Processo n.º 723/2014-T
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Nuno Maldonado Sousa e Dr. Luís Máximo dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-12-2014, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, NIF …, com domicílio fiscal em …, caixa postal …-B, …-… …, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 23.º e 95.º da Lei Geral Tributária ("LGT"), 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 137.º, n.º 1, do Código do IRC, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("RJAT"), requerer a constituição do tribunal arbitral colectivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O Requerente pretende pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º … 2012 … e, por via disso, da liquidação de IRC n.º 2007 …, de 8 de Outubro de 2007.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 26-09-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-10-2014.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 09-12-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-12-2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, requerendo a suspensão da instância, suscitando excepções e defendendo a improcedência total, ou pelo menos parcial, da presente acção arbitral.
O Requerente respondeu às questões suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por acórdão de 23-02-2015, foram julgadas improcedentes as excepções e indeferido o pedido de suspensão da instância.
No mesmo acórdão, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.
As Partes apresentaram alegações.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Requerente é advogado, titular da cédula profissional n.º …-F, com escritório na …, n.º …, ….º F, …-… …;
b) No dia 23 de Agosto de 2004, o Requerente outorgou em escritura pública de compra e venda de imóvel em representação da F… Limited;
c) O referido imóvel havia sido adquirido em 2000 (8/9 indivisos em 31 de Março de 2000 e o restante 1/9 indiviso em 27 de Setembro do mesmo ano);
d) A 10 de Fevereiro de 2012, o Requerente foi citado em sede do processo de execução fiscal n.º … 2008 …, sendo-lhe imputada a responsabilidade solidária pelo pagamento de € 122.606,40 (€ 92.806,77, a título de quantia exequenda, por IRC do ano de 2004, e € 29.799,63, a título de respectivo acrescido, como juros de mora e custas processuais);
e) O Requerente nunca foi notificado pela Administração Tributária no âmbito do procedimento de inspecção que precedeu a liquidação de IRC na origem da execução fiscal n.º … 2008 …;
f) O Requerente não foi directamente notificado da respectiva liquidação de imposto;
g) Ao Requerente não foi concedido prazo para o respectivo pagamento voluntário, antes do processo de execução fiscal;
h) O Requerente não foi notificado em nenhum momento anterior à citação concretizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º … 2008 … do entendimento da AT quanto à responsabilidade solidária que lhe é imputada na qualidade de gestor de bens e direitos da F…;
i) O Requerente não foi notificado para participar na decisão administrativa que lhe imputou essa qualidade;
j) A nota de citação do Requerente é omissa quanto à notificação da liquidação à F… Limited;
k) O Requerente reclamou graciosamente da referida liquidação de IRC, peticionando a sua anulação, assim como a nulidade consequente dos juros compensatórios constantes da mesma liquidação, com os seguintes fundamentos:
1- O Requerente não foi notificado quer da inspecção tributária decorrente da ordem de serviço interna n.º OI 2006 …, de 17 de Novembro de 2006, quer da liquidação n.º 2007 …, para o exercício do correspondente direito de audição antes da liquidação ou antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, do projecto de decisão de imputação da qualidade de responsável solidário pelas dívidas da F… LIMITED ou mesmo do prosseguimento da execução n.º … 2008 … contra si, o que consubstancia a preterição do princípio da participação dos interessados nas decisões administrativas, previsto nos termos dos artigos 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), 100.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), 60.º da LGT e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (“RCPIT”);
2- A Direcção de Finanças de Faro não era o órgão competente para a emissão da ordem de serviço interna n.º OI 2006 …, da qual resultou o procedimento interno de inspecção tributária que esteve na origem da liquidação n.º 2007 …;
3- Não foram consideradas na quantificação da mais-valia apurada as despesas suportadas pela F… LIMITED com a aquisição e alienação do imóvel, tais como o pagamento do Imposto Municipal de Sisa (“SISA”), do Imposto do Selo (“IS”) e despesas notariais;
4- O artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas pelos residentes mas não das mais-valias realizadas pelos não residentes, consagra um tratamento arbitrariamente diferenciado entre sujeitos passivos residentes e não residentes, e por isso incompatível com a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”);
5- A liquidação n.º 2007 … é inexigível por falta de notificação da mesma ao Requerente antes 31 de Dezembro de 2008, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT, não estando igualmente comprovada qualquer notificação que possa haver sido efectuada à F… LIMITED dentro daquele prazo de caducidade;
l) Tal reclamação graciosa foi indeferida por decisão da Direcção de Finanças de Lisboa, notificada em 10-08-2012 ao Requerente pelo ofício n.º …, de 7 de Setembro de 2012;
m) O Requerente recorreu hierarquicamente da mesma, sendo notificado do indeferimento parcial desse recurso pelo Ofício n.º …, de 17 de Julho de 2014, no qual foi mantido o acto tributário em causa e apenas se concedeu na inclusão de despesas de aquisição do imóvel em causa, no montante de € 2.569,01;
n) Ao abrigo da OI2006 …, de 17-11-2006, da Direcção de Finanças de Faro, foi efectuada
uma acção inspectiva interna à F… LIMITED, com o NIPC …, sociedade de direito gibraltina, entidade não residente sem estabelecimento estável em território nacional, tendo por objecto o IRC de 2004;
o) Na inspecção referida verificou-se que por escritura pública de compra e venda outorgada no 2º Cartório Notarial de Faro, a 23-08-2004, a F… LIMITED procedeu à alienação do lote de terreno para construção urbana, inscrito na matriz da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo …, pelo preço de € 400.000,00, imóvel que havia sido adquirido pelo sujeito passivo a título oneroso pelo montante de €25.690,09;
p) Em 05-05-2004, a F… LIMITED constitui seu procurador o Requerente a quem conferiu «todos os poderes necessários, para em nosso nome e como se de nós próprios se tratasse fazer, praticar, executar e assinar quaisquer dos seguintes actos, escrituras e coisas:
OU SEJA:
1. Para vender pelo preço e condições que entender convenientes a propriedade da Sociedade, designada por lote …, situado no loteamento com o Alvará n.º …/… denominado … ou …, freguesia de …, concelho de …, Portugal, assinando contratos promessa de compra e venda, recebendo o respectivo preço e dele dando quitação, assinar a escritura de compra e venda e todos e quaisquer outros documentos necessários à concretização da transacção» (documentos de fls. 12, 13 e 14 do documento «PA8.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
q) Com referência ao IRC de 2004, a F… LIMITED não entregou a declaração de rendimentos modelo 22, nos termos do art. 109.º e da alínea b) do nº 5 do art. 112.º, ambos do CIRC, referente à mais-valia obtida com a alienação onerosa de imóvel;
r) A inspecção tributária propôs uma correcção meramente aritmética à matéria tributável referente à mais-valia obtida com a alienação onerosa do referido imóvel, fundamentando-a “na obtenção de rendimentos previstos no artigo 10º CIRS, seguindo o procedimento conforme dispõe o n.º 2 do artigo 16º e o artigo 51º, ambos do CIRC” tendo a sua determinação sido feita “com base no disposto nos artigos 43º, 44º, 46º e 50º do CIRS”, calculada no montante de € 371.227,10, conforme se discrimina:
s) Na sequência da inspecção foi emitida a liquidação de IRC relativo ao ano de 2004 com n.º 2007 …, datada de 08-10-2007 , no valor de € 92.806,77, em que, além do mais, é indicado como Sujeito Passivo «F… Limited Representado por: E…, R… N … 1 Dto, …-… …» (documento n.º 3 junto com a reposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido)
t) A fls. 81 do processo administrativo (página 25 do documento «PA7.pdf») encontra-se um «print» com o seguinte teor:
u) A fls. 82 do processo administrativo (página 26 do documento «PA7.pdf») encontra-se um «print» com o seguinte teor:
v) A Autoridade Tributária e Aduaneira juntou à sua resposta o documento n.º 1, com o seguinte teor:
w) A Autoridade Tributária e Aduaneira juntou à sua resposta o documento n.º 2, com o seguinte teor:
x) A ferramenta de pesquisa de objectos registados dos CTT mostra o seguinte quanto ao objecto cm o n.º RY…PT (fls. 10 do documento «PA4.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido)
y) Na sequência de um pedido de esclarecimento dirigido pela Autoridade Tributária e Aduaneira à «Gestora dos CTT da Autoridade Tributária e Aduaneira», relativo ao facto de a ferramenta de pesquisa de objectos registados mostrar a mensagem «Estado – Objecto não encontrado» relativamente ao Registo CTT «RY … PT de 2007.11.28» a Autoridade Tributária e Aduaneira foi informada, além do mais, do seguinte:
«Em resposta ao vosso pedido temos a informar que os CTT só dispõem de informação no sistema de pesquisa de objetos postais, vulgo Track & Trace até 15 meses, sendo o arquivo físico preservado até 18 meses.
Tratando-se o v/ pedido de informação sobre registos enviados/expedidos no ano de 2007 e, perante o descrito encontramo-nos impossibilitados de atender à v/ solicitação.
Informamos ainda que as reclamações sobre objetos registados devem ser apresentadas no prazo de 12 meses para o Serviço Nacional e de 6 meses para o Serviço Internacional.» (documento n.º 4 junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
z) Em 30-05-2007 a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou notificação do projecto de correcções da inspecção tributária, para exercício do direito de audição prévia, através do ofício nº … de 30-05-2007, dirigido à F… LIMITED ao cuidado do representante fiscal E…, indicando como morada a Rua …, Lote … A 4.º …, …-… …, através do registo postal nº RM …, tendo a carta sido devolvida com a indicação «Desconhecido» (fls. 45, 46 e 47 do documento «PA7.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
aa) Em 30-05-2007 a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou notificação do projecto de correcções da inspecção tributária, para exercício do direito de audição prévia, através do ofício … de 3-05-2007, à F… LIMITED, para a morada …., 7, … …, através de registo postal n.º RM … PT (fls. 2 e 3 do documento «PA8.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
bb) Em 25-06-2007, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou carta registada com aviso de recepção à F… LIMITED para a morada …, …, … …., para notificação do Relatório da Inspecção Tributária com as correcções, sendo a carta recebida em 28-06-2007 por pessoa não identificada (fls. 7, 8 e 9 do documento «PA8.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
cc) Em 25-06-2007, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou carta registada com aviso de recepção à F… LIMITED «na pessoa do seu representante E…, indicando como morada R. … – Casa … 1 … … …-… …» que foi recebida por pessoa não identificada (fls. 10 e 11 do documento «PA8.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
dd) Em 30-05-2007, do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira constava que a morada da F… LIMITED era …, …, … … (fls. 15 e 16 do documento «PA8.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
ee) Em 09-11-2004 e 30-05-2007, do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira constava que a morada de E… era R EN…, n.º … -1 …, …-… … (fls, 25 do documento «PA4.pdf» e fls. 17 do documento «PA8.pdf» juntos com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e que se dão como reproduzidos);
ff) Em 19-04-2009, do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira constava que a morada de E… era «R …, N … – 3 … …» (fls. 40 do documento «PA4.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira cujo teor se dá como reproduzido);
gg) Em 19-04-2009, do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira constava que a morada da F… LIMITED era «R …, N … – 3 … DT, N … – 3 … DT …» (fls. 38 e 39 do documento «PA4.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira cujo teor se dá como reproduzido);
hh) Em 06-02-2012, foi preferido despacho no processo de execução … 2008 … instaurado para cobrança da quantia liquidada acima referida, determinado a citação do Requerente como responsável solidário (fls. 49 do documento «PA6.pdf» junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
ii) Em 10-12-2012, o Requerente foi citado no processo de execução … 2008 ….
2.2. Factos não provados
Não se provou que não tivesse sido concedido ao Requerente prazo para o pagamento voluntário da quantia liquidada no acto impugnado, designadamente na sequência de citação no processo de execução fiscal referido nos autos.
Não se provou que a carta expedida para notificação da liquidação tivesse sido expedida nem que tivesse sido recebida.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no ponto 11 das suas alegações, reconhece como verdadeiros todos os factos referidos pelo Requerente no ponto III das suas alegações, com excepção dos referidos nas alíneas b) e g).
No que concerne à alínea b) a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas não reconhece que o Requerente interveio na escritura de 23 de Agosto de 2004 «no âmbito de exercício da sua profissão», pois não questiona que o Requerente outorgou em escritura pública de compra e venda de imóvel em representação da F… Limited.
No que concerne à alínea g), em que o Requerente afirma que não lhe foi concedido prazo para o pagamento voluntário da quantia liquidada, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que não lhe foi concedido prazo para tal pagamento voluntário antes da execução fiscal.
Quanto à notificação da liquidação, não se deu como provado em face da manifesta insuficiência de prova.
Na nota de liquidação refere-se o número de registo RY … PT (documento n.º 3 junto com a resposta) e a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende demonstrar que ela foi enviada com base nos documentos 1 e 2 que juntou também com a resposta.
O documento n.º 2 é um «print» elaborado pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira, elaborado em 27-01-2015, que segundo a mesma indicará que foram enviados em 30-11-2007, registos desde o n.º RY … PT ao n.º RY … PT, ao todo 8.319 registos, abrangendo, assim, o n.º RY … PT, correspondente à nota de liquidação referida.
Porém, a Guia de Expedição que consta do documento n.º 1, refere apenas a expedição em 30-11-2007, de 1.986 registos.
Por isso, se o primeiro registo expedido naquela data tinha o n.º RY … PT, como se refere naquele «print», a Guia de Expedição apenas comprovará que forem expedidos registos até ao n.º RY … PT (…+1.986), não abrangendo, por isso o n.º RY... PT, … que se indica na nota de liquidação.
Por isso, não se pode concluir que esta guia se reporte aos registos indicados naquele «print», e, consequentemente, que a liquidação tenha sido expedida.
Para além disso, nem sequer ficou demonstrado que a morada do referido representante E… fosse, à data indicada como sendo a da expedição da notificação da liquidação, na R …, n.º … -1 …, …-… …. Na verdade, embora seja essa a morada que se indica com o sendo a deste representante em 30-05-2007 (fls. 17 do documento «PA8.pdf»), constata-se que, nessa mesma data, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou o projecto de Relatório da Inspecção Tributária para uma morada diferente, a Rua …, Lote … A 4.º Esq, …-… … (fls. 45, 46 e 47 do documento «PA7.pdf»).
Nestas condições, se a morada correcta do representante E… era, em 30-05-2007, na R …, n.º … -1 …, …-… …, tem de se concluir que a carta com o projecto de Relatório da Inspecção Tributária enviada para exercício do direito de audição não foi enviada para a morda certa. Se morada do representante, em 30-05-2007 era, afinal, na Rua …, Lote … A 4.º Esq, …-… …, não pode deixar de se ficar na dúvida, pelo menos, sobre se não seria também esta a morada deste representante em 30-11-2007, quando foi alegadamente enviada a carta para notificação da liquidação.
De qualquer modo, a garantia constitucional da tutela judicial efectiva assegurada aos contribuintes em relação a todos os actos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, doravante “CRP”) não é compatível com um controle jurisdicional da prática de actos pela Autoridade Tributária e Aduaneira baseado essencialmente em documentos internos por ela emitidos, reclamando que haja entidades externas, independentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, que permitam aferir se os actos foram praticados e quando o foram. Designadamente, no caso das notificações para exercício do direito de audição e de liquidações enviadas pelo correio, a garantia do respeito pelos direitos dos contribuintes não pode dispensar a comprovação pelos correios de que a expedição e entrega foram efectuadas, o que não sucede no caso em apreço, em que a indicação dos registos alegadamente expedidos em 30-11-2007 é feita apenas com base num «print» emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sem certificação de que os registos nele referidos foram expedidos. Na verdade, a guia de expedição de registos que consta do documento n.º 2, junto com a resposta, tanto pode referir-se aos registos que constam do «print» junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como a quaisquer outros, para além de o facto de a quantidade de registos indicada no «print» não corresponder à quantidade indicada na guia apontar mesmo fortemente no sentido de que esta não se reporta a esses registos.
3. Matéria de direito
O Requerente coloca os vícios que imputa à liquidação impugnada com uma ordem de subsidiariedade, pelo que será essa a ordem que se deve adoptar na apreciação dos vícios, como decorre do preceituado nos artigos 101.º e 124.º, n.º 2, alínea b), do CPPT, aplicáveis supletivamente por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
3.1. Preterição do direito de audição prévia
3.1.1. Preterição do direito de audição em relação ao Requerente, antes da liquidação
O Requerente imputa ao acto impugnado vício de preterição do direito de audição prévia na qualidade de responsável solidário.
A legitimidade dos responsáveis solidários para intervenção no procedimento tributário «resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal» (artigo 9.º, n.º 2, do CPPT).
No caso em apreço, não foi feita antes da liquidação qualquer exigência do cumprimento da obrigação pelo Requerente, apenas tendo ela vindo a ser feita na sequência de reversão da execução fiscal, quando os procedimentos tributários de inspecção e de liquidação já estavam findos.
O artigo 60.º da LGT, ao prever as situações em que «os contribuintes» têm direito de audição reporta-se necessariamente aos que têm legitimidade para intervir no procedimento tributário.
Na mesma linha, o artigo 60.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária apenas prevê o direito de audição da «entidade inspeccionada».
Por outro lado, do artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» não decorre a imposição de ser assegurado o direito de participação em relação a todas as decisões da Administração, pois, remete-se para «lei especial» a definição das formas que deve assumir o direito de participação.
E o certo é que, não tendo direito de audição antes da liquidação e do relatório da inspecção tributária, o Requerente não deixou de ter oportunidade de se pronunciar sobre a decisão final da Administração Tributária a seu respeito, designadamente no âmbito de procedimento de reclamação graciosa e de recurso hierárquico.
O responsável solidário, embora possa ser chamado a cumprir a obrigação tributária, não está em termos substantivos na mesma situação do devedor originário quanto à responsabilidade pelo pagamento, pois goza do direito de regresso sobre o devedor originário, nos termos do artigo 524.º do Código Civil, que estabelece que «o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete».
Por isso, tendo em conta os princípios da proporcionalidade, da eficiência e da praticabilidade que devem enformar o procedimento tributário (artigo 46.º do CPPT), justifica-se que aos responsáveis solidários apenas sejam reconhecidos direitos de defesa quando tal se justifique, através da exigência do cumprimento da obrigação e não sempre que seja instaurado um procedimento tributário que visa, em primeira linha, exigir o cumprimento da obrigação ao devedor originário e só hipotética e eventualmente se poderá reconduzir à exigência de cumprimento em relação ao responsável solidário. No caso em apreço, só após se constatar, em execução fiscal, que a dívida não podia ser cobrada ao devedor originário é que a Administração Tributária passou a exigir o cumprimento ao Requerente, e, por isso, só a partir desse momento se justifica, à luz daqueles princípios, que sejam reconhecidos ao Requerente direitos de defesa.
Assim, não há ofensa das normas da lei ordinária que prevêem o exercício do direito de audição antes da liquidação.
Por outro lado, não sendo imprescindível, à face do artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que seja assegurado o direito de audição do responsável solidário antes da liquidação e da exigência de cumprimento da obrigação liquidada, nem estando aquele responsável numa situação idêntica à do devedor originário no que concerne à potencial lesividade da decisão procedimental, não é incompatível com a Constituição que apenas lhe sejam reconhecidos direitos de defesa após a exigência de cumprimento.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte.
3.1.2. Preterição do direito de audição em relação ao Requerente, antes da imputação da qualidade de responsável solidário
O Requerente coloca também a questão da preterição do direito de audição por não ter sido «notificado pela Administração Tributária de qualquer projecto de decisão de imputação da qualidade de responsável solidário pelas dívidas da F… LIMITED ou do prosseguimento da execução n.º … 2008 … contra a sua pessoa».
Como é manifesto, a existir direito de audição antes da decisão de imputação de responsabilidade solidária, a sua preterição nunca poderá afectar a legalidade da liquidação, pois essa eventual omissão de formalidade sempre seria posterior à própria liquidação, não podendo ser logicamente idónea para a afectar.
Por isso, improcede o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação com fundamento nessa alegada preterição do direito de audição no processo de execução fiscal. Para além disso, a questão de saber se foi ou não preterido esse alegado direito de audição no processo de execução fiscal, encontra-se, manifestamente, fora do âmbito de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, que se restringe à apreciação da legalidade de actos dos tipos elencados no artigo 2.º do RJAT.
3.2. Questão da ilegalidade do acto de liquidação por força da incompetência da Direcção de Finanças de Faro para realização da acção inspectiva que a determinou
A inspecção tributária que está subjacente ao acto de liquidação impugnado foi efectuada pela Direcção de Finanças de Faro (Divisão de Inspecção Tributária III).
O Requerente entende que essa intervenção da Direcção de Finanças de Faro viola o disposto no artigo 16.º, n.º 3, do CIRC, que estabelecia, na redacção vigente em 2007, que «a determinação da matéria colectável no âmbito da avaliação directa, quando seja efectuada ou objecto de correcção pelos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, é da competência do director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo, ou do director dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária nos casos que sejam objecto de correcções efectuadas por esta no exercício das suas atribuições, ou por funcionário em que por qualquer deles seja delegada competência».
O Requerente refere também que a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do RCPIT, na redacção em vigor à data da acção inspectiva em apreço, estabelecia que a competência dos «serviços periféricos regionais, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial;”... o que conferia à Direcção de Finanças de Faro somente competência para inspecções tributárias “relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial”» e que «o art.º 19.º, n.º 1, alínea a), da LGT previa, à data da realização da acção inspectiva em apreço, que “...O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: ...” “...Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.”».
Assim, conclui o Requerente que «sendo a sociedade F… Limited uma sociedade não residente sem estabelecimento estável em território português, tem plena aplicação o disposto no artigo 16.º, n.º 3, do CIRC, pelo que seria competente para a determinação da matéria colectável o Director dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária e não a Direcção de Finanças de Faro».
No entanto, não há suporte legal para esta conclusão, pois o artigo 16.º, n.º 3, do CIRC apenas atribuía competência para a determinação da matéria tributável através de avaliação directa ao director dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária «nos casos que sejam objecto de correcções efectuadas por esta no exercício das suas atribuições». No caso em apreço, não houve intervenção dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária na inspecção realizada e, por isso, não era o director destes serviços competente para efectuar a determinação da matéria tributável.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a competência territorial da Direcção de Finanças de Faro decorre de ser na sua área de jurisdição que residia o representante fiscal.
Nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 19.º da LGT, «os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional».
Decorre desta norma, inserida no artigo que visa definir o «domicílio fiscal», que, nos casos de entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, será o domicílio do representante fiscal que define o «domicílio fiscal» do representante.
No caso em apreço, ambas as moradas que do representante fiscal que se provou constarem dos registos da Administração Tributária se situam na área da Direcção Distrital de Faro (… e …), pelo que o acto impugnado não enferma de vicio de incompetência.
3.3. Questão da ilegalidade da liquidação por falta de notificação no prazo de caducidade
Como resulta da matéria de facto fixada e sua fundamentação, não se provou que a liquidação tivesse sido notificada à F… Limited ou ao seu representante fiscal ou ao Requerente.
A dúvida sobre este ponto tem de ser processualmente valorada a favor do contribuinte e não contra ele, pois trata-se de um facto que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz ter praticado, constitutivo do direito que a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende exercer em relação ao Requerente e, por isso, é sobre ela que recai o ónus da prova desse facto (artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).
Assim, tem de analisar-se a legalidade do acto impugnado com base no pressuposto de que a notificação da liquidação não foi efectuada à F… Limited ou ao seu representante fiscal ou ao Requerente e, como decorreu já o prazo de caducidade do direito de liquidação em que a notificação tem de ser efectuada (art. 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), tem de concluir-se que a liquidação enferma do vício de caducidade do direito de liquidação.
Nestes termos, procede o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação, com fundamento neste vício.
Consequentemente, é também ilegal a decisão do recurso hierárquico que manteve, parcialmente, a liquidação.
3.4. Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios
O Requerente faz referência à ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, mas eles não constam da liquidação impugnada.
Por isso, não se toma conhecimento dessa questão.
3.5. Questões prejudicadas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de caducidade do direito de liquidação, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.
Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Na verdade, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.
4. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e anular a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2007 …, de 08-10-2007, no valor de € 92.806,77. ( [1] )
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 92.806,77.
6. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 08-04-2015
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Nuno Maldonado Sousa)
(Luís Máximo dos Santos)
( [1] ) Embora o Requerente faça referência a juros compensatórios, a liquidação não os inclui.