Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 733/2014-T
Data da decisão: 2015-03-18   
Valor do pedido: € 41.891,36
Tema: IRC - Tributação autónoma relativa a encargos com ajudas de custo
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Processo 733/2014

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. No dia 22-10-2014, a sociedade A, S.A., NIPC ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo em vista a declaração da ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) de 2006, formalizado pela nota de liquidação emitida com o número 2009 ..., na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, bem como à determinação do reembolso do IRC pago em resultado da referida correcção, no valor de € 41.891,36, acrescido de juros indemnizatórios.

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

4.1. A Requerente adopta um período de tributação não coincidente com o ano civil, o qual corresponde ao período compreendido entre 1 de Outubro e 30 de Setembro.

4.2. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa às demonstrações financeiras e declarações fiscais relativas ao exercício fiscal findo a 30 de Setembro de 2007 (exercício fiscal de 2006), em resultado da qual foram promovidas diversas correcções ao IRC liquidado pela Requerente.

4.3. Em resultado da referida acção de inspecção, a Requerente foi notificada do relatório final em Dezembro de 2009, no qual a DSIT promoveu, entre outras correcções à matéria colectável, uma correcção relativa à tributação autónoma incidente sobre as despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, no montante de € 41.891,36.

4.4. Em face das correcções supra referidas, a Requerente viria a ser notificada, em 23 de Dezembro de 2009, da liquidação adicional de IRC n.º 2009 ..., relativa ao exercício de 2006, no montante total de € 451.932,46, incluindo juros compensatórios.

4.5. Não obstante, por não concordar com parte das correcções promovidas pela DSIT, a Requerente apresentou reclamação graciosa com vista à sua contestação.

4.6. Em 15 de Março de 2012, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

4.7. A Requerente interpôs recurso hierárquico da mesma.

4.8. Em 25 de Julho de 2014 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto.

4.9. A DSIT efectuou uma correcção no montante de € 41.891,36, respeitante à tributação autónoma sobre os encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

4.10. No decurso do processo de inspecção conduzido pela DSIT, a Requerente demonstrou que os custos em apreço respeitam a ajudas de custo e a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador que são facturados a clientes.

4.11. Não obstante, a DSIT entendeu que os custos em apreço deveriam ser sujeitos a tributação autónoma, utilizando como argumentação base para justificar a correcção o facto de a Requerente não proceder à discriminação explícita destes custos nas facturas emitidas aos seus clientes.

4.12. A Requerente discorda dessa exigência entendendo que a mesma não decorre directa ou indirectamente do n.º 9 do artigo 81.º do Código do IRC, na redacção em vigor à data dos factos.

4.13. Efectivamente, o n.º 9 do artigo 81.º do Código do IRC apenas refere que não são sujeitas a tributação autónoma as despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador facturadas a clientes, não impondo qualquer obrigação quanto à forma dos requisitos documentais que permitam comprovar este facto.

4.14. No que toca a requisitos documentais em sede de IRC, o que releva para efeitos da comprovação fiscal de um determinado custo é, essencialmente, a comprovação da sua efectiva realização por parte do sujeito passivo e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

4.15. Ora, conforme a Requerente considera ter demonstrado, dispõe da sua contabilidade organizada por forma a controlar os custos que efectivamente factura aos seus clientes, bem como a dar cumprimento aos requisitos mencionados no n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC, segundo os quais a contabilidade deverá, designadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilística, reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal, permitindo o controlo do lucro tributável.

4.16. Nesta medida, e uma vez que a sua contabilidade está organizada nos termos supra referidos, entende a Requerente que goza da presunção da veracidade e de boa-fé das suas declarações, bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT.

4.17. A Requerente considera ainda ter cumprido a regra de organização da contabilidade consagrada na alínea a) do n.º 3 do artigo 115.º (actual artigo 123.º) do Código do IRC, uma vez que apresentou mapas de controlo destas ajudas de custos como apoio documental, os quais não foram questionados pela DSIT.

4.18. Entende por isso a Requerente que a existência de documentação interna (neste caso, de mapas de controlo) é suficiente para justificar a operação em apreço e afastar a tributação autónoma.

4.19. De acordo com o entendimento do princípio da legalidade, consagrado no artigo 74.º da LGT, cabe à DSIT o ónus da prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao destinatário.

4.20. No âmbito do Ofício n.º 40676, de 23/06/99, a Autoridade Tributária veio divulgar o entendimento de que a observância do requisito da facturação aos clientes aquando da sujeição a tributação autónoma deve ser interpretada no sentido de que as empresas devem munir-se dos elementos passíveis de comprovar que os encargos suportados a este título foram efectivamente facturados.

4.21. Assim, será necessário dar a conhecer o nome do beneficiário, o local para onde se deslocou, a data da deslocação, bem como o montante diário que lhe foi atribuído, de modo a aferir se o mesmo excede os limites legais de não sujeição a IRS a que se refere a alínea e) do n.º 3, do artigo 2.º, do respectivo Código, bem como o valor facturado, com indicação dos serviços a que tais custos vão ser imputados.

4.22. Ora, a Requerente dispõe de mapas de controlo das deslocações, nos quais constam os elementos legalmente exigidos, bem como mapas que servem para controlar o valor das ajudas de custo facturado no âmbito das suas prestações de serviços.

4.23. É ainda referido no entendimento preconizado pela Autoridade Tributária no referido Ofício que, “desde que as empresas possuam mapas com todos os elementos referidos, indispensáveis a uma correcta aplicação do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC [actual artigo 45.º], a facturação a emitir ao cliente poderá apresentar o preço global do serviço prestado, não sendo pois, necessário evidenciar os vários componentes que constituem o mesmo”.

4.24. A DSIT não aceitou nenhum dos argumentos apresentados, referindo no relatório de inspecção que existe uma informação vinculativa emitida em resposta a um requerimento da própria Requerente sobre o assunto em apreço, segundo a qual “ainda que o custo seja efectivo, não se deverá admitir a possibilidade de omissão da menção expressa das ajudas de custo e quilómetros nas facturas” (cfr. Anexo VIII do relatório de inspecção).

4.25. A Requerente manifesta a sua discordância face à afirmação incluída no relatório de indeferimento do recurso hierárquico onde a Autoridade Tributária refere (pg. 11) que “não tendo a ora recorrente, como se retira do relatório de inspecção apresentado prova inequívoca da facturação a clientes (…) foram os factos tributários em debate, sujeitos a tributação autónoma, conforme se encontra descrito no referido relatório de inspecção”.

4.26. Considera a Requerente que tal afirmação não só não corresponde à realidade, como não decorre do relatório de inspecção.

4.27. Efectivamente, a Requerente considera ter apresentado prova inequívoca da facturação a clientes dos montantes das ajudas de custo pagas aos trabalhadores através da organização da sua contabilidade e dos respectivos mapas de controlo, apenas não tendo feito a discriminação das referidas ajudas de custo nas facturas que emite.

4.28. Ou seja, a correcção proposta não se prende com a substância dos custos incorridos e a sua repercussão nos clientes, pois a Autoridade Tributária não contesta que efectivamente estes custos tenham sido facturados a clientes, mas sim com a forma, na medida em que sustenta que os mesmos não foram facturados de forma expressa.

4.29. A Requerente solicita ainda que, sendo procedente a decisão arbitral, lhe sejam pagos, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime da Arbitragem em Matéria Tributária e dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respectivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária.

 

 

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

 

5.1. À data dos factos regia a matéria o artigo 81º n.º 9 do CIRC, na redacção dada pela Lei 55-B/2004 de 31 de Dezembro.

5.2. Esta norma reveste, como a maioria das normas que prevêem a tributação autónoma, a categoria de norma anti-abuso.

5.3. Nessa medida, e dada a natureza das despesas suportadas com as ajudas de custo, que são de difícil comprovação, correspondendo, frequentemente, a verdadeiros complementos de salários assim encapotados, foi entendimento do legislador restringir a sua aceitação apenas no caso em que fossem imputadas aos clientes.

5.4. E o modo de assegurar esse controlo é através da expressa menção do facto nas facturas emitidas.

5.5. Caso a Requerente o tivesse feito, como lhe foi indicado na Informação Vinculativa, e na senda de informações doutrinárias anteriores, podia deduzir as referidas despesas para efeitos fiscais.

5.6. O que significa que não tendo sido feita a referida especificação, os mesmos estão sujeitos a tributação autónoma nos termos previstos na lei.

5.7. O entendimento administrativo emanado através do ofício n.º 40676, de 23/06/1999, tem por base a redacção introduzida pelo artigo 30º da Lei n.º 87-B/98 de 31/12, que antecedeu a vigente no ano de 2006, redacção essa que consagrava uma menor exigência, em termos probatórios, relativamente aos elementos e documentos aptos à demonstração da realidade subjacente à norma.

5.8. É um facto que a referida doutrina administrativa indica não ser exigível que a facturação das ajudas de custo seja feita de forma expressa e discriminada na facturação a clientes.

5.9. Porém, não isenta – pelo contrário – os sujeitos passivos de imposto de possuir elementos aptos à demonstração que, não obstante tal facto, o preço final indicado ao cliente contempla os valores relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

5.10. No concreto caso dos autos, o “problema” reside, apenas e só, na realidade, não contestada pela Requerente, que, em sede inspectiva, foi (expressamente) notificada para proceder à demonstração desse concreto aspecto, ou seja, que os valores referentes a ajudas de custo (e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador) estavam reflectidos no valor final facturado ao cliente.

5.9. Só que o contribuinte não fez tal prova, seja no decurso do procedimento inspectivo ou em algum dos procedimentos subsequentes.

5.10. Não tendo essa prova sido feita, e consequentemente, não tendo sido demonstrados os pressupostos de aplicação do n.º 9 do artigo 81º do CIRC, não podia legalmente deixar de ser determinada a sujeição a tributação autónoma das despesas em causa.

5.11. Acresce que essa prova também não foi feita em sede de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico.

5.12. Efectivamente, para demonstrar os pressupostos da norma do CIRC aqui em causa, teria a então Reclamante, ora Requerente, de demonstrar que, embora não facturados ao cliente, esses valores estavam, de facto, incluídos no “preço”.

5.13. Aquela norma, ao recorrer à expressão “não facturadas a clientes”, visou expressamente obrigar os contribuintes a fazer constar nas facturas emitidas o montante correspondente a ajudas de custo e aos quilómetros percorridos.

5.14. Não está aqui em causa a comprovação do pagamento das ajudas de custo aos trabalhadores, uma vez que essa está sustentada nas “folhas de serviço” apresentadas, admitindo-se, consequentemente, a dedutibilidade dos gastos.

5.15. Nos presentes autos o que releva é saber se, a fim de afastar a tributação autónoma, os documentos apresentados a título de exemplo, cumprem os pressupostos a que a norma alude.

5.16. Assim, verificando aquela documentação, conclui-se que a mesma não indica o local, o tempo ou a distância percorrida, não permitindo desse modo o controlo do montante debitado. 5.17. Efectivamente, uma vez que a factura agrega os valores, não se pode estabelecer uma correlação directa entre o montante global facturado e as ajudas de custo pagas aos trabalhadores.

5.18. E o mesmo se diga relativamente aos elementos de prova juntos ao presente pedido de pronúncia arbitral.

5.19. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, não se verifica o circunstancialismo necessário ao seu reconhecimento, uma vez que não há no caso qualquer erro de facto ou de direito imputável aos serviços.

 

6. Em 3 de Fevereiro de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu ao abrigo do art. 16º c) do RJAT despacho dispensando a reunião prevista no art. 18º do mesmo diploma por o objecto do litígio respeitar fulcralmente a matéria de direito, não terem sido deduzidas excepções, não terem sido requeridas quaisquer diligências de prova autónomas pelas partes, e constarem dos autos os documentos pertinentes, admitindo, porém, convocá-la se as partes assim o entendessem.

 

7. As partes não requereram que se promovesse a reunião prevista no art. 18º do RJAT.

 

II - Factos provados

 

8. Antes de entrar no conhecimento do mérito da causa, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto, e em face dos factos alegados, se fixa como segue:

 

8.1. A Requerente adopta um período de tributação não coincidente com o ano civil, o qual corresponde ao período compreendido entre 1 de Outubro e 30 de Setembro.

8.2. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa às demonstrações financeiras e declarações fiscais relativas ao exercício fiscal findo a 30 de Setembro de 2007 (exercício fiscal de 2006), em resultado da qual foram promovidas diversas correcções ao IRC liquidado pela Requerente.

8.3. Em resultado da referida acção de inspecção, a Requerente foi notificada do relatório final em Dezembro de 2009, no qual a DSIT promoveu, entre outras correcções à matéria colectável, uma correcção relativa à tributação autónoma incidente sobre as despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, no montante de € 41.891,36.

8.4. Em face das correcções supra referidas, a Requerente foi notificada, em 23 de Dezembro de 2009, da liquidação adicional de IRC n.º 2009 ... relativa ao exercício de 2006, no montante total de € 451.932,46, incluindo juros compensatórios.

8.5. A Requerente apresentou reclamação graciosa com vista à sua contestação.

8.6. Em 15 de Março de 2012, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

8.7. A Requerente interpôs recurso hierárquico da mesma.

8.8. Em 25 de Julho de 2014 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto.

8.9. A Requerente pagou o IRC referente à nota de liquidação emitida com o número 2009 ....

8.10. A Requerente dispõe de mapas de controlo das deslocações, nos quais constam os elementos relativos às mesmas, bem como mapas que servem para controlar o valor das ajudas de custo facturado no âmbito das suas prestações de serviços.

 

9. Os factos provados resultam dos documentos juntos com a petição inicial.

 

III.       Do Direito

 

10. São as seguintes as questões a apreciar:

a) A eventual ilegalidade parcial do acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador

b) O direito a juros indemnizatórios

Analisemos assim estas questões:

 

DA ILEGALIDADE PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC

 

11. À data dos factos regia o artigo 81º, nº 9 do Código do IRC, na redacção dada pela Lei 55-B/2004, de 31 de Dezembro, a qual dispunha o seguinte: “São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no exercício a que os mesmos respeitam”.

12. O artigo 42º, nº 1, alínea f), do Código do IRC refere que: “Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (…) As despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência, objectivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respectivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário

13. No relatório inspectivo, em que sustenta que «(…) importa aferir da sujeição ou não a tributação autónoma dos registos contabilísticos efectuados nas contas POC #62227310 – Amount paid per km driven e #6422100 wages daily cost imputable to customers, cujo valor não é evidenciado na factura emitida, mas tão só nos mapas de controlo das deslocações» a Administração Tributária acaba por reconhecer que os valores referidos foram facturados aos clientes, entendendo, no entanto, que esse valor teria que estar discriminado na factura e não apenas nos mapas de controlo das deslocações.

14. Não está assim em causa neste processo saber se os valores foram facturados aos clientes, pois a própria Administração Tributária consegue aferir dessa realidade, estando apenas em causa a exigência formal de que esse valor esteja discriminado na factura. Aliás, de acordo com o artigo 75º da LGT: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

15. Ora, como bem se sustentou no Acórdão deste Centro de Arbitragem, emitido no processo 85/2012-T, junto pela Requerente como doc. nº10:

 

"A letra da alínea f) do nº1 do art. 42º do CIRC, ao fazer referência «a despesas não facturadas a clientes», não exige explicitamente que o montante das ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador seja discriminado nas facturas.

Por outro lado, não é requisito das facturas relativas às prestações de serviços, a discriminação de cada um dos custos necessários para os prestar, como se infere do art. 35º do CIVA vigente em 2001/2002 (actual art. 36º).

O facto de se prever, na parte final daquela alínea f), que não é dedutível a totalidade das despesas desses tipos quando a empresa não disponha «por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência, objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário» revela que é legalmente exigível uma comprovação completa à identificação dessas despesas «por cada pagamento efectuado», mas não implica que essa indicação tenha que constar das facturas. Pelo contrário, a imposição da existência de "um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas» aponta no sentido de não ser necessária a indicação expressa nas facturas, já que o mapa assegurará a possibilidade do controlo visado”.

 

16. É assim claro que não se encontra exigido por lei que os valores de ajudas de custo tenham de estar expressamente discriminados na factura. Refere-se apenas que os mesmos têm de ser “facturados”, ou seja, têm de estar incluídos no preço a pagar pelo cliente.

17. De modo algum se pode entender que a expressão “facturado” significa “expressamente discriminado na factura”, requisito que não se encontra legalmente previsto.

18. Entende-se, por isso, que os documentos pertencentes à contabilidade da Requerente são suficientes para aferir do pagamento das ajudas de custo, não havendo por isso motivo para a correcção a que procedeu a Autoridade Tributária.

19. Decide-se, portanto, que o acto tributário em causa é parcialmente ilegal e que o valor do imposto referente à tributação de ajudas de custo deverá ser devolvido à Requerente.

 

DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

20. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.

21. Decorre do número 1 desse artigo que "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

22. Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.

26. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

27. Como já se referiu, a Autoridade Tributária tinha pleno conhecimento da facturação das ajudas de custo aos clientes.

28. Entendendo apesar disso estabelecer uma exigência formal, que não se encontra prevista na lei.

21. E que foi apenas criada pela própria Administração Tributária contra legem.

22. Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

23. Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º/1 da LGT), entendemos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 41.891,36,que serão contados desde a data do pagamento desse montante, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

 

IV – Decisão

 

Face ao exposto, julga-se procedente o pedido de declaração da ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) de 2006, formalizado pela nota de liquidação emitida com o número 2009 ..., na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, que determinou, em resultado da referida correcção, o incremento do IRC no valor de € 41.891,36.

Em consequência, condena-se a Administração Tributária ao reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 41.891,36, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data em que essa importância foi paga pela Requerente, até ao integral reembolso do mencionado montante.

 

Valor do processo

Fixa-se ao processo o valor de € 41.891,36 (valor indicado e não contestado).

 

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 2.142.00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Lisboa, 18 de Março de 2015

 

 

O Árbitro

 

 

(Luís Menezes Leitão)