Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 735/2014-T
Data da decisão: 2015-04-30   
Valor do pedido: € 39.187,83
Tema: IRC – Tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador
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Requerente: A…, S.A.

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

Decisão Arbitral

 

1.RELATÓRIO

 

1. A… S.A. (doravante designada por Requerente) contribuinte fiscal nº …, com sede na Rua …, n º …, … ..., apresentou em 22 de Outubro de 2014, pedido de constituição de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por RJAT, e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 2 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT ou Requerida) com vista à declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2010, com o número 2013 … e demonstração de acerto da contas nº 2013 ….

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 23 de Outubro de 2014, e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, (10 de Dezembro de 2014) foi designado como árbitro o Dr. José Coutinho Pires, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado o artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de Dezembro de 2014, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT.

 

5. Por despacho proferido em 25 de Fevereiro de 2015, devidamente notificada às partes foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o artigo 18º do RJAT.

 

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6. Para fundamentar o seu pedido a Requerente alegou, em síntese e com relevo:

 

i.                 Que foi objecto de uma acção inspectiva externa às demonstrações financeiras e declarações fiscais relativas ao exercício fiscal de 2010,

 

ii.               Na sequência da qual foram promovidas diversas correcções ao IRC, consubstanciadas com a notificação, em 9 de Janeiro de 2013 da liquidação adicional nº 2013 … e da demonstração de acerto de contas nº 2013 …, nos montantes respectivos de 39.187,83 € e 39.063,48 €,

 

iii.             Apresentou em 22 de Maio de 2013 reclamação graciosa sobre a qual incidiu despacho de indeferimento parcial, que lhe foi notificado em 9 de Dezembro de 2013,

 

iv.             A tal indeferimento parcial veio a reagir em 07 de Janeiro de 2014, através da apresentação de recurso hierárquico,

 

v.               De cujo indeferimento veio a ser notificada em 14 de Julho de 2014,

 

vi.             No seu pedido de pronúncia arbitral, e em síntese:

 

* Insurge-se contra o facto de a AT ter mantido, nas fases procedimentais administrativas a tributação autónoma sobre “os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador”, pelo facto de os mesmas não estarem evidenciadas nas facturas emitidas aos clientes,

 

* Pugna no sentido de que a interpretação a conferir ao nº 9 do artigo 88º do CIRC (na redacção ao tempo dos factos) sujeitando a tributação autónoma às despesas em causa à taxa de 5% só se verifica quando as mesmas não são facturadas a clientes,

 

* Que o normativo em causa não impõe que a facturação aos clientes seja evidenciada nos documentos/ facturas a estes emitidos, “não impondo qualquer obrigação quanto à forma dos requisitos documentais que permitam comprovar este facto”,

 

* Reiterando possuir a sua contabilidade organizada por forma a controlar os custos que efectivamente factura aos seus clientes, quer através de sub - contas autónomas, quer de mapas de controlo interno das deslocações, através dos quais lhe é possível distinguir as situações em que tais custos são ou não facturados aos seus clientes.

 

vi. Concluindo conforme se extrai do seu pedido, que seja declarada a ilegalidade do acto de liquidação de IRC nº 2013 … (e da demonstração de liquidação de IRC nº 2013 …) relativos ao exercício de 2010,

 

vii.           Formulando ainda o pedido de juros indemnizatórios.

 

7. A AT, na sua resposta, sustentando posição contrária à apresentada pela Requerente e, em consonância com a posição por si já assumida em sede de reclamação graciosa, e recurso hierárquico, pugna pela verificação dos pressupostos determinativos da tributação autónoma previstos sob nº 9 do artigo 88º do CIRC, alegando em síntese que Requerente não logrou provar que os encargos dedutíveis, de que tratam os presentes autos, foram facturados aos seus clientes, convocando, ainda de forma sintética e com relevo:

 

i.                 Que no âmbito de informação vinculativa suscitada pela Requerente (em 2008) foi proferido despacho no sentido de que […] quando não sejam passíveis de tributação em IRS na pessoa do respectivo beneficiário, estão sujeitas a tributação autónoma, nos termos do nº 9 do art. 81º do CIRC, as despesas dedutíveis com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, que se encontrem devidamente documentadas nos termos da alínea f) do nº 1 do art. 42º , desde que o respectivo montante não seja expressamente mencionado na factura emitida ao respectivo cliente” ,

 

ii.               Que o dispositivo do nº 9 do artigo 88º do CIRC, reveste a natureza de uma norma anti abuso e, nesse sentido atendendo à natureza das despesas/custos em causa, o legislador entendeu “restringir a sua aceitação apenas no caso em que fossem  imputadas aos clientes”,

 

iii.             Imputação essa que deverá ser evidenciada nas respectivas facturas, fazendo nestas constar o montante correspondente a “ajudas de custo e aos quilómetros percorridos”,

 

iv.             De modo a que seja possível o controlo do montante debitado.

 

v.               Pugnando pela improcedência dos pedidos de pronúncia arbitral formulados pela Requerente.

 

9. Vieram ainda as partes, ao abrigo do disposto no artigo 18º do RJAT, apresentar alegações escritas, onde, fundamentalmente, defenderam as posições já expressas e evidenciadas nos seus articulados.

 

10. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a) 5º e 6º nº 1 do RJAT.

 

11. As partes têm personalidade e capacidades judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112- A/2011, de 22 de Março.

 

12. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer excepções.

 

13. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A1. Factos dados como provados

 

 

1.A ora Requerente é uma sociedade anónima que gira comercialmente sob a designação “A...S.A.” com o NIF …, com domicílio fiscal na Rua … nº …, … .... 

 

2. Que tem como actividade principal a “Fabricação de Motores, Geradores e Transformadores Eléctricos” – CAE 27110.

 

3. Para efeitos fiscais encontra-se registada junto do serviço periférico local competente, no caso o Serviço de Finanças de ..., encontrando-se sujeita no que respeita ao IRC ao regime geral de tributação.

 

4. Tendo adoptado um período de tributação não coincidente com o ano civil, que corresponde ao período compreendido entre 01 de Outubro e 30 de Setembro.  

 

5. Em cumprimento da ordem de serviço nº 0I 2012…,a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspecção externa, de carácter geral, que teve início em 2012-09-91 e conclusão em 2012-12-11, tendo como objecto os “elementos contabilísticos -fiscais” relativos ao ano de 2010,

 

6. Em resultado do qual, e para o que releva, foi determinada a correcção do valor indicado no campo 365 do quadro 10 da declaração de rendimento Modelo 22, acrescendo o valor de 39.067,00 € do imposto em resultado da aplicação da taxa de 5% sobre o valor de 781,340,05 € respeitante a tributações autónomas,

 

7. Tendo, em consequência, sido emitida a demonstração de liquidação de IRC nº 2013 …, no montante de 39.187,83 € e a demonstração de acerto de contas nº 2013 …, no montante de 39.063,49 €,

 

8. A Requerente procedeu em 19 de Março de 2013 ao pagamento de 39.063,48 €, correspondente ao valor da demonstração de acerto de contas nº 2013 …,

 

9. No decurso da acção inspectiva referida a Requerente procedeu à regularização parcial e voluntária de correcções evidenciadas no respectivo relatório,

 

10. Vindo contudo, a manifestar o seu desacordo quanto às correcções efectuadas relativamente às tributações autónomas sobre “encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador”,

 

11. Através da apresentação em 22 de Maio de 2013, da reclamação graciosa na sequência da notificação do Relatório Final da Inspecção Tributária em 28 de Dezembro de 2012, efectuada a coberto da Ordem de Serviço nº OI 2012…,

 

12. Com data de 9 de Dezembro de 2013, a Requerente foi notificada do despacho de deferimento parcial proferido em 5 de Dezembro de 2013, pela Senhora Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC),

 

13. O despacho que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada pela Requerente a que coube o nº …2013…, manteve, para o que aqui releva, a correcção levada a cabo no que respeita à tributação autónoma sobre as “ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria”,

 

14. Em 07 de Janeiro de 2014, a Requerente apresentou recurso hierárquico a que veio a caber o nº …2014…,

 

14. De cujo indeferimento veio a Requerente a ser notificada a coberto do oficio nº … de 14 de Julho de 2014, em 25 de Julho seguinte,

 

15. Com data de 22 de Outubro de 2014, a Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD que deu origem ao presente processo,

 

16. Para efeitos de tributação autónoma a Requerente não apurou “os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador”, aqui postos em causa,

 

17. Numa informação vinculativa emitida em 2008 a requerimento da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou, para além do mais, o seguinte entendimento:

“ […] A alínea f) do nº 1 do artº 42º do CIRC consubstancia uma norma anti – abuso, i.e. uma norma que visa repor a tributação que seria devida e facilmente afastada pelos contribuintes na ausência de uma regra desta tipo. O facto de o legislador usar a expressão “facturadas a clientes” parece indicar que pretendeu obrigar as empresas a fazer constar expressamente nas facturas emitidas o montante correspondente a ajudas de custo e quilómetros percorridos.

Com efeito, as despesas desta natureza constituem encargos cuja efectividade com a actividade desenvolvida são de difícil comprovação e controlo pelos próprios clientes, justificando a exigência do legislador fiscal da sua expressa menção na s facturas, sob pena de sobre o custo recair tributação autónoma e desde que se encontrem devidamente documentadas, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 42º”.

 

18. Do relatório da inspecção, consta para além do mais, que:

 

- “No âmbito da análise ao balancete analítico do exercício de 2010, verificou-se que o sujeito passivo contabiliza gastos relacionados com ajudas de custo e com a compensação pela utilização de viatura própria, não tributadas em sede de IRS e para as quais possui mapa de controlo das deslocações (conforme confirmações depois de questionado), nas contas SNC:

 

#62511000 “Mileage/actual expenses (private- cars) – tx deduct”

#62513020 “Travel expenses not imputable to customer

#63202040 “Wages- Daily costs imputable to customer; e

#63202050 “Wages – Daily costs not imputable to customer.

 

Foram, porém, apenas sujeitos a tributação autónoma, nos termos do nº 9 do artigo 88º do CIRC, os valores reconhecidos nas contas SNC:

 

#62513020 “Travel expenses not imputable to customer, e

#63202050 “Wages – Daily costs not imputable to customer

 

Já no que toca às contas SNC infra mencionadas, releva-se a exclusão da submissão do saldo das mesmas à tributação autónoma:

 

#62511000 “Mileage/actual expenses (private- cars) – tx deduct”; e

#63202040 “Wages- Daily costs imputable to customer”

 

19.A Requerente foi notificada pela Inspecção Tributária no sentido de apresentar a decomposição dos saldos das contas que não sujeitou a tributação autónoma (62511000 e 63202040).

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devem considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º n 2 do CPPT e artigos 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º nº 1, alínea a) e e) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º nº 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e o PA anexo, consideram-se provados, como relevo para a decisão os factos supra elencados, reconhecidos e aceites pelas partes.

 

B. DO DIREITO

 

A questão que é objecto do presente processo, reconduz-se ao tema (i) das tributações autónomas, e (ii) à interpretação a conferir ao nº 9 do artigo 88º do CIRC, na redacção ao tempo dos factos subjacentes (2010).

Outras questões que têm vindo a ser colocadas junto dos tribunais, associadas à problemática das tributações autónomas, como a desconformidade constitucional do seu regime, nomeadamente por violação dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, bem como a problemática acerca da sua natureza em confronto com o IRC, a sua dedutibilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável, não são convocadas pela Requerente, e, consequentemente sobre as mesmas não haverá este tribunal que se pronunciar.

 

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Desde a sua introdução no ordenamento jurídico – fiscal português em 1990, com a publicação do Decreto – Lei nº 192/90, de 9 de Junho [1], passando pela reforma da Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que integrou o seu normativo no Código de IRC até ao momento presente, o regime das tributações autónomas, veio a ser objecto de diversas alterações, nomeadamente através de sucessivas modificações quer das taxas, quer da sistematização e redacção às mesmas conferida, nos respectivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos, ou seja, quer no CIRC, quer no CIRS.

 

- A evolução normativa relativamente à tributação autónoma tem vindo a abranger realidades diversas, como desde logo decorre dos diversos números do actual artigo 88º, subsistindo, todavia, na óptica do legislador, a ratio da sua criação;

 

- Preocupações de combate à fraude e à evasão fiscal (desde logo enunciadas no preâmbulo da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e razões de simplicidade e eficácia na arrecadação fiscal, objectivos de evitar a erosão da base tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, determinaram que o legislador onerasse equitativamente todos os contribuintes com certos tipos de despesas, tendo vindo o regime das tributações autónomas, inserido no CIRC a verificar uma expansão de relevo.

 

- O Tribunal Constitucional convocado a pronunciar-se sobre diversas situações relacionadas com a tributação autónoma (que aqui não são chamadas), tem vindo a pronunciar-se acerca da tributação autónoma, de forma genérica, no sentido de que:

 

“Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectam negativamente a receita fiscal, e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscal que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tento das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social”.

 

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimento em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto de rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere). No caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e, por isso, passível de tributação”. [2]

 

- Igualmente se extraindo do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo [3] que “o legislador criou as taxas de tributação autónoma com vista a penalizar a realização de determinadas despesas uma vez que devem ser tributadas na pessoa/empresa que suporta o respectivo custo (…)

 

- “Na tributação autónoma o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesas que está sujeita a tributação (embora o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesa considerado, se venham a efectuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro”.[4]

 

- A doutrina que tem vindo a debruçar-se sobre esta questão da tributação autónoma, no essencial, não diverge da que dimana da jurisprudência constitucional sumariamente transcrita.

 

- Neste sentido, Saldanha Sanches [5] (com referência ao então artigo 81º nº 3, que previa uma taxa de 10% sobre encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas)

 

“Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da exclusivamente empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou de distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objecto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40.000 (artigo 81º nº 4).

Com esta previsão o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio, demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial, e, por isso, são sujeitos de uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação”.

 

- Estar-se-á, segundo Rui Morais [6] perante “uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários”.

 

“O objectivo parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem delas resultante em IRC”) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utiliza para fins não empresarias bens que gerarem custos fiscalmente dedutíveis: ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto”.

 

- O breve excurso através da génese e finalidades do regime da tributação autónoma, revela-se de central importância para a correcta interpretação da sua conformação enquanto instituto distinto de outras formas de tributação, em sede de IRC, e conduzirá à melhor interpretação a conferir ao artigo 88º do CIRC e, para o que nos ocupa, o seu nº 9.

 

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- Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que, conceitualmente, se podem reconduzir a um de três tipos a saber:

 

- Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex: alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 73º do CIRS);

- Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex: nºs 3,4,7 e 9 do artigo 88º do CIRC);

- Tributação autónoma de despesas não dedutíveis (ex: nºs 1 e 2 do artigo 88º do CIRC)

 

- O artigo 88º do CIRC, contempla, na sua redacção actual vários tipos de tributações autónomas:

 

a. Tributação autónoma sobre despesas não documentadas;

b. Tributação autónoma sobre encargos com viaturas;

c. Tributação autónoma sobre despesas de representação;

d. Tributação autónoma sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

e. Tributação autónoma sobre despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da entidade patronal;

f. Tributação autónoma sobre os lucros distribuídos por entidade sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial;

g. Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como sobre os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;

h. Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.”

 

- Constata-se pois que, do elenco das tributações autónomas previstas no actual artigo 88º do CIRC, estão contidas várias realidades, incidindo as mesmas quer sobre encargos dedutíveis quer sobre encargos não dedutíveis.

Circunstância essa que igualmente se verificava ao tempo de data dos factos (2010) em que redacção do nº 9 do artigo 88º do CIRC, e que para o que aqui releva, era a seguinte:

 

“ São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 45º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam”

 

- Do cotejo da redacção do nº 9 do artigo 88º na redacção de 2010, com a actual, verifica-se absoluta similitude na realidade que ambas encerram justificando-se a não coincidência total pela remissão para a alínea f) do nº 1 do então artigo 45º para o actual 23º- A) por revogação daquele pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro.

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-Recentrando o objecto da presente pronúncia arbitral no “tipo” de tributação autónoma prevista no nº 9 do artigo 88º do CIRC, - tributação sobre “encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal […]” -  a questão é saber-se, in casu, se as mesmas foram ou não facturadas a clientes, de forma a excluir-se na primeira das hipótese a sua tributação, e a verificar-se a sua sujeição à taxa de 5%, na segunda delas.

 

“São ainda tributadas autonomamente, à taxa de 5%, os encargos (….) não faturados a clientes […]”

 

- Do âmbito do procedimento inspectivo de que a Requerente foi alvo, e como decorre do respectivo Relatório elaborado a coberto do artigo 62º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), a AT concluiu (fls. 4) que “o sujeito passivo registou ajudas de custo e com compensação pela utilização de viatura própria, não facturados a clientes, nem sujeitas a tributação em sede de IRS na esfera do beneficiária, o montante total de 781.340,05 Euros, sem que tenha procedido à correspondente tributação autónoma, nos termos do nº 9 do artigo 88º do CIRC, por aplicação da taxa de 5% sobre aquela importância”,

 

- Tendo em consequência procedido à respectiva correcção, dando origem à liquidação adicional de 39.067,00 €, em resultado da aplicação da taxa de tributação autónoma de 5% sobre o referido valor de 781.340,05 €.

 

-A AT, sufragou a posição resultante do Relatório de Inspecção Tributária, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de recurso hierárquico, apresentados pela Requerente, sustentando para tanto e fundamentalmente, que esta não logrou demonstrar que os custos em que ocorreu com “as ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” foram facturadas facturados a clientes.

 

Pois bem:

 

A redacção do nº 9 do artigo 88º do CIRC ao tempo (e que neste segmento de mantém) vai no sentido de excluir a tributação autónoma relativa a custos ocorridos com “ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal” desde que facturados aos respectivos clientes.

 

“ São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 45º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam”.

 

- A questão de divergência entre a Requerente e a AT, já que outra inexiste, prende-se com a prova de imputação de tais custos aos clientes, melhor da sua facturação a estes.

 

- A perspectiva da Requerente, no caso sub judice reconduz-se, na sua essencialidade, ao argumento de que o normativo do nº 9 do artigo 88º do CIRC “apenas refere que não são sujeitos a tributação autónoma os encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador facturados a clientes, não impondo qualquer obrigação quanto à forma dos requisitos documentais que permitam este facto”.

 

- Em contraponto, a posição da Requerida é que não obstante a inexigibilidade de que nas facturas sejam feitas/ mencionadas de forma expressa e discriminada as ajudas de custos, a verdade é que têm que estar reflectidas no valor final facturado aos clientes.

 

-Ora a questão que é colocada é precisamente essa, ou seja, para que tais encargos não sejam sujeitos a tributação autónoma, torna-se necessário que os mesmos tenham sido facturados aos clientes

 

- De acordo com a posição da Requerente, pela interpretação que leva acabo relativamente ao nº 9 do artigo 88º do CIRC, e pela circunstância de a sua contabilidade estar organizada de forma a dispor de sub contas autónomas que lhe permitem distinguir situações em que os custos em causa são, ou não são facturados aos seus clientes, elementos contabilísticos esses a que estão associados mapas de controlo interno, serão os mesmos suficientes e idóneos para prova de que os encargos ocorridos com as “ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viaturas própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal” foram facturados a clientes, se, eventualmente tal dúvida se colocar nomeadamente em sede inspectiva tributária.

Com o devido respeito, afigura-se que a Requerente confunde, neste segmento, dois aspectos distintos.

A circunstância de estarmos perante encargos que são dedutíveis, para efeitos da previsão do artigo 23º do CIRC a bastarem-se em sede documental com os elementos e documentos de suporte contabilístico da Requerente, salientando-se que a Requerida sequer põe em causa a sua indispensabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável, e outra realidade diferente ainda que associada a esta, é a sujeição a tributação autónoma de determinados custos ou encargos ocorridos pelo sujeito passivo que são dedutíveis para efeitos da determinação do seu lucro tributável.

 

Compreende-se que o legislador, atento o escopo das tributações autónomas, de que supra se deu conta, tenha aqui maiores exigências, também extensíveis à prova de que os custos recortados no nº 9 do artigo 88º do CIRC de forma a “escaparem” à incidência da taxa aí prevista de 5% tenham que comprovadamente ter sido facturados aos clientes.

Como bem se apontou na decisão arbitral proferida no processo nº 187/2013- as tributações autónomas sobre custos dedutíveis têm “materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem […] em função de as mesmas “ se situaram numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada de consumo, sendo que notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz no artigo 65º/1 do CIRC), optou por consagrar o regime actualmente vigente […].

 

-Ora, no caso em apreço a Requerente não logrou provar que os custos que estiveram na origem na liquidação adicional que põe em causa, tivessem sido efectivamente facturados aos seus clientes não se mostrando suficiente a alegação de que tem a sua contabilidade organizada de forma a que através de sub contas autónomas e de mapas de controlo interno das deslocações seja possível distinguir as situações em que tais custos são ou não facturados aos seus clientes.

Embora não se exigindo que os custos a que se reporta o nº 9 do artigo 88º do CIRC sejam reflectidos/ inscritos de forma expressa nas facturas emitidas aos clientes, tal facto não exclui – como observa a Requerida – que a Requerente esteja dispensada de provar que o preço final inscrito nas facturas tenha incorporado os valores relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

As considerações que supra se alinharam quanto ao escopo das tributações autónomas, com particular acuidade para as situações em que se está perante tributações autónomas incidentes sobre encargos dedutíveis, consequentemente não questionados pela AT para efeitos de determinação do lucro tributável (artigo 23º do CIRC) que aqui encontram acolhimento, determinam que a exclusão da tributação à taxa prevista no nº 9 do artigo 88º do CIRC, tenha subjacente a prova de que os encargos aí previstos tenham sido efectivamente facturados aos clientes e no valor final a estes imputado, prova que, salvo melhor opinião, a Requerente não logrou alcançar.

 

 

D. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a. julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente, quanto á ilegalidade da liquidação adicional de IRC nº 2013 … e demonstração da liquidação de IRC nº 2013 …, relativos ao exercício de 2010, mantendo o acto tributário impugnado, e, consequentemente improcedente o pedido formulado relativo a juros indemnizatórios.

 

b. condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

E. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º A) nº 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 39.187,83 €.

 

F. CUSTAS

A cargo da Requerente, nos termos dos artigos 2º e 4º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e 12º nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT.

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

Lisboa, trinta de Abril de dois mil e quinze

 

O árbitro

 

 

(José Coutinho Pires)



[1] Onde se previa s tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidencias ou não documentadas.

[2] Acórdão nº 617/2012, de 19 de Dezembro de 2012 (Plenário).

[3] Acórdão de 12-04-2012, relatado pela Conselheira Fernanda Maças.

[4] Acórdão do Tribunal Constitucional citado.

[5] Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2007, páginas 407 e seguintes.

[6] Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra 2009, reimpressão da edição de Novembro de 2008, páginas 202 e seguintes.