Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 703/2014-T
Data da decisão: 2016-08-08  IRS  
Valor do pedido: € 574.768,21
Tema: IRS - Mais valias; transmissão de acções; princípio da igualdade – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).

*Substitui a decisão arbitral de 29 de abril de 2015.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. José Alberto Pinheiro Pinto e Prof. Doutor Américo Brás Carlos, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-01-2015, acordam no seguinte:

 

1.            Relatório

 

A..., NIF..., e B..., NIF ..., ambos residentes na Rua ..., ..., no ...-... PORTO, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

Os Requerentes pretendem a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que interpuseram na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2011..., relativa ao ano de 2007, bem como a anulação desta liquidação.

A Requerente designou Árbitro o Senhor Dr. José Alberto Pinheiro Pinto, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-10-2014.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Senhor Prof. Doutor Américo Brás Carlos.

De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária em 17-11-2014, e notificou os Árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro Árbitro que assume a qualidade de Árbitro Presidente.

O Conselho Deontológico designou o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente em 07-01-2015, que aceitou a designação no prazo legal aplicável.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 07-01-2015.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 29-01-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 09-03-2015, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

Na sequência das alegações foi proferido acórdão de que veio a ser interposto para o Tribunal Constitucional que decidiu, no acórdão n.º 275/2016, de 04-05-2016:

a)            Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 10.º, n.º 12, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, segundo a qual a exclusão estabelecida no n.º 2 do mesmo artigo não abrange as mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, desde o momento da aquisição das acções até ao momento da sua alienação, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados em território português;

E, em consequência,

b)           Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida de harmonia com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.

 

 Uma vez que «as decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades» (artigo 2.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), procede-se à reformulação do acórdão nos termos que seguem.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

a)            Em 23-05-2008, os Requerentes submeteram uma declaração de rendimentos modelo 3, respeitante ao ano de 2007, composta pelos anexos A,C,F,G,G1 e H.

b)           No anexo G1 os Requerentes incluíram a seguinte informação:

 

c)            Em 01-09-2008 foi emitida a liquidação n.º 2008... com rendimento global no valor de €329.326,74, “imposto relativo a tributações autónomas” na quantia de € 515,57 e apurado imposto a pagar no montante de €12.109,77.

d)           Foi realizada uma acção inspectiva externa aos Requerentes, relativa aos anos de 2007 e 2008, visando validar os rendimentos declarados e/ou apurar operações passíveis de tributação em sede de IRS, em resultado da análise financeira efectuada às contas bancárias tituladas pelo ora Requerente A..., cujo acesso foi concedido pelo próprio, na sequência de acção inspectiva à sociedade C..., Lda. NIPC...;

e)           No Relatório da Inspecção Tributária da referida acção, que consta da 3.ª parte do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se além do mais, o seguinte:

Assim, a totalidade da participação no capital social da firma "D..., SA", foi adquirida por A... nas seguintes datas:

 

• Em 29 de Março de 2007, através de deliberação em assembleia geral da sociedade anónima "F... -SGPS, SA" pessoa colectiva sob o n.º...,  A..., na qualidade de accionista da sociedade, propôs aumentar o capital social da mesma em 5.200.000,00 €, por via da entrada em espécie das acções representativas da totalidade do capital social da sociedade "D..., SA".

• Em cumprimento do Art 28º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), esta entrada em espécie no capital, foi certificada pela Sociedade de Revisores Oficiais de contas "G..., Lda". De acordo com o relatório produzido, estas acções foram avaliadas em 5.200.000,00 € por uma entidade independente, com base no valor actualizado dos cash-flows futuros.

• Esta deliberação foi votada e aprovada por unanimidade, tendo sido passada a escrito através da acta n.º 7 outorgada pelos representantes dos accionistas da firma "F...  SGPS, SA".

• Em 29 de Junho de 2007, os accionistas assinam as declarações a reconhecer o aumento do capital social da "F..., SGPS, SA", em cumprimento do disposto no n.º 2 do Art. 88º do CSC.

• Em 2 de Novembro de 2007, é a data que de acordo com os registos das acções (Art 80º do Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Dec. Lei n.º 486/99, de 13 Novembro) da "D..., SA", as mesmas passaram a estar registadas em nome da "F..., SGPS", conforme declaração escrita do Banco ..., entidade depositária dos títulos, sendo que deverá ser esta a data que deverá ser atendida como a data da alienação das acções.

Esquema de síntese da operação:

 

III.1.2 Enquadramento fiscal dado à operação por parte do sujeito passivo

• Do ponto de vista declarativo o sujeito passivo, no ano de 2007, procedeu à entrega da Mod. 3 de IRS, com o anexo G1, no qual declarou a mais valia apurada com a venda das participações sociais da "D..., SA" à "F... SGPS, SA”, a saber:

 

O sujeito passivo para efeitos de preenchimento da sua declaração de IRS, para o ano de 2007, atendeu ao enquadramento dado pelo n.º 2 do Art. 10 do CIRS, que exclui de tributação as mais valias apuradas com a alienação de acções detidas pelo sujeito há mais de 12 meses, as quais são declaradas em anexo próprio (G1), tendo apenas efeitos declarativos.

Numa 1ª análise, ao preenchimento do Anexo G1, apresentado pelo sujeito passivo com a Mod. 3 de IRS, para o ano de 2007, determina-se que as datas de aquisição e alienação declaradas, não estão correctas, sem contudo alterar a contagem dos 12 meses para a exclusão de tributação, conforme se expõe:

 

III.1.3 Balanço da empresa cujas participações sociais foram alienadas -D..., SA

• Balanço Considerando que a exclusão a tributação das mais valias apuradas com a alienação de acções, quando detidas há mais de doze meses, tal como está prevista no n.º 2 do Art 10º do CIRS, encontra-se condicionada ao cumprimento da condição prevista no n.º 12 do mesmo articulado, ou seja, ... "não abrange as mais valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50% por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território Português".

Mostra-se assim, relevante fazer uma análise dirigida ao balanço da "D..., SA".

Assim, os Balanços reportados a 31DEZ2006 e 310UT2007, evidenciam os seguintes valores, conforme balancetes disponibilizados pela "D..., SA, solicitados através do ofício n.º... de 23/02/2011:

 

O activo imobilizado corpóreo, é composto pelas rubricas Terrenos e Imobilizado em curso.

 

• Terrenos

O que se retira da análise ao balanço, bem como pela consulta do património da firma, em imóveis, conforme informação recolhida no sistema informático da Direcção Geral dos Impostos, a rubrica do activo "Terrenos", comporta dois imóveis:

 

Estes estão valorizados em 510.467,87 €.

 

• Imobilizado em curso

Para além do valor dos terrenos, existe a rubrica do activo "Imobilizado corpóreo em curso", que merece uma análise em pormenor, atendendo à sua especificidade e a sua relação com os terrenos detidos pela sociedade, conforme se demonstra:

• A sociedade "D..., SA", desde o momento da sua constituição que visa construir na zona de ... um hotel de luxo e campos de golfe, a que pretende designar por "...". Para além deste projecto a empresa não tem qualquer outra actividade.

• Este projecto desde 17FEV2004, que está identificado pela Agência Portuguesa de Investimento (API), como um ..."empreendimento estruturante, nos moldes dos projectos que a API preconiza no dossier TVD -Turismo no Vale do Douro"..., tendo ficado acordado o Plano de Investimento apresentado pelo promotor "D..., SA" de SET2003, ao abrigo do sistema de Incentivos SIME.

• Este projecto de construção do Hotel e demais equipamentos complementares, encontra-se classificado desde 2005, como Projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN), nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 95/2005 de 24MAI, Despacho Conjunto n.º 606/2005 de 22AGO e Decreto Regulamentar n.º 8/2005 de 17AGO, o qual está a ser acompanhado pela Comissão de avaliação e acompanhamento dos projectos PIN, desde AG02005.

• Foram produzidos vários estudos e projectos, que fazem parte do processo de acompanhamento PIN, conforme consulta efectuada a pedido, para a Comissão de avaliação e acompanhamento dos projectos PIN (CAA-PIN), nomeadamente: " Em 26/01/2004, Relatório e avaliação acústica do ambiente (ISQ);

- Em Julho/2004, Projecto de arranjos de exteriores e Integração Paisagística;

- Em 28/07/2004, foi emitido parecer favorável do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil;

- Em Agosto/2004, Parecer técnico sobre condicionantes de natureza hidráulica à construção e do campo de golfe elaborado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

- Em 13/05/2005, foi emitido parecer favorável da Direcção Geral de Turismo;

- Em 26/01/2007, foi emitido parecer conjunto da CCDR-IPPAR, favorável condicionado ao Plano Pormenor da Rede.

• De acordo com a Press Release, disponível e divulgada pela internet, apura-se que desde 2005, que a firma tenta viabilizar o projecto de construção do hotel, junto da Câmara de .... Sendo condição necessária à construção do empreendimento, a aprovação do Plano Pormenor da Rede (PPR), este só veio a acontecer em DEZ2009, por Via da deliberação da Assembleia Municipal.

Foi ainda apurado que em 11/03/2007 (anterior à deliberação do aumento de capital da F... SGPS), foi lavrado um contrato promessa de compra e venda sob condição resolutiva, entre a empresa "C..., Lda" -NIPC..., da qual A... é único sócio e gerente, e a firma "H..., SA" -NIPC..., nos quais se vinculam as partes a um negócio de compra e venda de terrenos sob condição de a "F... SGPS" vender a totalidade das acções da firma "D..., SA" à "H...", sendo do conhecimento das partes:

“... que a primeira contraente (C...) e seu único sócio (A...) e o segundo contraente (C...), só celebraram aquele contrato porque, indirectamente, ao prometer adquirir as acções representativas da sociedade "D..., SA", estava a prometer adquirir o prédio misto ... de que a sociedade é proprietária e que se localiza na área de intervenção do Plano de Pormenor da Rede promovido pela Câmara Municipal de ... que prevê a possibilidade de naquele prédio se poder edificar uma hotel de luxo e parte de um campo de golfe”

Concluímos assim que a rubrica do activo -Imobilizado em curso, que à data de 31/10/2007, ascendia a 471.937,67 €, não obstante estar desagregada do valor dos terrenos, em face do exposto, não tem qualquer significado ou leitura económica quando analisado isoladamente, mas tão só quando associado aos terrenos sobre os quais foram efectuados os estudos, que lhes conferem um potencial construtivo, que esteve na base da avaliação dada à empresa aquando da alienação das acções.

 

III.1.4 Enquadramento fiscal da operação e efeitos tributários

Conforme já referido, por força do disposto no n.º 12 do Art. 10º do CIRS, para efeitos de aplicação da exclusão à tributação do n.º 2 do mesmo artigo, mostra-se necessário que a sociedade cuja participações sociais estejam a ser alienadas, não detenha no seu activo, imóveis com uma representatividade superior a 50% do valor do seu activo total líquido.

Para efeitos de cálculo da representatividade dos imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis, sobre o valor do activo total líquido, deverá atender-se aos valores de balanço reportados à data em que se consideram transmitidas as acções da sociedade, conforme esclarecimentos prestados pela informação vinculativa n.º 2245/09 emitida pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, Divisão de Concepção. Visto que a data de transmissão de acções, tal como está prevista no Art. 80º do Código dos Valores Mobiliários, aconteceu em 02/11/2007, será com base no Balanço de 31/10/2007 que tal cálculo deverá ser efectuado:

 

Em conformidade com o que atrás foi dito, conclui-se que, sendo o valor dos imóveis ou direitos reais sobre imóveis detidos pela sociedade alienada, de valor superior a 50% do seu activo total líquido, não se encontram assim cumpridos os pressupostos para a exclusão de tributação da mais valia apurada com a operação, em IRS, logo não será de aplicar o disposto no n.º 2 do Art. 10º do CIRS.

Assim, esta mais valia fiscal deveria ter sido declarada pelo sujeito passivo no Anexo G da Mod. 3 de IRS, entregue para o ano de 2007.

Não tendo esta mais valia sido sujeita a tributação, não obstante ter sido declarada (Anexo G1), importa assim, corrigir a matéria tributável em sede da Categoria G de rendimentos.

Mais valia fiscal apurada, sujeita a tributação:

 

Obs.: Para efeitos de preenchimento do Qdr. 8 do Anexo G da Mod. 3, o valor de realização das acções foi distribuído em função das datas de alienação, de acordo com o peso que as mesmas representavam na declaração apresentada pelo sujeito passivo.

Estes rendimentos, nos termos do Art 72 n.º 4 do CIRS, estão sujeitos à taxa especial de tributação de 10%.

 

f)            Na sequência dessa acção inspectiva, os serviços da Administração Tributária procederam às seguintes correcções, fundamentadas nestes termos na Informação em que se baseou a decisão do recurso hierárquico (além do mais):

 

Ano de 2007: (alienação de acções da firma “D..., S.A.”)

«Apesar do contribuinte ser detentor das acções há mais de 12 meses, a mais valia obtida estava sujeita a tributação nos termos do n.º 12 do artigo 10.º do CIRC, conforme se descrimina:

 

Este rendimento está sujeito à taxa especial de tributação autónoma de 10%, nos termos do art. 72º, nº 4 do CIRS.

g)            Na sequência das correcções, e relativamente ao exercício de 2007, em 30-05-2011 foi emitida a liquidação n.º 2011... com rendimento global no valor de € 329.326,74, "Imposto relativo a tributações autónomas" na quantia de € 515.515,57 e apurado imposto a pagar no montante de € 586.877,98, em que se incluem € 59.768,21 de juros compensatórios;

h)           Em 03-11-2011, os Requerentes enviaram por via postal reclamação graciosa daquela liquidação, que foi indeferida por despacho de 24-04-2012;

i)             Em 04-06-2012 os Requerentes enviaram por via postal para o Serviço de Finanças Porto ... recurso hierárquico;

j)             Nesse recurso hierárquico foi emitida a Informação n.º 705/14, que consta da parte 2 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

8. Como ponto prévio urge esclarecer que, neste processo apenas é de analisar as implicações fiscais que a alienação da totalidade das ações representativas do capital da sociedade "D..., SA" operaram na esfera tributária do ora exponente, na qualidade de vendedor.

9. No que concerne aos procedimentos adoptados posteriormente pela entidade adquirente "F... SGPS, SA" (em que o recorrente é também acionista), nomeadamente o aumento de capital em espécie, é matéria que não releva para o caso em apreço.

Das prestações suplementares

10. Afirma o recorrente no ponto 12º do recurso hierárquico que a sociedade "F... SGPS" adquiriu ações por € 4.670.000 e prestações suplementares no valor de € 530.000, o que totaliza a importância € 5.200.000, correspondente ao valor de realização.

11. Constituindo-se as prestações suplementares como partes de capital, entende o contribuinte que devem as mesmas ser reflectidas para efeitos do apuramento da mais valia a final que só deveria ascender a € 4.620.000, o que pode ocorrer através de uma das seguintes alternativas:

– o custo de aquisição incluir as prestações suplementares, sendo corrigido de € 50.000 para € 580.000;

– o valor de realização excluir as prestações suplementares, passando de € 5.200.000 para € 4.670.000.

12. Ora, as prestações suplementares têm a natureza de capital adicional, distinto da capital nominal/social, ocupando um lugar intermédio entre este e as reservas propriamente ditas, daí que sejam contabilizadas no capital próprio numa conta especial ["53 -Prestações suplementares''].

13. Analisadas as razões que justificam a constituição das prestações suplementares verificou-se que as mesmas existem porque nem sempre é possível prever qual o capital necessário para o desenvolvimento dos negócios sociais. E, embora não constituam um aumento de capital, são a ele equivalentes, mas dispensam o cumprimento das respetivas formalidades e o dispêndio das despesas inerentes.

14. Ou seja, com as prestações suplementares torna-se mais fácil, menos burocrático e menos complexo, os sócios reverem as necessidades da sociedade. Sendo notórias as vantagens que há no recurso às prestações suplementares permitindo aos sócios serem ressarcidos mais depressa dos seus investimentos, pois não obedecem aos requisitos da autorização judicial (art. 95º, nº 1 CSC), formalização de escritura pública (art. 85º, nº 1 CSC) e registo e publicação da deliberação (art. 95º, n.º 4 CSC), entre outros.

15. Em suma, as prestações suplementares não integram o capital social da sociedade, mas apenas contribuem para a composição do seu capital próprio.

16. Conforme se pode ler na página 2 do relatório de fiscalização (fls. 27 da reclamação) "A firma "D..., SA”; com NIPC..., teve o seu início de atividade em 02/12/2003, com o objecto social de "actividade hoteleira e restauração em todas as suas modalidades ..,a compra e venda de prédios rústicos e urbanos e a revenda dos adquiridos para esses fins”. Trata-se de uma sociedade constituída sob a forma jurídica de sociedade anónima, com o capital social no valor de 50.000,00€, distribuído por acções com um valor nominal de 1,00€.

17. Continua o citado relatório afirmando na página 3 que "Em 29 de Março de 2007 através de deliberação em assembleia geral da sociedade anónima "F...-SGPS, SA".. '" A..., na qualidade de accionais da sociedade, propôs aumentar o capital social da mesma em 5.200.000,00€, por via da entrada em espécie das ações representativas da totalidade do capital social da sociedade "D..., SA”.) e "Em cumprimento do Art. 28º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), esta entrada em espécie no capital, foi certificada pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas "G..., Lda". De acordo com o relatório produzido, estas ações foram avaliadas em 5.200.000 € por uma entidade independente, com base no valor actualizado dos cash-flows futuros”

18. Daqui resulta cristalino que, tanto o valor de aquisição de € 50.000, como o valor de realização de € 5.200.000, constante do anexo G, se referem unicamente ao valor das 50.000 ações que compõem a totalidade do capital social da sociedade "D..., SA". Isto é, não integram as alegadas prestações suplementares na importância de € 530.000.

19. Pode, pois, concluir-se que não é correto o pressuposto sobre o qual o exponente assentou a sua pretensão de que a alienação da participação social respeitante às partes de capital foi de apenas € 4.670.000, sendo o remanescente imputável a prestações suplementares.

20. Por outro lado, a considerarem-se as prestações suplementares para efeitos de apuramento da mais valia, tal como requerido pelo contribuinte, o rendimento apurado a final seria exatamente o mesmo, porquanto teria de ser relevado simultaneamente no valor de realização e no valor de aquisição (€ 5.730.000 -€ 580.000 = 5.150.000).

21. A corroborar o exposto, não se pode deixar de mencionar o seguinte:

o contrato celebrado em 2004-06-02, em que se disciplinaram as relações dos acionistas do grupo I... (doc. 9 da reclamação), define na cláusula 3, ponto 3.3, que o aumento do capital social da "F... SGPS" em € 5.200.000 por entrada em espécie da participação detida por A... no capital social da "D..., SA ", correspondente a 100% do referido capital social (fls. 81), ou seja, ao valor das ações.

Também se pode ler no citado contrato na cláusula 3, pontos 3.5 e 3.6 (fls 81 e 82), que a importância de € 530.000 não se refere a prestações suplementares como invocado pelo exponente, mas antes a suprimentos que os novos acionistas vão entregar ao grupo I... para financiar a aquisição de um terreno em específico. Esta importância em concreto corresponde a "adiantamento" da contraprestação a auferir pelo contribuinte A... com a alienação das 1.300.000 ações da "F... SGPS" aos novos acionistas. Pois, se não ocorrer a mencionada alienação de ações aos novos investidores pelo ora exponente, este é obrigado a restituir o valor recebido.

Quanto à ata n.º 5 da sociedade "D..., SA", datada de 2004-12-24 (doc. 8 da reclamação), apenas vem dar forma legal ao explanado no contrato celebrado em 2004-06-02. Pelo que não é correta a afirmação proferida no ponto 14º do recurso de que foi o acionista A... que efetuou as prestações suplementares no valor de € 530.000.

22. Termos em que não procede a pretensão do contribuinte.

 

Da exclusão de tributação das mais valia apurada

Do cumprimento dos requisitos do art. 10º do CIRS

23. Ao que a este item importa, veio o recorrente invocar que a transmissão das ações deverá reportar-se à data em que foi subscrito o aumento de capital na "F... SGPS" por entrada em espécie das ações "D..., SA" (de que era titular também o exponente), o que ocorreu em 2007-06-29, conforme reconhecido nas contas da sociedade.

24. Com efeito, e tal como já referido pelos serviços em sede de reclamação graciosa, ao caso em apreço deve ser aplicado o Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), aprovado pelo DL nº 486/99, de 13/11, apresentando-se como lei especial sobre o código Civil, devendo ser com base neste normativo que se têm de enquadrar as questões a dirimir.

25. Assim, enuncia o art. 46º do CVM que os valores mobiliários podem ser escriturais ou titulados, consoante sejam representados por registo em conta ou por documento em papel.

26. Relativamente aos valores mobiliários escriturais, define o art. 61º do CVM três modalidades de registo em conta, os quais devem constar de registo individualizado:

a) Junto de intermediário financeiro integrada em sistema centralizado; ou

b) Junto de um único intermediário financeiro indicado pelo emitente, ou

c) Junto de emitente ou de intermediário financeiro que o represente.

27. Quanto à integração em cada regime de registo ou depósito, estabeleceu o legislador que:

Os valores mobiliários escriturais admitidos à negociação em mercado regulamentado são obrigatoriamente integrados em sistema centralizado (art. 62º CVM).

Quando não integrados em sistema centralizado, os valores mobiliários ao portador são obrigatoriamente registados num único intermediário financeiro (art 63º, n.º 1, al a) do CVM).

Os valores mobiliários escriturais nominativos não integrados em sistema centralizado nem registados num único intermediário são registadas junto do emitente (art. 64, nº 1 CVM).

28. No que concerne aos valores mobiliários titulados, define o art. 99º CVM que são os mesmos obrigatoriamente depositados em sistema centralizado ou em intermediário financeiro autorizado.

29. Posto isto, cumpre aferir sobre o momento em que se opera a transmissão dos diferentes valores mobiliários.

30. Estabelece o nº 1 do art. 80º (para os valores mobiliários escriturais) e o art. 105º (para os valores mobiliários titulados integrados em sistema centralizado), ambos do CVM, que os valores mobiliários se transmitem pelo registo na conta do adquirente.

31. Só quando a transmissão de valores mobiliários ocorre em mercado regulamentado é que foi definido no art. 80º, n.º 2 do CVM a possibilidade de o adquirente dos valores poder proceder à sua venda nesse mesmo mercado independentemente do registo. Só nesta situação, em que a transmissão de valores mobiliários ocorre em mercado regulamentado, se tem como efetivada no momento da realização da própria operação (à semelhança do princípio consagrado no art. 408, nº 1 do Código Civil).

32. Ora, sendo facto indiscutível que a operação de transmissão das ações da sociedade "F..., SA" não foi realizada em mercado regulamentado, significa que não será de aplicar o disposto no art. 80º, n.º 2 do CVM, como pretende o contribuinte.

33. Já quanto à transmissão de valores mobiliários titulados é estipulado:

Os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário. No caso dos títulos já estiverem depositados junto do depositário a transmissão efetua-se por registo na conta deste, com efeitos a partir da data do requerimento do registo (art. 101º CVM);

Os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, inscrita no título, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro. A transmissão produz efeitos a partir da data do requerimento de registo junto do emitente (art. 102º CVM).

34. Ou seja, também nestas situações a transmissão ocorre com o registo junto da entidade registadora. O que se procurou salvaguardar foi apenas a data da operação como sendo a do requerimento do registo, evitando-se desfasamentos temporais no atraso do registo das operações por parte das entidades registadoras.

35. Questão distinta, e sem relevo à apreciação do requerido, são as razões que levaram o legislador a estabelecer distintos regimes de registo ou depósito dos valores mobiliários. Ainda assim, alvitra-se que decorra dos diferentes sistemas de supervisão e controlo inerente a cada tipo de mercado e valor mobiliário.

36. Assim sendo, como a data que consta do registo das ações da "D..." - passando a estar registadas em nome da "F... SGPS" - foi 02 de novembro de 2007 (cfr. declaração escrita do ..., entidade depositária dos títulos), então terá de ser esta a data a considerar como o momento de transmissão das ações.

37. Por fim, e relativamente ao balanço que deve ser considerado para efeitos de aplicação do disposto no n.º 12 do art. 10º do CIRS, tem de o mesmo de reportar à data da transmissão das ações, conforme já esclarecido por esta Direção de Serviços na informação nº 2245/09

38. Ainda assim não se deixa de mencionar o seguinte:

- Contrariamente ao referido pelo exponente, o balanço apresentado pelo contribuinte aos serviços durante o procedimento inspetivo com data reportada a 2007-10-31 não se afigura "hipotético", pois estando a contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal (realidade não contestada, nem pelo sujeito passivo, nem pelos serviços) este se presume como verdadeiro e de boa fé, à luz do disposto no art. 75º da LGT.

- Não se pode esquecer que toda a contabilidade tem de ser elaborada com base nas normas contabilísticas e os princípios contabilísticos geralmente aceites, desde o dia 01/janeiro até 31/dezembro.

No que concerne aos alegados movimentos próprios de fecho de contas, que o recorrente invoca como não tendo sido considerados num balanço intermédio, constata-se que a empresa não apresentava atividade, não se vislumbrando que eventuais acréscimos e diferimentos pretendia o sujeito passivo ver reconhecido no balanço datado de 2007-10-31, como sendo devidos àquela data.

39. Termos, em que estiveram bem os serviços ao considerar o balanço reportado a 2007-10-31, para efeitos de aplicação do disposto no art. 10º, n.º 12 do CIRS.

 

Da inconstitucionalidade do n.º 12 do art 10º do CIRS

40. Não cabe à Administração Tributária, por falta de atribuições para o efeito (art. 16º do DL na 205/2006 de 25/10 e DL n.º 81/2007 de 29/03, relativo à Direção Geral dos Impostos e que correspondem, respetivamente, aos actuais art. 14º do DL na 117/2011, de 15/12 e DL n.º 118/2011, de 15/12, referentes à Autoridade Tributária), apreciar da legalidade de normas emitidas por órgãos de soberania.

41. Na verdade, a estes serviços cabe, entre outras atribuições, a liquidação e cobrança dos tributos, nos termos das leis tributárias (cfr. art. 10º, nº 1, al. a) do CPPT).

42. Deste modo, a alegada inconstitucionalidade da norma contida no na 12 do art. 10º do CIRS é matéria cuja análise extravasa a competência desta Direção de Serviços que se limita à aplicação das disposições instituídas pelo poder legislativo. E não tendo sido declarada a inconstitucionalidade da referida norma, pelo Tribunal Constitucional, a mesma encontra-se com toda a sua plenitude em vigor no ordenamento jurídico-fiscal nacional, competindo a estes serviços assegurar o seu cumprimento.

 

Da data da efetiva transmissão das partes do capital

43. Pretende o exponente que a transmissão fiscal das ações se reporte ao ano de 2004, e não ao exercício de 2007, tal como considerado pelos serviços e declarado por si na modelo 3.

44. Para tal, invoca a exceção consagrada na al. a) do na 3 do art. 10º do CIRS que determina "Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato", não sendo aplicável a regra geral que o ganho é obtido no momento da prática do ato (neste caso a alienação onerosa de partes sociais).

45. Com esta disposição, o legislador ficcionou a existência de transmissão fiscal, para efeitos de IRS, logo que provada a existência de contrato promessa seguida de tradição ou posse, independentemente da natureza da afetação do bem transmitido.

46. O contrato-promessa está definido no Código Civil como sendo "a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato" (cfr. art. 410º, n.º 1 do C.C.).

47. Daqui decorre que a prestação devida no contrato-promessa se traduz numa prestação de facto positivo consistente na emissão de uma declaração de vontade negocial destinada a celebrar um outro contrato (que se pode denominar por contrato prometido). A título de exemplo, num contrato de compra e venda as partes obrigam-se a realizar no futuro o prometido contrato de compra e venda, respetivamente, como comprador e como vendedor.

48. Da leitura ao contrato celebrado em 2004-06-02, e carreado ao processo como doe. 9 da reclamação (fls. 74 e Segs) constata-se que o mesmo apenas "visa disciplinar as relações dos accionistas da F..., SGPS, enquanto titulares de acções representativas do capital social da F... SGPS, bem como determinados aspectos relativos ao funcionamento desta Sociedade e das sociedades por si participadas" (cfr. cláusula 1ª, fls. 79 da reclamação).

49. Por seu lado, pronunciando-se sobre os pressupostos e condições para a celebração do contrato, estabelece a cláusula 3º:

"3.2. Os promotores [o ora exponente e a ex-mulher] sejam titulares de uma participação representativa de 100% do capital social da D..., SA, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades e com todos os direitos inerentes, com vista ao cumprimento do estipulado no número 3.3 desta cláusula:

3.3. Até 31 de Dezembro de 2004, os promotores e os investidores institucionais (novos acionistas) deliberem o aumento de capital social da F... SGPS, de 35.531.587,00 Euros para 40.731.587,00 Euros, por conta da entrada em espécie da participação detida por A... no capital social da D..., SA, correspondente a 100% do referido capital social, no âmbito do qual são emitidas 5.200.000 novas ações ordinárias, titulada, nominativas, com o valor nominal de um Euros cada uma ... ".

50. Daqui resulta cristalino que:

Por um lado, o documento exibido não prefigura um contrato promessa de compra e venda ou troca entre o ora exponente e a entidade que adquiriu as ações -"F... SGPS" (o contrato só disciplina as relações entre acionistas), e;

Por outro lado, não ocorreu a tradição ou posse dos valores mobiliários da empresa "D..., SA", do ora exponente para a "F... SGPS".

51. Mais, a pretensão do contribuinte em considerar a aquisição por parte da "F... SGPS" (e, por conseguinte, a alienação pelo ora exponente) no ano de 2004 torna-se ainda mais descabida se recordarmos que o contribuinte A... só adquiriu 50% da participação alienada em 2007, durante o ano de 2006. Ou seja, o exponente está a pretender que se considere a tradição de algo que ainda não dispunha como sendo seu.

52. Apesar do exposto, não se pode deixar de mencionar o sumário do acórdão do TCA, processo nº 00092/04, de 2004-10-21, que pronunciando-se sobre a existência de contrato promessa de compra e venda de imóvel, não aceitou o mesmo para efeitos de aplicação do previsto no art. 100, na 3, al. a) do CIRS o qual se cita:

"Se o sujeito passivo não declarou o rendimento, nem o promitente comprador pagou a respectiva sisa no ano em que a impugnante afirma ter-se verificado a tradição do imóvel para aquele, e não tendo a Administração Tributária outra forma de conhecer a transmissão, nem estando obrigada a conhecê-la oficiosamente, tem de considerar-se verificado o facto tributário, para efeitos de caducidade do direito de liquidação, no momento da celebração da escritura pública de compra e venda. É que só nessa data a Administração Tributária deverá legalmente considerar-se conhecedora da transmissão e não no momento da celebração do contrato promessa ou de qualquer acto revelador da transmissão que não lhe foi comunicado."

53. Face ao exposto, estiveram bem os serviços ao considerar que a transmissão das ações ocorreu durante o ano de 2007.

54. Face ao exposto, não deve ser concedido provimento ao presente recurso hierárquico. Notificando-se o requerente para o direito de audição, nos termos do art. 60º n.º 1, al. b) da LGT.

 

k)            Os Requerentes foram notificados do projecto de indeferimento do recurso hierárquico, para efeito de exercício do direito de audição, e não se pronunciaram;

l)             Por despacho de 16-06-2014, proferido pela Senhora Subdirectora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, foi indeferido o recurso hierárquico, com os fundamentos invocados na Informação atrás transcrita;

m)          Os Requerentes foram notificados do despacho referido na alínea anterior por ofício datado de 03-07-2014 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

n)           Em 02-10-2014, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que os € 530.000 que os Requerentes defendem serem prestações suplementares efectuadas pelos Requerente A..., estejam incluídos no valor de € 5.200.000,00 atribuído, aquando do aumento do capital social da "F... SGPS”, à entrada em espécie da participação detida por A... no capital social da " D..., SA ", correspondente a 100% do referido capital social.

O valor de € 5.200.000,00 é referido na proposta de aumento de capital da F... SGPS como reportando-se ao capital social da "D..., SA ", sendo isso que foi certificado por uma sociedade de revisores oficiais de contas, como se refere o Relatório da Inspecção Tributária, sem que os Requerentes contestem esses factos.

Por outro lado, no contrato celebrado em 02-06-2004, em que se regularam as relações dos accionistas do grupo I..., cuja cópia constitui o documento n.º 9 junto com a reclamação graciosa (que consta do final da parte 3.ª e do início da 4.ª parte do processo administrativo), refere-se que o valor de € 5.200.000,00, correspondentes a 100% do capital da F..., S.A., daria origem à emissão de 5.200.000 acções com o valor nominal de € 1 cada (cláusula 3.3), o que confirma que quele valor se reporta apenas às acções.

Ainda na mesma linha, neste contrato refere-se o valor de € 530.000,00 de destina à realização de suprimentos à D... S.A. a efectuar pelos accionistas referidos na cláusula 3.5, para financiar a aquisição de um terreno, não havendo qualquer alusão a prestações suplementares efectuadas pelo Requerente A... .

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados com base no processo administrativo junto com a Resposta e os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia sobre eles.

 

3. Matéria de direito

 

Está em causa no presente processo arbitral a tributação das mais-valias em IRS obtidas em 2007.

O artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS, na redacção vigente em 2007, excluía da tributação em IRS as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.

No entanto, o n.º 12 do mesmo artigo estabelecia que «a exclusão estabelecida no n.º 2 não abrange as mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português».

Foi por entender que se verificava uma situação enquadrável na previsão deste n.º 12 que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou a correcção relativa ao ano de 2007 e efectuou a respectiva liquidação.

 

 

 3.1. Questão relativa à quantificação das mais-valias por não consideração do valor de prestações suplementares

 

No anexo G1 da declaração Mod. 3 de IRS relativa ao ano de 2007, que os Requerentes apresentaram, indicaram como valor de aquisição das «partes sociais detidas há mais de 12 meses» o valor de € 50.000,00 e o valor de realização de € 5.200.000,00.

 Foram estes os valores que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou para tributar as mais-valias.

A primeira questão colocada pelos Requerentes é a de que, atendendo a que o Requerente A... efectuou as prestações suplementares no valor de € 530.000, o custo de aquisição das partes de capital a considerar deveria ser de € 580.000, e não de € 50.000, por as prestações suplementares serem consideradas partes de capital.

E, caso se considere que as prestações suplementares não integram o custo de aquisição das partes de capital, então deveria ter-se excluído do valor de realização o montante relativo a € 530.000, valor correspondente ao custo de aquisição pela F..., conforme consta do seu balancete.

Como se refere nos «factos não provados», não se provou que o Requerente A... tenha efectuado prestações suplementares no valor de € 530.000,00, nem que este valor esteja incluído no valor de € 5.200.000,00 atribuído, com certificação por entidade independente (Sociedade de Revisores Oficiais de Contas “G..., Lda”), às acções representativas da totalidade do capital social da sociedade “D..., S.A.”, para efeito do aumento de capital da “F...– SGPS, S.A.”.

Assim, tem de se concluir que o acto de liquidação praticado não enferma de vício ao considerar que o valor de € 5.200.000,00 corresponde apenas às acções.

 

3.2. Questão da inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 10.º do CIRS

 

O artigo 10.º, n.º 12, do CIRS estabelece que «a exclusão estabelecida no n.º 2 não abrange as mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português».

A Requerente coloca, em essência, duas questões distintas de constitucionalidade: uma delas é violação dos princípios da tipicidade dos impostos e segurança e certeza jurídicas, que estão conexionados, neste contexto; a outra é a da violação do princípio da igualdade.

 

3.2.1. Inconstitucionalidade por violação dos princípios da tipicidade e da segurança e certeza jurídicas

 

Os Requerentes defendem que, «sendo um dos alicerces do direito fiscal, e em particular do IRS, o respeito pelo princípio da segurança e da certeza jurídica, bem como do princípio da tipicidade (enquanto corolário do princípio da legalidade), a ausência de indicação expressa sobre qual o momento em que deverá avaliar-se a percentagem ínsita no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, acarreta, naturalmente, a inconstitucionalidade do referido preceito».

A tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que o que os Requerentes pretendem é uma fiscalização abstracta da inconstitucionalidade, reservada ao Tribunal Constitucional, não tem qualquer correspondência com a realidade, pois só se está perante fiscalização abstracta da constitucionalidade quando o juízo sobre a constitucionalidade não tem aplicação num caso concreto, isto é, quando a norma sobre que ele versa não vai ser aplicada num caso submetido à apreciação de um Tribunal.

Mas, no caso em apreço, sendo um dos pressupostos da liquidação a norma do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS, é evidente que o juízo de constitucionalidade sobre ela consubstancia fiscalização concreta da constitucionalidade que é imposta a todos os tribunais pelo artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

O princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, é um dos elementos essenciais do Estado de direito constitucional. Além do mais, esse princípio «implica a tipicidade legal, devendo o imposto ser desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais». (   )

Os princípios da segurança e da certeza jurídica são princípios ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, como vem sendo entendido pacificamente.

No que concerne à incidência dos impostos, aquela norma exige que a lei determine a incidência, o que pressupõe que as normas que definem os factos tributários possuam a densificação suficiente para permitir aos destinatários a sua previsível aplicação. «Se a função da reserva de lei é tornar os resultados da sua aplicação previsíveis, a previsi¬bilidade tem de dizer respeito a todos os elementos que conduzem à iden¬tificação do objecto de tributação e do sujeito passivo e ao apuramento do montante do imposto». «A determinação da lei significa que o conjunto de argumentos legais permite (é suficiente para) justificar as decisões resultantes da sua aplica¬ção. (   )

«O princípio da legalidade tributária, nos quadros do Estado-de-Direito, é essencialmente um critério de realização da justiça; mas é, do mesmo passo, um critério da sua realização em termos seguros e certos. A ideia de segurança jurídica é, decerto, bem mais vasta do que a de legalidade; mas posta em contacto com esta não pode deixar de a modelar, de lhe imprimir um conteúdo, que há-de necessariamente revelar o grau de segurança ou certeza imposto ou pelas concepções dominantes ou pelas peculiaridades do sector a que respeita. Ora, o Direito Tributário é de todos os ramos do Direito aquele em que a segurança jurídica assume a sua maior intensidade possível e é por isso que nele o princípio da legalidade se configura como uma reserva absoluta de lei formal».(...) «Que no Direito Tributário o princípio da legalidade se tenha configurado como uma reserva absoluta de lei formal atesta bem que a ideia de segurança jurídica desempenha nele um papel de primeiro plano». (   )

«O relevo da segurança jurídica no Direito Tributário não decorre apenas do atribuído à segurança jurídica, em geral, que (...) é susceptível de várias "graduações, consoante a natureza dos interesses a que respeita. Reside ainda na sua necessária conexão com o tipo de sistema económico em que vigora.

Com efeito, num sistema económico que tenha como princípios ordenadores a livre iniciativa, a concorrência e a propriedade privada, torna-se indispensável eliminar, no maior grau possível, todos os factores que possam traduzir-se em incertezas económicas susceptíveis de prejudicar a expansão livre da empresa, designadamente a insegurança jurídica. E isto era o que inevitavelmente sucederia se ao domínio claro da lei se sucedesse o «voluntarismo» da Administração». (  )

«A tipicidade deverá, pois, ser considerada como uma forma particular de garantia destinada a tornar o imposto previsível e calculável ao escolher determinadas realidades para elementos materiais do tipo fiscal». (   )

De acordo com o princípio da determinação os elemen¬tos integrantes da norma tributária devem ser de tal modo precisos e determinados na sua formulação legal que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjectivos de apreciação da sua aplicação concreta. Verifica-se, pois, na norma tributária o fenómeno da tipicidade fechada (elevado grau de determinação conceitual ou de fixação do conteúdo), de que falam LARENZ e ROXIN, e que se opõe à existência de normas «incompletas», «elásticas» ou «de borracha», como alguns já as designaram». (   )

A citação feita de XAVIER DE BASTO transcrita pelos Requerentes evidencia uma dúvida de óbvia pertinência sobre o campo de aplicação daquele n.º 12 do artigo 10.º: «a lei, todavia, não esclarece se esse ratio se tem de manter durante vários exercícios ou em que momento tem de ser apurado e escrutinado. Será no momento em que são alienadas as participações que se terá de determinar aquela percentagem ou valerá a percentagem apurada no balanço do último exercício?».

Esta pertinente pergunta, que consta da parte final, só exprime uma das dúvidas, pois estas estendem-se, adensando-se, à primeira parte desta citação.

Com efeito, o maior défice da norma é não revelar se é necessário que a percentagem que se refere só tem de existir no momento da alienação ou no momento do último balanço ou em outro momento específico qualquer ou durante todo o período de detenção das acções.

A questão da violação do princípio da tipicidade não se coloca a nível da falta de esclarecimento sobre se é de atender ao balanço ou a outro qualquer meio de determinar a percentagem de imóveis ou direitos reais sobre imóveis no activo da sociedade, pois, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as obrigações contabilísticas das empresas permitem considerar a determinação pelo balanço como um meio previsível de determinar tal percentagem, que será absolutamente seguro nos casos em que o nível dessa percentagem seja consideravelmente superior aos 50%.

Mas, o que não resulta daquele n.º 12 do artigo 10.º do CIRS e não é determinável com aplicação dos critérios interpretativos das normas fiscais é se basta que essa percentagem de 50% se verifique no momento da alienação ou no momento do último balanço ou em ambos ou ainda cumulativamente em todos os balanços, desde o momento da aquisição até àquele em ocorre a alienação.

Por outro lado, mesmo que se entendesse que seria de atender ao momento da transmissão e ao balanço mais próximo, sempre ficaria por esclarecer se se devia atender ao último balanço disponível ou ao último balanço aprovado, pois a norma não fornece qualquer informação para formular uma opção. E o caso dos autos demonstra bem a relevância da opção, pois não haveria tributação se se considerasse o balanço de 31-12-2006, mas ela passaria a existir se se preferisse o de 31-10-2007, que era o último disponível, mas que não foi aprovado.

Sendo assim, tendo em mente o referido princípio da tipicidade, que exige uma suficiente determinabilidade e previsibilidade da incidência dos impostos, a omissão de referência a qualquer dos momentos potencialmente relevantes para definir a percentagem accionadora da estatuição desta norma só pode ser interpretada, sem violação daquela regra constitucional e com salvaguarda do princípio da segurança jurídica, como exigindo que a percentagem que define o limite da incidência se verifique em todos esses momentos, isto é, desde o momento da aquisição das acções até ao momento da alienação.

Na verdade, não se está, nesta situação, perante o uso de qualquer conceito vago ou indeterminado cuja densificação caiba ao intérprete, mas sim perante uma situação em que a fronteira entre a tributação e a não tributação está definida com um elemento quantitativo preciso (percentagem de 50%), mas com insuficiente informação legislativa sobre o momento ou momentos a atender para apurar a sua verificação.

 Desta perspectiva, a intenção legislativa que se pode aventar estar subjacente a esta norma será a de obstar a que, através da constituição de sociedades anónimas imobiliárias, primordialmente destinadas à detenção de imóveis, que mantenham ininterruptamente uma percentagem de imóveis no activo superior aos 50%, se evite abusivamente a tributação das mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis. (   ) Como referem os Requerentes, citando XAVIER DE BASTO, «(…) o regime privilegiado das mais-valias em acções corre o risco de poder ser aproveitado para conseguir comunicar essa protecção a outras mais-valias tributáveis. A situação típica é das sociedades anónimas detentoras de imóveis de grande valor, porventura adrede constituídas para servir de veículo de evasão, total ou parcial do imposto sobre as mais-valias imobiliárias» (artigo 62.º do pedido de pronúncia arbitral).

Está-se, assim, perante uma norma antiabuso especial, vocacionada para a tributação de mais-valias de acções de sociedades criadas para a detenção permanente de imóveis e em que, por isso, os activos serão de forma permanente maioritariamente constituídos por imóveis e direitos reais sobre imóveis.

Esta ratio legis, que é a única que pode explicar esta opção legislativa, acompanhada da não indicação do momento relevante para apurar se o activo é constituído maioritariamente por imóveis ou direitos reais sobre imóveis, corrobora a conclusão de que será necessário, para preencher a hipótese do n.º 12 do artigo 10.º, que a percentagem superior a 50% se tenha de verificar durante todo o período de detenção das acções, o que seguramente se verificará nas sociedades constituídas para obtenção dos efeitos fiscais que se pretendeu reprimir.

Será esta a única interpretação conforme à Constituição, por eliminar a indeterminabilidade do momento relevante para apurar a constituição do activo.

No caso em apreço, constata-se que o activo da sociedade “D... S.A.” não foi durante todo o período da detenção das acções pelo Requerente A... constituído em mais de 50% por imóveis, pois tal não sucedia no balanço do último exercício, de 31-12-2006, pelo que não se verificaria a condição exigida para a tributação das mais-valias.

Mas, no âmbito deste primeiro vício que imputam ao acto impugnado, os Requerentes não defendem que seja errado o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de escolher um único momento para apurar se a maior parte do activo era constituída por imóveis situados em território nacional, dizendo apenas, em suma, que a lei não determina que momento ou momentos devem ser tidos em conta. Para além disso, os Requerentes não sustentam que esse único momento seja o da alienação (embora discutam, a propósito de outro vício que imputam ao acto impugnado, qual é o momento que deve considerar-se como o da alienação, o que é diferente).

É isso que transparece dos artigos 43.º e 44.º do pedido de pronúncia arbitral, com que os Requerentes concluem esta imputação de vício:

43.º

Esta incerteza e insegurança na apreciação do preceito em questão, ganha ainda mais relevo se atentarmos ao facto de não existir uma orientação genérica da administração tributária onde seja revelada qual a sua interpretação do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS.

44.º

Assim sendo, não fixando a lei o momento concreto da aferição do cumprimento dos requisitos

legais para a exclusão de tributação previsto no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, opera-se a violação do princípio da tipicidade previsto no artigo 103.º da CRP, bem como no artigo 8.º da LGT.

 

Como se vê, o vício imputado neste contexto, é a não fixação pela lei do momento concreto da aferição do cumprimento dos requisitos e não um hipotético erro da Autoridade Tributária e Aduaneira ao optar por considerar relevante o momento da alienação. O único vício que referem, nesta parte, é o da incerteza e insegurança gerada pela norma, que defendem ser ofensiva do princípio da determinabilidade.

Assim, não se verificando, pelo que se disse, numa interpretação conforme à Constituição que aqui se perfilha, a inconstitucionalidade por violação dos princípios da tipicidade e da segurança e certeza jurídica, tem de concluir-se que o acto impugnado não enferma desse único vício que os Requerentes imputam ao acto, neste contexto.

 

3.2.2. Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade

 

Os Requerentes colocam também a questão de inconstitucionalidade do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS, por violação do princípio da igualdade.

Como se referiu, esta questão foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 275/2016, de 04-05-2016, entendeu «não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 10.º, n.º 12, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, segundo a qual a exclusão estabelecida no n.º 2 do mesmo artigo não abrange as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo ativo seja constituído, desde o momento da aquisição das acções até ao momento da sua alienação, direta ou indiretamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados em território português».

É manifesto que no caso em apreço não se verifica a situação factual a que o Tribunal Constitucional reportou o seu juízo de não inconstitucionalidade, pois o activo da Requerente não foi «constituído, desde o momento da aquisição das acções até ao momento da sua alienação, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados em território português».

No entanto, a decisão do Tribunal Constitucional foi proferida em sede de fiscalização concreta da inconstitucionalidade, em recurso que visava alterar o decidido sobre a inaplicabilidade do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS à situação factual existente, pelo que tem de se entender que foi à situação existente no presente processo que o Tribunal Constitucional reportou o seu juízo de constitucionalidade.

Assim, tendo o referido acórdão do Tribunal Constitucional transitado em julgado, o artigo 10.º, n.º 12, tem de considerar-se, neste processo, como não sendo inconstitucional.

Por isso, o acto impugnado não enferma de vício derivado da aplicação da norma do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS.

 

3.3. Questões do cumprimento dos requisitos do artigo 10.º do CIRS

 

3.3.1. Questão da data que deve considerar-se como a da alienação das acções

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou ser a data de 02-11-2007 a que deve considerar-se como sendo a da realização da operação de transmissão das acções, por ser a «data que de acordo com os registos das acções (Art 80º do Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Dec. Lei n.º 486/99, de 13 Novembro) da "D... , SA", as mesmas passaram a estar registadas em nome da "F...,SGPS", conforme declaração escrita do Banco ..., entidade depositária dos títulos, sendo que deverá ser esta a data que deverá ser atendida como a data da alienação das acções».

A Requerente defende que a transmissão das ações deverá reportar-se à data em que foi subscrito o aumento de capital da F... por entrada em espécie das ações da D... de que era titular o Requerentes, ocorrido a 29-06-2007 e a esta data reconhecido nas contas desta sociedade.

Diz a Requerente, em suma:

– se é verdade que o Código dos Valores Mobiliários, no n.º 1 do seu artigo 80.º, determina que as acções escriturais se transmitem pelo registo na conta do adquirente, não é menos verdade que a transmissão de coisa, como é o caso das ações, tem, cfr. artigo 408.º do Código Civil, como causa própria e única o contrato;

– atenta esta regra geral do direito civil, a exigência de registo na conta do adquirente aplicável à transmissão de valores mobiliários escriturais constitui uma mera formalidade de que depende a produção de efeitos da transmissão perante a sociedade e terceiros, não tendo em si efeito translativo da propriedade das ações, que opera por mero efeito do contrato;

– só assim se justifica o facto de tal requisito ser dispensado no caso da alienação de valores mobiliários escriturais em mercado regulamentado (cfr. n.º 2 do artigo 80.º do Código dos Valores Mobiliários), bem como o facto de a transmissão de ações tituladas nominativas se verifique com a declaração de transmissão escrita no título seguida de registo junto do emitente pelo respectivo transmitente (cfr. artigo 102.º, n.ºs 2 e 4 do Código dos Valores Mobiliários), indiciador de que tal registo não tem natureza constitutiva já que não faria qualquer sentido atribuir tal valor a um registo que ficaria na total disponibilidade de um terceiro ao adquirente.

– esta é, aliás, a posição defendida pela maioria da doutrina e pela jurisprudência;

– no caso de operações geradoras de rendimentos qualificados como mais-valias, o n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS prevê que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1 – i.e. da alienação onerosa das partes sociais;

– atento o exposto, a transmissão das ações deverá reportar-se à data em que foi subscrito o aumento de capital da F... por entrada em espécie das ações da D... de que era  titular o Requerentes, ocorrido a 29 de Junho de 2007 e a esta data reconhecido nas contas desta sociedade.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo que

– «a data de transmissão de acções, tal como está prevista no Art. 80º do Código dos Valores Mobiliários, aconteceu em 02/11/2007»;

– à transmissão de valores mobiliários deverá ser aplicado o Código de valores mobiliários, aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13/11, apresentando-se como lei especial sobre o código civil, conforme aliás refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 2794/2007-1 de 12-07-2007;

– onde o artigo 46.º do CVM refere que os valores mobiliários podem ser escriturais ou titulados, consoante sejam representados por registo em conta ou por documento em papel;

– no que concerne aos valores mobiliários titulados, define o artigo 99.º CVM que são os mesmos obrigatoriedade depositados em sistema centralizado ou em intermediário financeiro autorizado;

– por sua vez, o n.º 1 do artigo 80.º e o artigo 105.º, ambos do CVM, indicam que os valores mobiliários se transmitem pelo registo na conta do adquirente;

– é evidente que se assim não fosse, jamais conseguiria o adquirente demonstrar a titularidade das acções e exercer os seus respectivos direitos na medida em que são valores escriturais;

– com efeito, tendo o registo das acções da “ D...“ – tendo passado a estar registadas em nome da F...– SGPS – ocorrido a 02-11-2007, data do registo no Banco ... (cfr. declaração escrita do ..., entidade depositária dos títulos), será esta a data a considerar para efeitos da transmissão das participações sociais.

 

O artigo 11.º da LGT fixa os princípios especiais da interpretação das normas fiscais estabelecendo, além do mais, que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei» (n.º 2).

Por outro lado, o n.º 3 do artigo 11.º da LGT, ao estabelecer, com uma formulação inadequada, que «persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários», fixa claramente a directriz teleológica que deve orientar o intérprete.

Consequentemente, o intérprete da lei fiscal, antes de atribuir aos termos próprios de outros ramos de direito o sentido que neles lhes é dado, tem de apurar se das leis tributárias não decorre directamente que lhes é dado um sentido diferente, tendo em mente que o legislador fiscal teve como principal preocupação dar relevância tributária à substância económica dos factos tributários e não ao seu tratamento jurídico-civilístico.

Como resulta do teor expresso do artigo 10.º, n.º 1, do CIRS, os rendimentos que constituem mais-valias são constituídos pelos «ganhos obtidos».

Assim, a obtenção de ganhos é o facto principal constitutivo da obrigação tributária e é nessa obtenção que constitui a realidade económica subjacente à tributação em sede de mais-valias.

Por outro lado, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo 10.º, em regra, «os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1».

Está-se, aqui, perante normas próprias do direito fiscal que definem o facto tributário e o momento em que ele se considera constituído, pelo que são de aplicar prioritariamente.

À face destas normas, no caso das mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos de alienação ou mesmo antes, nos casos em que há contrato-promessa de compra e venda acompanhado de tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato, como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS. (   )

Como é óbvio, se a mera promessa de compra e venda de partes sociais e de outros valores mobiliários leva a presumir a obtenção do ganho, por maioria de razão se justifica a aplicação de tal presunção quando é celebrado o contrato de compra e venda que a concretiza.

No caso em apreço, a alienação das acções da D..., SA, pelo Requerente A..., que proporciona a obtenção de ganhos resultantes da detenção das acções, através da aquisição de capital da F...-SGPS, SA, está completa em 29-07-2007, data em que os accionistas assinaram as declarações reconhecendo o aumento do capital social desta sociedade e a partir da qual se produzem «todos os efeitos internos» do aumento de capital, como resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 88.º do Código das Sociedades Comerciais. A partir desta data, o Requerente A... passou a usufruir no âmbito da F... -SGPS, SA, de todos os direitos proporcionados pela alienação das acções da D..., SA, e em função do valor destas, pelo que está materializado o ganho obtido com a sua detenção.

De resto, quando foi aprovado o CIRS (pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), não estava ainda em vigor o Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro) pelo que não é viável utilizar os seus conceitos para interpretar normas de incidência de IRS que constam da redacção inicial do CIRS, como é o caso da alínea b) do n.º 1 do seu artigo 10.º do CIRS. Por outro lado, a autorização legislativa concedida pela Lei n.º 106/99, de 26 de Julho, em que o Governo se baseou para aprovar o Código dos Valores Mobiliários, não abrange matéria fiscal, pelo que qualquer hipotética alteração da incidência de IRS que pudesse resultar deste Código, seria inconstitucional por ofensa dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, que impõem que a incidência dos impostos seja definida por lei formal.

 Assim, para efeitos de IRS, as mais-valias resultantes da alienação das acções da D..., SA consideram-se obtidas em 29-07-2007, data em que os accionistas assinam as declarações a reconhecer o aumento do capital social da "F..., SGPS, SA", em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 88.º do Código das Sociedades Comerciais.

Por isso, o acto impugnado enferma de erro sobre os pressupostos de direito ao entender que a alienação, para efeitos de aplicação do artigo 10.º do CIRS, se concretizou, com o registo das acções.

Sendo 29-07-2007 a data em que se considera efectuada a alienação das acções e obtido o ganho resultante da sua detenção, é manifesto que não poderia ser utilizado para determinar os valores do património da D..., SA, para efeitos do n.º 12 do artigo 10.º do CIRS um «balanço» relativo aos valores do seu património em 31-10-2007.

Na verdade, como é óbvio, o balanço relativo a 31-10-2007, a corresponder à realidade (o que é questionado pelos Requerentes), apenas poderá demonstrar os valores dos bens que constituíam o património da D..., SA nessa data e não em 29-07-2007, data da alienação relevante para efeitos de aplicação do artigo 10.º do CIRS.

Não há qualquer razão para crer que os valores do património da D..., SA se tenham mantido inalterados entre 29-07-2007 e 31-10-2007 e, muito menos, até 02-11-2007, data do registo das acções, relativamente à qual não foi produzida qualquer prova daqueles valores.

Por outro lado, os factos de a percentagem dos valores do património imobiliário e total da D..., SA, ser muito próxima do valor de 50% previsto no n.º 12 do artigo 10.º do CIRS, e de essa percentagem ter variado de forma relevante, para este efeito, por variação do valor do activo liquido total, à face dos balanços de 31-12-2006 e 31-10-2007, impede que se possa formular qualquer conclusão segura sobre a eventualidade de essa percentagem ser superior a 50% em 29-07-2007.

Na verdade, como se vê no quadro que consta do ponto III.1.3. do Relatório da Inspecção Tributária, no balanço referente a 31-12-2006, o valor dos terrenos era de € 510.467,87 (como em 31-10-2007) (   ), mas o valor total do activo líquido era de € 1.027.469,26 (em vez de € 998.631,91 em 31-10-2007), pelo que a percentagem daqueles era de 49,68%.

Pelo exposto, o acto impugnado, ao assentar no entendimento de que a alienação das acções, para efeito de apuramento da percentagem referida no artigo 10.º, n.º 12, do CIRS, ocorreu com o registo das acções previsto no artigo 80.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, e que os valores do património imobiliário e do património total da F..., SA a considerar eram os que constavam do balanço de 31-10-2007 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo de 2001, vigente ao tempo em que o acto de liquidação foi praticado).

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados à liquidação de IRS vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem sendo indicada pela Requerente uma relação de subsidiariedade entre os vícios, a ordem da apreciação destes deve ser a que, segundo o prudente critério do julgador, proporciona mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

O estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios no contencioso tributário, nos termos previstos naquele artigo 124.º, tem ínsito o entendimento legislativo de que, se for julgado procedente algum vício que confira estável e eficaz tutela dos direitos do contribuinte, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento de outros vícios que sejam imputados ao acto impugnado, já que, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios, seria indiferente a ordem do seu conhecimento. 

Consequentemente, não tem utilidade o conhecimento dos restantes vícios imputados aos actos impugnados, designadamente o da utilização de um balanço não aprovado e não aplicação do n.º 12 do artigo 10.º a situações em que os imóveis são parte integrante dos activos operacionais afectos à actividade normal de uma sociedade.

Por isso, não se toma deles conhecimento (artigo 130.º do CPC).

 

4. Decisão

 

                De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com fundamento em vício de violação de lei, nos termos referidos no ponto 3.3.1. deste acórdão;

b)           Declarar a ilegalidade dos seguintes actos:

– despacho de 16-06-2014, proferido pela Senhora Subdirectora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo de subdelegação de competências, que indeferiu o recurso hierárquico:

– liquidação de IRS n.º 2011..., relativa ao ano de 2007;

– anular os referidos despacho e liquidação;

c)            Considerar prejudicado e não tomar conhecimento dos vícios imputados aos actos referidos no ponto 3.4. deste acórdão.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 574.768,21.

 

Lisboa, 08-08-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

(José Alberto Pinheiro Pinto)

(Américo Brás Carlos, vencido conforme declaração junta)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei vencido porque, contrariamente à posição que fez vencimento no Acórdão, considero que a data da transmissão das acções em causa é o dia do seu registo, nos termos determinados pelo nº 1, do artigo 80º do Código dos Valores Mobiliários (CVM). Dispõe este preceito que “Os valores mobiliários escriturais transmitem-se pelo registo na conta do adquirente”. Na ordem jurídica portuguesa (onde se inclui, naturalmente, o direito fiscal) não há outro modo nem momento de transmissão jurídica

– e, portanto, de alienação - destes valores mobiliários. No dizer do nº 3 do artigo 10º do CIRS é este o “momento da prática dos atos previstos no nº 1º ” e é este o momento em que se consideram obtidos os ganhos resultantes desses atos.

A exigência legal de intervenção de uma terceira entidade depositária para que se considere concretizada a alienação, entendo-a eu como a prossecução de um objectivo de segurança e certeza no comércio jurídico. Embora a norma não seja aplicável à situação sub judice, é também essa a teleologia, e não outra, que se alcança do preceituado no nº 2, do artigo 80º do CVM, o qual trata dos casos em que as acções são transmitidas em mercado regulamentado. Porque há, desde logo, a intervenção de uma entidade exterior aos transmitente e transmissário, faz sentido à luz daqueles princípios que, independentemente do acima referido registo, sejam permitidas ao adquirente especiais legitimidades de disposição das acções.

O Acórdão pretende estender aos factos em análise, a estatuição da norma excepcional da alínea a), do nº 3, do artigo 10º do CIRS, a qual contraria a valoração ínsita na regra geral constante do corpo deste nº 3. Tal não é, em minha opinião, admissível. Esta norma excepcional apenas faz (e já é muito) para uma situação específica tipificada - promessa de compra e venda ou troca seguida da tradição ou posse - presumir (presunção, aliás, elidível, nos termos do art. 73º da LGT) a antecipação do momento da obtenção de um ganho relativamente ao momento da alienação. Estender este regime a outras situações não contidas na previsão da norma desrespeita o nº 4 do artigo 11º da LGT e o artigo 11º do Código Civil aplicável por força da alínea d) do artigo 2º da LGT e atenta contra o princípio da legalidade tributária na sua vertente de obrigação de determinação ou de tipificação.

 

O árbitro

(Américo Brás Carlos)

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. José Alberto Pinheiro Pinto e Prof. Doutor Américo Brás Carlos, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-01-2015, acordam no seguinte:

 

2.            Relatório

 

A…, NIF …, e B…, NIF …, ambos residentes na Rua …, …, no … Porto, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

Os Requerentes pretendem a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que interpuseram na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2011 …, relativa ao ano de 2007, bem como a anulação desta liquidação.

A Requerente designou Árbitro o Senhor Dr. José Alberto Pinheiro Pinto, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-10-2014.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Senhor Prof. Doutor Américo Brás Carlos.

De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária em 17-11-2014, e notificou os Árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro Árbitro que assume a qualidade de Árbitro Presidente.

O Conselho Deontológico designou o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente em 07-01-2015, que aceitou a designação no prazo legal aplicável.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 07-01-2015.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 29-01-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 09-03-2015, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas mais excepções.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

o)           Em 23-05-2008, os Requerentes submeteram uma declaração de rendimentos modelo 3, respeitante ao ano de 2007, composta pelos anexos A,C,F,G,G1 e H.

p)           No anexo G1 os Requerentes incluíram a seguinte informação:

 

q)           Em 01-09-2008 foi emitida a liquidação n.º 2008 … com rendimento global no valor de €329.326,74, “ imposto relativo a tributações autónomas” na quantia de € 515,57 e apurado imposto a pagar no montante de €12.109,77.

r)            Foi realizada uma acção inspectiva externa aos Requerentes, relativa aos anos de 2007 e 2008, visando validar os rendimentos declarados e/ou apurar operações passíveis de tributação em sede de IRS, em resultado da análise financeira efectuada às contas bancárias tituladas pelo ora Requerente A…, cujo acesso foi concedido pelo próprio, na sequência de acção inspectiva à sociedade C… – …, Lda. NIPC …;

s)            No Relatório da Inspecção Tributária da referida acção, que consta da 3.ª parte do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se além do mais, o seguinte:

Assim, a totalidade da participação no capital social da firma "D…, SA", foi adquirida por A… nas seguintes datas:

 

• Em 29 de Março de 2007, através de deliberação em assembleia geral da sociedade anónima "F…-SGPS, SA" pessoa colectiva sob o n.º …, A…, na qualidade de accionista da sociedade, propôs aumentar o capital social da mesma em 5.200.000,00 €, por via da entrada em espécie das acções representativas da totalidade do capital social da sociedade "D…, SA".

• Em cumprimento do Art 28º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), esta entrada em espécie no capital, foi certificada pela Sociedade de Revisores Oficiais de contas "G… SROC, Lda". De acordo com o relatório produzido, estas acções foram avaliadas em 5.200.000,00 € por uma entidade independente, com base no valor actualizado dos cash-flows futuros.

• Esta deliberação foi votada e aprovada por unanimidade, tendo sido passada a escrito através da acta n.º 7 outorgada pelos representantes dos accionistas da firma "F…SGPS. SA".

• Em 29 de Junho de 2007, os accionistas assinam as declarações a reconhecer o aumento do capital social da "F… SGPS,SA", em cumprimento do disposto no n.º 2 do Art. 88º do CSC.

• Em 2 de Novembro de 2007, é a data que de acordo com os registos das acções (Art 80º do Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Dec. Lei n.º 486/99, de 13 Novembro) da "D…, SA", as mesmas passaram a estar registadas em nome da "F…,SGPS", conforme declaração escrita do Banco Português de Investimento, entidade depositária dos títulos, sendo que deverá ser esta a data que deverá ser atendida como a data da alienação das acções.

Esquema de síntese da operação:

 

III.1.2 Enquadramento fiscal dado à operação por parte do sujeito passivo

• Do ponto de vista declarativo o sujeito passivo, no ano de 2007, procedeu à entrega da Mod. 3 de IRS, com o anexo G1, no qual declarou a mais valia apurada com a venda das participações sociais da "D…, SA" à "F… SGPS, SA”, a saber:

 

O sujeito passivo para efeitos de preenchimento da sua declaração de IRS, para o ano de 2007, atendeu ao enquadramento dado pelo n.º 2 do Art. 10 do CIRS, que exclui de tributação as mais valias apuradas com a alienação de acções detidas pelo sujeito há mais de 12 meses, as quais são declaradas em anexo próprio (G1), tendo apenas efeitos declarativos.

Numa 1ª análise, ao preenchimento do Anexo G1, apresentado pelo sujeito passivo com a Mod. 3 de IRS, para o ano de 2007, determina-se que as datas de aquisição e alienação declaradas, não estão correctas, sem contudo alterar a contagem dos 12 meses para a exclusão de tributação, conforme se expõe:

 

III.1.3 Balanço da empresa cujas participações sociais foram alienadas –D…, SA

• Balanço Considerando que a exclusão a tributação das mais valias apuradas com a alienação de acções, quando detidas há mais de doze meses, tal como está prevista no n.º 2 do Art 10º do CIRS, encontra-se condicionada ao cumprimento da condição prevista no n.º 12 do mesmo articulado, ou seja, ... "não abrange as mais valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50% por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território Português".

Mostra-se assim, relevante fazer uma análise dirigida ao balanço da "D…, SA".

Assim, os Balanços reportados a 31DEZ2006 e 310UT2007, evidenciam os seguintes valores, conforme balancetes disponibilizados pela "D…, SA, solicitados através do ofício n.º … de 23/02/2011:

 

O activo imobilizado corpóreo, é composto pelas rubricas Terrenos e Imobilizado em curso.

 

• Terrenos

O que se retira da análise ao balanço, bem como pela consulta do património da firma, em imóveis, conforme informação recolhida no sistema informático da Direcção Geral dos Impostos, a rubrica do activo "Terrenos" , comporta dois imóveis:

 

Estes estão valorizados em 510.467,87 €.

 

• Imobilizado em curso

Para além do valor dos terrenos, existe a rubrica do activo "Imobilizado corpóreo em curso", que merece uma análise em pormenor, atendendo à sua especificidade e a sua relação com os terrenos detidos pela sociedade, conforme se demonstra:

• A sociedade "D…, SA", desde o momento da sua constituição que visa construir na zona de ... um hotel de luxo e campos de golfe, a que pretende designar por "D…". Para além deste projecto a empresa não tem qualquer outra actividade.

• Este projecto desde 17FEV2004, que está identificado pela Agência Portuguesa de Investimento (API), como um ..."empreendimento estruturante, nos moldes dos projectos que a API preconiza no dossier TVD -Turismo no Vale do Douro"..., tendo ficado acordado o Plano de Investimento apresentado pelo promotor "D…, SA" de SET2003, ao abrigo do sistema de Incentivos SIME.

• Este projecto de construção do Hotel e demais equipamentos complementares, encontra-se classificado desde 2005, como Projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN), nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2005 de …MAI, Despacho Conjunto n.º …/2005 de …AGO e Decreto Regulamentar n.º …/2005 de …AGO, o qual está a ser acompanhado pela Comissão de avaliação e acompanhamento dos projectos PIN, desde AG02005.

• Foram produzidos vários estudos e projectos, que fazem parte do processo de acompanhamento PIN, conforme consulta efectuada a pedido, para a Comissão de avaliação e acompanhamento dos projectos PIN (CAA-PIN), nomeadamente: " Em 26/01/2004, Relatório e avaliação acústica do ambiente (ISQ);

- Em Julho/2004, Projecto de arranjos de exteriores e Integração Paisagística;

- Em 28/07/2004, foi emitido parecer favorável do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil;

- Em Agosto/2004, Parecer técnico sobre condicionantes de natureza hidráulica à construção e do campo de golfe elaborado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

- Em 13/05/2005, foi emitido parecer favorável da Direcção Geral de Turismo;

- Em 26/01/2007, foi emitido parecer conjunto da CCDR-IPPAR, favorável condicionado ao Plano Pormenor da Rede.

• De acordo com a Press Release, disponível e divulgada pela internet, apura-se que desde 2005, que a firma tenta viabilizar o projecto de construção do hotel, junto da Câmara de .... Sendo condição necessária à construção do empreendimento, a aprovação do Plano Pormenor da Rede (PPR), este só veio a acontecer em DEZ2009, por Via da deliberação da Assembleia Municipal.

Foi ainda apurado que em 11/03/2007 (anterior à deliberação do aumento de capital da F… SGPS), foi lavrado um contrato promessa de compra e venda sob condição resolutiva, entre a empresa "C… -…, Lda" -NIPC …, da qual A… é único sócio e gerente, e a firma "H… -…, SA" -NIPC …, nos quais se vinculam as partes a um negócio de compra e venda de terrenos sob condição de a "F… SGPS" vender a totalidade das acções da firma "D…, SA" à "H…", sendo do conhecimento das partes:

“... que a primeira contraente (C…) e seu único sócio (A…) e o segundo contraente (H…), só celebraram aquele contrato porque, indirectamente, ao prometer adquirir as acções representativas da sociedade "D…, SA", estava a prometer adquirir o prédio misto ... de que a sociedade é proprietária e que se localiza na área de intervenção do Plano de Pormenor da Rede promovido pela Câmara Municipal de ... que prevê a possibilidade de naquele prédio se poder edificar uma hotel de luxo e parte de um campo de golfe”

Concluímos assim que a rubrica do activo -Imobilizado em curso, que à data de 31/10/2007, ascendia a 471.937,67 €, não obstante estar desagregada do valor dos terrenos, em face do exposto, não tem qualquer significado ou leitura económica quando analisado isoladamente, mas tão só quando associado aos terrenos sobre os quais foram efectuados os estudos, que lhes conferem um potencial construtivo, que esteve na base da avaliação dada à empresa aquando da alienação das acções.

 

III.1.4 Enquadramento fiscal da operação e efeitos tributários

Conforme já referido, por força do disposto no n.º 12 do Art. 10º do CIRS, para efeitos de aplicação da exclusão à tributação do n.º 2 do mesmo artigo, mostra-se necessário que a sociedade cuja participações sociais estejam a ser alienadas, não detenha no seu activo, imóveis com uma representatividade superior a 50% do valor do seu activo total líquido.

Para efeitos de cálculo da representatividade dos imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis, sobre o valor do activo total liquido, deverá atender-se aos valores de balanço reportados à data em que se consideram transmitidas as acções da sociedade, conforme esclarecimentos prestados pela informação vinculativa n.º …/09 emitida pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, Divisão de Concepção. Visto que a data de transmissão de acções, tal como está prevista no Art. 80º do Código dos Valores Mobiliários, aconteceu em 02/11/2007, será com base no Balanço de 31/10/2007 que tal cálculo deverá ser efectuado:

 

Em conformidade com o que atrás foi dito, conclui-se que, sendo o valor dos imóveis ou direitos reais sobre imóveis detidos pela sociedade alienada, de valor superior a 50% do seu activo total líquido, não se encontram assim cumpridos os pressupostos para a exclusão de tributação da mais valia apurada com a operação, em IRS, logo não será de aplicar o disposto no n.º 2 do Art. 10º do CIRS.

Assim, esta mais valia fiscal deveria ter sido declarada pelo sujeito passivo no Anexo G da Mod. 3 de IRS, entregue para o ano de 2007.

Não tendo esta mais valia sido sujeita a tributação, não obstante ter sido declarada (Anexo G1), importa assim, corrigir a matéria tributável em sede da Categoria G de rendimentos.

Mais valia fiscal apurada, sujeita a tributação:

 

Obs.: Para efeitos de preenchimento do Qdr. 8 do Anexo G da Mod. 3, o valor de realização das acções foi distribuído em função das datas de alienação, de acordo com o peso que as mesmas representavam na declaração apresentada pelo sujeito passivo.

Estes rendimentos, nos termos do Art 72 n.º 4 do CIRS, estão sujeitos à taxa especial de tributação de 10%.

 

t)            Na sequência dessa acção inspectiva, os serviços da Administração Tributária procederam às seguintes correcções, fundamentadas nestes termos na Informação em que se baseou a decisão do recurso hierárquico (além do mais):

 

Ano de 2007: (alienação de acções da firma “ D…, S.A.”)

«Apesar do contribuinte ser detentor das acções há mais de 12 meses, a mais valia obtida estava sujeita a tributação nos termos do n.º 12 do artigo 10.º do CIRC, conforme se descrimina:

 

Este rendimento está sujeito à taxa especial de tributação autónoma de 10%, nos termos do art. 72º, nº 4 do CIRS.

u)           Na sequência das correcções, e relativamente ao exercício de 2007, em 30-05-2011 foi emitida a liquidação n.º 2011 … com rendimento global no valor de € 329.326,74, "Imposto relativo a tributações autónomas" na quantia de € 515.515,57 e apurado imposto a pagar no montante de € 586.877,98, em que se incluem € 59.768,21 de juros compensatórios;

v)            Em 03-11-2011, os Requerentes enviaram por via postal reclamação graciosa daquela liquidação, que foi indeferida por despacho de 24-04-2012;

w)          Em 04-06-2012 os Requerentes enviaram por via postal para o Serviço de Finanças Porto … recurso hierárquico;

x)            Nesse recurso hierárquico foi emitida a Informação n.º …/14, que consta da parte 2 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

8. Como ponto prévio urge esclarecer que, neste processo apenas é de analisar as implicações fiscais que a alienação da totalidade das ações representativas do capital da sociedade "D…, SA" operaram na esfera tributária do ora exponente, na qualidade de vendedor.

9. No que concerne aos procedimentos adoptados posteriormente pela entidade adquirente "F… SGPS, SA" (em que o recorrente é também acionista), nomeadamente o aumento de capital em espécie, é matéria que não releva para o caso em apreço.

Das prestações suplementares

10. Afirma o recorrente no ponto 12º do recurso hierárquico que a sociedade "F… SGPS" adquiriu ações por € 4.670.000 e prestações suplementares no valor de € 530.000, o que totaliza a importância € 5.200.000, correspondente ao valor de realização.

11. Constituindo-se as prestações suplementares como partes de capital, entende o contribuinte que devem as mesmas ser reflectidas para efeitos do apuramento da mais valia a final que só deveria ascender a € 4.620.000, o que pode ocorrer através de uma das seguintes alternativas:

– o custo de aquisição incluir as prestações suplementares, sendo corrigido de € 50.000 para € 580.000;

– o valor de realização excluir as prestações suplementares, passando de € 5.200.000 para € 4.670.000.

12. Ora, as prestações suplementares têm a natureza de capital adicional, distinto da capital nominal/social, ocupando um lugar intermédio entre este e as reservas propriamente ditas, daí que sejam contabilizadas no capital próprio numa conta especial ["53 -Prestações suplementares''].

13. Analisadas as razões que justificam a constituição das prestações suplementares verificou-se que as mesmas existem porque nem sempre é possível prever qual o capital necessário para o desenvolvimento dos negócios sociais. E, embora não constituam um aumento de capital, são a ele equivalentes, mas dispensam o cumprimento das respetivas formalidades e o dispêndio das despesas inerentes.

14. Ou seja, com as prestações suplementares torna-se mais fácil, menos burocrático e menos complexo, os sócios reverem as necessidades da sociedade. Sendo notórias as vantagens que há no recurso às prestações suplementares permitindo aos sócios serem ressarcidos mais depressa dos seus investimentos, pois não obedecem aos requisitos da autorização judicial (art. 95º, nº 1 CSC), formalização de escritura pública (art. 85º, nº 1 CSC) e registo e publicação da deliberação (art. 95º, n.º 4 CSC), entre outros.

15. Em suma, as prestações suplementares não integram o capital social da sociedade, mas apenas contribuem para a composição do seu capital próprio.

16. Conforme se pode ler na página 2 do relatório de fiscalização (fls. 27 da reclamação) "A firma "D…, SA”; com NIPC …, teve o seu início de atividade em 02/12/2003, com o objecto social de "actividade hoteleira e restauração em todas as suas modalidades ..,a compra e venda de prédios rústicos e urbanos e a revenda dos adquiridos para esses fins”. Trata-se de uma sociedade constituída sob a forma jurídica de sociedade anónima, com o capital social no valor de 50.000,00€, distribuído por acções com um valor nominal de 1,00€.

17. Continua o citado relatório afirmando na página 3 que "Em 29 de Março de 2007 através de deliberação em assembleia geral da sociedade anónima "F…-SGPS, SA".. '" A…, na qualidade de accionais da sociedade, propôs aumentar o capital social da mesma em 5.200.000,00€, por via da entrada em espécie das ações representativas da totalidade do capital social da sociedade "D…, SA”.) e "Em cumprimento do Art. 28º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), esta entrada em espécie no capital, foi certificada pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas "G… SROC, Lda". De acordo com o relatório produzido, estas ações foram avaliadas em 5.200.000 € por uma entidade independente, com base no valor actualizado dos cash-flows futuros”

18. Daqui resulta cristalino que, tanto o valor de aquisição de € 50.000, como o valor de realização de € 5.200.000, constante do anexo G, se referem unicamente ao valor das 50.000 ações que compõem a totalidade do capital social da sociedade "D…, SA". Isto é, não integram as alegadas prestações suplementares na importância de € 530.000.

19. Pode, pois, concluir-se que não é correto o pressuposto sobre o qual o exponente assentou a sua pretensão de que a alienação da participação social respeitante às partes de capital foi de apenas € 4.670.000, sendo o remanescente imputável a prestações suplementares.

20. Por outro lado, a considerarem-se as prestações suplementares para efeitos de apuramento da mais valia, tal como requerido pelo contribuinte, o rendimento apurado a final seria exatamente o mesmo, porquanto teria de ser relevado simultaneamente no valor de realização e no valor de aquisição (€ 5.730.000 -€ 580.000 = 5.150.000).

21. A corroborar o exposto, não se pode deixar de mencionar o seguinte:

o contrato celebrado em 2004-06-02, em que se disciplinaram as relações dos acionistas do grupo I... (doc. 9 da reclamação), define na cláusula 3, ponto 3.3, que o aumento do capital social da "F… SGPS" em € 5.200.000 por entrada em espécie da participação detida por A… no capital social da "D…, SA ", correspondente a 100% do referido capital social (fls. 81), ou seja, ao valor das ações.

Também se pode ler no citado contrato na cláusula 3, pontos 3.5 e 3.6 (fls 81 e 82), que a importância de € 530.000 não se refere a prestações suplementares como invocado pelo exponente, mas antes a suprimentos que os novos acionistas vão entregar ao grupo I... para financiar a aquisição de um terreno em específico. Esta importância em concreto corresponde a "adiantamento" da contraprestação a auferir pelo contribuinte A… com a alienação das 1.300.000 ações da "F… SGPS" aos novos acionistas. Pois, se não ocorrer a mencionada alienação de ações aos novos investidores pelo ora exponente, este é obrigado a restituir o valor recebido.

Quanto à ata n.º 5 da sociedade "D…, SA", datada de 2004-12-24 (doc. 8 da reclamação), apenas vem dar forma legal ao explanado no contrato celebrado em 2004-06-02. Pelo que não é correta a afirmação proferida no ponto 14º do recurso de que foi o acionista A… que efetuou as prestações suplementares no valor de € 530.000.

22. Termos em que não procede a pretensão do contribuinte.

 

Da exclusão de tributação das mais valia apurada

Do cumprimento dos requisitos do art. 10º do CIRS

23. Ao que a este item importa, veio o recorrente invocar que a transmissão das ações deverá reportar-se à data em que foi subscrito o aumento de capital na "F… SGPS" por entrada em espécie das ações "D…, SA" (de que era titular também o exponente), o que ocorreu em 2007-06-29, conforme reconhecido nas contas da sociedade.

24. Com efeito, e tal como já referido pelos serviços em sede de reclamação graciosa, ao caso em apreço deve ser aplicado o Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), aprovado pelo DL nº 486/99, de 13/11, apresentando-se como lei especial sobre o código Civil, devendo ser com base neste normativo que se têm de enquadrar as questões a dirimir.

25. Assim, enuncia o art. 46º do CVM que os valores mobiliários podem ser escriturais ou titulados, consoante sejam representados por registo em conta ou por documento em papel.

26. Relativamente aos valores mobiliários escriturais, define o art. 61º do CVM três modalidades de registo em conta, os quais devem constar de registo individualizado:

a) Junto de intermediário financeiro integrada em sistema centralizado; ou

b) Junto de um único intermediário financeiro indicado pelo emitente, ou

c) Junto de emitente ou de intermediário financeiro que o represente.

27. Quanto à integração em cada regime de registo ou depósito, estabeleceu o legislador que:

Os valores mobiliários escriturais admitidos à negociação em mercado regulamentado são obrigatoriamente integrados em sistema centralizado (art. 62º CVM).

Quando não integrados em sistema centralizado, os valores mobiliários ao portador são obrigatoriamente registados num único intermediário financeiro (art 63º, n.º 1, al a) do CVM).

Os valores mobiliários escriturais nominativos não integrados em sistema centralizado nem registados num único intermediário são registadas junto do emitente (art. 64, nº 1 CVM).

28. No que concerne aos valores mobiliários titulados, define o art. 99º CVM que são os mesmos obrigatoriamente depositados em sistema centralizado ou em intermediário financeiro autorizado.

29. Posto isto, cumpre aferir sobre o momento em que se opera a transmissão dos diferentes valores mobiliários.

30. Estabelece o nº 1 do art. 80º (para os valores mobiliários escriturais) e o art. 105º (para os valores mobiliários titulados integrados em sistema centralizado), ambos do CVM, que os valores mobiliários se transmitem pelo registo na conta do adquirente.

31. Só quando a transmissão de valores mobiliários ocorre em mercado regulamentado é que foi definido no art. 80º, n.º 2 do CVM a possibilidade de o adquirente dos valores poder proceder à sua venda nesse mesmo mercado independentemente do registo. Só nesta situação, em que a transmissão de valores mobiliários ocorre em mercado regulamentado, se tem como efetivada no momento da realização da própria operação (à semelhança do principio consagrado no art. 408, nº 1 do Código Civil).

32. Ora, sendo facto indiscutível que a operação de transmissão das ações da sociedade "D…, SA" não foi realizada em mercado regulamentado, significa que não será de aplicar o disposto no art. 80º, n.º 2 do CVM, como pretende o contribuinte.

33. Já quanto à transmissão de valores mobiliários titulados é estipulado:

Os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário. No caso dos títulos já estiverem depositados junto do depositário a transmissão efetua-se por registo na conta deste, com efeitos a partir da data do requerimento do registo (art. 101º CVM);

Os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, inscrita no título, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro. A transmissão produz efeitos a partir da data do requerimento de registo junto do emitente (art. 102º CVM).

34. Ou seja, também nestas situações a transmissão ocorre com o registo junto da entidade registadora. O que se procurou salvaguardar foi apenas a data da operação como sendo a do requerimento do registo, evitando-se desfasamentos temporais no atraso do registo das operações por parte das entidades registadoras.

35. Questão distinta, e sem relevo à apreciação do requerido, são as razões que levaram o legislador a estabelecer distintos regimes de registo ou depósito dos valores mobiliários. Ainda assim, alvitra-se que decorra dos diferentes sistemas de supervisão e controlo inerente a cada tipo de mercado e valor mobiliário.

36. Assim sendo, como a data que consta do registo das ações da "D…" - passando a estar registadas em nome da "F… SGPS" - foi 02 de novembro de 2007 (cfr. declaração escrita do BPI, entidade depositária dos títulos), então terá de ser esta a data a considerar como o momento de transmissão das ações.

37. Por fim, e relativamente ao balanço que deve ser considerado para efeitos de aplicação do disposto no n.º 12 do art. 10º do CIRS, tem de o mesmo de reportar à data da transmissão das ações, conforme já esclarecido por esta Direção de Serviços na informação nº …/09

38. Ainda assim não se deixa de mencionar o seguinte:

- Contrariamente ao referido pelo exponente, o balanço apresentado pelo contribuinte aos serviços durante o procedimento inspetivo com data reportada a 2007-10-31 não se afigura "hipotético", pois estando a contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal (realidade não contestada, nem pelo sujeito passivo, nem pelos serviços) este se presume como verdadeiro e de boa fé, à luz do disposto no art. 75º da LGT.

- Não se pode esquecer que toda a contabilidade tem de ser elaborada com base nas normas contabilísticas e os princípios contabilísticos geralmente aceites, desde o dia 01/janeiro até 31/dezembro.

No que concerne aos alegados movimentos próprios de fecho de contas, que o recorrente invoca como não tendo sido considerados num balanço intermédio, constata-se que a empresa não apresentava atividade, não se vislumbrando que eventuais acréscimos e diferimentos pretendia o sujeito passivo ver reconhecido no balanço datado de 2007-10-31, como sendo devidos àquela data.

39. Termos, em que estiveram bem os serviços ao considerar o balanço reportado a 2007-10-31, para efeitos de aplicação do disposto no art. 10º, n.º 12 do CIRS.

 

Da inconstitucionalidade do n.º 12 do art 10º do CIRS

40. Não cabe à Administração Tributária, por falta de atribuições para o efeito (art. 16º do DL na 205/2006 de 25/10 e DL n.º 81/2007 de 29/03, relativo à Direção Geral dos Impostos e que correspondem, respetivamente, aos actuais art. 14º do DL na 117/2011, de 15/12 e DL n.º 118/2011, de 15/12, referentes à Autoridade Tributária), apreciar da legalidade de normas emitidas por órgãos de soberania.

41. Na verdade, a estes serviços cabe, entre outras atribuições, a liquidação e cobrança dos tributos, nos termos das leis tributárias (cfr. art. 10º, nº 1, al. a) do CPPT).

42. Deste modo, a alegada inconstitucionalidade da norma contida no na 12 do art. 10º do CIRS é matéria cuja análise extravasa a competência desta Direção de Serviços que se limita à aplicação das disposições instituídas pelo poder legislativo. E não tendo sido declarada a inconstitucionalidade da referida norma, pelo Tribunal Constitucional, a mesma encontra-se com toda a sua plenitude em vigor no ordenamento jurídico-fiscal nacional, competindo a estes serviços assegurar o seu cumprimento.

 

Da data da efetiva transmissão das partes do capital

43. Pretende o exponente que a transmissão fiscal das ações se reporte ao ano de 2004, e não ao exercício de 2007, tal como considerado pelos serviços e declarado por si na modelo 3.

44. Para tal, invoca a exceção consagrada na al. a) do na 3 do art. 10º do CIRS que determina "Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato", não sendo aplicável a regra geral que o ganho é obtido no momento da prática do ato (neste caso a alienação onerosa de partes sociais).

45. Com esta disposição, o legislador ficcionou a existência de transmissão fiscal, para efeitos de IRS, logo que provada a existência de contrato promessa seguida de tradição ou posse, independentemente da natureza da afetação do bem transmitido.

46. O contrato-promessa está definido no Código Civil como sendo "a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato" (cfr. art. 410º, n.º 1 do C.C.).

47. Daqui decorre que a prestação devida no contrato-promessa se traduz numa prestação de facto positivo consistente na emissão de uma declaração de vontade negocial destinada a celebrar um outro contrato (que se pode denominar por contrato prometido). A título de exemplo, num contrato de compra e venda as partes obrigam-se a realizar no futuro o prometido contrato de compra e venda, respetivamente, como comprador e como vendedor.

48. Da leitura ao contrato celebrado em 2004-06-02, e carreado ao processo como doe. 9 da reclamação (fls. 74 e Segs) constata-se que o mesmo apenas "visa disciplinar as relações dos accionistas da F…, SGPS, enquanto titulares de acções representativas do capital social da F… SGPS, bem como determinados aspectos relativos ao funcionamento desta Sociedade e das sociedades por si participadas" (cfr. cláusula 1ª, fls. 79 da reclamação).

49. Por seu lado, pronunciando-se sobre os pressupostos e condições para a celebração do contrato, estabelece a cláusula 3º:

"3.2. Os promotores [o ora exponente e a ex-mulher] sejam titulares de uma participação representativa de 100% do capital social da D…, SA, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades e com todos os direitos inerentes, com vista ao cumprimento do estipulado no número 3.3 desta cláusula:

3.3. Até 31 de Dezembro de 2004, os promotores e os investidores institucionais (novos acionistas) deliberem o aumento de capital social da F… SGPS, de 35.531.587,00 Euros para 40.731.587,00 Euros, por conta da entrada em espécie da participação detida por A… no capital social da D…, SA, correspondente a 100% do referido capital social, no âmbito do qual são emitidas 5.200.000 novas ações ordinárias, titulada, nominativas, com o valor nominal de um Euros cada uma ... ".

50. Daqui resulta cristalino que:

Por um lado, o documento exibido não prefigura um contrato promessa de compra e venda ou troca entre o ora exponente e a entidade que adquiriu as ações -"F… SGPS" (o contrato só disciplina as relações entre acionistas), e;

Por outro lado, não ocorreu a tradição ou posse dos valores mobiliários da empresa "D…, SA", do ora exponente para a "F… SGPS".

51. Mais, a pretensão do contribuinte em considerar a aquisição por parte da "F…SGPS" (e, por conseguinte, a alienação pelo ora exponente) no ano de 2004 torna-se ainda mais descabida se recordarmos que o contribuinte A… só adquiriu 50% da participação alienada em 2007, durante o ano de 2006. Ou seja, o exponente está a pretender que se considere a tradição de algo que ainda não dispunha como sendo seu.

52. Apesar do exposto, não se pode deixar de mencionar o sumário do acórdão do TCA, processo nº 00092/04, de 2004-10-21, que pronunciando-se sobre a existência de contrato promessa de compra e venda de imóvel, não aceitou o mesmo para efeitos de aplicação do previsto no art. 100, na 3, al. a) do CIRS o qual se cita:

"Se o sujeito passivo não declarou o rendimento, nem o promitente comprador pagou a respectiva sisa no ano em que a impugnante afirma ter-se verificado a tradição do imóvel para aquele, e não tendo a Administração Tributária outra forma de conhecer a transmissão, nem estando obrigada a conhecê-la oficiosamente, tem de considerar-se verificado o facto tributário, para efeitos de caducidade do direito de liquidação, no momento da celebração da escritura pública de compra e venda. É que só nessa data a Administração Tributária deverá legalmente considerar-se conhecedora da transmissão e não no momento da celebração do contrato promessa ou de qualquer acto revelador da transmissão que não lhe foi comunicado."

53. Face ao exposto, estiveram bem os serviços ao considerar que a transmissão das ações ocorreu durante o ano de 2007.

54. Face ao exposto, não deve ser concedido provimento ao presente recurso hierárquico. Notificando-se o requerente para o direito de audição, nos termos do art. 60º n.º 1, al. b) da LGT.

 

y)            Os Requerentes foram notificados do projecto de indeferimento do recurso hierárquico, para efeito de exercício do direito de audição, e não se pronunciaram;

z)            Por despacho de 16-06-2014, proferido pela Senhora Subdirectora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, foi indeferido o recurso hierárquico, com os fundamentos invocados na Informação atrás transcrita;

aa)         Os Requerentes foram notificados do despacho referido na alínea anterior por ofício datado de 03-07-2014 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

bb)         Em 02-10-2014, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que os € 530.000 que os Requerentes defendem serem prestações suplementares efectuadas pelos Requerente A…, estejam incluídos no valor de € 5.200.000,00 atribuído, aquando do aumento do capital social da "F…SGPS”, à entrada em espécie da participação detida por A… no capital social da "D…, SA ", correspondente a 100% do referido capital social.

O valor de € 5.200.000,00 é referido na proposta de aumento de capital da F…SGPS como reportando-se ao capital social da "D…, SA ", sendo isso que foi certificado por uma sociedade de revisores oficiais de contas, como se refere o Relatório da Inspecção Tributária, sem que os Requerentes contestem esses factos.

Por outro lado, no contrato celebrado em 02-06-2004, em que se regularam as relações dos accionistas do grupo I..., cuja cópia constitui o documento n.º 9 junto com a reclamação graciosa (que consta do final da parte 3.ª e do início da 4.ª parte do processo administrativo), refere-se que o valor de € 5.200.000,00, correspondentes a 100% do capital da D…, S.A., daria origem à emissão de 5.200.000 acções com o valor nominal de € 1 cada (cláusula 3.3), o que confirma que quele valor se reporta apenas às acções.

Ainda na mesma linha, neste contrato refere-se o valor de € 530.000,00 de destina à realização de suprimentos à D… S.A. a efectuar pelos accionistas referidos na cláusula 3.5, para financiar a aquisição de um terreno, não havendo qualquer alusão a prestações suplementares efectuadas pelo Requerente A….

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados com base no processo administrativo junto com a Resposta e os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia sobre eles.

 

3. Matéria de direito

 

Está em causa no presente processo arbitral a tributação das mais-valias em IRS obtidas em 2007.

O artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS, na redacção vigente em 2007, excluía da tributação em IRS as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.

No entanto, o n.º 12 do mesmo artigo estabelecia que «a exclusão estabelecida no n.º 2 não abrange as mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português».

Foi por entender que se verificava uma situação enquadrável na previsão deste n.º 12 que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou a correcção relativa ao ano de 2007 e efectuou a respectiva liquidação.

 

 3.1. Questão relativa à quantificação das mais-valias por não consideração do valor de prestações suplementares

 

No anexo G1 da declaração Mod. 3 de IRS relativa ao ano de 2007, que os Requerentes apresentaram, indicaram como valor de aquisição das «partes sociais detidas há mais de 12 meses» o valor de € 50.000,00 e o valor de realização de € 5.200.000,00.

 Foram estes os valores que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou para tributar as mais-valias.

A primeira questão colocada pelos Requerentes é a de que, atendendo a que o Requerente A… efectuou as prestações suplementares no valor de € 530.000, o custo de aquisição das partes de capital a considerar deveria ser de € 580.000, e não de € 50.000, por as prestações suplementares serem consideradas partes de capital.

E, caso se considere que as prestações suplementares não integram o custo de aquisição das partes de capital, então deveria ter-se excluído do valor de realização o montante relativo a € 530.000, valor correspondente ao custo de aquisição pela F…, conforme consta do seu balancete.

Como se refere nos «factos não provados», não se provou que o Requerente A… tenha efectuado prestações suplementares no valor de € 530.000,00, nem que este valor esteja incluído no valor de € 5.200.000,00 atribuído, com certificação por entidade independente (Sociedade de Revisores Oficiais de Contas “G…, SROC, Lda”), às acções representativas da totalidade do capital social da sociedade “D…, S.A.”, para efeito do aumento de capital da “F… – SGPS, S.A.”.

Assim, tem de se concluir que o acto de liquidação praticado não enferma de vício ao considerar que o valor de € 5.200.000,00 corresponde apenas às acções.

 

3.2. Questão da inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 10.º do CIRS

 

O artigo 10.º, n.º 2, do CIRS estabelece que «a exclusão estabelecida no n.º 2 não abrange as mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português».

A Requerente coloca, em essência, duas questões distintas de constitucionalidade: uma delas é violação dos princípios da tipicidade dos impostos e segurança e certeza jurídicas, que estão conexionados, neste contexto; a outra é a da violação do princípio da igualdade.

 

3.2.1. Inconstitucionalidade por violação dos princípios da tipicidade e da segurança e certeza jurídicas

 

Os Requerentes defendem que, «sendo um dos alicerces do direito fiscal, e em particular do IRS, o respeito pelo princípio da segurança e da certeza jurídica, bem como do princípio da tipicidade (enquanto corolário do princípio da legalidade), a ausência de indicação expressa sobre qual o momento em que deverá avaliar-se a percentagem ínsita no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, acarreta, naturalmente, a inconstitucionalidade do referido preceito».

A tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que o que os Requerentes pretendem é uma fiscalização abstracta da inconstitucionalidade, reservada ao Tribunal Constitucional, não tem qualquer correspondência com a realidade, pois só se está perante fiscalização abstracta da constitucionalidade quando o juízo sobre a constitucionalidade não tem aplicação num caso concreto, isto é, quando a norma sobre que ele versa não vai ser aplicada num caso submetido à apreciação de um Tribunal.

Mas, no caso em apreço, sendo um dos pressupostos da liquidação a norma do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS, é evidente que o juízo de constitucionalidade sobre ela consubstancia fiscalização concreta da constitucionalidade que é imposta a todos os tribunais pelo artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

O princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, é um dos elementos essenciais do Estado de direito constitucional. Além do mais, esse princípio «implica a tipicidade legal, devendo o imposto ser desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais». (   )

Os princípios da segurança e da certeza jurídica são princípios ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, como vem sendo entendido pacificamente.

No que concerne à incidência dos impostos, aquela norma exige que a lei determine a incidência, o que pressupõe que as normas que definem os factos tributários possuam a densificação suficiente para permitir aos destinatários a sua previsível aplicação. «Se a função da reserva de lei é tornar os resultados da sua aplicação previsíveis, a previsi¬bilidade tem de dizer respeito a todos os elementos que conduzem à iden¬tificação do objecto de tributação e do sujeito passivo e ao apuramento do montante do imposto». «A determinação da lei significa que o conjunto de argumentos legais permite (é suficiente para) justificar as decisões resultantes da sua aplica¬ção. (   )

«O princípio da legalidade tributária, nos quadros do Estado-de-Direito, é essencialmente um critério de realização da justiça; mas é, do mesmo passo, um critério da sua realização em termos seguros e certos. A ideia de segurança jurídica é, decerto, bem mais vasta do que a de legalidade; mas posta em contacto com esta não pode deixar de a modelar, de lhe imprimir um conteúdo, que há-de necessariamente revelar o grau de segurança ou certeza imposto ou pelas concepções dominantes ou pelas peculiaridades do sector a que respeita. Ora, o Direito Tributário é de todos os ramos do Direito aquele em que a segurança jurídica assume a sua maior intensidade possível e é por isso que nele o princípio da legalidade se configura como uma reserva absoluta de lei formal».(...) «Que no Direito Tributário o princípio da legalidade se tenha configurado como uma reserva absoluta de lei formal atesta bem que a ideia de segurança jurídica desempenha nele um papel de primeiro plano». (   )

«O relevo da segurança jurídica no Direito Tributário não decorre apenas do atribuído à segurança jurídica, em geral, que (...) é susceptível de várias "graduações, consoante a natureza dos interesses a que respeita. Reside ainda na sua necessária conexão com o tipo de sistema económico em que vigora.

Com efeito, num sistema económico que tenha como princípios ordenadores a livre iniciativa, a concorrência e a propriedade privada, torna-se indispensável eliminar, no maior grau possível, todos os factores que possam traduzir-se em incertezas económicas susceptíveis de prejudicar a expansão livre da empresa, designadamente a insegurança jurídica. E isto era o que inevitavelmente sucederia se ao domínio claro da lei se sucedesse o «voluntarismo» da Administração». (   )

«A tipicidade deverá, pois, ser considerada como uma forma particular de garantia destinada a tornar o imposto previsível e calculável ao escolher determinadas realidades para elementos materiais do tipo fiscal». (   )

De acordo com o princípio da determinação os elemen¬tos integrantes da norma tributária devem ser de tal modo precisos e determinados na sua formulação legal que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjectivos de apreciação da sua aplicação concreta. Verifica-se, pois, na norma tributária o fenómeno da tipicidade fechada (elevado grau de determinação conceitual ou de fixação do conteúdo), de que falam LARENZ e ROXIN, e que se opõe à existência de normas «incompletas», «elásticas» ou «de borracha», como alguns já as designaram». (   )

A citação feita de XAVIER DE BASTO transcrita pelos Requerentes evidencia uma dúvida de óbvia pertinência sobre o campo de aplicação daquele n.º 12 do artigo 10.º: «a lei, todavia, não esclarece se esse ratio se tem de manter durante vários exercícios ou em que momento tem de ser apurado e escrutinado. Será no momento em que são alienadas as participações que se terá de determinar aquela percentagem ou valerá a percentagem apurada no balanço do último exercício?».

Esta pertinente pergunta, que consta da parte final, só exprime uma das dúvidas, pois estas estendem-se, adensando-se, à primeira parte desta citação.

Com efeito, o maior défice da norma é não revelar se é necessário que a percentagem que se refere só tem de existir no momento da alienação ou no momento do último balanço ou em outro momento específico qualquer ou durante todo o período de detenção das acções.

A questão da violação do princípio da tipicidade não se coloca a nível da falta de esclarecimento sobre se é de atender ao balanço ou a outro qualquer meio de determinar a percentagem de imóveis ou direitos reais sobre imóveis no activo da sociedade, pois, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as obrigações contabilísticas das empresas permitem considerar a determinação pelo balanço como um meio previsível de determinar tal percentagem, que será absolutamente seguro nos casos em que o nível dessa percentagem seja consideravelmente superior aos 50%.

Mas, o que não resulta daquele n.º 12 do artigo 10.º do CIRS e não é determinável com aplicação dos critérios interpretativos das normas fiscais é se basta que essa percentagem de 50% se verifique no momento da alienação ou no momento do último balanço ou em ambos ou ainda cumulativamente em todos os balanços, desde o momento da aquisição até àquele em ocorre a alienação.

Por outro lado, mesmo que se entendesse que seria de atender ao momento da transmissão e ao balanço mais próximo, sempre ficaria por esclarecer se se devia atender ao último balanço disponível ou ao último balanço aprovado, pois a norma não fornece qualquer informação para formular uma opção. E o caso dos autos demonstra bem a relevância da opção, pois não haveria tributação se se considerasse o balanço de 31-12-2006, mas ela passaria a existir se se preferisse o de 31-10-2007, que era o último disponível, mas que não foi aprovado.

Sendo assim, tendo em mente o referido princípio da tipicidade, que exige uma suficiente determinabilidade e previsibilidade da incidência dos impostos, a omissão de referência a qualquer dos momentos potencialmente relevantes para definir a percentagem accionadora da estatuição desta norma só pode ser interpretada, sem violação daquela regra constitucional e com salvaguarda do princípio da segurança jurídica, como exigindo que a percentagem que define o limite da incidência se verifique em todos esses momentos, isto é, desde o momento da aquisição das acções até ao momento da alienação.

Na verdade, não se está, nesta situação, perante o uso de qualquer conceito vago ou indeterminado cuja densificação caiba ao intérprete, mas sim perante uma situação em que a fronteira entre a tributação e a não tributação está definida com um elemento quantitativo preciso (percentagem de 50%), mas com insuficiente informação legislativa sobre o momento ou momentos a atender para apurar a sua verificação.

 Desta perspectiva, a intenção legislativa que se pode aventar estar subjacente a esta norma será a de obstar a que, através da constituição de sociedades anónimas imobiliárias, primordialmente destinadas à detenção de imóveis, que mantenham ininterruptamente uma percentagem de imóveis no activo superior aos 50%, se evite abusivamente a tributação das mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis. (   ) Como referem os Requerentes, citando XAVIER DE BASTO, «(…) o regime privilegiado das mais-valias em acções corre o risco de poder ser aproveitado para conseguir comunicar essa protecção a outras mais-valias tributáveis. A situação típica é das sociedades anónimas detentoras de imóveis de grande valor, porventura adrede constituídas para servir de veículo de evasão, total ou parcial do imposto sobre as mais-valias imobiliárias» (artigo 62.º do pedido de pronúncia arbitral).

Está-se, assim, perante uma norma antiabuso especial, vocacionada para a tributação de mais-valias de acções de sociedades criadas para a detenção permanente de imóveis e em que, por isso, os activos serão de forma permanente maioritariamente constituídos por imóveis e direitos reais sobre imóveis.

Esta ratio legis, que é a única que pode explicar esta opção legislativa, acompanhada da não indicação do momento relevante para apurar se o activo é constituído maioritariamente por imóveis ou direitos reais sobre imóveis, corrobora a conclusão de que será necessário, para preencher a hipótese do n.º 12 do artigo 10.º, que a percentagem superior a 50% se tenha de verificar durante todo o período de detenção das acções, o que seguramente se verificará nas sociedades constituídas para obtenção dos efeitos fiscais que se pretendeu reprimir.

Será esta a única interpretação conforme à Constituição, por eliminar a indeterminabilidade do momento relevante para apurar a constituição do activo.

No caso em apreço, constata-se que o activo da sociedade “D… S.A.” não foi durante todo o período da detenção das acções pelo Requerente A… constituído em mais de 50% por imóveis, pois tal não sucedia no balanço do último exercício, de 31-12-2006, pelo que não se verificaria a condição exigida para a tributação das mais-valias.

Mas, no âmbito deste primeiro vício que imputam ao acto impugnado, os Requerentes não defendem que seja errado o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de escolher um único momento para apurar se a maior parte do activo era constituída por imóveis situados em território nacional, dizendo apenas, em suma, que a lei não determina que momento ou momentos devem ser tidos em conta. Para além disso, os Requerentes não sustentam que esse único momento seja o da alienação (embora discutam, a propósito de outro vício que imputam ao acto impugnado, qual é o momento que deve considerar-se como o da alienação, o que é diferente).

É isso que transparece dos artigos 43.º e 44.º do pedido de pronúncia arbitral, com que os Requerentes concluem esta imputação de vício:

43.º

Esta incerteza e insegurança na apreciação do preceito em questão, ganha ainda mais relevo se atentarmos ao facto de não existir uma orientação genérica da administração tributária onde seja revelada qual a sua interpretação do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS.

44.º

Assim sendo, não fixando a lei o momento concreto da aferição do cumprimento dos requisitos legais para a exclusão de tributação previsto no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, opera-se a violação do princípio da tipicidade previsto no artigo 103.º da CRP, bem como no artigo 8.º da LGT.

 

Como se vê, o vício imputado neste contexto, é a não fixação pela lei do momento concreto da aferição do cumprimento dos requisitos e não um hipotético erro da Autoridade Tributária e Aduaneira ao optar por considerar relevante o momento a alienação. O único vício que referem, nesta parte, é o da incerteza e insegurança gerada pela norma, que defendem ser ofensiva do princípio da determinabilidade.

Assim, não se verificando, pelo que se disse, numa interpretação conforme à Constituição que aqui se perfilha, a inconstitucionalidade por violação dos princípios da tipicidade e da segurança e certeza jurídica, tem de concluir-se que o acto impugnado não enferma desse único vício que os Requerentes imputam ao acto, neste contexto.

 

3.2.2. Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade

 

Os Requerentes colocam também a questão de inconstitucionalidade do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS, por violação do princípio da igualdade.

O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei é estabelecido pelo art. 13.º da CRP.

Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. (   )

No caso em apreço, a Requerente defende que ocorre violação do princípio da igualdade com base na seguinte argumentação, em suma:

 

– foi com vista a evitar a evasão do imposto devido pela mais-valia obtida com a alienação de bens imóveis, que o legislador assimilou àquela a mais-valia obtida com a venda de acções de sociedades, cujo activo fosse constituído, em mais de 50%, por bens imóveis ou por direitos reais sobre bens imóveis situados em território português;

– ao limitar a localização dos imóveis ao território português, o legislador permite que a alienação de acções de sociedades (detidas há mais de 12 meses) em que o activo seja constituído em mais de 50% por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis possa:

a) Ser tributado se os imóveis que compõem o limite de 50% forem situados em território português; ou

b) Não ser tributado (por exclusão de incidência) se o limite de 50% for composto integralmente por imóveis situados fora do território português; ou ainda;

c) Não ser tributado (por exclusão de incidência) se o limite de 50% for composto por imóveis situados fora do território português e por imóveis situados em territórios português (desde que esses últimos não influenciem em mais de 50% o activo da sociedade).

 

– numa primeira análise, sempre se poderia concluir que as mais-valias (ou outros rendimentos) obtidas com a alienação de imóveis situados fora do território português não estariam sujeitas a tributação em IRS, o que poderia justificar a limitação territorial do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS;

– no entanto, por força do disposto do artigo 15.º do Código do IRS, os residentes em território português são aqui tributados pela globalidade dos seus rendimentos/ganhos, pelo que as mais-valias obtidas com a alienação de imóveis situados fora do território português são sujeitas a tributação em IRS;

– acresce que, se parte do activo da sociedade cujas ações foram alienadas fosse constituído em 49% por imóveis situados no território nacional e em 2% por imóveis situados noutro território, a mais-valia em questão estaria excluída tributação em IRS;

– e não se diga que tributar em IRS as mais-valias obtidas com a alienação de ações de sociedade cujo activo fosse constituído em mais de 50% [ou outra percentagem] por bens imóveis, independentemente da localização dos mesmos, poderia levar a uma situação de dupla tributação;

– a admitir-se o cenário de uma jurisdição tributária de um Estado-Membro ou de um país estrangeiro tributar as mais-valias obtidas com a alienação de acções de sociedade sedeada em Portugal, sempre que o activo dessa mesma sociedade seja constituído, em mais de 50% [ou outra percentagem] por imóveis situados no seu território, dispõe o contribuinte de mecanismos próprios para eliminar a efectiva e real dupla tributação;

– face aos objectivos do n.º 2 e do n.º 12, ambos do artigo 10.º do Código do IRS, a localização dos imóveis é, pois, um requisito que serve para tratar de forma distinta o mesmo tipo de rendimento, perante o mesmo tipo de realidade, já que a localização dos imóveis não reconfigura o tipo de mais-valia, nem faz extinguir o abuso de direito que o legislador pretendia evitar.

 

A norma em causa cria situações de discriminação do tipo das referidas pelos Requerentes, para que não se consegue divisar uma justificação razoável, pelo que se tem de considerar que o critério da definição da tributação das mais-valias com base na percentagem de 50% relativa a imóveis situados em território nacional é puramente arbitrária.

Essa falta de razoabilidade é acentuada pelo facto de não estar em causa a tributação de mais-valias imobiliárias, mas sim de mais-valias mobiliárias, tributadas com plena autonomia em relação a possíveis mais-valias imobiliárias. Na verdade, a tributação ou não das mais-valias mobiliárias é determinada pela localização de imóveis, mesmo que não venha a verificar-se qualquer valorização de imóveis que venha a ser tributável a nível de mais-valias em sede de IRC e, se esta dever ocorrer, é cumulável com ela.

Para além disso, o caso em apreço, em que se constata que, se se considerasse o balanço de 31-12-2006, não haveria lugar a tributação e ela passa a existir à face do balanço de 31-10-2007, sem que exista entre os dois momentos qualquer alteração contabilística do valor dos imóveis detidos pela sociedade, nem se vislumbre o que sucedeu para que o activo global tenha diminuído (elevando, assim, a percentagem do valor dos imóveis, que se manteve inalterado), o que patenteia o absurdo do critério adoptado para definir as situações que se consideram abusivas.

Na verdade, à face deste critério, qualquer alteração do activo, mesmo que não se baseie em alteração do valor dos imóveis, pode levar a que se considere abusiva uma situação de detenção de acções por mero efeito de factores absolutamente aleatórios e dissociados de qualquer comportamento dos sujeitos passivos detentores de acções, designadamente eventos que produzam diminuição do activo global (como, por exemplo, furto ou deterioração de bens móveis ou mercadorias ou perda de valor de mercadorias por efeitos do mercado, a eliminação de um crédito por passar a ser considerado incobrável, o decaimento numa acção judicial, a diminuição do valor de acções cotadas de outras sociedades, etc.) ou circunstâncias que elevam o valor dos imóveis (como é o caso de valorização dos terrenos por mero efeito do mercado ou alterações do planeamento urbanístico).

A arbitrariedade e aleatoriedade da tributação dependente deste tipo de circunstâncias é ainda agravada pelo facto de para o apuramento da percentagem de 50% do activo bastar a mera titularidade indirecta de imóveis ou direitos reais sobre imóveis, o que significa que os titulares de acções de uma sociedade podem passar a ficar sujeitos a tributação na sequência de factos que nem sequer têm a ver directamente com essa sociedade, mas com outra de que essa detenha uma parte de capital, ou mesmo mais remotamente, com uma subsidiária de uma subsidiária, ou mesmo mais longinquamente, com uma subsidiária de uma subsidiária de uma subsidiária.

O essencial, quanto a violação do princípio da igualdade e que evidencia a arbitrariedade da definição da linha que separa a tributação e a não tributação, é que não há uma explicação aceitável para que uma alteração aleatória do capital de uma sociedade dominante derivada da diminuição de valor do capital de uma subsidiária de uma subsidiária de uma subsidiária (etc...), gerada por um incêndio ou um furto de mercadorias ou outro evento de cariz eventual e alheio a qualquer actividade dos detentores de acções que provoque uma desvalorização do activo mobiliário global do grupo, pode levar a que seja considerada como uma actuação abusiva, por evasão ao pagamento de mais-valias imobiliárias, a alienação de acções por um accionista da sociedade dominante que adquiriu em bolsa acções da sociedade, em situação de absoluto alheamento em relação aos eventos acidentais que possam ocorrer e alterar o valor do activo mobiliário e suas subsidiárias remotas, e sem que haja qualquer valorização dos imóveis detidos pela sociedade, susceptíveis de gerar tributação desta a nível de mais-valias imobiliárias.

Especialmente decisivo para concluir pela arbitrariedade da definição de tributação decorrente desta norma, é a constatação de que se está perante uma norma antiabuso destinada a evitar que as pessoas singulares se subtraiam, por via da constituição de uma sociedade anónima, ao pagamento de mais-valias imobiliárias, passando a tributar, como mais-valias mobiliárias, situações em que, se não existisse a sociedade, não haveria mais-valias imobiliárias tributáveis.

A falta de justificação para esta tributação das mais-valias mobiliárias, como medida antiabuso para evitar a fuga ao pagamento de mais-valias imobiliárias decorre também do facto de, apesar desta tributação, a sociedade não fica dispensada de pagar as mais-valias imobiliárias que forem devidas, com aplicação de uma taxa de IRC que, em 2007, era superior à taxa aplicável às mais-valias mobiliárias previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

Se o objectivo da norma antiabuso é tributar a alienação das mais-valias imobiliárias que, por via de uma sociedade, se transformam em mais-valias mobiliárias não tributadas, só se pode justificar a aplicação da norma a situações em que haveria mais-valias imobiliárias tributáveis a pagar pelo sujeito passivo de IRS se a sociedade não existisse, isto é, situações em que houve uma valorização dos imóveis e ocorreu o facto e o momento em que deve ocorrer a sua tributação.

Por outro lado, apesar das críticas de que foi alvo a exclusão da tributação das mais-valias proveniente de acções detidas por mais de um ano, ela tinha uma justificação para a discriminação positiva que fazia em relação aos seus titulares, que foi assumida explicitamente, após reponderação e hesitação legislativa, no início deste século.

Na verdade, havia e há uma preferência legislativa pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima.           

Essa opção legislativa foi mantida com variações desde a redacção inicial do CIRS, no sentido da não tributação de algumas das mais-valias provenientes da alienação de acções, sendo justificada pela existência de uma «política de desenvolvimento do mercado financeiro», expressamente reconhecida no 5.º parágrafo do ponto 12 do Relatório do CIRS.

A «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 1/IX, que veio a dar origem à Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária para aprovar o Decreto-Lei n.º 228/2002 é elucidativa no sentido de se ter reconhecido que a não tributação das mais-valias não especulativas provenientes da alienação de acções era preferível à sua tributação dizendo-se:

 

Com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, que tornou indispensável a revisão do Código de IRS operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi alargado o âmbito de incidência a todas as mais-valias de valores mobiliários e eliminou-se a taxa liberatória de 10%.

Na sequência desta alteração as mais-valias de valores mobiliários são simultaneamente englobadas e sujeitas às taxas gerais progressivas, que se situam entre 12% e 40%.

Acresce que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 30-G/2000, o referido regime de tributação das mais-valias só é aplicável aos valores mobiliários adquiridos após 1 de Janeiro de 2001, mantendo-se o anterior regime de tributação para as mais-valias quanto aos adquiridos antes dessa data.

Aquele regime tributário foi contudo alterado, transitoriamente, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2002), a qual veio estabelecer uma isenção da tributação das mais-valias relativamente a rendimentos inferiores a 2500 Euros, fazendo-se, no entanto, o englobamento, apenas, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos.

Considerando que o impacto desta reforma fiscal no mercado de capitais foi altamente prejudicial para os investidores, configurando-se como um desincentivo ao investimento, com todas as inerentes consequências negativas para o desenvolvimento de uma política de recuperação económica, urge revogar o regime de tributação das mais-valias aprovado pela Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, acolhido pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e, em consequência, retomar o regime de aplicação da taxa liberatória de 10%, bem como da exclusão de tributação das mais-valias de valores imobiliários detidos pelo seu titular durante mais de 12 meses, tributando-se apenas as mais-valias especulativas.

 

O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que reintroduziu a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses é também elucidativo sobre a existência desta intenção legislativa ao dizer:

O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

Os traços mais salientes do quadro então instituído consistiram na abolição da exclusão tributária de que beneficiavam as mais-valias provenientes da alienação de obrigações e de outros títulos de dívida e da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, passando a incidir uma tributação generalizada sobre estes rendimentos, atenuada por uma isenção de base para os saldos positivos inferiores a determinado montante e pela consideração dos saldos positivos ou negativos em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante.

Por força do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002, o regime emergente da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, não chegou a ser aplicado.

O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos

 

A estas opções do legislador fiscal, acresce a preferência manifestada pelo legislador pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima, cuja adopção desde a redacção inicial do CIRS pretendeu fomentar e é patente no Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que reformou um vasto conjunto de leis relacionadas com as sociedades comerciais, com especial atenção para a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais (artigo 1.º, n.º 1) e para as sociedades anónimas (artigo 1.º, n.º 2: «o presente decreto-lei visa ainda actualizar a legislação societária nacional, adoptando designadamente medidas para actualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas»).

Explanando as razões de política económica subjacentes à reforma, o legislador afirma, no preâmbulo daquele Decreto-Lei:

 

Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes pressupostos. […] Importa ainda apontar o atendimento das especificidades das pequenas sociedades anónimas como preocupação que esteve subjacente à preparação deste decreto-lei”.

 

Neste contexto, detectava-se uma opção legislativa deliberada no sentido de afastar a tributação das mais-valias não especulativas, como incentivo à criação de sociedades anónimas, formas de organização mais avançada, que proporciona tendencialmente gestão mais profissionalizada e eficiente, com benefícios para a economia em geral e, reflexamente, para o próprio interesse da tributação de rendimentos empresariais.

Mas, sendo esta a perspectiva legislativa, não se consegue descortinar qualquer razão (fora dos casos abusivos de criação de sociedades permanentemente detentoras de imóveis destinadas a evitar a tributação das mais-valias imobiliárias), para fazer distinção entre os titulares de acções de sociedades anónimas nacionais, impondo a tributação em mais-valias aos alienantes de acções de sociedades anónimas que, no momento da alienação, tenham a maior parte do activo constituído por imóveis situados em território nacional e afastando a tributação quanto aos titulares de acções de sociedades que, no momento da alienação, tenham o activo constituído maioritariamente por bens móveis e/ou imóveis situados fora do território nacional, já que, em todos, os casos as sociedades anónimas nacionais satisfazem os desígnios legislativos.

Do exposto, conclui-se que o n.º 12 do artigo 10.º do CIRS afronta o princípio constitucional da igualdade, pelo que o acto que aplicou aquela norma enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação [artigo 135.º do CPA de 1991, vigente ao tempo da prática do acto de liquidação e subsidiariamente aplicável por força do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados à liquidação de IRS vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem sendo indicada pela Requerente uma relação de subsidiariedade entre os vícios, a ordem da apreciação destes deve ser a que, segundo o prudente critério do julgador, proporciona mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

O estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios no contencioso tributário, nos termos previstos naquele artigo 124.º, tem ínsito o entendimento legislativo de que, se for julgado procedente algum vício que confira estável e eficaz tutela dos direitos do contribuinte, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento de outros vícios que sejam imputados ao acto impugnado, já que, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios, seria indiferente a ordem do seu conhecimento. 

No caso em apreço, a inconstitucionalidade do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS por violação do princípio da igualdade proporciona eficaz e estável tutela dos interesses dos Requerentes, pois obsta à renovação do acto impugnado.

Consequentemente, não tem utilidade o conhecimento dos restantes vícios imputados aos actos impugnados, designadamente os invocados erro sobre a data da transmissão, utilização de um balanço não aprovado e não aplicação do n.º 12 do artigo 10.º a situações em que os imóveis são parte integrante dos activos operacionais afectos à actividade normal de uma sociedade.

Por isso, não se toma deles conhecimento (artigo 130.º do CPC).

 

4. Decisão

 

                De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

d)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com fundamento em vício de violação de lei, por aplicação da norma do artigo 10.º, n.º 2, do CIRS, materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade;

e)           Declarar a ilegalidade dos seguintes actos:

– despacho de 16-06-2014, proferido pela Senhora Subdirectora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo de subdelegação de competências, que indeferiu o recurso hierárquico:

– liquidação de IRS n.º 2011 …, relativa ao ano de 2007;

– anular os referidos despacho e liquidação;

f)            Considerar prejudicado e não tomar conhecimento dos vícios imputados aos actos referidos no ponto 3.3. deste acórdão.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 574.768,21.

 

 Lisboa, 29 de Abril de 2015

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

(José Alberto Pinheiro Pinto)

(Américo Brás Carlos)

(vencido, conforme declaração junta)

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei vencido a decisão constante do acórdão, por dela discordar nos termos dos dois pontos que se seguem:

 

O acórdão aponta alguns défices à norma do nº 12 do artigo 10º do CIRS, vigente à data dos factos em julgamento. Não entendo, contudo, que a mesma seja “materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade”, de tal sorte que o acto que aplicou a referida norma enferme do “vício de violação de lei”.

 

1. Da inconstitucionalidade do nº 12 do artigo 10º do CIRS, por violação do princípio da igualdade.

Reconhece-se que o princípio constitucional da igualdade, também em matéria tributária, impõe um tratamento igual ao que é igual e um tratamento diferente ao que é diferente. Para estabelecer a igualdade de situações, porém, é necessário escolher um critério comparativo relevante para o efeito. “Estando os contribuintes rodeados por mil e uma circunstâncias diferentes, à luz de que critério podemos dizer estarem na mesma situação e tributá-los, por isso, de idêntica maneira?” 

Ora, em meu entender, o critério escolhido pela lei no nº 12 do artigo 10º do CIRS coloca esta norma ao abrigo do julgamento de inconstitucionalidade.

Sendo claro que o preceito observa o princípio da “proibição do arbítrio”  enquanto limite negativo à tributação , também a opção legislativa que dele se retira, e que foi considerada pelo acórdão como violadora do principio da igualdade – a limitação da ponderação do valor dos imóveis aos situados no território português, deixando de fora o valor dos imóveis situados fora deste território, para efeitos do cálculo da lá referida percentagem de 50% - tem justificação coerente. Tratando-se de uma norma anti-abuso (estabelecida, como nas restantes normas deste tipo, em ordem à melhoria no “cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária” ) que, fundamentalmente, visa evitar que “sociedades anónimas detentoras de imóveis de grande valor (…) possam servir de veículo de evasão, total, ou parcial de imposto sobre as mais valias imobiliárias” , a não extensão aos imóveis situados fora do território português está suficientemente ancorada, quer no nº 4 do art. 13º da Convenção Modelo da OCDE, quer nas medidas unilaterais de eliminação da dupla tributação internacional (art. 81º do CIRS e art. 91º do CIRC) de onde decorre, normalmente, a efectiva não tributação em Portugal dos ganhos resultantes de tais imóveis.

 

2. Da violação de lei, em virtude de aplicação de norma julgada inconstitucional por este tribunal. 

Também neste ponto não acompanho a decisão que prevaleceu, pelas razões que se seguem.

Como antes referi, não entendo que a norma do nº 12 do artigo 10º do CIRS seja inconstitucional, mas mesmo que assim o entendesse, daí não concluiria que o acto tributário em análise padecia do vício de violação de lei.

É um facto que o artigo 204º da Constituição (CRP) impede os tribunais de aplicar normas que infrinjam o texto constitucional e os princípios nele consagrados. E dessa decisão de não aplicação de normas cabe recurso para o Tribunal Constitucional (TC) nos termos do artigo 280º, nº 1, alínea a) da CRP e do artigo 70º, nº 1, alínea a) da Lei do TC. Salvo melhor opinião, não existe, porém, arquitectura jurídica similar reportada à actividade da Administração Pública.

Não penso que a Administração disponha, em regra, do poder de não aplicação de leis que se encontrem em vigor. Mesmo com fundamento na percepção da sua inconstitucionalidade.

No caso em análise, permanece o princípio da mediação prévia da lei. Como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA  “Em princípio ela (a Administração Pública) está imediatamente subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la a pretexto da sua inconstitucionalidade”. E mesmo nos casos em que a CRP determina “a sua aplicabilidade imediata e a vinculação directa das entidades públicas, como ocorre no domínio dos direitos, liberdades e garantias (art. 18º nº 1) só é admissível uma excepção do princípio da obediência à lei quando a inconstitucionalidade for flagrante e manifesta”  

Na circunstância, não estão em causa direitos, liberdades ou garantias, no sentido expresso no artigo 18º, nº 1 da CRP; e, ainda que estivessem, nunca o nº 12 do artigo 10º do CIRS seria “flagrante ou manifestamente inconstitucional”, tendo até em conta o modo programático como o princípio da igualdade tributária se pode entender no todo constitucional.   

Concluindo, ao tempo dos factos, o nº 12 do artigo 10º do CIRS, era uma “norma jurídica aplicável”, pelo que não ocorreu a discrepância entre o conteúdo do acto praticado e as normas que lhe são aplicáveis, em que consiste o vício de violação de lei .

 

3. Da fundamentação relativa a vícios cujo conhecimento se considerou prejudicado

Cumprindo o disposto no artigo 124º do CPPT, não se conheceu de outros vícios para além dos acima referidos. Não obstante, o acórdão, no seu ponto 3.2.1, averigua do momento relevante para efeitos de cálculo da percentagem do valor de imóveis situados em território português e de direitos reais sobre eles, em face do total do activo e conclui que “será necessário, para preencher a hipótese do nº 12 do artigo 10º, que a percentagem superior a 50% se tenha verificado durante todo o período de detenção das acções”.

Também aqui me afasto da argumentação do acórdão, já que, segundo entendo, com essa interpretação, bastaria que aquela percentagem não ultrapassasse os 50% em um só dia de todo o período de detenção das acções, para que se arredasse a aplicação do nº 12 do artigo 10º. O que abriria campo à muito fácil possibilidade de elisão da norma em causa, tornando-a em grande parte inútil. Até porque muitas vezes as sociedades constituem-se sem activos imobiliários, sendo posterior a aquisição dos mesmos e até o propósito de utilização da transmissão das acções como meio de evitação da tributação sobre mais valias imobiliárias. Acresceria, ainda, a grande dificuldade em comprovar que em nenhum momento do período de detenção das acções foi ultrapassada a citada percentagem de 50%, quando as mesmas fossem detidas por períodos longos, quiçá superiores ao prazo da obrigatoriedade de manutenção dos documentos contabilísticos e de suporte à mesma.  

Ao contrário, entendo que o momento da verificação daquela percentagem só pode ser o momento da verificação do facto gerador: o momento da alienação (art. 10º, nº 3 do CIRS). É só aí que se apuram as mais ou menos valias reais; as únicas que nesta sede (ao invés das potenciais, resultantes de aumentos ou diminuições dos valores dos activos observados durante a detenção das acções) relevam para a tributação.

 

(Américo Brás Carlos)