Despacho Arbitral:
Na sequência do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 16/12/2015, já transitado em julgado, que declarou a nulidade da decisão proferida nos presentes autos, impõe-se a prolação de nova decisão arbitral.
Nesse sentido, passa-se a proferir nova decisão arbitral:
Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, S.A., com sede na Rua …, …, … andar, Sala …, …, …-… Porto, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a), 10º nº 1 a) e 5º nº 3 a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, no montante global de € 246.206,38, bem como a anulação do acto de indeferimento da correspondente reclamação graciosa, a restituição à Requerente do valor pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios e de mora.
Subsidiariamente, peticiona ainda a Requerente a anulação parcial dos actos de liquidação impugnados, na parte correspondente ao montante de retenção em excesso efectuado relativamente aos pagamentos imputáveis ao B… e a consequente restituição do valor global de € 117.915,41, acrescido dos competentes juros indemnizatórios e de juros de mora.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) A Requerente foi alvo de uma acção inspectiva por parte da Direcção de Finanças do …, tendo como âmbito objectivo e temporal o IRC dos exercícios de 2009, 2010 e 2011;
b) No âmbito dessa acção inspectiva concluiu-se pela existência de retenções na fonte não efectuadas correspondentes a juros pagos a entidades não residentes, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, por financiamentos obtidos junto do consórcio bancário liderado pelo C…;
c) De acordo com a Requerida, em face da não apresentação, por parte da Requerente, do formulário Mod. 21-RFI, certificado pelas autoridades suecas, onde é residente o C…, às retenções na fonte efectuadas seriam aplicáveis as taxas de 20%, nos exercícios de 2009 e 2010, e a taxa de 21,5%, no exercício de 2011;
d) Ainda no âmbito da acção inspectiva, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário de parte dos montantes devidos a título de retenção na fonte;
e) Já após a conclusão da acção inspectiva, a Requerente procedeu à apresentação dos formulários Mod. 21-RFI relativamente ao C… e às entidades pertencentes ao consórcio bancário, D…, E… e F…, peticionando fossem estes certificados tidos em consideração aquando das liquidações do IRC em falta;
f) Na sequência da entrega destes formulários, a AT promoveu à revisão das liquidações de IRC relativas aos anos de 2009 a 2011, na parte respeitante às entidades em relação às quais a Requerente entregou os respectivos formulários Mod. 21-RFI;
g) Quanto às retenções relativas ao B…, e ao E…, foi o pedido da Requerente indeferido, tendo a AT defendido ser necessário apresentar, quanto ao primeiro, o formulário Mod. 21-RFI, certificado pelas autoridades do Estado de residência e, quanto ao segundo, que seria de aplicar a taxa de retenção na fonte de 15% por ser a prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Noruega;
h) Notificada das liquidações em crise, a Requerente deduziu reclamação graciosa, defendendo verificarem-se os pressupostos previstos nas respectivas Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas entre Portugal e os Estados de residência das entidades B…, e E…;
i) Pese embora em relação à primeira das entidades não ter sido apresentado pela Requerente o formulário Mod. 21-RFI, foi apresentado um documento emitido pelas autoridades locais do Reino Unido, no qual se certifica que o B…, plc foi residente no Reino Unido, na acepção constante da respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, durante os anos de 2009 a 2013;
j) A prova da residência noutro Estado Membro pode ser efectuada por outros meios que não o formulário Mod. 21-RFI, designadamente através do certificado de residência junto, não passando a apresentação do formulário Mod. 21-RFI de uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam;
k) A reclamação graciosa apresentada foi indeferida pela AT, por não ter sido apresentado pela Requerente o formulário Mod. 21-RFI relativo ao B…, único meio, de acordo com a AT, de provar que esta entidade é residente no Reino Unido;
l) A fundamentação expendida pela AT para indeferir a reclamação graciosa não consta do Relatório de Inspecção Tributária, não podendo a AT, em sede de reclamação graciosa, produzir novos argumentos;
m) Tendo o Relatório de Inspecção Tributária concluído pela falta de pagamento de retenções na fonte por não ter sido apresentado o formulário Mod. 21-RFI relativo ao Estado de residência do C…, e tendo este formulário sido apresentado posteriormente pela Requerente, devem os actos de liquidação em crise ser anulados;
n) A apresentação do formulário Mod. 21-RFI não decorre da Convenção celebrada, pelo que a sua exigência viola o princípio da proporcionalidade e a própria Convenção, sendo por via disso inconstitucional.
A Requerente juntou oito (8) documentos, não tendo arrolado nenhuma testemunha.
No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 23 de Dezembro de 2014.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou, em síntese que na reclamação graciosa apresentada pela Requerente nada foi alegado relativamente às retenções devidas pelos juros pagos ao C…, pelo que a decisão se tornou definitiva e, por via disso, inimpugnável.
Por impugnação, defendeu que:
a) apesar de os juros devidos terem sido pagos pela Requerente ao C…, a verdade é que esta entidade bancária apenas recebeu estas importâncias enquanto agente das entidades que compõem o consórcio, não sendo o beneficiário efectivo e integral desses rendimentos;
b) a verificação da existência dos pressupostos previstos nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação deve ser aferida relativamente a cada uma das entidades que compõem o consórcio;
c) o certificado de residência junto pela Requerente relativamente ao B… não constitui elemento probatório capaz de aferir a verificação dos pressupostos previstos na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido;
d) ademais, tal certificado de residência encontra-se redigido em língua estrangeira, não tendo sido junta pela Requerente qualquer tradução, nem tendo o certificado sido legalizado através da aposição da competente apostilha prevista no artigo 3.º da Convenção relativa à supressão da exigência da legalização dos actos públicos estrangeiros;
e) o artigo 98.º do CIRC impõe a apresentação do Mod. 21-RFI como pressuposto da aplicação de qualquer Convenção para Evitar a Dupla Tributação;
f) não tendo sido junto pela Requerente o dito formulário Mod. 21-RFI preenchido e certificado pelas autoridades do Reino Unido, nem justificada cabalmente a impossibilidade dessa apresentação, não pode ser aplicável aos juros pagos a esta entidade a Convenção para Evitar a Dupla Tributação;
g) no que diz respeito aos pagamentos efectuados ao E…, sediando-se esta entidade na Noruega, e tendo sido apresentado pela Requerente o formulário Mod. 21-RFI, verificam-se os pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Noruega, pelo que a taxa de retenção na fonte aplicada foi a prevista no artigo 11.º n.º 2 da Convenção, isto é, 15%, nada havendo, quanto a esta matéria, a alterar;
h) não se verifica a existência de quaisquer elementos novos na fundamentação apresentada na decisão da reclamação graciosa por referência à fundamentação apresentada no Relatório de Inspecção Tributária;
i) a exigência de apresentação do formulário Mod. 21-RFI não viola o princípio da proporcionalidade, nem a Convenção ‘para Evitar a Dupla Tributação, não se verificando, por isso, qualquer inconstitucionalidade.
Conclui, peticionando a procedência da invocada excepção e a consequente manutenção dos actos de liquidação em crise ou, caso assim se não entenda, a improcedência do pedido, com as consequências legais.
A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado qualquer testemunha.
Em sede de resposta, a Requerente alegou que o objecto do pedido de pronúncia são os actos de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação graciosa, sendo, por isso, irrelevante os fundamentos invocados na reclamação graciosa.
Conclui, peticionando a improcedência da excepção invocada pela AT.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
As Partes apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram e desenvolveram as posições anteriormente assumidas e defendidas nos seus articulados.
Foi proferida decisão final, a 16-06-2015, que por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 16/12/2015, já transitado em julgado, foi declarada nula.
II. QUESTÕES A DECIDIR:
Nos presentes autos importa determinar:
a) se, não tendo a Requerente colocado qualquer questão, quando reclamou graciosamente das liquidações efectuadas relativamente aos juros pagos ao C…, podem agora ser apreciadas questões relativas a essa parte;
b) se, tendo o Relatório de Inspecção Tributária concluído pela existência de retenções na fonte em falta em face da não apresentação do formulário Mod. 21-RFI relativamente ao C…, pode a AT vir a exigir posteriormente a apresentação do mesmo formulário em relação a cada uma das entidades que compõem o consórcio liderado pelo dito C…;
c) se a apresentação do formulário Mod. 21-RFI é requisito essencial para a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação ou se, pelo contrário, a verificação desses pressupostos pode ser efectuada por qualquer outro meio de prova;
d) se o certificado de residência emitido pelas autoridades locais constitui meio idóneo à prova da verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.
III. MATÉRIA DE FACTO:
a. Factos provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
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Nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, foram pagos pela Requerente juros vencidos respeitantes a financiamentos contraídos junto das entidades bancárias que compunham um consórcio liderado pelo C…;
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Por despacho de 23/02/2012 foi ordenada a emissão de Ordem de Serviço de Inspecção Externa de âmbito parcial, tendo como objecto o IRC dos exercícios de 2009 e 2010;
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Por despacho de 26/11/2012 foi determinado o alargamento da Ordem de Serviço emitida, passando esta a abranger também o exercício de 2011;
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A acção inspectiva decorreu entre os dias 13/09/2012 e 07/08/2013;
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Por despachos de 11/02/2013 e 20/05/2013 foram os prazos do procedimento inspectivo ampliados por dois períodos adicionais de três meses;
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No âmbito da acção inspectiva concluiu-se pela existência de retenções na fonte não efectuadas correspondentes a juros pagos a entidades não residentes, nomeadamente ao C…, D…, E…, F… e B…, por financiamentos obtidos junto do consórcio bancário liderado pelo C…;
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Por ofício datado de 09/08/2013, foi a Requerente notificada do projecto de Relatório de Inspecção Tributária e para, querendo, exercer o respectivo direito de audição;
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Em 28/08/2013 foram efectuados pela Requerente pagamentos dos valores correspondentes aos que seriam devidos no caso de, em relação a todas as entidades a que se refere em 6) anterior, serem aplicáveis as respectivas Convenções para Evitar a Dupla Tributação;
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Em 6/09/2013, a Requerente exerceu o respectivo direito de audição, juntando cópias dos certificados de residência do C… emitidos e certificados pelas autoridades fiscais suecas, relativas aos anos de 2009 a 2011;
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Por ofício datado de 12/09/2013, foi a Requerente notificada do Relatório de Inspecção Tributária, no qual se conclui não ter sido feita prova da verificação dos pressupostos previstos na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suécia, pelo que foi considerado que as retenções na fonte de IRC sobre os juros pagos deveriam ter sido efectuadas à taxa de 20% nos anos de 2009 e de 2010 e de 21,5%, no ano 2011;
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Na sequência das conclusões do Relatório de Inspecção Tributária foram emitidas, em 17/09/2013, as liquidações de IRC n.º 2013…, 2013 … e 2013…, relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, respectivamente;
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Nestas liquidações foram incluídos os valores respeitantes às retenções na fonte que a AT entendeu serem devidas quanto aos pagamentos efectuados às entidades C…, D…, E…, F… e B…, aplicando-se a taxa de 20%, quanto aos exercícios de 2009 e de 2010, e de 21,5%, quanto ao exercício de 2011,
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Em 23/09/2013, 03/10/2013 e 22/10/2013, a Requerente apresentou nos Serviços da Direcção de Finanças do … os formulários Mod. 21-RFI devidamente certificados pelas autoridades fiscais respectivas, relativos ao C…, D…, E… e ao F…, respeitantes aos exercícios de 2009 a 2011, nos termos e com o teor constante de fls. 300 a 305 e 375 e 376 do PA junto, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
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A AT procedeu à revisão parcial das liquidações efectuadas, anulando parcialmente as retenções relativas aos pagamentos efectuados às entidades C…, D…, F… e E…;
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As liquidações em crise incluem as retenções na fonte calculadas por aplicação das taxas de 20%, nos exercícios de 2009 e 2010, e de 21,5% no exercício de 2011, relativamente aos juros pagos ao B… e as retenções na fonte calculadas por aplicação de 15% relativamente aos juros pagos ao E… .
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Em 17/12/2013, a Requerente procedeu ao pagamento dos valores liquidados relativamente ao E… e ao B…, no valor global de € 246.206,49, nas datas constantes do documento junto com a petição inicial sob o nº 7, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
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A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações emitidas respeitantes às retenções na fonte devidas pelos pagamentos efectuados ao E… e ao B…, juntando certificado de residência emitido pelas autoridades locais competentes do Reino Unido, no qual se certifica que o B…, plc foi residente no Reino Unido, na acepção constante da respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, durante os anos de 2009 a 2013, e esteve, nesse período, sujeita a imposto incidente sobre o rendimento de pessoas colectivas, sem possibilidade de isenção;
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Por fax remetido em 14/08/2014, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT;
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Em 16/09/2014, a Requerente exerceu o direito de audição;
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Por ofício datado de 30/09/2014, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, com os fundamentos constantes do documento n.º 6 junto pela Requerente junto pela Requerente com a petição inicial.
b. Factos não provados:
Com interesse para os autos, não existe qualquer factualidade não provada.
c. Fundamentação da matéria de facto:
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos.
No que diz respeito ao certificado de residência, redigido em língua estrangeira, junto pela Requerente sob o número 8, cujo valor probatório foi colocado em causa pela Requerida, quer pelo facto de não ter sido traduzido, quer pelo facto de não ter sido legalizado, importa referir o seguinte:
Muito embora o documento junto não tenha sido acompanhado de qualquer tradução, a verdade é que se encontra redigido em língua inglesa, a qual se poderá considerar conhecida de todos os intervenientes processuais e do próprio tribunal.
Alias, os termos em que tal documento se encontra redigido não poderão deixar de se considerar “corriqueiros” nenhum conhecimento especial da língua inglesa se exigindo para a sua correcta interpretação.
Dito isto, dispõe o n.º 1 do artigo 134.º do Código de Processo Civil:
“Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente, ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte” (sublinhado nosso).
Atenta a já referida manifesta simplicidade do documento junto parece evidente não carecer o mesmo de tradução, pelo que a mesma é dispensada.
Isto posto, analisado o documento em causa, verifica-se que nele foi aposto o selo dos serviços emitentes, constituindo, por isso, documento autêntico – artigos 370.º, n.º 1 e 369.º, ambos do Código Civil.
É certo que, conforme realça a Requerida, este documento não se encontra legalizado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 440.º do Código de Processo Civil.
No entanto, conforme resulta de forma expressa do número 2 do artigo 365º do Código Civil, apenas será exigida a legalização do documento nos termos da lei processual no caso de haver “fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento”.
Aliás, tal como é hoje de forma unânime aceite e defendido pela jurisprudência, a legalização de documentos passados em país estrangeiro não é requisito da sua autenticidade, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade – neste sentido veja-se, entre outros, Acórdãos do STJ de 05DEZ2002 e 12JUL2011, processos 02B3970 e 987/10.5YRLSB.S1, ambos in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, tem a doutrina defendido que a obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, página 324; no mesmo sentido, veja-se JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2ª Edição, página 474.
Dito isto, importa verificar se, analisado o documento junto pela Requerente, se suscita alguma dúvida acerca da sua autenticidade.
E a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa: o documento em causa nenhuma dúvida suscita a este tribunal acerca da sua autenticidade.
Assim, não havendo dúvidas sobre a autenticidade deste documento, não se mostra necessário que se proceda à sua legalização nos termos da lei processual.
B. DO DIREITO
Como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, suscita a AT a questão de que:
(1) dado não ter sido atacado em sede de reclamação graciosa o segmento decisório referente ao C…, A;
(2) nem ter sido atacado o despacho que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, obnubilando a materialidade inerente ao formulário apresentado, o mesmo se tornou, deste modo, horizontalmente definitivo, passando, a partir daquele momento, a ser inimpugnável, pelo que, entende a AT, deve o formulado no requerimento arbitral ser declarado improcedente nessa parte, por inimpugnável e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância, de acordo com a alínea c), do n.º 1, do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Como bem refere a Requerente, todavia, “o objeto real do pedido de pronúncia é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa,estando, assim, em crise os vícios do ato de liquidação”.
Nesse sentido, dispõe o artigo 99.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º/1 do RJAT, que “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade (…)”, conforme enumeração exemplificativa aí referida.
Assim, e como se decidiu, entre outros, no Ac. do STA de 18-05-2011, proferido no processo 0156/11[1]:
“I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
II - A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.”
Improcede, deste modo, a questão prévia suscitada pela AT.
*
A primeira questão colocada pela Requerente prende-se com o entendimento de que “Tendo os atos de liquidação aqui em crise sido fundamentados no Relatório de Inspeção Tributária na ausência de apresentação do formulário Mod. 21-RFI relativo ao C…, a quem foram entregues os juros, certificado pelas autoridades fiscais suecas, e tendo esse mesmo formulário sido apresentado pela Requerente, não resta outra alternativa senão a anulação dos atos de liquidação aqui em crise.”.
Ressalvado o respeito devido, entende-se que a Requerente passa ao lado do enquadramento devido do procedimento tributário verificado.
Com efeito, a decisão do procedimento de reclamação graciosa é um acto de segundo grau, que tem por objecto o acto primário de liquidação, o qual pode, legitimamente, ser revogado, total ou parcialmente (cfr. artigo 138.º do CPA).
Ora, foi precisamente isso que se passou; a AT, confrontada com o erro de facto, evidenciado pela apresentação do Mod. 21-RFI relativo ao C…, certificado pelas autoridades fiscais suecas, revogou, no quadro das suas competências legais, o acto primário de liquidação, e em sua substituição praticou o acto decisório da reclamação graciosa, nos termos dados como provados.
Assim, ao contrário do que pretende a Requerente, não se verifica a alegada circunstância de que “No âmbito da resposta à reclamação graciosa apresentada, a DFP ensaiou nova fundamentação para as liquidações em causa, distinta da fundamentação constante do Relatório de Inspeção Tributária.”.
Não se trata, evidentemente, de uma fundamentação a posteriori, mas da fundamentação do acto decisório da reclamação graciosa, que é um acto tributário autónomo susceptível de produzir efeitos jurídico-tributários próprios.
Não se verificando, assim, o “vício de fundamentação de facto e de direito” suscitado pela Requerente, na medida em que a parte a que o mesmo se refere foi revogada e substituída pelo acto decisório da reclamação graciosa, deve, nesta parte, o pedido arbitral improceder.
*
Resta assim apreciar se, para aplicação da CDT com o Reino Unido, relativamente aos pagamentos de juros imputáveis ao B…, é imprescindível a apresentação do formulário Mod. 21-RFI, como sustenta a AT, ou se é suficiente a declaração emitida pelas autoridades fiscais do Reino Unido, a que se refere o ponto 17 dos factos dados como provados, como pretende a Requerente.
A este propósito, sustenta a AT que “o despacho n.º 4743-A/2008, de 8/2, do Ministro das Finanças, aprovou os modelos de formulários para comprovação dos pressupostos de que depende a aplicação das convenções sobre dupla tributação internacional, destinados a solicitar a dispensa total ou parcial de retenção na fonte. Neste seguimento, existindo no direito interno uma norma como a do artigo 98.º do CIRC, que impõe a observância da apresentação do Modelo 21-RFI, não subsistem dúvidas de que, para accionar uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, é indispensável a utilização do formulário de modelo oficial.”
Mais nota a AT, que “o Reino Unido não consta da lista de países que comunicou a impossibilidade de certificar os formulários modelo 21 RFI, conforme resulta do site da AT”.
E acrescenta que “o dito formulário contém campos específicos que permitem comprovar e certificar que determinada entidade é não residente em território português, bem como permite a certificação de outras informações que, de resto, se encontram elencadas na lei interna:
a) Identificação do beneficiário efectivo dos pagamentos imputáveis à sociedade pagadora;
b) Identificação da natureza dos rendimentos em questão;
c) Confirmação da existência ou não de estabelecimento estável em território português;
d) Confirmação da participação igual ou superior a 10% no capital social da entidade devedora;
e) Identificação do intermediário financeiro não residente em território português;”
Conclui a AT que a não apresentação do certificado “impossibilita que a Requerente possa gozar da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido”.
Vejamos.
*
Dispunha o artigo 90º-A do CIRC e o actual artigo 98.º do mesmo código:
“1- Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
2 — Nas situações referidas no número anterior, bem como na alínea g) do n.º 4 do artigo 87.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:
a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência: (...)”.
Ora, in casu, verifica-se que, para prova da dispensa da obrigação de efectuar a retenção na fonte respeitante aos juros pagos, a Requerente apresentou nos respectivos serviços os formulários Mod. 21-RFI devidamente certificados pelas autoridades fiscais dos Estados de residência de todas as entidades beneficiárias dos rendimentos, à excepção do relativo ao B…, plc.
No que diz respeito ao B…, plc, a Requerente apenas entregou, juntamente com a reclamação graciosa apresentada, certificado de residência emitido pelas autoridades legais competentes do Reino Unido, comprovativo de que o B…, plc foi residente no Reino Unido, na acepção constante da respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, durante os anos de 2009 a 2013, e esteve, nesse período, sujeito a imposto incidente sob o rendimento de pessoas colectivas, sem possibilidade de isenção.
Não tendo a Requerente apresentado o formulário Mod. 21-RFI, exigido pela AT, impõe-se analisar se a apresentação deste formulário se considera um requisito essencial para a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação ou se, pelo contrário, a sua verificação pode ser efectuada por qualquer outro meio de prova.
Conforme tem vindo a ser maioritariamente defendido pela jurisprudência, a apresentação do formulário Mod. 21-RFI é uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam, pelo que a prova da residência noutro Estado poderá ser efectuada por qualquer outro meio idóneo que não única e exclusivamente o sobredito formulário.
Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0283/11, de 22JUN2011, disponível em www.dgsi.pt, no qual se considera que:
“III - Estes formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, sendo a prova de residência um mero requisito “ad probationem”, já que a certificação de residência é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efectiva verificação dos respectivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência.
IV - Assim, ainda que não correspondendo ao modelo oficial actual, atestando os certificados de residência apresentados a residência, e mostrando-se certificados pela autoridade fiscal respectiva, devem os mesmos ser aceites pela AF como prova efectiva da residência dessas entidades” (sublinhado nosso).
Entende-se, por isso, não se encontrar a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação exclusivamente dependente da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, podendo a prova desses pressupostos ser feita por qualquer outro meio.
Assente que está a possibilidade de a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT ser efectuada por qualquer meio idóneo, e não apenas através da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, vejamos, agora, se o certificado de residência junto pela Requerente constitui meio idóneo a tal prova.
Neste sentido, prescrevem os números 1 e 2 do artigo 11.º da Convenção em análise:
“1) Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2) No entanto, esses juros podem ser tributados no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado; mas, quando o residente do outro Estado Contratante está nele sujeito a imposto por esses juros, o imposto assim estabelecido no Estado primeiramente mencionado não excederá 10 por cento do montante dos juros.” (sublinhado nosso).
Assim, para que a CDT seja aplicável à hipótese dos autos, será necessário a prova de que (i) o B… é residente no Reino Unido e (ii) o B… está sujeito, no Reino Unido, a imposto pelos juros pagos pela Requerente.
E essa prova foi feita, conforme resulta dos factos provados – ponto 17 -, através do certificado de residência emitido pelas autoridades locais competentes do Reino Unido, comprovativo, ademais, que a entidade em causa esteve, nos períodos de 2009 a 2013, sujeita no Reino Unido a imposto incidente sobre o rendimento de pessoas colectivas, sem possibilidade de isenção.
Note-se, inclusive, que o certificado de residência junto acaba por dar cabal cumprimento aos objectivos pretendidos com a apresentação do formulário Mod. 21-RFI, isto é, a prova de residência fiscal da entidade beneficiária dos rendimentos sujeitos a tributação noutro Estado Contratante.
Tanto assim é que, à semelhança do campo “III - Certificação das Autoridades Fiscais Competentes do Estado de Residência do Beneficiário Efectivo” do respectivo formulário, o certificado de residência junto declara exactamente o mesmo que o formulário, isto é, que a entidade beneficiária dos rendimentos é residente fiscal no Reino Unido, para os efeitos do disposto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, nos anos de 2009 a 2013, tendo estado aí sujeito a esse imposto durante o indicado período.
Nem se diga, como faz a Requerida, que o formulário Mod. 21-RFI contém outras informações para além das que contém o certificado de residência junto pela Requerente.
É certo que o formulário Mod. 21-RFI contém outros elementos não elencados no certificado de residência junto, designadamente, (i) quanto aos créditos: a sua natureza, data da constituição e valor; (ii) quanto ao beneficiário: informação sobre existência ou não de estabelecimento estável em Portugal; confirmação de participação no capital social ou órgãos sociais da devedora e assinatura; e (iii) identificação da devedora.
Mas serão estes elementos essenciais à verificação dos pressupostos previstos na CDT? Parece evidente que não.
Com efeito, o único elemento essencial e não constante do certificado de residência junto seria a identificação da natureza dos créditos, por forma a determinar qual o regime previsto na CDT aplicável.
No caso dos autos, porém, à data das liquidações impugnadas, já a Requerida estava na posse desse elemento, do qual tomou conhecimento no âmbito da acção inspectiva.
Encontram-se, assim, verificados os pressupostos de que o artigo 11º da CDT faz depender a possibilidade da sua aplicação.
E isto, note-se, pese embora o actual artigo 98º nº 2 do CIRC (bem como o anterior 90º-A nº 2) preveja que a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT seja efectuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, estipulando o nº 5 do mesmo artigo que, não sendo efectuada a respectiva prova, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
É que, conforme resulta expressamente do nº 6 do mesmo preceito, a responsabilidade a que se alude no número anterior (isto é, a responsabilidade pela entrega da totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei) pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
Prevê, assim, este número 6, que a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT pode ser efectuada posteriormente, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional.
Significa isto que, pese embora a Requerente não tenha feito a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT no prazo legalmente fixado, nem por isso fica obrigada a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei, atento o facto de ter feito esta prova posteriormente.
Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão n.º 0732/09 do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2010, disponível em www.dgsi.pt:
“Como resulta destas disposições, embora a não apresentação do formulário referido na alínea a) do n.º 2, pelos beneficiários dos rendimentos, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto gere as obrigações de o substituto tributário efectuar a retenção de IRC e, quando não a tiver efectuado, entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido, admite-se, no n.º 6, que esta responsabilidade seja afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n.º 2 a verificação dos pressupostos para dispensa de retenção”.
No mesmo sentido, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão n.º 0518/09, de 21OUT2009, disponível em www.dgsi.pt, que, tendo resultado provado que a impugnante juntou aos autos certificados de residência fiscal emitidos pelas autoridades fiscais dos países das sociedades beneficiárias dos rendimentos, se encontram reunidos os requisitos previstos nos citados incisos normativos para afastar a responsabilidade do substituto tributário pela falta de entrega da totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.
Da mesma forma, resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0810/08, de 21JAN2009, disponível em www.dgsi.pt, que tendo sido juntos aos autos certificados de residência fiscal emitidos pelas autoridades fiscais dos respectivos países relativos às sociedades beneficiárias dos rendimentos pagos, se encontrava consequentemente afastado o dever de entrega da totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido. Facto que por si só fazia desaparecer da ordem jurídica o pressuposto de responsabilidade jurídico-tributária que conferia legalidade à liquidação adicional impugnada.
De modo que, ao juntar o certificado de residência relativo ao B…, emitido pelas autoridades locais competentes do Reino Unido, comprovativo de que esta entidade, durante os exercícios de 2009 a 2013, foi aí residente e aí sujeito a imposto sobre rendimento, sem possibilidade de isenção, a Requerente logrou ilidir a responsabilidade pela entrega do imposto, a que alude o número 5 do artigo 98º do CIRC (e o número 5 do anterior 90º-A).
Em face do exposto, pese embora à data das liquidações efectuadas não tivesse a Requerida elementos que lhe permitissem concluir pela verificação, quanto aos juros pagos ao B…, dos pressupostos previstos na CDT, o certo é que, tendo, posteriormente às liquidações, a Requerente apresentado o certificado de residência a que se alude supra, desapareceu da ordem jurídica o pressuposto de responsabilidade jurídico-tributária que conferiu legalidade às liquidações impugnadas, pelo que se impõe a respectiva anulação, nesta parte – neste sentido, veja-se Acórdão do STA de 21JAN2009, já citado.
Importa agora analisar se assiste razão à Requerente no que diz respeito à taxa que defende ser aplicável às retenções na fonte pelos juros pagos ao E… .
Quanto a estes juros, defende a Requerente ser aplicável a taxa de 10%, por ser a prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suécia, e não a taxa de 15%, prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Noruega.
Isto porque, de acordo com a Requerente, fazendo o E… parte de um consórcio sediado na Suécia, seria aplicável aos juros pagos a esta entidade a CDT celebrada entre Portugal e o país da sede do consórcio bancário, isto é, a Suécia.
Mas sem razão, como veremos.
Na verdade, para efeitos de aplicação da CDT, o que importa é saber qual a entidade efectivamente beneficiária dos rendimentos pagos pela Requerente.
No caso dos autos, resultou provado – cfr. ponto 6 - que os rendimentos devidos a título de juros foram pagos não ao consórcio liderado pelo C…, sediado na Suécia, mas sim a cada uma das entidades que o compõem.
Assim, para efeitos da determinação da CDT aplicável, terá de se tomar em consideração o país da sede de cada uma dessas entidades.
No caso, o E…, conforme resulta de forma expressa do formulário Mod. 21-RFI de fls. 304 e 305 do PA, tem sede na Noruega, pelo que aos rendimentos pagos a esta entidade apenas poderá ser aplicável a convenção celebrada com este país e não a convenção celebrada com a Suécia.
Pelo que não assiste, neste ponto, razão à Requerente, não devendo, em consequência, as liquidações impugnadas ser anuladas, nesta parte.
Importa, por último, conhecer do pedido formulado pela Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.
A questão sobre o eventual pagamento destes juros apenas se coloca na parte respeitante às liquidações anuladas, já que em relação à parte não anulada das liquidações, nunca teria a Requerida direito ao recebimento de quaisquer juros.
A este propósito, dispõe o nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária:
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No caso dos autos, conforme resulta do supra exposto, à data da elaboração das liquidações impugnadas (17/09/2013), não dispunha a AT de quaisquer elementos que lhe permitissem não liquidar o imposto devido pelos juros pagos ao B… à taxa em que o fez.
Isto porque a Requerente apenas fez a junção do certificado de residência relativo ao B… após a elaboração das liquidações, concretamente aquando da apresentação da reclamação graciosa.
Assim, não poderá defender-se terem sido as liquidações impugnadas determinadas por errada aplicação da lei ou erro imputável aos serviços. Ao invés, as liquidações foram efectuadas com base num pressuposto (inexistência de prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT) que à data existia e que, por facto não imputável à AT, entretanto desapareceu (aquando da apresentação, por parte da Requerente, do certificado de residência respeitante ao B…).
Improcede, pois, a peticionada condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Em face do exposto, devem as liquidações impugnadas ser parcialmente anuladas, na parte correspondente ao montante de retenção em excesso efectuado relativamente aos pagamentos efectuados ao B…, plc com a consequente restituição do valor global de € 117.915,41, acrescido dos competentes juros de mora.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas impugnadas, com a sua consequente anulação, na parte respeitante às retenções devidas pelos juros pagos ao B…;
b) Condenar a AT a proceder ao reembolso à Requerente do valor indevidamente pago, no montante de € 117.915,41, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da apresentação da reclamação graciosa até integral restituição das quantias pagas;
c) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 246.206,38, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e pela Requerida, na proporção do respectivo decaimento, sendo € 2052,61 a cargo da Requerida e € 2232,39 a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Setembro de 2016.
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Vencido)
O Árbitro Vogal,
(Alberto Amorim Pereira)
O Árbitro Vogal
(Carlos Lobo)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.
Declaração de Voto
Votei contra a decisão porquanto, essencialmente, me parece adequada uma abordagem de princípio substancialmente distinta daquela em que a mesma assenta.
Com efeito, a decisão que fez vencimento trata da mesma maneira o substituído tributário, e o substituto tributário, sendo que, a meu ver, aqueles estão em posições distintas face ao ordenamento jurídico-tributário português, justificadoras de um tratamento diferenciado.
Assim, e desde logo, afigura-se-me que a relação jurídico-tributária entre o Estado português e o substituído é uma relação de direito interno, à qual não se aplicará directamente, por isso mesmo, e ao contrário do que ocorre com o substituído, a CDT. O regime desta será, salvo melhor opinião, um pressuposto de obrigações próprias da relação jurídico-tributária interna, e não, ele próprio, o regime da relação jurídico-tributária entre o Estado português e o substituído[2].
Ao contrário, a decisão que fez vencimento, conforme o denotam várias passagens da mesma, parece entender que a fonte dos direitos e obrigações da Requerente (substituta tributária) é a CDT. E é este entendimento que subjaz ao decidido, quanto ao carácter ad probationem do formulário Mod. 21-RFI certificado, na relação jurídico-tributária entre o Estado português e a Requerente.
A meu ver, aquele certificado terá, efectivamente, a referida natureza nas relações jurídico-tributárias entre o Estado português e o substituído tributário, decorrendo essa natureza ad probationem não só da interpretação da CDT, feita pela decisão que fez vencimento, como do próprio artigo 73.º da LGT.
Não se discorda, assim, com o princípio de que, para efeitos de aplicação da CDT, o "formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças" se destina unicamente a comprovar a residência em país estrangeiro, não podendo este formulário constituir o único meio de prova apto a certificar tal residência. Mas tal será válido, unicamente, na relação entre o devedor do imposto (o substituído) e a AT[3].
Já quanto ao substituído, isso não ocorrerá, porquanto o mesmo, ao contrário do que parece subjazer à decisão que fez vencimento, o mesmo não está a ser tributado.
Ou seja: a liquidação à Requerente não dependerá de o imposto ser, ou não, devido (e muito menos de ser por ela devido), mas de a retenção na fonte dever ter sido, ou não, levada a cabo. Não se estará, portanto, a discutir no presente caso se o B… está ou não sujeito a IRC em Portugal, pelos juros que auferiu, mas apenas se a requerente tinha, ou não, de proceder à retenção na fonte, nos pagamentos que efectuou àquele.
A obrigação tributária da Requerente para com o Estado português derivará então, não de uma manifestação de capacidade contributiva sua[4], mas de uma responsabilidade pelo não cumprimento de uma obrigação tributária acessória que lhe assistia. A obrigação de retenção na fonte da Requerente funda-se assim, não da CDT (cuja aplicação não está em causa), mas, unicamente, do direito interno. A questão entre a Requerente (substituta) e a AT, será uma questão nacional. A obrigação de retenção impende sobre aquela, enquanto entidade residente, que fez um pagamento a um não residente. É uma obrigação própria da Requerente, e apenas poderá ser afastada pela apresentação do formulário, face ao teor conjugados dos n.º 2 e 6 do actual art.º 98.º[5]. Relativamente à Requerente, o formulário não se destina a fazer prova de nada; destina-se a eximi-la da obrigação de retenção, que será uma obrigação distinta e independente da do pagamento do imposto.
Em suma, na falta de formulário, a requerente tinha de reter, nos pagamentos que fez, determinado montante. E só se poderá exonerar, a posteriori, dessa obrigação, exibindo o referido formulário.
É isto, de resto, o que resulta expressamente do n.º 6 do artigo 90.º-A [6]do CIRC, na redacção dada pela Lei 67-A/2007, de 31 de Dezembro (citado, a meu ver, contra-legem, pela decisão que fez vencimento), ao dispor que:
“Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e os n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.”.
Por outro lado, não se pode deixar de ter presente a actual redacção do artigo 98.º/7 do CIRC, dada pela lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que prevê, alternativamente à certificação do formulário aprovado pelo Ministério das Finanças, a apresentação de “documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado”, e que deve ser considerada como tendo, no seu âmbito de aplicação, natureza interpretativa.
Esta norma, na sua redacção actual, reflecte, por um lado, a distinta situação do substituto e do substituído na matéria em causa, e, por outro, ao prever a possibilidade de apresentação do “documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado” – que, note-se, é o documento que a Requerente nos autos (que, recorde-se, é substituta) apresenta – apenas pelo substituído, e não pelo substituto, evidencia aquela que sempre terá sido a intenção legislativa de, relativamente a este último, e atenta a natureza da obrigação (de retenção na fonte) que lhe assiste, bem como a neutralidade económica da mesma, pretender limitar a um requisito estritamente formal, a operatividade, ou não, dessa mesma obrigação.
Afigura-se, assim, clara, a intenção legislativa de que ao substituto tributário esteja vedada a sindicância da “materialidade” dos pressupostos de aplicação da CDT. Aquele terá salvo melhor opinião, de se limitar a verificar se, face à lei, tem ou não de proceder à retenção na fonte. No caso, o substituto apenas deveria verificar se o formulário lhe é apresentado em tempo e, sendo-o, se o mesmo está, ou não, conforme, retendo, nos termos legais, se não estiver (ou se não for apresentado). A discussão da “materialidade” da aplicação da convenção, sempre salvo melhor opinião, estará legalmente reservada ao substituído, que, onerado com a retenção que entenda indevida, deverá discutir a matéria directamente com a AT.
O entendimento que fez vencimento, permitirá, desde logo, que mesmo não tendo na sua posse o documento a que se refere o artigo 98.º do CIRC, o substituto, se possuir prova[7] que, no seu juízo, demonstre a aplicabilidade da CDT, não efectue, licitamente, qualquer retenção[8]!
Tem-se por claro que as necessidades de previsibilidade e certeza subjacentes ao regime da retenção na fonte, em geral, e sobre os pagamentos a entidades não residentes, em especial, não comportam a perturbação que a doutrina decorrente da decisão que fez vencimento nele instila.
Antes, considerando-se, em suma, que:
- a posição do substituto deve ser a de, na dúvida, proceder à retenção, transferindo o ónus da discussão da legitimidade da tributação para o substituído;
- a retenção, em tempo próprio é economicamente neutra para o substituto, na medida em que é o substituído quem vê o seu rendimento subtraído do imposto retido;
- O entendimento prevalecente deverá ser o de que, relativamente ao substituído, e no quadro do actual n.º 7 do artigo 98.º do CIRC[9] as formalidades têm natureza ad probationem;
- O substituído, enquanto contribuinte do Estado estrangeiro que deverá, por norma, certificar a sua residência fiscal, e demais requisitos, não terá qualquer dificuldade considerável em obter a prova necessária a demonstrar aqueles;
não se vislumbra que sejam injustificadamente postergados quaisquer interesses legítimos ou, muito menos, direitos do substituto, assegurando-se, competentemente, e de forma proporcional e adequada, as necessidades de certeza e segurança jurídicas que o ordenamento tributário postula relativamente à matéria que diz respeito ao pagamento de rendimentos devidos a entidades não residentes.
Face ao regime legalmente vigente, poderá, então:
- haver retenção, legalmente devida e realizada, e a final, verificar-se que o imposto não era devido (caso em que o imposto indevidamente retido deverá ser restituído ao substituído, e não ao substituto),
- não haver retenção, e ter esta sido legalmente omitida, e o imposto ser, ainda assim devido (devendo, nesse caso, o imposto legalmente devido ser exigido, unicamente, ao substituído, e não ao substituto),
dessa forma se evidenciando a natureza da obrigação de imposto do substituído, enquanto essencialmente distinta da obrigação de retenção na fonte, do substituto, em termos justificativos do tratamento diferenciado que a lei lhes dispensa e que, nesta declaração, se procura reconhecer.
O entendimento que ora se propugna não será contrário à jurisprudência citada na decisão que fez vencimento, antes sendo, de um modo geral, corroborado por ela.
Assim, e quanto ao Ac. do STA de 22-06-2011, proferido no processo 0283/11, verifica-se que o mesmo se funda, nos termos do próprio sumário, na circunstância de que, ao contrário do que acontece na situação ora sub iudice, que se dá sob a vigência da redacção do CIRC dada pela Lei 67-A/2007, de 31 de Dezembro, “à data da ocorrência dos factos tributários, não existia no direito interno norma que impusesse a observância das formalidades que viriam a ser exigidas pela AF através do Despacho n.º 11701/2003, de 28/5, da Ministra de Estado e das Finanças, publicado no DR, II Série, n.º 138, de 17/6/2003”, sendo, na lógica do aresto em causa, esse o racional do entendimento de que, à data, “não se podia impor aos interessados a obrigatoriedade de utilização, nesse momento, de tais formulários.”.
O mesmo racional está subjacente à decisão dos processos 0518/09 e 0810/08[10] do STA, ambos citados igualmente na decisão vencedora, que se reportam a situações ocorridas antes da implementação do formulário, a que alude o actual artigo 98.º do CIRC[11]. Ainda assim, estas decisões não deixam de referir claramente que “quando não seja efectuada até ao termo do prazo estabelecido para o pagamento do imposto (...) a apresentação do certificado de residência fiscal da entidade beneficiária do rendimento, fica o substituto obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.”[12], e que “O regime especial de prova e o conceito de tributação sancionatória estabelecidos no artigo 90.º do CIRC não afrontam os princípios constitucionais da legalidade, igualdade, da proporcionalidade, do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, bem como da tributação de acordo com a capacidade contributiva.”[13], acrescentando-se neste último aresto que:
“De facto, perante a necessidade de salvaguardar o direito do Estado a uma eficaz cobrança dos impostos, nada justificando, no caso, o incumprimento da obrigação de retenção na fonte do IRC devido pelos beneficiários dos rendimentos, posto que estes não tinham comprovado ser fiscalmente não residentes, a medida de responsabilização do substituto tributário perfilhado no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC apresenta-se como adequada e ajustada.
Na verdade, a entidade obrigada a efectuar a retenção na fonte só deve eximir-se a tal obrigação no caso do beneficiário comprovar ser fiscalmente não residente, muito embora essa prova possa ser feita até ao termo do prazo do pagamento do imposto, daí se compreendendo a sua responsabilização pelo pagamento do imposto devido.”.
Também o citado Acórdão n.º 0732/09 do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2010, refere expressamente, inclusive na parte transcrita na decisão que fez vencimento, que “admite-se, no n.º 6, que esta responsabilidade seja afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n.º 2 a verificação dos pressupostos para dispensa de retenção”.
Para além de toda a jurisprudência citada, que se considera, quando devidamente interpretada, corroborar o entendimento em que assente a presente declaração de voto, outra existe que o reforça.
Assim, o Ac. do Pleno do STA de 24-02-2010, proferido no processo 0732/09[14], refere que:
“II – Os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido (n.º 2 do mesmo artigo).
III – Quando tal prova não seja efectuada, o substituto tributário que não tenha efectuado a retenção fica desobrigado da entrega do imposto que deveria ter sido deduzido, desde que comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.”.
De modo a não deixar dúvidas, refere-se expressamente no texto desta decisão do Pleno do STA, que “embora a não apresentação do formulário referido na alínea a) do n.º 2, pelos beneficiários dos rendimentos, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto gere as obrigações de o substituto tributário efectuar a retenção de IRC e, quando não a tiver efectuado, entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido, admite-se, no n.º 6, que esta responsabilidade seja afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n.º 2 a verificação dos pressupostos para dispensa e retenção”.
Também o Ac. do STA de 31-01-2008, proferido no processo 0888/07[15], entende que a obrigação do substituto entregar ao Estado o imposto que, indevidamente, não reteve, “não viola as referidas convenções internacionais, nem os artigos 8.º e 103.º da CRP, e muito menos os artigos 4.º e 11.º do EBF, pois as medidas para evitar a dupla tributação económica internacional e interna não são benefícios fiscais mas sim desagravamentos fiscais (exclusões fiscais ou situações de não sujeição tributária).”.
O entendimento de que, em princípio, o substituto tributário apenas se poderá eximir das obrigações que lhe assistem, demonstrando não estarem verificados os pressupostos da retenção da fonte, e, já não, ensaiando a demonstração de que o imposto não será devido pelo substituído, impor-se-á até por razões de legitimidade processual. Efectivamente, será o substituído quem, sempre salvo melhor opinião, terá legitimidade para discutir esta última questão (inexistência da obrigação de imposto), sob pena, até, do caso julgado que se forme entre substituto e AT, não abranger o substituído e, consequentemente, se gerarem decisões contraditórias.
Assim, em suma e esquematicamente, entende-se que:
è A Requerente está, em função de determinados pagamentos, obrigada a efectuar retenção na fonte;
è Essa obrigação é afastada, não se ela, no seu juízo, entender estarem reunidos os pressupostos legais para aplicação da CDT, mas se lhe for apresentado o formulário a que a lei portuguesa aplicável se reporta;
è Se não for apresentado tal formulário a obrigação de retenção na fonte não é afastada, pelo que a não retenção será ilegítima, sendo ela responsável pela entrega da quantia indevidamente não retida ao Estado português;
è Nada disto tem a ver com os pressupostos ou o regime da CDT, sendo, exclusivamente, uma relação entre o Estado Português e um seu residente;
è Do mesmo modo, a repercussão, ou não, da quantia retida na entidade beneficiária dos pagamentos, será uma questão interna entre aquela e a Requerente, a que o Estado português será alheio, notando-se que se a Requerente tivesse cumprido o seu dever de retenção, conforme estava, face à lei portuguesa, obrigada, quem suportaria o imposto era a entidade beneficiária, e seria esta quem se teria de apresentar perante o Estado português a justificar uma eventual pretensão de não-tributação;
è Tendo sido a Requerente quem falhou no cumprimento da lei (por não ter, na ausência do formulário, procedido à retenção que a lei lhe impunha), deverá ser ela a assumir os incómodos daí decorrentes (ou seja, de assegurar a repercussão da retenção que lhe é exigida na entidade beneficiária e transferir para esta o encargo de vir demonstrar que o imposto não é devido);
è A exigência da entrega do imposto não retido, em face da não apresentação do formulário devido, não constituirá a imposição à Requerente de um sacrifício demasiado oneroso e/ou injusto, na medida em que a retenção, por si, não constitui qualquer sacrifício para o substituto, já que lhe assistirá o direito de repercutir a retenção no substituído, sendo que se, por motivos que lhe são exclusivamente imputáveis (omissão da retenção quando o beneficiário dos rendimentos não lhe apresentou a documentação devida), essa repercussão se torna difícil ou onerosa, tal não será justificativo da concessão de um tratamento de favor, em contradição com lei expressa (no caso o n.º 6 do art.º 98).
*
Assim, e por todo o exposto, votei contra a decisão que fez vencimento.
Lisboa, 15-09-2016
(José Pedro Carvalho)
6
Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, S.A., com sede na Rua do …, …, …., Sala …, …, …-… …, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a), 10º nº 1 a) e 5º nº 3 a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, no montante global de € 246.206,38, bem como a anulação do acto de indeferimento da correspondente reclamação graciosa, a restituição à Requerente do valor pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios e de mora.
Subsidiariamente, peticiona ainda a Requerente a anulação parcial dos actos de liquidação impugnados, na parte correspondente ao montante de retenção em excesso efectuado relativamente aos pagamentos imputáveis ao Bank B… e a consequente restituição do valor global de € 117.915,41, acrescido dos competentes juros indemnizatórios e de juros de mora.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) A Requerente foi alvo de uma acção inspectiva por parte da Direcção de Finanças do Porto, tendo como âmbito objectivo e temporal o IRC dos exercícios de 2009, 2010 e 2011;
b) No âmbito dessa acção inspectiva concluiu-se pela existência de retenções na fonte não efectuadas correspondentes a juros pagos a entidades não residentes, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, por financiamentos obtidos junto do consórcio bancário liderado pelo C… Bank;
c) De acordo com a Requerida, em face da não apresentação, por parte da Requerente, do formulário Mod. 21-RFI, certificado pelas autoridades suecas, onde é residente o C… Bank, às retenções na fonte efectuadas seriam aplicáveis as taxas de 20%, nos exercícios de 2009 e 2010, e a taxa de 21,5%, no exercício de 2011;
d) Ainda no âmbito da acção inspectiva, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário de parte dos montantes devidos a título de retenção na fonte;
e) Já após a conclusão da acção inspectiva, a Requerente procedeu à apresentação dos formulários Mod. 21-RFI relativamente ao C… Bank e às entidades pertencentes ao consórcio bancário, D… …, E… Bank e F… bank, peticionando fossem estes certificados tidos em consideração aquando das liquidações do IRC em falta;
f) Na sequência da entrega destes formulários, a AT promoveu à revisão das liquidações de IRC relativas aos anos de 2009 a 2011, na parte respeitante às entidades em relação às quais a Requerente entregou os respectivos formulários Mod. 21-RFI;
g) Quanto às retenções relativas ao Bank B…, plc e ao E…. Bank, foi o pedido da Requerente indeferido, tendo a AT defendido ser necessário apresentar, quanto ao primeiro, o formulário Mod. 21-RFI, certificado pelas autoridades do Estado de residência e, quanto ao segundo, que seria de aplicar a taxa de retenção na fonte de 15% por ser a prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Noruega;
h) Notificada das liquidações em crise, a Requerente deduziu reclamação graciosa, defendendo verificarem-se os pressupostos previstos nas respectivas Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas entre Portugal e os Estados de residência das entidades Bank B…, plc e E… Bank;
i) Pese embora em relação à primeira das entidades não ter sido apresentado pela Requerente o formulário Mod. 21-RFI, foi apresentado um documento emitido pelas autoridades locais do Reino Unido, no qual se certifica que o Bank B…, plc foi residente no Reino Unido, na acepção constante da respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, durante os anos de 2009 a 2013;
j) A prova da residência noutro Estado Membro pode ser efectuada por outros meios que não o formulário Mod. 21-RFI, designadamente através do certificado de residência junto, não passando a apresentação do formulário Mod. 21-RFI de uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam;
k) A reclamação graciosa apresentada foi indeferida pela AT, por não ter sido apresentado pela Requerente o formulário Mod. 21-RFI relativo ao Bank B…, plc, único meio, de acordo com a AT, de provar que esta entidade é residente no Reino Unido;
l) A fundamentação expendida pela AT para indeferir a reclamação graciosa não consta do Relatório de Inspecção Tributária, não podendo a AT, em sede de reclamação graciosa, produzir novos argumentos;
m) Tendo o Relatório de Inspecção Tributária concluído pela falta de pagamento de retenções na fonte por não ter sido apresentado o formulário Mod. 21-RFI relativo ao Estado de residência do C… Bank, e tendo este formulário sido apresentado posteriormente pela Requerente, devem os actos de liquidação em crise ser anulados;
n) A apresentação do formulário Mod. 21-RFI não decorre da Convenção celebrada, pelo que a sua exigência viola o princípio da proporcionalidade e a própria Convenção, sendo por via disso inconstitucional.
A Requerente juntou oito (8) documentos, não tendo arrolado nenhuma testemunha.
No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 23 de Dezembro de 2014.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou, em síntese que na reclamação graciosa apresentada pela Requerente nada foi alegado relativamente às retenções devidas pelos juros pagos ao C… Bank, pelo que a decisão se tornou definitiva e, por via disso, inimpugnável.
Por impugnação, defendeu que:
a) apesar de os juros devidos terem sido pagos pela Requerente ao C... Bank, a verdade é que esta entidade bancária apenas recebeu estas importâncias enquanto agente das entidades que compõem o consórcio, não sendo o beneficiário efectivo e integral desses rendimentos;
b) a verificação da existência dos pressupostos previstos nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação deve ser aferida relativamente a cada uma das entidades que compõem o consórcio;
c) o certificado de residência junto pela Requerente relativamente ao Bank B… não constitui elemento probatório capaz de aferir a verificação dos pressupostos previstos na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido;
d) ademais, tal certificado de residência encontra-se redigido em língua estrangeira, não tendo sido junta pela Requerente qualquer tradução, nem tendo o certificado sido legalizado através da aposição da competente apostilha prevista no artigo 3.º da Convenção relativa à supressão da exigência da legalização dos actos públicos estrangeiros;
e) o artigo 98.º do CIRC impõe a apresentação do Mod. 21-RFI como pressuposto da aplicação de qualquer Convenção para Evitar a Dupla Tributação;
f) não tendo sido junto pela Requerente o dito formulário Mod. 21-RFI preenchido e certificado pelas autoridades do Reino Unido, nem justificada cabalmente a impossibilidade dessa apresentação, não pode ser aplicável aos juros pagos a esta entidade a Convenção para Evitar a Dupla Tributação;
g) no que diz respeito aos pagamentos efectuados ao E… Bank, sediando-se esta entidade na Noruega, e tendo sido apresentado pela Requerente o formulário Mod. 21-RFI, verificam-se os pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Noruega, pelo que a taxa de retenção na fonte aplicada foi a prevista no artigo 11.º n.º 2 da Convenção, isto é, 15%, nada havendo, quanto a esta matéria, a alterar;
h) não se verifica a existência de quaisquer elementos novos na fundamentação apresentada na decisão da reclamação graciosa por referência à fundamentação apresentada no Relatório de Inspecção Tributária;
i) a exigência de apresentação do formulário Mod. 21-RFI não viola o princípio da proporcionalidade, nem a Convenção ‘para Evitar a Dupla Tributação, não se verificando, por isso, qualquer inconstitucionalidade.
Conclui, peticionando a procedência da invocada excepção e a consequente manutenção dos actos de liquidação em crise ou, caso assim se não entenda, a improcedência do pedido, com as consequências legais.
A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado qualquer testemunha.
Em sede de resposta, a Requerente alegou que o objecto do pedido de pronúncia são os actos de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação graciosa, sendo, por isso, irrelevante os fundamentos invocados na reclamação graciosa.
Conclui, peticionando a improcedência da excepção invocada pela AT.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
As Partes apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram e desenvolveram as posições anteriormente assumidas e defendidas nos seus articulados.
II. QUESTÕES A DECIDIR:
Nos presentes autos importa determinar:
a) se, não tendo a Requerente colocado qualquer questão, quando reclamou graciosamente das liquidações efectuadas relativamente aos juros pagos ao C... Bank, podem agora ser apreciadas questões relativas a essa parte;
b) se, tendo o Relatório de Inspecção Tributária concluído pela existência de retenções na fonte em falta em face da não apresentação do formulário Mod. 21-RFI relativamente ao C... Bank, pode a AT vir a exigir posteriormente a apresentação do mesmo formulário em relação a cada uma das entidades que compõem o consórcio liderado pelo dito C... Bank;
c) se a apresentação do formulário Mod. 21-RFI é requisito essencial para a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação ou se, pelo contrário, a verificação desses pressupostos pode ser efectuada por qualquer outro meio de prova;
d) se o certificado de residência emitido pelas autoridades locais constitui meio idóneo à prova da verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.
III. MATÉRIA DE FACTO:
a. Factos provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
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Nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, foram pagos pela Requerente juros vencidos respeitantes a financiamentos contraídos junto das entidades bancárias que compunham um consórcio liderado pelo C... Bank;
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Por despacho de 23/02/2012 foi ordenada a emissão de Ordem de Serviço de Inspecção Externa de âmbito parcial, tendo como objecto o IRC dos exercícios de 2009 e 2010;
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Por despacho de 26/11/2012 foi determinado o alargamento da Ordem de Serviço emitida, passando esta a abranger também o exercício de 2011;
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A acção inspectiva decorreu entre os dias 13/09/2012 e 07/08/2013;
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Por despachos de 11/02/2013 e 20/05/2013 foram os prazos do procedimento inspectivo ampliados por dois períodos adicionais de três meses;
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No âmbito da acção inspectiva concluiu-se pela existência de retenções na fonte não efectuadas correspondentes a juros pagos a entidades não residentes, nomeadamente ao C... Bank, D…, E… Bank, F… bank e Bank B…, por financiamentos obtidos junto do consórcio bancário liderado pelo C... Bank;
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Por ofício datado de 09/08/2013, foi a Requerente notificada do projecto de Relatório de Inspecção Tributária e para, querendo, exercer o respectivo direito de audição;
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Em 28/08/2013 foram efectuados pela Requerente pagamentos dos valores correspondentes aos que seriam devidos no caso de, em relação a todas as entidades a que se refere em 6) anterior, serem aplicáveis as respectivas Convenções para Evitar a Dupla Tributação;
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Em 6/09/2013, a Requerente exerceu o respectivo direito de audição, juntando cópias dos certificados de residência do C... Bank emitidos e certificados pelas autoridades fiscais suecas, relativas aos anos de 2009 a 2011;
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Por ofício datado de 12/09/2013, foi a Requerente notificada do Relatório de Inspecção Tributária, no qual se conclui não ter sido feita prova da verificação dos pressupostos previstos na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suécia, pelo que foi considerado que as retenções na fonte de IRC sobre os juros pagos deveriam ter sido efectuadas à taxa de 20% nos anos de 2009 e de 2010 e de 21,5%, no ano 2011;
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Na sequência das conclusões do Relatório de Inspecção Tributária foram emitidas, em 17/09/2013, as liquidações de IRC n.º 2013 …, 2013 … e 2013 …, relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, respectivamente;
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Nestas liquidações foram incluídos os valores respeitantes às retenções na fonte que a AT entendeu serem devidas quanto aos pagamentos efectuados às entidades C... Bank, D… AB, … Bank, F… bank e Bank B…, aplicando-se a taxa de 20%, quanto aos exercícios de 2009 e de 2010, e de 21,5%, quanto ao exercício de 2011,
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Em 23/09/2013, 03/10/2013 e 22/10/2013, a Requerente apresentou nos Serviços da Direcção de Finanças do Porto os formulários Mod. 21-RFI devidamente certificados pelas autoridades fiscais respectivas, relativos ao C... Bank, D…, E… Bank e ao F… bank, respeitantes aos exercícios de 2009 a 2011, nos termos e com o teor constante de fls. 300 a 305 e 375 e 376 do PA junto, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
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A AT procedeu à revisão parcial das liquidações efectuadas, anulando parcialmente as retenções relativas aos pagamentos efectuados às entidades C... Bank, D…, F… bank e E… Bank;
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As liquidações em crise incluem as retenções na fonte calculadas por aplicação das taxas de 20%, nos exercícios de 2009 e 2010, e de 21,5% no exercício de 2011, relativamente aos juros pagos ao Bank B… e as retenções na fonte calculadas por aplicação de 15% relativamente aos juros pagos ao E… Bank;
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Em 17/12/2013, a Requerente procedeu ao pagamento dos valores liquidados relativamente ao E… Bank e ao Bank B…, no valor global de € 246.206,49, nas datas constantes do documento junto com a petição inicial sob o nº 7, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
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A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações emitidas respeitantes às retenções na fonte devidas pelos pagamentos efectuados ao E… Bank e ao Bank B…, juntando certificado de residência emitido pelas autoridades locais competentes do Reino Unido, no qual se certifica que o Bank B…, plc foi residente no Reino Unido, na acepção constante da respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, durante os anos de 2009 a 2013, e esteve, nesse período, sujeita a imposto incidente sobre o rendimento de pessoas colectivas, sem possibilidade de isenção;
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Por fax remetido em 14/08/2014, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT;
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Em 16/09/2014, a Requerente exerceu o direito de audição;
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Por ofício datado de 30/09/2014, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, com os fundamentos constantes do documento n.º 6 junto pela Requerente junto pela Requerente com a petição inicial.
b. Factos não provados:
Com interesse para os autos, não existe qualquer factualidade não provada.
c. Fundamentação da matéria de facto:
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos.
No que diz respeito ao certificado de residência, redigido em língua estrangeira, junto pela Requerente sob o número 8, cujo valor probatório foi colocado em causa pela Requerida, quer pelo facto de não ter sido traduzido, quer pelo facto de não ter sido legalizado, importa referir o seguinte:
Muito embora o documento junto não tenha sido acompanhado de qualquer tradução, a verdade é que se encontra redigido em língua inglesa, a qual se poderá considerar conhecida de todos os intervenientes processuais e do próprio tribunal.
Alias, os termos em que tal documento se encontra redigido não poderão deixar de se considerar “corriqueiros” nenhum conhecimento especial da língua inglesa se exigindo para a sua correcta interpretação.
Dito isto, dispõe o n.º 1 do artigo 134.º do Código de Processo Civil:
“Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente, ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte” (sublinhado nosso).
Atenta a já referida manifesta simplicidade do documento junto parece evidente não carecer o mesmo de tradução, pelo que a mesma é dispensada.
Isto posto, analisado o documento em causa, verifica-se que nele foi aposto o selo dos serviços emitentes, constituindo, por isso, documento autêntico – artigos 370.º, n.º 1 e 369.º, ambos do Código Civil.
É certo que, conforme realça a Requerida, este documento não se encontra legalizado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 440.º do Código de Processo Civil.
No entanto, conforme resulta de forma expressa do número 2 do artigo 365º do Código Civil, apenas será exigida a legalização do documento nos termos da lei processual no caso de haver “fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento”.
Aliás, tal como é hoje de forma unânime aceite e defendido pela jurisprudência, a legalização de documentos passados em país estrangeiro não é requisito da sua autenticidade, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade – neste sentido veja-se, entre outros, Acórdãos do STJ de 05DEZ2002 e 12JUL2011, processos 02B3970 e 987/10.5YRLSB.S1, ambos in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, tem a doutrina defendido que a obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, página 324; no mesmo sentido, veja-se JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2ª Edição, página 474.
Dito isto, importa verificar se, analisado o documento junto pela Requerente, se suscita alguma dúvida acerca da sua autenticidade.
E a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa: o documento em causa nenhuma dúvida suscita a este tribunal acerca da sua autenticidade.
Assim, não havendo dúvidas sobre a autenticidade deste documento, não se mostra necessário que se proceda à sua legalização nos termos da lei processual.
B. DO DIREITO
Como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, suscita a AT a questão de que:
(1) dado não ter sido atacado em sede de reclamação graciosa o segmento decisório referente ao C... Bank, A;
(2) nem ter sido atacado o despacho que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, obnubilando a materialidade inerente ao formulário apresentado, o mesmo se tornou, deste modo, horizontalmente definitivo, passando, a partir daquele momento, a ser inimpugnável, pelo que, entende a AT, deve o formulado no requerimento arbitral ser declarado improcedente nessa parte, por inimpugnável e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância, de acordo com a alínea c), do n.º 1, do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Como bem refere a Requerente, todavia, “o objeto real do pedido de pronúncia é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa,estando, assim, em crise os vícios do ato de liquidação”.
Nesse sentido, dispõe o artigo 99.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º/1 do RJAT, que “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade (…)”, conforme enumeração exemplificativa aí referida.
Assim, e como se decidiu, entre outros, no Ac. do STA de 18-05-2011, proferido no processo 0156/11[16]:
“I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
II - A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.”
Improcede, deste modo, a questão prévia suscitada pela AT.
*
A primeira questão colocada pela Requerente prende-se com o entendimento de que “Tendo os atos de liquidação aqui em crise sido fundamentados no Relatório de Inspeção Tributária na ausência de apresentação do formulário Mod. 21-RFI relativo ao C... Bank, a quem foram entregues os juros, certificado pelas autoridades fiscais suecas, e tendo esse mesmo formulário sido apresentado pela Requerente, não resta outra alternativa senão a anulação dos atos de liquidação aqui em crise.”.
Ressalvado o respeito devido, entende-se que a Requerente passa ao lado do enquadramento devido do procedimento tributário verificado.
Com efeito, a decisão do procedimento de reclamação graciosa é um acto de segundo grau, que tem por objecto o acto primário de liquidação, o qual pode, legitimamente, ser revogado, total ou parcialmente (cfr. artigo 138.º do CPA).
Ora, foi precisamente isso que se passou; a AT, confrontada com o erro de facto, evidenciado pela apresentação do Mod. 21-RFI relativo ao C... Bank, certificado pelas autoridades fiscais suecas, revogou, no quadro das suas competências legais, o acto primário de liquidação, e em sua substituição praticou o acto decisório da reclamação graciosa, nos termos dados como provados.
Assim, ao contrário do que pretende a Requerente, não se verifica a alegada circunstância de que “No âmbito da resposta à reclamação graciosa apresentada, a DFP ensaiou nova fundamentação para as liquidações em causa, distinta da fundamentação constante do Relatório de Inspeção Tributária.”.
Não se trata, evidentemente, de uma fundamentação a posteriori, mas da fundamentação do acto decisório da reclamação graciosa, que é um acto tributário autónomo susceptível de produzir efeitos jurídico-tributários próprios.
Não se verificando, assim, o “vício de fundamentação de facto e de direito” suscitado pela Requerente, na medida em que a parte a que o mesmo se refere foi revogada e substituída pelo acto decisório da reclamação graciosa, deve, nesta parte, o pedido arbitral improceder.
*
Resta assim apreciar se, para aplicação da CDT com o Reino Unido, relativamente aos pagamentos de juros imputáveis ao Bank B…, é imprescindível a apresentação do formulário Mod. 21-RFI, como sustenta a AT, ou se é suficiente a declaração emitida pelas autoridades fiscais do Reino Unido, a que se refere o ponto 17 dos factos dados como provados, como pretende a Requerente.
A este propósito, sustenta a AT que “o despacho n.º 4743-A/2008, de 8/2, do Ministro das Finanças, aprovou os modelos de formulários para comprovação dos pressupostos de que depende a aplicação das convenções sobre dupla tributação internacional, destinados a solicitar a dispensa total ou parcial de retenção na fonte. Neste seguimento, existindo no direito interno uma norma como a do artigo 98.º do CIRC, que impõe a observância da apresentação do Modelo 21-RFI, não subsistem dúvidas de que, para accionar uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, é indispensável a utilização do formulário de modelo oficial.”
Mais nota a AT, que “o Reino Unido não consta da lista de países que comunicou a impossibilidade de certificar os formulários modelo 21 RFI, conforme resulta do site da AT”.
E acrescenta que “o dito formulário contém campos específicos que permitem comprovar e certificar que determinada entidade é não residente em território português, bem como permite a certificação de outras informações que, de resto, se encontram elencadas na lei interna:
a) Identificação do beneficiário efectivo dos pagamentos imputáveis à sociedade pagadora;
b) Identificação da natureza dos rendimentos em questão;
c) Confirmação da existência ou não de estabelecimento estável em território português;
d) Confirmação da participação igual ou superior a 10% no capital social da entidade devedora;
e) Identificação do intermediário financeiro não residente em território português;”
Conclui a AT que a não apresentação do certificado “impossibilita que a Requerente possa gozar da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido”.
Vejamos.
*
Dispunha o artigo 90º-A do CIRC e o actual artigo 98.º do mesmo código:
“1- Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
2 — Nas situações referidas no número anterior, bem como na alínea g) do n.º 4 do artigo 87.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:
a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência: (...)”.
Ora, in casu, verifica-se que, para prova da dispensa da obrigação de efectuar a retenção na fonte respeitante aos juros pagos, a Requerente apresentou nos respectivos serviços os formulários Mod. 21-RFI devidamente certificados pelas autoridades fiscais dos Estados de residência de todas as entidades beneficiárias dos rendimentos, à excepção do relativo ao Bank B…, plc.
No que diz respeito ao Bank B…, plc, a Requerente apenas entregou, juntamente com a reclamação graciosa apresentada, certificado de residência emitido pelas autoridades legais competentes do Reino Unido, comprovativo de que o Bank B…, plc foi residente no Reino Unido, na acepção constante da respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, durante os anos de 2009 a 2013, e esteve, nesse período, sujeito a imposto incidente sob o rendimento de pessoas colectivas, sem possibilidade de isenção.
Não tendo a Requerente apresentado o formulário Mod. 21-RFI, exigido pela AT, impõe-se analisar se a apresentação deste formulário se considera um requisito essencial para a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação ou se, pelo contrário, a sua verificação pode ser efectuada por qualquer outro meio de prova.
Conforme tem vindo a ser maioritariamente defendido pela jurisprudência, a apresentação do formulário Mod. 21-RFI é uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam, pelo que a prova da residência noutro Estado poderá ser efectuada por qualquer outro meio idóneo que não única e exclusivamente o sobredito formulário.
Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0283/11, de 22JUN2011, disponível em www.dgsi.pt, no qual se considera que:
“III - Estes formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, sendo a prova de residência um mero requisito “ad probationem”, já que a certificação de residência é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efectiva verificação dos respectivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência.
IV - Assim, ainda que não correspondendo ao modelo oficial actual, atestando os certificados de residência apresentados a residência, e mostrando-se certificados pela autoridade fiscal respectiva, devem os mesmos ser aceites pela AF como prova efectiva da residência dessas entidades” (sublinhado nosso).
Entende-se, por isso, não se encontrar a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação exclusivamente dependente da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, podendo a prova desses pressupostos ser feita por qualquer outro meio.
Assente que está a possibilidade de a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT ser efectuada por qualquer meio idóneo, e não apenas através da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, vejamos, agora, se o certificado de residência junto pela Requerente constitui meio idóneo a tal prova.
Neste sentido, prescrevem os números 1 e 2 do artigo 11.º da Convenção em análise:
“1) Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2) No entanto, esses juros podem ser tributados no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado; mas, quando o residente do outro Estado Contratante está nele sujeito a imposto por esses juros, o imposto assim estabelecido no Estado primeiramente mencionado não excederá 10 por cento do montante dos juros.” (sublinhado nosso).
Assim, para que a CDT seja aplicável à hipótese dos autos, será necessário a prova de que (i) o Bank B… é residente no Reino Unido e (ii) o Bank B… está sujeito, no Reino Unido, a imposto pelos juros pagos pela Requerente.
E essa prova foi feita, conforme resulta dos factos provados – ponto 17 -, através do certificado de residência emitido pelas autoridades locais competentes do Reino Unido, comprovativo, ademais, que a entidade em causa esteve, nos períodos de 2009 a 2013, sujeita no Reino Unido a imposto incidente sobre o rendimento de pessoas colectivas, sem possibilidade de isenção.
Note-se, inclusive, que o certificado de residência junto acaba por dar cabal cumprimento aos objectivos pretendidos com a apresentação do formulário Mod. 21-RFI, isto é, a prova de residência fiscal da entidade beneficiária dos rendimentos sujeitos a tributação noutro Estado Contratante.
Tanto assim é que, à semelhança do campo “III - Certificação das Autoridades Fiscais Competentes do Estado de Residência do Beneficiário Efectivo” do respectivo formulário, o certificado de residência junto declara exactamente o mesmo que o formulário, isto é, que a entidade beneficiária dos rendimentos é residente fiscal no Reino Unido, para os efeitos do disposto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, nos anos de 2009 a 2013, tendo estado aí sujeito a esse imposto durante o indicado período.
Nem se diga, como faz a Requerida, que o formulário Mod. 21-RFI contém outras informações para além das que contém o certificado de residência junto pela Requerente.
É certo que o formulário Mod. 21-RFI contém outros elementos não elencados no certificado de residência junto, designadamente, (i) quanto aos créditos: a sua natureza, data da constituição e valor; (ii) quanto ao beneficiário: informação sobre existência ou não de estabelecimento estável em Portugal; confirmação de participação no capital social ou órgãos sociais da devedora e assinatura; e (iii) identificação da devedora.
Mas serão estes elementos essenciais à verificação dos pressupostos previstos na CDT? Parece evidente que não.
Com efeito, o único elemento essencial e não constante do certificado de residência junto seria a identificação da natureza dos créditos, por forma a determinar qual o regime previsto na CDT aplicável.
No caso dos autos, porém, à data das liquidações impugnadas, já a Requerida estava na posse desse elemento, do qual tomou conhecimento no âmbito da acção inspectiva.
Encontram-se, assim, verificados os pressupostos de que o artigo 11º da CDT faz depender a possibilidade da sua aplicação.
E isto, note-se, pese embora o actual artigo 98º nº 2 do CIRC (bem como o anterior 90º-A nº 2) preveja que a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT seja efectuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, estipulando o nº 5 do mesmo artigo que, não sendo efectuada a respectiva prova, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
É que, conforme resulta expressamente do nº 6 do mesmo preceito, a responsabilidade a que se alude no número anterior (isto é, a responsabilidade pela entrega da totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei) pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
Prevê, assim, este número 6, que a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT pode ser efectuada posteriormente, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional.
Significa isto que, pese embora a Requerente não tenha feito a prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT no prazo legalmente fixado, nem por isso fica obrigada a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei, atento o facto de ter feito esta prova posteriormente.
Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão n.º 0732/09 do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2010, disponível em www.dgsi.pt:
“Como resulta destas disposições, embora a não apresentação do formulário referido na alínea a) do n.º 2, pelos beneficiários dos rendimentos, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto gere as obrigações de o substituto tributário efectuar a retenção de IRC e, quando não a tiver efectuado, entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido, admite-se, no n.º 6, que esta responsabilidade seja afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n.º 2 a verificação dos pressupostos para dispensa de retenção”.
No mesmo sentido, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão n.º 0518/09, de 21OUT2009, disponível em www.dgsi.pt, que, tendo resultado provado que a impugnante juntou aos autos certificados de residência fiscal emitidos pelas autoridades fiscais dos países das sociedades beneficiárias dos rendimentos, se encontram reunidos os requisitos previstos nos citados incisos normativos para afastar a responsabilidade do substituto tributário pela falta de entrega da totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.
Da mesma forma, resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0810/08, de 21JAN2009, disponível em www.dgsi.pt, que tendo sido juntos aos autos certificados de residência fiscal emitidos pelas autoridades fiscais dos respectivos países relativos às sociedades beneficiárias dos rendimentos pagos, se encontrava consequentemente afastado o dever de entrega da totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido. Facto que por si só fazia desaparecer da ordem jurídica o pressuposto de responsabilidade jurídico-tributária que conferia legalidade à liquidação adicional impugnada.
De modo que, ao juntar o certificado de residência relativo ao Bank B…, emitido pelas autoridades locais competentes do Reino Unido, comprovativo de que esta entidade, durante os exercícios de 2009 a 2013, foi aí residente e aí sujeito a imposto sobre rendimento, sem possibilidade de isenção, a Requerente logrou ilidir a responsabilidade pela entrega do imposto, a que alude o número 5 do artigo 98º do CIRC (e o número 5 do anterior 90º-A).
Em face do exposto, pese embora à data das liquidações efectuadas não tivesse a Requerida elementos que lhe permitissem concluir pela verificação, quanto aos juros pagos ao Bank B…, dos pressupostos previstos na CDT, o certo é que, tendo, posteriormente às liquidações, a Requerente apresentado o certificado de residência a que se alude supra, desapareceu da ordem jurídica o pressuposto de responsabilidade jurídico-tributária que conferiu legalidade às liquidações impugnadas, pelo que se impõe a respectiva anulação, nesta parte – neste sentido, veja-se Acórdão do STA de 21JAN2009, já citado.
Importa agora analisar se assiste razão à Requerente no que diz respeito à taxa que defende ser aplicável às retenções na fonte pelos juros pagos ao E… Bank.
Quanto a estes juros, defende a Requerente ser aplicável a taxa de 10%, por ser a prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suécia, e não a taxa de 15%, prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Noruega.
Isto porque, de acordo com a Requerente, fazendo o E… Bank parte de um consórcio sediado na Suécia, seria aplicável aos juros pagos a esta entidade a CDT celebrada entre Portugal e o país da sede do consórcio bancário, isto é, a Suécia.
Mas sem razão, como veremos.
Na verdade, para efeitos de aplicação da CDT, o que importa é saber qual a entidade efectivamente beneficiária dos rendimentos pagos pela Requerente.
No caso dos autos, resultou provado – cfr. ponto 6 - que os rendimentos devidos a título de juros foram pagos não ao consórcio liderado pelo C... Bank, sediado na Suécia, mas sim a cada uma das entidades que o compõem.
Assim, para efeitos da determinação da CDT aplicável, terá de se tomar em consideração o país da sede de cada uma dessas entidades.
No caso, o E… Bank, , conforme resulta de forma expressa do formulário Mod. 21-RFI de fls. 304 e 305 do PA, tem sede na Noruega, pelo que aos rendimentos pagos a esta entidade apenas poderá ser aplicável a convenção celebrada com este país e não a convenção celebrada com a Suécia.
Pelo que não assiste, neste ponto, razão à Requerente, não devendo, em consequência, as liquidações impugnadas ser anuladas, nesta parte.
Importa, por último, conhecer do pedido formulado pela Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.
A questão sobre o eventual pagamento destes juros apenas se coloca na parte respeitante às liquidações anuladas, já que em relação à parte não anulada das liquidações, nunca teria a Requerida direito ao recebimento de quaisquer juros.
A este propósito, dispõe o nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária:
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No caso dos autos, conforme resulta do supra exposto, à data da elaboração das liquidações impugnadas (17/09/2013), não dispunha a AT de quaisquer elementos que lhe permitissem não liquidar o imposto devido pelos juros pagos ao Bank B… à taxa em que o fez.
Isto porque a Requerente apenas fez a junção do certificado de residência relativo ao Bank B… após a elaboração das liquidações, concretamente aquando da apresentação da reclamação graciosa.
Assim, não poderá defender-se terem sido as liquidações impugnadas determinadas por errada aplicação da lei ou erro imputável aos serviços. Ao invés, as liquidações foram efectuadas com base num pressuposto (inexistência de prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT) que à data existia e que, por facto não imputável à AT, entretanto desapareceu (aquando da apresentação, por parte da Requerente, do certificado de residência respeitante ao Bank B…).
Improcede, pois, a peticionada condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Em face do exposto, devem as liquidações impugnadas ser parcialmente anuladas, na parte correspondente ao montante de retenção em excesso efectuado relativamente aos pagamentos efectuados ao Bank B…, plc com a consequente restituição do valor global de € 117.915,41, acrescido dos competentes juros de mora.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas impugnadas, com a sua consequente anulação, na parte respeitante às retenções devidas pelos juros pagos ao Bank B…;
b) Condenar a AT a proceder ao reembolso à Requerente do valor indevidamente pago, no montante de € 117.915,41, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da apresentação da reclamação graciosa até integral restituição das quantias pagas;
c) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
d) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se em €2.052,03 a parte a cargo da AT, e em €2.231,97, a parte a cargo da Requerente.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 246.206,38, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes, na proporção dos respectivos decaimentos, acima fixada.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Junho de 2015.
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - vencido)
O Árbitro Vogal,
(Alberto Amorim Pereira)
O Árbitro Vogal
(Carlos Lobo)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.
Declaração de Voto
Votei contra a decisão porquanto, essencialmente, me parece adequada uma abordagem de princípio substancialmente distinta daquela em que a mesma assenta.
Com efeito, a decisão que fez vencimento trata da mesma maneira o substituído tributário, e o substituto tributário, sendo que, a meu ver, aqueles estão em posições distintas face ao ordenamento jurídico-tributário português, justificadoras de um tratamento diferenciado.
Assim, e desde logo, afigura-se-me que a relação jurídico-tributária entre o Estado português e o substituído é uma relação de direito interno, à qual não se aplicará directamente, por isso mesmo, e ao contrário do que ocorre com o substituído, a CDT. O regime desta será, salvo melhor opinião, um pressuposto de obrigações próprias da relação jurídico-tributária interna, e não, ele próprio, o regime da relação jurídico-tributária entre o Estado português e o substituído[17].
Ao contrário, a decisão que fez vencimento, conforme o denotam várias passagens da mesma, parece entender que a fonte dos direitos e obrigações da Requerente (substituta tributária) é a CDT. E é este entendimento que subjaz ao decidido, quanto ao carácter ad probationem do formulário Mod. 21-RFI certificado, na relação jurídico-tributária entre o Estado português e a Requerente.
A meu ver, aquele certificado terá, efectivamente, a referida natureza nas relações jurídico-tributárias entre o Estado português e o substituído tributário, decorrendo essa natureza ad probationem não só da interpretação da CDT, feita pela decisão que fez vencimento, como do próprio artigo 73.º da LGT.
Não se discorda, assim, com o princípio de que, para efeitos de aplicação da CDT, o "formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças" se destina unicamente a comprovar a residência em país estrangeiro, não podendo este formulário constituir o único meio de prova apto a certificar tal residência. Mas tal será válido, unicamente, na relação entre o devedor do imposto (o substituído) e a AT[18].
Já quanto ao substituído, isso não ocorrerá, porquanto o mesmo, ao contrário do que parece subjazer à decisão que fez vencimento, o mesmo não está a ser tributado.
Ou seja: a liquidação à Requerente não dependerá de o imposto ser, ou não, devido (e muito menos de ser por ela devido), mas de a retenção na fonte dever ter sido, ou não, levada a cabo. Não se estará, portanto, a discutir no presente caso se o Bank B… está ou não sujeito a IRC em Portugal, pelos juros que auferiu, mas apenas se a requerente tinha, ou não, de proceder à retenção na fonte, nos pagamentos que efectuou àquele.
A obrigação tributária da Requerente para com o Estado português derivará então, não de uma manifestação de capacidade contributiva sua[19], mas de uma responsabilidade pelo não cumprimento de uma obrigação tributária acessória que lhe assistia. A obrigação de retenção na fonte da Requerente funda-se assim, não da CDT (cuja aplicação não está em causa), mas, unicamente, do direito interno. A questão entre a Requerente (substituta) e a AT, será uma questão nacional. A obrigação de retenção impende sobre aquela, enquanto entidade residente, que fez um pagamento a um não residente. É uma obrigação própria da Requerente, e apenas poderá ser afastada pela apresentação do formulário, face ao teor conjugados dos n.º 2 e 6 do actual art.º 98.º[20]. Relativamente à Requerente, o formulário não se destina a fazer prova de nada; destina-se a eximi-la da obrigação de retenção, que será uma obrigação distinta e independente da do pagamento do imposto.
Em suma, na falta de formulário, a requerente tinha de reter, nos pagamento que fez, determinado montante. E só se poderá exonerar, a posteriori, dessa obrigação, exibindo o referido formulário.
É isto, de resto, o que resulta expressamente do n.º 6 do artigo 90.º-A [21]do CIRC, na redacção dada pela Lei 67-A/2007, de 31 de Dezembro (citado, a meu ver, contra-legem, pela decisão que fez vencimento), ao dispor que:
“Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e os n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.”.
Por outro lado, não se pode deixar de ter presente a actual redacção do artigo 98.º/7 do CIRC, dada pela lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que prevê, alternativamente à certificação do formulário aprovado pelo Ministério das Finanças, a apresentação de “documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado”, e que deve ser considerada como tendo, no seu âmbito de aplicação, natureza interpretativa.
Esta norma, na sua redacção actual, reflecte, por um lado, a distinta situação do substituto e do substituído na matéria em causa, e, por outro, ao prever a possibilidade de apresentação do “documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado” – que, note-se, é o documento que a Requerente nos autos (que, recorde-se, é substituta) apresenta – apenas pelo substituído, e não pelo substituto, evidencia aquela que sempre terá sido a intenção legislativa de, relativamente a este último, e atenta a natureza da obrigação (de retenção na fonte) que lhe assiste, bem como a neutralidade económica da mesma, pretender limitar a um requisito estritamente formal, a operatividade, ou não, dessa mesma obrigação.
Afigura-se, assim, clara, a intenção legislativa de que ao substituto tributário esteja vedada a sindicância da “materialidade” dos pressupostos de aplicação da CDT. Aquele terá, salvo melhor opinião, de se limitar a verificar se, face à lei, tem ou não de proceder à retenção na fonte. No caso, o substituto apenas deveria verificar se o formulário lhe é apresentado em tempo e, sendo-o, se o mesmo está, ou não, conforme, retendo, nos termos legais, se não estiver (ou se não for apresentado). A discussão da “materialidade” da aplicação da convenção, sempre salvo melhor opinião, estará legalmente reservada ao substituído, que, onerado com a retenção que entenda indevida, deverá discutir a matéria directamente com a AT.
O entendimento que fez vencimento, permitirá, desde logo, que mesmo não tendo na sua posse o documento a que se refere o artigo 98.º do CIRC, o substituto, se possuir prova[22] que, no seu juízo, demonstre a aplicabilidade da CDT, não efectue, licitamente, qualquer retenção[23]!
Tem-se por claro que as necessidades de previsibilidade e certeza subjacentes ao regime da retenção na fonte, em geral, e sobre os pagamentos a entidades não residentes, em especial, não comportam a perturbação que a doutrina decorrente da decisão que fez vencimento nele instila.
Antes, considerando-se, em suma, que:
- a posição do substituto deve ser a de, na dúvida, proceder à retenção, transferindo o ónus da discussão da legitimidade da tributação para o substituído;
- a retenção, em tempo próprio é economicamente neutra para o substituto, na medida em que é o substituído quem vê o seu rendimento subtraído do imposto retido;
- O entendimento prevalecente deverá ser o de que, relativamente ao substituído, e no quadro do actual n.º 7 do artigo 98.º do CIRC[24] as formalidades têm natureza ad probationem;
- O substituído, enquanto contribuinte do Estado estrangeiro que deverá, por norma, certificar a sua residência fiscal, e demais requisitos, não terá qualquer dificuldade considerável em obter a prova necessária a demonstrar aqueles;
Não se vislumbra que sejam injustificadamente postergados quaisquer interesses legítimos ou, muito menos, direitos do substituto, assegurando-se, competentemente, e de forma proporcional e adequada, as necessidades de certeza e segurança jurídicas que o ordenamento tributário postula relativamente à matéria que diz respeito ao pagamento de rendimentos devidos a entidades não residentes.
Face ao regime legalmente vigente, poderá, então:
- haver retenção, legalmente devida e realizada, e a final, verificar-se que o imposto não era devido (caso em que o impostos indevidamente retido deverá ser restituído ao substituído, e não ao substituto),
- não haver retenção, e ter esta sido legalmente omitida, e o imposto ser, ainda assim devido (devendo, nesse caso, o imposto legalmente devido ser exigido, unicamente, ao substituído, e não ao substituto),
dessa forma se evidenciando a natureza da obrigação de imposto do substituído, enquanto essencialmente distinta da obrigação de retenção na fonte, do substituto, em termos justificativos do tratamento diferenciado que a lei lhes dispensa e que, nesta declaração, se procura reconhecer.
O entendimento que ora se propugna não será contrário à jurisprudência citada na decisão que fez vencimento, antes sendo, de um modo geral, corroborado por ela.
Assim, e quanto ao Ac. do STA de 22-06-2011, proferido no processo 0283/11, verifica-se que o mesmo se funda, nos termos do próprio sumário, na circunstância de que, ao contrário do que acontece na situação ora sub iudice, que se dá sob a vigência da redacção do CIRC dada pela Lei 67-A/2007, de 31 de Dezembro, “à data da ocorrência dos factos tributários, não existia no direito interno norma que impusesse a observância das formalidades que viriam a ser exigidas pela AF através do Despacho n.º 11701/2003, de 28/5, da Ministra de Estado e das Finanças, publicado no DR, II Série, n.º 138, de 17/6/2003”, sendo, na lógica do aresto em causa, esse o racional do entendimento de que, à data, “não se podia impor aos interessados a obrigatoriedade de utilização, nesse momento, de tais formulários.”.
O mesmo racional está subjacente à decisão dos processos 0518/09 e 0810/08[25] do STA, ambos citados igualmente na decisão vencedora, que se reportam a situações ocorridas antes da implementação do formulário, a que alude o actual artigo 98.º do CIRC[26]. Ainda assim, estas decisões não deixam de referir claramente que “quando não seja efectuada até ao termo do prazo estabelecido para o pagamento do imposto (...) a apresentação do certificado de residência fiscal da entidade beneficiária do rendimento, fica o substituto obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.”[27], e que “O regime especial de prova e o conceito de tributação sancionatória estabelecidos no artigo 90.º do CIRC não afrontam os princípios constitucionais da legalidade, igualdade, da proporcionalidade, do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, bem como da tributação de acordo com a capacidade contributiva.”[28], acrescentando-se neste último aresto que:
“De facto, perante a necessidade de salvaguardar o direito do Estado a uma eficaz cobrança dos impostos, nada justificando, no caso, o incumprimento da obrigação de retenção na fonte do IRC devido pelos beneficiários dos rendimentos, posto que estes não tinham comprovado ser fiscalmente não residentes, a medida de responsabilização do substituto tributário perfilhado no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC apresenta-se como adequada e ajustada.
Na verdade, a entidade obrigada a efectuar a retenção na fonte só deve eximir-se a tal obrigação no caso do beneficiário comprovar ser fiscalmente não residente, muito embora essa prova possa ser feita até ao termo do prazo do pagamento do imposto, daí se compreendendo a sua responsabilização pelo pagamento do imposto devido.”.
Também o citado Acórdão n.º 0732/09 do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2010, refere expressamente, inclusive na parte transcrita na decisão que fez vencimento, que “admite-se, no n.º 6, que esta responsabilidade seja afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n.º 2 a verificação dos pressupostos para dispensa de retenção”.
Para além de toda a jurisprudência citada, que se considera, quando devidamente interpretada, corroborar o entendimento em que assente a presente declaração de voto, outra existe que o reforça.
Assim, o Ac. do Pleno do STA de 24-02-2010, proferido no processo 0732/09[29], refere que:
“II – Os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido (n.º 2 do mesmo artigo).
III – Quando tal prova não seja efectuada, o substituto tributário que não tenha efectuado a retenção fica desobrigado da entrega do imposto que deveria ter sido deduzido, desde que comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.”.
De modo a não deixar dúvidas, refere-se expressamente no texto desta decisão do Pleno do STA, que “embora a não apresentação do formulário referido na alínea a) do n.º 2, pelos beneficiários dos rendimentos, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto gere as obrigações de o substituto tributário efectuar a retenção de IRC e, quando não a tiver efectuado, entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido, admite-se, no n.º 6, que esta responsabilidade seja afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n.º 2 a verificação dos pressupostos para dispensa e retenção”.
Também o Ac. do STA de 31-01-2008, proferido no processo 0888/07[30], entende que a obrigação do substituto entregar ao Estado o imposto que, indevidamente, não reteve, “não viola as referidas convenções internacionais, nem os artigos 8.º e 103.º da CRP, e muito menos os artigos 4.º e 11.º do EBF, pois as medidas para evitar a dupla tributação económica internacional e interna não são benefícios fiscais mas sim desagravamentos fiscais (exclusões fiscais ou situações de não sujeição tributária).”.
O entendimento de que, em princípio, o substituto tributário apenas se poderá eximir das obrigações que lhe assistem, demonstrando não estarem verificados os pressupostos da retenção da fonte, e, já não, ensaiando a demonstração de que o imposto não será devido pelo substituído, impor-se-á até por razões de legitimidade processual. Efectivamente, será o substituído quem, sempre salvo melhor opinião, terá legitimidade para discutir esta última questão (inexistência da obrigação de imposto), sob pena, até, do caso julgado que se forme entre substituto e AT, não abranger o substituído e, consequentemente, se gerarem decisões contraditórias.
Assim, em suma e esquematicamente, entende-se que:
è A Requerente está, em função de determinados pagamentos, obrigada a efectuar retenção na fonte;
è Essa obrigação é afastada, não se ela, no seu juízo, entender estarem reunidos os pressupostos legais para aplicação da CDT, mas se lhe for apresentado o formulário a que a lei portuguesa aplicável se reporta;
è Se não for apresentado tal formulário a obrigação de retenção na fonte não é afastada, pelo que a não retenção será ilegítima, sendo ela responsável pela entrega da quantia indevidamente não retida ao Estado português;
è Nada disto tem a ver com os pressupostos ou o regime da CDT, sendo, exclusivamente, uma relação entre o Estado Português e um seu residente;
è Do mesmo modo, a repercussão, ou não, da quantia retida na entidade beneficiária dos pagamentos, será uma questão interna entre aquela e a Requerente, a que o Estado português será alheio, notando-se que se a Requerente tivesse cumprido o seu dever de retenção, conforme estava, face à lei portuguesa, obrigada, quem suportaria o imposto era a entidade beneficiária, e seria esta quem se teria de apresentar perante o Estado português a justificar uma eventual pretensão de não-tributação;
è Tendo sido a Requerente quem falhou no cumprimento da lei (por não ter, na ausência do formulário, procedido à retenção que a lei lhe impunha), deverá ser ela a assumir os incómodos daí decorrentes (ou seja, de assegurar a repercussão da retenção que lhe é exigida na entidade beneficiária e transferir para esta o encargo de vir demonstrar que o imposto não é devido);
è A exigência da entrega do imposto não retido, em face da não apresentação do formulário devido, não constituirá a imposição à Requerente de um sacrifício demasiado oneroso e/ou injusto, na medida em que a retenção, por si, não constitui qualquer sacrifício para o substituto, já que lhe assistirá o direito de repercutir a retenção no substituído, sendo que se, por motivos que lhe são exclusivamente imputáveis (omissão da retenção quando o beneficiário dos rendimentos não lhe apresentou a documentação devida), essa repercussão se torna difícil ou onerosa, tal não será justificativo da concessão de um tratamento de favor, em contradição com lei expressa (no caso o n.º 6 do art.º 98).
*
Não subscrevo a decisão que fez vencimento, também em matéria de custas, na medida em que concluindo pela procedência parcial do pedido, e condenando a AT em € 117.915,41, dos € 246.206,38 pedidos, e que dão valor à causa, me parece, face aos critérios aplicáveis e indicados na própria decisão, que as custas deveriam ser distribuídas pelas partes na proporção do respectivo decaimento.
*
Assim, e por todo o exposto, votei contra a decisão que fez vencimento.
Lisboa, 16-06-2015
(José Pedro Carvalho)
[2] Cfr. Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, 2.ª Ed. Actualizada, Almedina, 2011, p. 521: “é necessário recnhecer que também existe um relação jurídica entre o contribuinte (substituído) e o Fisco”.
[4] Cfr. neste sentido, Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, 2.ª Ed. Actualizada, Almedina, 2011, p. 516: “Sujeito passivo do imposto retido na fonte sobre residentes no estrangeiro, são as pessoas singulares ou colectivas, não residentes em Portugal, que sejam titulares do rendimento obtido em território nacional, isto é, os verdadeiros titulares de capacidade contributiva, em relação aos quais se verificam os respectivos pressupostos (...) É o caso do credor de juros de empréstimo externo...”.
[5] Correspondente ao artigo 90.º-A na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[6] Correspondente ao artigo 98.º, após a renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[7] Inclusive, e nada resultando em contrário da decisão que fez vencimento, testemunhal.
[8] Com consequências potencialmente perniciosas ao nível de caducidades e prescrições relativamente ao substituído.
[9] Correspondente ao artigo 90.º-A na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[10] Sendo certo que este se reporta, em primeira linha, ao artigo 90.º do CIRC, e não ao artigo 90.º-A, que corresponde ao actual 98.º e que é o que está em causa nos presentes autos. Com efeito, o artigo 90.º referido não impunha a apresentação de qualquer formulário certificado.
[11] Correspondente ao artigo 90.º-A na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[12] Cfr. processo 0518/08, citado.
[13] Cfr. processo 0810/08, citado.
[14] Disponível em www.dgsi.pt.
[15] Disponível em www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, 2.ª Ed. Actualizada, Almedina, 2011, p. 521: “é necessário recnhecer que também existe um relação jurídica entre o contribuinte (substituído) e o Fisco”.
[19] Cfr. neste sentido, Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, 2.ª Ed. Actualizada, Almedina, 2011, p. 516: “Sujeito passivo do imposto retido na fonte sobre residentes no estrangeiro, são as pessoas singulares ou colectivas, não residentes em Portugal, que sejam titulares do rendimento obtido em território nacional, isto é, os verdadeiros titulares de capacidade contributiva, em relação aos quais se verificam os respectivos pressupostos (...) É o caso do credor de juros de empréstimo externo...”.
[20] Correspondente ao artigo 90.º-A na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[21] Correspondente ao artigo 98.º, após a renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[22] Inclusive, e nada resultando em contrário da decisão que fez vencimento, testemunhal.
[23] Com consequências potencialmente perniciosas ao nível de caducidades e prescrições relativamente ao substituído.
[24] Correspondente ao artigo 90.º-A na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[25] Sendo certo que este se reporta, em primeira linha, ao artigo 90.º do CIRC, e não ao artigo 90.º-A, que corresponde ao actual 98.º e que é o que está em causa nos presentes autos. Com efeito, o artigo 90.º referido não impunha a apresentação de qualquer formulário certificado.
[26] Correspondente ao artigo 90.º-A na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei no 159/2009, de 13 de Julho.
[27] Cfr. processo 0518/08, citado.
[28] Cfr. processo 0810/08, citado.
[29] Disponível em www.dgsi.pt.
[30] Disponível em www.dgsi.pt.