Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 705/2014-T
Data da decisão: 2015-03-30   
Valor do pedido: € 12.493,10
Tema: IS - Verba 28.1. da TGIS - Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral [1]

 

Requerente – A…, …, Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de Janeiro de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.      A…, …, Lda. (doravante designada por “Requerente”), com sede na …, nº …, … Lisboa, pessoa colectiva nº …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 8 de Outubro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.   A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se digne considerar os seguintes pedidos:

 

1.2.1.     “O reconhecimento da ilegalidade das liquidações de IS (verba 28.1. TGIS) nºs 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 … e 2013 …, e a consequente reposição da legalidade, as quais perfazem o montante total de EUR 12.493,10 (…), dada a grave ilegalidade de que padecem (…)”;

1.2.2.     “Condenar a Autoridade Tributária ao reembolso de todos os valores liquidados, que perfazem o montante total de EUR 12.493,10 (…)”;

1.2.3.     “Condenar a Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data de pagamento dos actos tributários até à devolução integral do valor liquidado nos referidos actos”.

_______________

1.3.   O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida, em 9 de Outubro de 2014.

 

1.4.   A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.   Em 27 de Novembro de 2014, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 8 de Janeiro de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.   Em 9 de Fevereiro de 2015 a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “tudo visto, temos, necessariamente, de concluir que os actos tributários em causa, em  termos de substância, não violaram, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos”.

 

1.8.      Adicionalmente, na Resposta apresentada pela Requerida, estava incluído um pedido de “dispensa da reunião arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, assim como da produção de alegações”.

 

1.9.      Assim, foi a Requerente notificada do despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 10 de Fevereiro de 2015, para se pronunciar, em 5 dias, sobre o teor do pedido de dispensa referido no ponto anterior, nada tem dito a Requerente relativamente ao teor daquele pedido de dispensa.

 

1.10.   Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 25 de Fevereiro de 2015, foram notificadas a Requerente e a Requerida para “por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente”.

 

1.11.   Foi ainda designado, no despacho referido no ponto anterior, o dia 30 de Março de 2015, para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”, o que veio a efectuar em 26 de Março de 2015.

 

2.      CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.   “A Requerente é uma sociedade de habitações com sede na Rua …, nº …, em Lisboa, sendo proprietária de um prédio em propriedade total constituído por Rés­do-Chão e 3 andares (…), sito na Rua …, nº …, em Lisboa”, “com 16 unidades independentes, suscepíveis de utilização independente”.

 

2.2.   “A Requerente foi, em Julho de 2013, notificada para liquidação do Imposto de Selo (…) relativa a verba 28.1. da TGIS, porquanto, considerou a Autoridade Tributária (…) aplicar tal verba ao prédio da Requerente”, tendo entendido “fazer o somatório das 16 unidades independentes, alcançando assirn, um VPT superior a
EUR 1.000.000,00”, pois neste caso o valor ascendeu a “EUR 1.249.310,00
”.

 

2.3.   Ou seja, “ a AT decidiu aplicar os presentes actos tributários (…) apesar do prédio ser composto de 16 unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum (…)”.

 

2.4.   “O supramencionado somatório das 16 fracções permitiu à AT aplicar a taxa de 1% sobre o VPT do prédio (…) e, consequentemente, foi a Requerente notificada para, até ao final do mês de Dezembro de 2013, efectuar o pagamento dos seguintes actos de liquidação, relativos a IS 2013 (…)”:

 

2.4.1.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inserito na matriz U-…-RC EA [anteriormente U-… RC EA (…) da  freguesia  de ...], no valor total de EUR 781,70”;

2.4.2.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-RC DC [anteriormente U-… RC DC (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 417,80”;

2.4.3.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-RC D [anteriormente U-… RC D (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 417,80”;

2.4.4.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-RC B [anteriormente U-… RC B (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 417,80”;

2.4.5.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-1º EA [anteriormente U-… 1º EA (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 813,40”;

2.4.6.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-1º D [anteriormente U-… 1º D (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 813,40”;

2.4.7.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-1º B [anteriormente U-… 1º B (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 488,40”;

2.4.8.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-1º DC [anteriormente U-… 1º DC (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 488,40”;

2.4.9.     “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-2º EA [anteriormente U-… 2º EA, (…), da freguesia de ...], no valor total de EUR 813,40”;

2.4.10.   “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-2º DC [anteriormente U-… 2º DC (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 488,40”;

2.4.11.   “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-2º D [anteriormente U-… 2º D (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 813,40”;

2.4.12.   “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-2º B [anteriormente U-… 2B (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 488,40”;

2.4.13.   “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-3º EA [anteriormente U-… 3º EA (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 1.602,20”;

2.4.14.   “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-3º DC [anteriormente U-… 3º DC (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR l.023,20”;

2.4.15.   “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-3º D [anteriormente U-… 3º D (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 1.602,20”;

2.4.16.   “Liquidação nº 2013 …, de 17 de Julho de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz U-…-3º B (anteriormente U-… 3º B (…) da freguesia de ...], no valor total de EUR 1.023,20”.

 

2.5.   Por não concordar com os referidos actos de liquidação, a Requerente liquidou “tais actos no âmbito da cobrança coerciva (…)” tendo apresentado “a 29 de Abril de 2014, Reclamação Graciosa e exercido o seu direito de audição prévia”, a qual veio a ser indeferida por despacho datado de 11 de Julho de 2014”, com base “(…) numa interpretacao artificiosa do artigo 2º nº 1 do CIMI”, interpretação segundo a qual “(…) o prédio em causa, ainda que constitufdo por 16 divisões independentes, não pode deixar de ser visto como um prédio uno”.

 

2.6.   A Requerente começa por esclarecer que “não concorda com a aplicação de tais actos tributários, porquanto, encontra-se em total desacordo com o critério de avaliação do  prédio do qual é proprietária”, pois “tal criterio incide sobre a aplicaão da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, nos termos infra descritos”:

 

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), seja igual ou superior a EUR 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário (VPT) utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – (…)”.

 

2.7.   Segundo a Requerente, “perante tal argumento, urge descodificar qual o âmbito de aplicação da Verba 28 da TGIS, nos termos supra descritos”, “principalmente quando não estamos na presença de um prédio constituído em propriedade horizontal”, concluindo que os “actos de liquidação aqui em discussão, não são de todo devidos, porquanto foram aplicados sobre o Valor Patrimonial Total do prédio (…) quando na realidade deveriam ter sido aplicados a cada uma das unidades do mesmo prédio, conquanto, todas as unidades são independentes e com utilização independente, pelo que deverá ser o valor de cada unidade o aplicável”.

 

2.8. Nestes termos, segundo a Requerente, “não se está perante um imóvel classificado como imóvel de luxo (…)”, porquanto “as unidades independentes do prédio propriedade da Requerente oscilam entre os valores de EUR 41.780,00 e os
EUR 160.220,00
”, e tendo cada fracção independente, “para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (…), Valor Patrimonial próprio (…), liquidações autónomas (…) e ainda avaliacoes autónomas (…)”.

 

2.9.   “Perante esta factualidade” interroga-se a Requerente “(…) porque razão a Requerida considera, para efeito de IMI, que o prédio da Requerente e composto por unidades independentes e, para efeito da aplicação da verba 28.1 da TGIS nao se socorre do mesmo criterio?

 

2.10. Refere ainda a Requerente que “(…) para efeitos da aplicação dos princípios da legalidade tributária, igualdade, justica e proporcionalidade, deve ser aplicado o valor correspondente e a autonomia economica de cada fogo deve ser tida em consideracao e nunca o Valor Patrimonial Total do prédio”.

 

2.11. E conclui, requerendo que “se (…) determine a ilegalidade dos actos tributários já identificados” e seja reconhecido “(…) o direito à devolução de todos os montantes liquidados no âmbito de aplicação da verba 28.1 da TGIS (…), acrescidos dos juros indemnizatórios à taxa legal desde a data do seu pagamento até à sua integral devolução, porquanto”, para a Requerente, “o erro é imputável aos serviços” da Requerida”.

 

3.      RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e invocando os seguintes argumentos:

 

3.2.   “A ora Requerente é proprietária (…) de prédio urbano (…) em regime de propriedade total (…) , constituído por 5 pisos andares e 16 partes susceptiveis de utilização independente destinadas à habitação (…)”.

 

3.3.   “O valor patrimonial tributário foi determinado separadamente (…) sendo o valor patrimonial tributário na sua totalidade no montante de € 1.249.310,00”, tendo sido “sobre este valor (…) que a A.T. liquidou (…) o Imposto do Selo da verba 28.1. da Tabela Geral, no redacção dada pelo art. 4° do Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1 por cento, por referência ao ano de 2012”, no “valor global de
€ 12.493,10
”.

 

3.4.   Segundo a Requerida, “a sujeição ao Imposto do Selo da verba 28.1. da Tabela Geral (…) resulta da conjungação de dois factores a saber:

 

         3.4.1.     Afectação habitacional e,

3.4.2.     Valor patrimonial do prédio urbano (…) ser igual ou superior a
€ 1.000.000,00
”.

 

3.5.   A Requerida não concorda com a posição assumida pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral porquanto entende que “a ora requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical” e, “da noção de prédio do artigo 2° do Código do IMI, só as fraccões autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios”, pelo que “encontrando-se o prédio (…) em regime de propriedade total, não possui fracçõe autónomas, ás quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio

 

3.6.   Assim, defende a Requerida, “a ora Requerente, para efeitos de IMI e também de Imposto do Selo (…) não é preprietéria de 16 fracções autónomas mas sim de um único prédio”.

 

3.7.   E “pretender que o interprete e aplicador da lei fiscal aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é (…) abusivo e ilegal” para a Requerida, não podendo esta “aceitar que se considere que, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral (…) que as partes susceptiveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal”.

 

3.8.   E, alega a Requerida que “outra interpretação violaria (…) a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)”.

3.9.   Não vislumbrando a Requerida “como (…) a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade referido pela Requerente” pois, “na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”.

 

3.10. E quanto ao “argumento do prédio não ser totalmente afecto a habitação, o que inquinaria a aplicação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS” refere a Requerida que “(…) nenhuma ilegalidade foi cometida, porque da liquidação foram expurgada as partes afectas ao comeécio, logo, foram, somente, tributadas as partes afectas à habitação, tal como literalmente alei determina”.

 

3.11. Assim, conclui a Requerida que “os actos tributários em questão, em termos de substância não violaram (…) qualquer preceito legal ou constitucional, devendo (…) ser mantidos”.

 

4.         SANEADOR

 

4.1.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.   O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.   Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.   Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Dos factos provados

 

5.2.   Consideram-se como provados os factos documentados pelos seguintes documentos juntos aos autos:

 

5.2.1.     A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Rua …, nº …, em Lisboa, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-… (anterior U-…), da freguesia de ... (anterior …) (conforme documentos nº 1 e 2, anexados com o pedido).

 

5.2.2.     O referido prédio urbano não se encontra em regime de propriedade horizontal, dele fazendo parte R/C mais três andares, com um total de 16 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (conforme documento nº 2, anexado com o pedido).

5.2.3.     O VPT total do referido prédio urbano é de EUR 1.249.310,00, tendo este sido determinado em 17 de Fevereiro de 2013, por iniciativa da Requerida, tendo tal avaliação sido efectuada considerando individualmente cada um dos andares com utilização independente (todos os 16 que integram o referido prédio), aos quais foi atribuído o respectivo VPT individual (vide resumo no ponto seguinte) (conforme documento nº 2, anexado com o pedido).

5.2.4.     A Requerente foi notificada das seguintes liquidações de Imposto do Selo, datadas de 17 de Julho de 2013, relativas ao ano 2012, cuja data limite de pagamento era “Dezembro/2013” (prestação única):

 

Nº LIQUIDAÇAO

ANDAR

VPT

COLECTA (EUR)

DÍVIDA COBRANÇA COERCIVA (EUR)

DOC. ANEXOS AO PEDIDO

2013 …

R/C EA

78.170,00

781,70

807,08

3 e 34

2013 …

R/C DC

41.780,00

417,80

436,90

4 e 33

2013 …

R/C D

41.780,00

417,80

436,90

5 e 32

2013 …

R/C B

41.780,00

417,80

436,90

6 e 31

2013 …

1º EA

81.340,00

813,40

838,78

7 e 19

2013 …

1º D

81.340,00

813,40

838,78

8 e 20

2013 …

1º B

48.840,00

488,40

507,50

9 e 21

2013 …

1º DC

48.840,00

488,40

507,50

10 e 22

2013 …

2º EA

81.340,00

813,40

838,78

11 e 30

2013 …

2º DC

48.840,00

488,40

507,50

12 e 29

2013 …

2º D

81.340,00

813,40

838,78

13 e 27

2013 …

2º B

48.840,00

488,40

507,50

14 e 28

2013 …

3º EA

160.220,00

1.602,20

1.638,75

15 e 23

2013 …

3º DC

102.320,00

1.023,20

1.053,10

16 e 24

2013 …

3º D

160.220,00

1.602,20

1.638,75

17 e 25

2013 …

3º B

102.320,00

1.023,20

1.053,10

18 e 26

 

 

5.2.5.     A Requerente apresentou reclamação graciosa (processo nº …2014…), em 29 de Abril de 2014, contra os actos de liquidação de Imposto do Selo referidos no ponto 5.2.4.,supra, a qual foi indeferida por despacho de 11 de Julho de 2014 (conforme documento nº 36, anexado com o pedido).

 

5.3.   Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.   Dos factos não provados

 

5.5.   Apesar de a Requerente ter alegado que pagou os montantes relativos às liquidações identificadas no ponto 5.2.4., supra, já em fase coerciva (vide artigos 15º e 16º do pedido), não foi anexada com este qualquer evidência relativa à data do efectivo pagamento (o comprovativo de pagamento MB, anexado com o documento nº 38[2] do pedido, encontra-se ilegível).

 

5.6.   Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.      FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.   Nos autos, a questão essencial a decidir é a de se saber, com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal (propriedade vertical), integrados por diversos andares e divisões com utilização independente (das quais algumas com afetação habitacional), qual o VPT relevante.

 

6.2.   Ou seja, saber se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do VPT atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, pelo contrário, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.

 

6.3.   A resposta a esta questão impõe a análise das normas jurídicas aplicáveis de modo a determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição, dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da CRP.

 

6.4.   No caso em análise, subjacente ao Pedido de Pronúncia Arbitral, de modo a aferir a legalidade das liquidações de Imposto do Selo notificadas à Requerente, por referência ao ano de 2013, será relevante responder à seguinte questão controvertida:

 

6.4.1.     A sujeição a Imposto do Selo, nos termos do que dispõe a verba nº 28 da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional ou se, pelo contrário, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPT dos andares (com aquele tipo de afectação), que dele fazem parte?

 

6.5.   Quanto à resposta a dar à questão formulada no ponto anterior importa analisar a essência da verba nº 28 da TGIS, aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, nos termos da qual se estabelece o seguinte:

 

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a
EUR 1.000.000 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio com afectação habitacional – 1%. (…)".

 

6.6.   Não obstante a Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se for observado o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei nº 55-A/2012), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da TGIS se aplica, subsidiariamente, o Código do IMI”.

 

6.7.   Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.

 

6.8.   Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.9.   Ainda de acordo com o nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.

 

6.10. Para efeitos de IMI, “cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

 

6.11. De acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.

 

6.12. Entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “prédios urbanos habitacionais” [nº1, alínea a)], acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que estes "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins".

 

6.13. Se é certo que o nº 4 do artigo 2º do Código do IMI refere que "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio" também é certo que não há nada na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical no que se refere à sua identificação como “prédios urbanos habitacionais”.

 

6.14. Assim, daqui pode concluir-se que as partes autónomas de prédios em propriedade vertical, com afectação habitacional, devem ser consideradas como “prédios urbanos habitacionais”.

 

6.15. Como sustentado em diversas Decisões Arbitrais, nomeadamente na que foi proferida no Processo 88/2013-T, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina”.

 

6.16. Pelo que, “há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja constituído em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização” (sublinhado nosso).

 

6.17. Com efeito, na interpretação do texto legal, não faz sentido distinguir aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus) pois distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios constituídos em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado.

 

6.18. Na verdade, nada denuncia, nem na verba nº 28 da TGIS, nem no disposto no Código do IMI, uma justificação para essa particular diferenciação.[3]

 

6.19. Com efeito, poder-se-á afirmar que é hoje entendimento pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina [cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT)].[4]

 

6.20. Por outro lado, é necessário ter em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[5]

 

 

6.21. Nestes termos, o critério uniforme que se impõe é o que determina que a incidência do preceituado na norma em causa (verba 28 da TGIS) apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal (ou total), com afectação habitacional, possua um VPT superior a EUR 1.000.000,00 (sublinhado nosso).

 

6.22. Assim “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu um critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1. da TGIS[6], pelo que fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto, o VPT global do prédio em causa, como pretende a Requerida, não encontra base na legislação aplicável.[7]

 

6.23. Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[8], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

 

6.24. Com efeito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a
EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo.

 

6.25. E entendemos ser isso mesmo que se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[9], não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[10]

 

6.26. Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo assim incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

 

6.27. Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não faria qualquer sentido se aplicada “unidade a unidade” para, através do somatório dos VPT das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo), apurar o tal valor igual ou superior a um milhão de euros.

 

6.28. Acresce ainda que, admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis e discriminatórios do ponto de vista jurídico, porquanto contrários aos objectivos (de promoção da equidade social e da justiça fiscal) que o legislador defendia ter ao aditar a verba nº 28.

 

6.29. Na verdade, a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode, por si só, ser indiciador de capacidade contributiva, decorrendo da lei que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

 

6.30. Inversamente, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fração for igual ou superior ao limite definido pela lei, ou seja, a EUR 1.000.000,00.

 

6.31. Deste modo, é ilegal e inconstitucional considerar que o valor de referência para a liquidação do imposto seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, desde logo porque estaríamos perante uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal.

 

6.32. O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente, em função de estarmos ou não perante um prédio em propriedade horizontal ou em propriedade vertical.

 

6.33. Ora, se o prédio em análise se encontrasse em regime de propriedade horizontal, era claro que nenhuma das frações habitacionais que compõem o mesmo sofreria incidência do novo imposto, porquanto nenhum delas ultrapassaria, individualmente considerada, o limite de EUR 1.000.000,00 definido pela lei (vide ponto 5.2.4. supra quanto ao VPT de cada um dos andares).

 

6.34. Será assim, por isso mesmo, que o artigo 12º, nº 3 do Código do IMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo VPT” para não gerar situações de violação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal.

 

6.35. Com efeito, a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio não impondo sequer uma nova avaliação, pelo que a verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio.

 

6.36. Em consequência, a discriminação operada pela Requerida traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal, já que a lei não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal.

 

6.37. E, tendo em conta toda a realidade social e económica (por vezes presente em muitos dos prédios existentes em propriedade vertical), o próprio legislador fiscal no Código do IMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.

 

6.38. Com efeito, reitere-se que não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal, naquele incluídos.

 

6.39. Analisando a situação sub judice, constata-se que o VPT do andares (unidades autónomas) com afectação habitacional varia entre EUR 109.680,00 e
EUR 121.610,00 pelo que, em qualquer um deles, individualmente considerado, o referido VPT é inferior a EUR 1.000.000,00, conforme já referido no ponto 6.33., supra)

 

6.40. Assim, face ao acima exposto, e em resposta à primeira das questões acima colocadas (vide ponto 6.4.1.), conclui-se que sobre os andares com afectação habitacional (do prédio identificado nos autos) não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28 da TGIS sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente [11].

 

6.41. Em consequência de tudo o que acima foi referido nos pontos anteriores, pode concluir-se que a interpretação feita pela Requerida não é conforme à Lei e à Constituição, porquanto viola o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e não contribui para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104º, nº 3, da CRP) [12].

 

6.42. Neste âmbito, conclui-se que a verba nº 28 da TGIS, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor, detido por pessoas diferentes, em razão de critérios que podem contrariar, sem qualquer justificação, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva, não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade.

 

6.43. Por último, e quanto ao pedido apresentado pela Requerente de ser devolvido o valor “liquidado (…) acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal desde a data do seu pagamento até à sua integral devolução, porquanto, o erro é imputável aos serviços da A.T.”, é importante referir que, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito[13] (sublinhado nosso).

 

6.44. Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 29º do RJAT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).

 

6.45. Assim, quanto aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, afigura-se que, face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas relativamente às liquidações de Imposto do Selo, datadas de 17 de Julho de 2013 (e referentes ao ano de 2012), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º acima já referido, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

6.46. Nestes termos, na situação em análise, e na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação acima já identificados terá de haver lugar, por força das normas anteriormente referidas, ao reembolso dos montantes que hajam sido pagos pela Requerente, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

7.      DECISÃO

 

7.1.   De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.2.   Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for [artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC)].

 

7.3.   No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida.

 

7.4.   Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.4.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo datadas de 17 de Julho de 2013 (respeitantes ao ano de 2012 e identificadas neste processo),
anulando-se, em consequência, os respectivos actos tributários;

7.4.2.     Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso das quantias indevidamente pagas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.4.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 12.493,10.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Março de 2015

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Este documento diz respeito a liquidações referente ao ano de 2013, as quais não são o objecto do pedido, pelo que o teor do mesmo não foi considerado na análise do pedido de pronúncia arbitral.

[3] Neste âmbito, atente-se no disposto no artigo 12º, nº 3, do Código do IMI, ao referir que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT”.

[4] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho de 2014.

[5] Cfr. AC TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro de 2012, AC TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro de 2013 e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[6] Vide Decisão Arbitral nº 50/2013-T (CAAD), de 29 de Outubro de 2013.

[7] Que é o Código do IMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo.

[8] Segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

[9] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[10] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (vide Processo nº 48/2013-T e Processo nº 50/2013-T).

[11] Neste sentido, vide Decisão Arbitral nº 368/2014-T, de 18 de Dezembro de 2014, emitida pela signatária.

[12] Neste sentido, vide Decisão Arbitral identificada na nota anterior.

[13] Neste sentido, vide Decisão Arbitral 27/2013-T, de 10 de Setembro de 2013, a propósito do “reembolso do montante total pago e juros indemnizatórios”.