Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 737/2014-T
Data da decisão: 2015-04-02   
Valor do pedido: € 13.608,06
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS - Terreno para construção
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REQUERENTE:A… SA

 

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

Decisão Arbitral[1]

 

 

I -RELATÓRIO

 

 

 

A)   As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

 

 

1.     A..., SA, pessoa colectiva com o nº …, com sede na Avenida …, nº… – …, em Lisboa, doravante designada por "Requerente", vem, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a), 3º, nº1 e 10º, nº1 alínea a) e nº2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), apresentou pedido de pronúncia arbitral e requereu a constituição de tribunal arbitral singular.

No presente pedido arbitral a Requerente pretende a declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo ("IS") Nºs 2014 …, 2014 … e 2014 …, referentes às1ª, 2ª e 3ªprestações de Imposto de Selo liquidado nos termos da verba nº 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2013, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor total de €13.608,06, com data de emissão em 17/03/2014, senda cada prestação fixada no valor de 4.536,02, com datas limite de pagamento, respectivamente, em Março, Julho e Novembro de 2014.

As liquidações impugnadas, que se dão por integralmente reproduzidas, constam dos documentos nºs1 a 3 juntos em anexoao pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 23/10/2014.

A Requerente conclui o seu pedido arbitral peticionando a anulação das liquidações de imposto impugnadas, e a restituição de todos os valores pagos a título de imposto, juros de mora eainda juros indemnizatórios.

 

2.     Apresentado o pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 23/10/2014, o mesmo foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 29de Dezembro de 2014.

 

3.     Em 29/12/2014, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação da “AT”, nos termos do disposto no artigo17º do RJAT, para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 02/02/2015, aAT juntou aos autos a sua Resposta acompanhada de respectivo processo administrativo (PA) e ainda um requerimento solicitando a dispensa de realização da reunião do artigo 18º do RJAT, bem assim com o a apresentação de alegações, por inexistirem excepções e as questões em apreciação serem exclusivamente de direito.

 

Por despacho arbitral proferido em 06/02/2015 foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem assim como de apresentação de alegações, por inexistir matéria excepcional invocada nos autos, se afigurar desnecessária outra produção de prova a realizar para além da que resulta da prova documental junta aos autos e por inexistir divergência quanto à matéria de facto, pelo que a questão a decidir configura-se como exclusivamente de direito, em conformidade com o já requerido pela AT. A Requerente pronunciou-se, por requerimento, concordando com a dispensa de realização da reunião e da apresentação de alegações, pelo que o processo prosseguiu para decisão final.

Nesta conformidade foi proferido despacho arbitral, em 4/03/2015, no qual foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, fixada data para prolação da decisão arbitral no prazo de trinta dias, devendo no mesmo prazo a Requerente efectuar o pagamento da respectiva taxa subsequente.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE

 

 

4.     A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, dosactos de liquidação de Imposto de Selo, referentes ao ano de 2013, com o nº 2014…, 2014 … e 2914 …, no montante global de €13.608,06, com referência ao prédio urbano, composto por um Lote de terreno destinado a construção, com o número …, sito em …, na Freguesia e Concelho de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo nº … e com o valor patrimonial tributário (VPT) de €1.360.805,75. O pedido arbitral tem fundamento no disposto no art. 10º, nº1 e 2 do RJAT. O prédio e asrespectivas liquidações de imposto impugnadas encontram-se devidamente identificados nos documentos nºs 1 a 4, que aqui se dão por reproduzidos.

 

5.     A Requerente pugna pela declaração de ilegalidade das liquidações de imposto de selo por considerar, em síntese, que o prédio em causa enquanto terreno para construção não deve ser considerado como "prédio com afectação habitacional", nos termos e para os efeitos do disposto na verba 28.1 da Tabela geral ao Código do imposto de Selo, na versão introduzida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

6.     Assim,considera que as liquidações impugnadas, emitidas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS são ilegais, por violação do disposto nos artigos 2º, nº4, 23º, nº7 e 44º, nº5 do Código do Imposto do Selo e do disposto nos artigos 6.º, 41.º e 45.º do Código do IMI. Alega ainda que aentrada em vigor da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014) alterou a redacção da verba 28.1 da TGIS, reconheceu implicitamente que até ao dia 1/01/2014, não havia norma de incidência que permitisse a cobrança de imposto de selo no caso dos terrenos para construção.

 

 

C) – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

 

7.     A Requerida alega na sua resposta, em síntese, que não assiste razão à Requerente. A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), defende na sua resposta a legalidade das liquidações por entender que as mesmas obedecemà letra da lei e que o pedido das declarações de ilegalidade e sua consequente anulação, deve ser julgado improcedente. Defende que, na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio para construção em sede de Imposto de Selo, há que recorrer ao disposto nos artigos 6º e 67º do CIMI, donde extrai a existência de dois tipos de prédios urbanos, os habitacionais e os terrenos para construção. Defende que deve entender-se a alusão a prédios com afectação habitacional constante da verba 28.1 da TGIS deve entender-se de forma ampla, abrangendo quer os prédios edificados quer os terrenos para construção em que as construções autorizadas ou previstas tenham aquela afectação. Em defesa desta sua posição invoca, ainda, as regras aplicáveis à avaliação dos imóveis, prevista nos artigos 41º e 45º, do CIMI.

Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, pugnando pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela absolvição da Requerida no pedido.

 

 

D) DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

8.     O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

9.     As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

 

II. QUESTÃO A DECIDIR

 

 

10.  Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir a questão de saber se é ou não conforme à lei em vigor, no ano em que ocorreu o facto tributário que deu origem à liquidação a incidência de imposto do selo (2013), liquidar o imposto de selo nos termos previstos na verba 28.1 contida na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a um terreno para construção, como o que se encontra descrito nos autos.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

A)   Factos provados

 

11.  Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

a)     A Requerente A…, SA,é proprietária do lote de terreno destinado a construção (com o nº…), sito em …, Freguesia e Concelho de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo nº ….

b)     No ano de 2013 o prédio urbano descrito nos presentes autos era composto por um terreno destinado a construção, lote nº …, no qual não existia qualquer edificação ou construção.

c)     O lote supra descrito, no ano de 2013, tinha como valor patrimonial tributário (VPT) o valor de €1.360.805,75, como consta da caderneta predial junta aos autos como documento nº5;

d)     A Requerente foi notificada em 17 de Março de 2014 da liquidação do Imposto de selo referente ao ano e 2013, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor total de €13.608,06, em resultado da aplicação da taxa de 1%efectuada ao abrigo da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, a pagar em três prestações com datas limite de pagamento, respectivamente, em Março de 2014, Agosto e Novembro de 2014 - Cfr: Documentos n.ºs 1 a 4 juntos ao Pedido Arbitral.

e)     A Requerente apresentou reclamação graciosa no serviço de finanças de Lisboa …, em 19-08-2014, a qual foi posteriormente remetida ao serviço de finanças de ...;

f)      A reclamação graciosa foi considerada improcedente;

g)     Em 23-10-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral (sistema informático do CAAD), para impugnação das liquidações de imposto de selo supra mencionadas e devidamente identificadas nos presentes autos.

h)     A Requerente pagou as duas primeiras prestações do imposto, cujos comprovativos juntos aos autos em anexo ao Pedido Arbitral, declarando que pagaria a terceira cujo prazo para pagamento de pagamento se venceria em Novembro de 2014.

 

B)    Factos não provados

 

12.  Não há factos relevantes para decisão a considerar como não provados.

 

 

C)    Fundamentação da matéria de facto provada

 

13.  Os factos provados, nos termos supra descritos, têm por base a prova documental que as Partes juntaram ao presente processo, os documentos juntos aos autos pela Requerente e os constantes do PA junto pela AT, ebaseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO e DECISÃO

 

14.  . Fixada a matéria de facto, importa conhecer da única questão de direito em discussão nos presentes autos, correspondendo, em síntese, à questão da ilegalidade suscitada pela Requerente no presente pedido arbitral.

 

Cumpre decidir.

 

15.  A questão que é objecto da presente acção é a de saber se um terreno destinado a construção urbanase insere no âmbito de incidência do n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na sua redacção inicial.

Sobre esta questão é já muito abundante a jurisprudência do CAAD, sendo unanime o seu entendimento.

Apesar disso importa analisar o quadro jurídico de referência para fundamentar a correcta análise desta questão.

 

16.  A tributação em sede de imposto de selo de prédios urbanos com afectação habitacional foi introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (LOE) queefectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, a qual apresenta a seguinte redacção:

 

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %. “

 

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:

 

“1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.”

 

 

17.  Na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, o legislador utilizou o conceito de “prédio com afectação habitacional”, o qual, como referem as partes, não encontra referência em nenhum outro diploma legislativo, pelo que se impõe a concretização do mesmo.

 

O Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) é mencionado em várias normas do Código do Imposto do Selo, introduzidas pela Lei nº 55-A/2012 e é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previsto na referida verba n.º 28, como sucede nos artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS. Porém, em nenhum destes normativos é utilizado um conceito com aquela designação, pelo que a sua concretização continua a exigir o recurso às regras da interpretação jurídica, de modo a esclarecer os propósitos do legislador.

 

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014), alterou aquela verba n.º 28.1, dando-lhe a seguinte redacção:

“28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 % “

 

Tal formulação aplica-se, naturalmente, apenas a partir de 1 de Janeiro de 2014, mas diga-se antecipadamente que em nada veio ajudar a esclarecer a qualificação do conceito em presença. Porém, não há dúvida que contribuiu para clarificar, ainda que implicitamente, que aversão anterior não contemplava a tributação deste tipo de prédios, ou seja, dos terrenos para construção.

 

18.  Importa, contudo verificar o contributo possível a extrair dos conceitos utilizados no CIMI, nos seus artigos 3.º a 6.º.

 

Assim, segundo o artigo 2º do CIMI, entende-se por “prédio”:

“1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

 

Acrescenta o artigo 3.º, que se entende por “prédios rústicos”:

 

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamenteafectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”

 

Já o artigo 4.º qualifica como prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

 

 

E o artigo 6.º indica as espécies de “prédios urbanos”, nos termos seguintes:

 

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção; (sublinhado nosso)

d) Outros.

 

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)

 

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”

 

 

19.  Face ao quadro legal supra exposto, e considerando as regras sobre a interpretação das normas jurídicas, nomeadamente as resultantes do artigo 11º da Lei Geral Tributária[2] (LGT) impõe-se concluir que os princípios gerais aplicáveis à interpretação da norma jurídica, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

20.  Assim, importa determinar o sentido e alcance do conceito de «prédio com afectação habitacional», tarefa fundamental para a interpretação e correcta aplicação do normativo contido na verba 28 e 28.1 da TGIS.Como se vê pelo supra exposto o CIMI, não utiliza na classificação dos prédios que adoptao conceito de «prédio com afectação habitacional». Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

Seguindo o raciocínio já prosseguido em decisões arbitrais anteriores, nomeadamente nas proferidas nos processos nºs 53/2013-T, 144/2013- T, 306/2014 –T, e 328/2014 – T; 589/2014-T; 500/2014-T e 602/2014-T, entre muitos outros, deve entender-se quena falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.

 

21.  O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois que o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1, é um lote de terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção nele existente ao tempo em que ocorreu o facto tributário, exigido por aquele n.º 2, do artigo 6.º, para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

Pelo que, a considerar como interpretação adequada a de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é peticionada, são ilegais, por não haver qualquer edifício ou construção.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito. Pelo que, não assiste razão à AT nesta matéria no que vem alegado na sua resposta.

 

22.  Acresce que, uma interpretação mais aprofundada sobre o sentido a dar ao conceito em presença conduz à conclusão de que «afectação», neste contexto, significa «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». E, se tivermos em linha de conta os objectivos definidos na declaração de princípios proferida na Assembleia da República sobre a intenção do legislador introduzir uma tributação sobre as “casas de luxo”, não há dúvida que o propósito ou ratio legis subjacente é a de tributar o “uso” do prédio considerado na plenitude do grau de conforto por ele proporcionado.Refere a este propósitoBaptista Machado[3]o seguinte: “quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou a sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”.

 

23.  A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência tributária, e nesta sede o Imposto de Selo afigura-se como um imposto de textura difícil e identidade confusa, deparando o intérprete com frequentes e sucessivas dificuldades, pelo que o fio condutor terá de ser, em primeira linha, o princípio daunidade do sistema jurídico, tentando impor alguma coerência de aplicação. Nesta linha de pensamento, não podemos dispensar o recurso à Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012. Nesta exposição de motivos é patente a preocupação do Governo de reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento e o seu empenho em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.

 

24.  Neste contexto, não existindo outras coordenadas interpretativas o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, tendo em conta o significado das palavras “afectação” e “afectar”, que são “dar destino” ou “aplicar”, a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que estão já a ser utilizados como habitação, não podendo abrangeros prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, possam eventualmente estar a estes destinados, como sucede com os terrenos para construção habitacional.

 

25.  Acresce que, se impõe ainda esclarecer quando é que se pode considerar um prédio comoafectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou por acto de licenciamento ou semelhante, ou quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.O confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta no sentido de ser necessária uma “afectaçãoefectiva.”[4]Assim, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, face ao disposto no n.º 2, do artigo 6.º do CIMI, um prédio habitacional, porquanto é o próprio legislador que considera como tal os “edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

26.  Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados se pretendesse reportar-se também aos prédios (terrenos para construção) apenas licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto não teria utilizado a expressão “prédios com afectação habitacional”. E, por ser assim, o legislador reavaliou a situação e introduziu uma nova versão da lei, a entrar em vigor a partir de 01-01-2014, incluindo agora os terrenos nestas circunstâncias. Isso mesmo é bem demonstrativo de que não era essa a situação que resultava da versão da lei até finais de 2013.

 

27.  Nestes termos, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente pelo legislador teve em vista alcançar uma realidade distinta, pelo que, “prédio com afectação habitacional”, não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim, tendo de ser um prédio que tenha já efectivaafectação a esse fim.Note-se que no caso dos presentes autos o prédio em causa, caracteriza-se como terreno para construção, sendo que, da Certidão junta aos autos pela Requerente como documento nº 2, é possível extrair que no prédio não existe qualquer edificação. Por isso mesmo o único sentido possível para a expressão “afectação” é a de tratar-se de uma “afectaçãoefectiva”. Veja-se que o artigo 3.º do CIMI, relativamente aos prédios rústicos, faz referência aos que “estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas”, que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Como se vê, ainda, pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que o pressuposto de umaafectaçãoefectiva.

 

28.  No caso em apreço não existenenhum edifício ou construção e, atendendo ao teor dos documentos junto aos autos como documento,nem é certo que possa vir a existir, pelo que não podemos considerar que o prédio em causa tenha uma afectaçãoefectiva para habitação.Acresce ainda que, a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a saber: “Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013.”(sublinhados nossos).

 

29.  A referência expressa a “casas” como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa.Por outro lado não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a “terrenos para construção”.No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta. Pelo que, a invocação da AT na sua resposta, das regras aplicáveis para efeitos de avaliação deste tipo de prédios não colhe quanto ao propósito relevante para a questão a decidir nos presentes autos. O mesmo se diga do Acórdão do TCA Sul aí invocado, o qual se refere, isso sim, à questão do regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção, em nada relevando para a decisão em apreciação nos presentes autos.

 

 

30.  Por fim, é importante referir que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, também contraria a posição aqui defendida pela ATA, pois não veio esclarecer o elemento lógico subjacente à redacção inicial da verba n.º 28.1, antes veio confirmar, indirectamente, a interpretação de que ela não abrangia os terrenos para construção.Aliás, se a primitiva redacção da verba n.º 28.1 em análise, ao falar de “prédio com afectação habitacional” pretendesse abranger os edifícios e construções que constituíam “prédios habitacionais” e os terrenos para construção para que estivesse autorizada ou prevista habitação, então o natural deveria atribuir à nova redacção natureza interpretativa, à semelhança do que faz noutras disposições nela contidas, como por exemplo o artigo 177.º, n.º 7, relativamente às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 17.º-A do Código do IRS.

 

31.  Por tudo o que se deixa exposto é entendimento deste Tribunal que a verba 28.1 não se aplica aos terrenos para construção, ainda que estes revelem potencialidade para construção de habitação. Importa referir que, sobre esta mesma questão foram já proferidas algumas decisões arbitrais, entre as quais se salientam as proferidas nos processos arbitrais nºs 42/2013 T, 48/2013-T, 53/2013- T, 144/2013-T, 180/2013 – T e 189/2013-T, 306/2014 – T; 500/2014-T, 589/2014 – T, 602/2014 – T,entre outras.

 

32.  Também o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão, nomeadamente, nos Acórdãos proferidos, nomeadamente, em 9 e 23 de Abril de 2014 (nos quais foi relatora Isabel Marques da Silva) e 9 de Maio de 2014 (no qual foi relatora Dulce Neto).A este propósito, o acórdão do STA de 9 de Abril de 2014 (no qual se faz referência expressa à decisão arbitral nº 144/2013-T) conclui que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”

 

33.  De acordo com o supra exposto, se a letra da lei – da Verba 28.1 da TGIS – (elemento gramatical) se não apresenta suficientemente clara para, sem sobressaltos, precisar o conceito de “prédio com afetação habitacional”, já o elemento lógico (“o elemento sistemático e a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”), para que aponta o n.º 1, do artigo 9º, do Código Civil, permite concluir, como tem vindo a ser concluído em diversas decisões arbitrais e, ainda, pelo Supremo Tribunal Administrativo nos supra citados Acórdãos que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”, o que justifica a anulação da liquidação impugnada, por erro nos pressupostos em que assentou a sua emissão.

 

34.  Em consequência de tudo o que vem exposto, resulta que a liquidação impugnada é ilegal, padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação do disposto na verba nº 28.1 da TGIS, pelo que, deve ser objecto de anulação, nos termos do artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo.

 

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios:

 

 

35.  Encontram-se, pois, reunidos todos os requisitos para que, sendo anuladas as liquidações impugnadas, sejam restituídas à Requerente todas as quantias por si indevidamente pagas e a elas relativas, quer as referenciadas e comprovadas nos autos quer as que entretanto tenham ocorrido em cumprimento das liquidações impugnadas e anuladas pela presente decisão arbitral, por tal restituição ser imprescindível ao restabelecimento da “situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, como é imposto pela alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT.

 

36.  No que respeita ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, é patente que o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010). Assim, apesar de o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” como delimitativa da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, deverá entender-se que se compreende nessa competência todos os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços. Até porque, de entre os fundamentos da impugnação judicial, se contam, precisamente, a “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” (cfr. o artigo 99.º, alínea a), do CPPT), independentemente da sua autoria.

 

37.  Por outro lado, determina a já citada alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

38.  De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

39.  Ora, resulta, ainda, do disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

40.  Quanto ao erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”ou em erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”  e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”.

 

41.  No caso em apreço, afigura-se manifesto que declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do pagamento de cada uma das prestações do imposto, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

42.  Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.

 

V - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações de imposto impugnadas e identificadas nos presentes autose respectivos juros moratórios processados quanto à 1ª prestação de imposto, por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes, relativamente ao período de tributação do ano de 2013;

b)      Condenar Requerida a reembolsar a Requerente de todos os montantes pagos com referência ao Imposto de Selo liquidado com referência ao ano de 2013, sobre o prédio identificado nos presentes autos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal até integral pagamento;

c)     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto no artigo 315º, nº2 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €13.608,06.

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em€918,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe e notifique-se.  

 

 

Lisboa, 2 de Abril de 2015

 

 

 

Árbitro,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 



[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.

[2] Dispõe o Artigo 11.º da LGT, relativo à interpretação das normas tributárias, que:

“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”

[3] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, J. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, últ. Ed. Almedina, página 182 e ss.

[4] Neste sentido, cfr. decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 53/2013 – T, 144/2013-T, 178/2013 – T, 285/2014 – T, entre outras.