosseguimento do processo com base na prova produzida, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1 do RJAT.

 

            Não assiste, nesta matéria, razão ao Requerente que não conseguiu elidir a presunção em causa.

 

            Nestes termos, não se consideram verificados os vícios invalidantes, formais e materiais, invocados pelo Requerente, mantendo-se o acto tributário de liquidação de IRC objecto dos presentes autos arbitrais. 

 

 

7.        DISPOSITIVO

            À face do exposto:

(a)   Julgam-se improcedentes as excepções suscitadas pela AT de incompetência e de litispendência;

(b)  Indefere-se a suspensão, requerida pela AT, por causa prejudicial;

(c)   Julga-se improcedente a pretensão de declaração de ilegalidade e de anulação da liquidação oficiosa de IRC n.º 2007 …, referente ao ano 2004, na importância de € 48.903,60 e, bem assim, dos inerentes juros compensatórios.

 

* * *

 

            Valor do processo: em € 48.903,60, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 e 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

            Custas no montante de € 2.142,00 a cargo do Requerente, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 4 do RCPAT e ainda com a regra geral processual em matéria de custas constante do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

* * *

Notifique-se.

Lisboa, 15 de Junho de 2015

 

A árbitro,

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Volume III, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pp. 488 a 490.

[3] E ainda do substituo tributário que, para o caso, não releva.

[4] Aditado ao Código do IRS pelo Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou os Códigos do IMI e do IMT, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.