Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 70/2015-T
Data da decisão: 2015-06-22   
Valor do pedido: € 4.317,55
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 6 de fevereiro de 2015, a sociedade comercial A…, Lda., NIPC …, com sede na Rua …, n.º .., 3.º direito, Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação dos atos de liquidação da 3.ª (terceira) prestação de Imposto do Selo, efetuados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (doravante, TGIS), com referência ao ano de 2013 e ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, propriedade da Requerente.

A Requerente juntou 10 (dez) documentos, não tendo arrolado testemunhas, nem requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

É proprietária do prédio urbano em propriedade vertical, situado na Rua …, n.ºs … a …-D, tornejando para a Rua …, freguesia de …, concelho de Lisboa, o qual é composto por 6 pisos e 11 divisões suscetíveis de utilização independente, todas destinadas a habitação.

Apesar de aquele prédio estar inscrito na matriz predial em propriedade vertical, ao nível da sua tributação, as suas coletas sempre foram calculadas sobre o valor patrimonial de cada uma das referidas divisões, como se estivesse inscrito na matriz predial em regime de propriedade horizontal.   

A Requerente entende que a AT interpreta erradamente a verba 28 da TGIS, na medida em que quer o mencionado prédio esteja inscrito na matriz predial em propriedade horizontal, quer em propriedade vertical, a base tributável para efeitos de IMI é sempre o valor patrimonial de cada uma das divisões suscetíveis de arrendamento em separado. 

Ora, se assim foi e é relativamente ao cálculo de IMI e se o foi em relação à Contribuição Autárquica e à Contribuição Predial, a Requerente não vislumbra qualquer razão para que o mesmo não aconteça relativamente ao Imposto do Selo, fazendo-o incidir também sobre o valor patrimonial de cada uma das citadas divisões.

A AT, atuando como atuou, violou o princípio da igualdade e o da prevalência da verdade material, consagrados na Constituição da República Portuguesa.

A Requerente entende que se a vontade do legislador tivesse sido a de tributar os prédios que não estivessem em regime de propriedade horizontal, com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, não teria deixado de o dizer, ou seja, teria equiparado o prédio em propriedade vertical a uma fração autónoma de prédio em propriedade horizontal.

Constitui, então, entendimento da Requerente que o fim visado com a norma de incidência da verba 28 da TGIS é tributar a habitação de luxo, de elevado valor patrimonial (superior a € 1.000.000,00).

Assim, se o legislador nada disse quanto à forma de tributação de tais prédios em sede de Imposto do Selo, à taxa de 1%, e se não fez qualquer distinção entre prédios em propriedade vertical e prédios em propriedade horizontal, afetos a habitação e com valores patrimoniais tributários inferiores aos tais € 1.000.000,00, por andar ou divisão suscetível de arrendamento em separado, é porque lhes pretendeu dar o mesmo tratamento a nível de tributação em Imposto do Selo, à semelhança do que se passou e passa ao nível da tributação em IMI e, anteriormente, na Contribuição Autárquica e na Contribuição Predial.

Não se pode, pois, aceitar que para efeitos de tributação em Imposto do Selo, no âmbito da verba 28 da TGIS, deixe de se respeitar a regra que sempre vigorou da autonomia das partes de prédios urbanos suscetíveis de arrendamento separado.

Alega, ainda, a Requerente que tendo pago todos os valores decorrentes das impugnadas liquidações de Imposto do Selo, tem direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, nos termos legais.

A Requerente remata o pedido de pronúncia arbitral formulando os pedidos de «anulação do acto das liquidações», de «reembolso do imposto pago» e de pagamento «dos juros indemnizatórios devidos nos termos legais».

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 9 de fevereiro de 2015.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 1 de abril de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 17 de abril de 2015.

6. No dia 15 de maio de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

A Requerida não juntou aos autos o processo administrativo por o mesmo apenas consistir nos atos tributários em causa neste processo, sendo que os documentos que os corporizam foram integralmente carreados para os autos pela Requerente, conjuntamente com o pedido de pronúncia arbitral, tendo os mesmos sido considerados verdadeiros e, portanto, aceites pela AT.

No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua contestação:

O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1, do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio. Por isso, um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é, inequivocamente, diferente de um prédio em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios.

Assim, a Requerente, para efeitos de IMI e também de Imposto do Selo, não é proprietária de 11 frações autónomas, mas sim de um único prédio.

A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é – afirma a Requerida – afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente. Tal prédio, não deixa, por tal facto, de ser apenas um, pelo que as suas partes juridicamente distintas não podem ser equiparadas às frações autónomas em regime de propriedade horizontal. 

O valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência da verba 28 da TGIS é, pois – no entender da Requerida –, o valor patrimonial tributário total do prédio urbano e não o valor patrimonial tributário de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente.    

Noutra ordem de considerações, entende a AT que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente.        

A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferentes e a lei fiscal respeita-os. Por consequência, a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

Afirma, ainda, a Requerida que a inscrição matricial de cada parte suscetível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade. 

Constitui, assim, entendimento da Requerida que aplicar, por analogia, ao prédio da Requerente o regime da propriedade horizontal, considerando-se que cada uma das frações suscetíveis de utilização independente constitui um prédio, não seria interpretar as normas do CIMI e, por consequência, as do CIS, mas sim subverter todo o regime legal aí instituído.

Neste enquadramento, a Requerida conclui dizendo que os atos tributários em causa não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, pelo que devem ser mantidos. 

7. Em 11 de junho de 2015, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, assim como a produção de alegações.

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de Imposto do Selo, sendo peticionada a anulação de cada um deles – em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto – radicadas na propriedade da Requerente sobre um prédio urbano em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente – e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito – in casu, da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

            Não há exceções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Nesta parametria, tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes e a prova documental produzida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1. No ano de 2013, a Requerente era proprietária do prédio urbano, em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua …, n.ºs … a …-D, tornejando para a Rua …, freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … (factualidade aceite por acordo).

2. O referido prédio urbano é constituído por 6 (seis) pisos e 11 (onze) andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, das quais 9 (nove) são afetas a habitação, tendo-lhe sido atribuído, em 2013, um valor patrimonial tributário total de € 1.374.720,00 – cf. artigo 3.º da resposta e documento n.º 10 junto à petição inicial (factualidade aceite por acordo).  

3. Cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente que integram esse mesmo prédio urbano têm um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do IMI, sendo que aos andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação foram atribuídos, em 2013, os seguintes valores patrimoniais tributários unitários, todos inferiores a € 1.000.000,00 – cf. documento n.º 10 junto à petição inicial (factualidade aceite por acordo):

Andar ou divisão com utilização independente

Valor patrimonial tributário (€)

RCD

165.180,00

RCE

142.420,00

1D

165.180,00

1E

142.420,00

2D

165.180,00

2E

142.420,00

3D

165.180,00

3E

142.420,00

4

64.870,00

4. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo que seguidamente se discriminam, no montante total de € 4.317,55, todas reportadas ao ano de 2013 e referentes aos andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação, integrados no prédio urbano supra identificado no facto provado 1. – cf. documentos n.ºs 1 a 9 juntos à petição inicial (factualidade aceite por acordo):

Andar ou divisão com utilização independente

Identificação do documento

Data de liquidação

Prestação

Valor a pagar (€)

RCD

2014 …

17.03.2014

3.ª

550,60

RCE

2014 …

17.03.2014

3.ª

474,73

1D

2014 …

17.03.2014

3.ª

550,60

1E

2014 …

17.03.2014

3.ª

474,73

2D

2014 …

17.03.2014

3.ª

550,60

2E

2014 …

17.03.2014

3.ª

474,73

3D

2014 …

17.03.2014

3.ª

550,60

3E

2014 …

17.03.2014

3.ª

474,73

4

2014 …

17.03.2014

3.ª

216,23

5. As liquidações de Imposto do Selo discriminadas no facto provado anterior resultam da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente ali referenciadas, integradas no prédio urbano identificado no facto provado 1. – cf. artigo 1.º da petição inicial, artigos 4.º a 7.º da resposta e documentos n.ºs 1 a 9 juntos à petição inicial (factualidade aceite por acordo).

            6. A Requerente procedeu tempestivamente ao pagamento integral dos valores correspondentes às liquidações de Imposto do Selo mencionadas no facto provado 4., cujo prazo de pagamento voluntário terminou em novembro/2014, no montante total de € 4.317,55 – cf. artigo 46.º da petição inicial e documentos n.ºs 1 a 9 juntos à petição inicial (factualidade aceite por acordo). 

7. Em 6 de fevereiro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – cf. sistema informático de gestão processual do CAAD.

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nas afirmações feitas nos articulados, nos pontos indicados, em que não foi posta em causa a respetiva aderência à realidade, e nos documentos juntos aos autos, referenciados em relação a cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não foi questionada.

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III.2. DE DIREITO

§1. A QUESTÃO DECIDENDA

No essencial, o Tribunal é chamado a decidir a questão da tributação, em sede de Imposto do Selo, no caso de prédios de valor patrimonial global superior a um milhão de euros, mas constituídos por divisões ou frações com autonomia, algumas afetas a fins habitacionais mas que individualmente consideradas não perfazem um VPT (valor patrimonial tributário) superior a um milhão de euros.

Vejamos então a questão.

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, a verba 28, com a seguinte redação [alterada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (cf. artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12)]:

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

Ora, quer na verba 28 da TGIS, quer no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, utilizou-se um conceito inovador, que não é utilizado por mais nenhuma legislação tributária: o conceito de prédio com afetação habitacional.

Nem no CIMI, indicado pela referida Lei n.º 55-A/2012 como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo introduzido pelo aditamento da verba 28 à TGIS, é utilizado qualquer conceito assim definido.

Com efeito, o CIMI define o conceito de prédio, determina os vários tipos de prédios e identifica as espécies dos prédios urbanos. 

Nos termos do artigo 2.º do CIMI, “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”

O n.º 4 do citado artigo 2.º prescreve expressamente que cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Os prédios dividem-se em rústicos (artigo 3.º), urbanos (artigo 4.º) ou mistos (artigo 5.º), subdividindo-se, por seu turno, os prédios urbanos em quatro espécies: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção e outros (artigo 6.º).

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI esclarece que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”

Da análise conjugada dos referidos preceitos verifica-se que o CIMI não faz qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o n.º 4 do artigo 2.º refira expressamente que as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.

E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.

 Analisada, pois, a definição de prédio ínsita no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fração de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tem valor económico.

Assinale-se que a cada uma dessas divisões ou frações é atribuído um valor patrimonial tributário.

Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como prédios, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões, quando esse seja o fim a que se destinam, prédios com afetação habitacional, o que ademais constitui matéria sobre a qual já se debruçou diversa jurisprudência arbitral e a que adiante se fará referência.

 “Prédio com afectação habitacional” não poderá, efetivamente, ter outro significado que não a ação de dar a determinado prédio (ou fração) o destino de habitação.

Por último, atento o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que convoca a noção de “destino normal” do prédio, parecem não restar dúvidas sobre a identidade, pese embora a divergência vocabular, entre os conceitos de “prédio habitacional” e “prédio com afectação habitacional”.

No caso dos autos, cada uma das divisões do prédio urbano em apreço são suscetíveis de utilização independente, sendo que 9 (nove) dessas divisões são afetas à habitação (cf. supra o facto provado 2.). 

Aliás, não fossem as divisões em causa nos presentes autos individualmente classificadas como “prédios” e não teria qualquer sentido ou lógica a elaboração, no caso, de uma nota de liquidação do Imposto do Selo por cada uma dessas unidades (como resulta dos factos provados, as liquidações de Imposto do Selo em crise, reportadas ao ano de 2013, resultaram da aplicação pela AT do artigo 1.º, n.º 1, do CIS, conjugado com a verba 28.1 da TGIS e com o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro).

É certo que a aplicação subsidiária do CIMI poderia inculcar a ideia de que só as frações autónomas, no regime de propriedade horizontal, é que são havidas como prédios à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 4, do CIMI.

Todavia, se se atentar na redação do citado artigo 2.º, n.º 4, logo se verificará que o pressuposto da constituição do regime de propriedade horizontal apenas é necessário para efeitos de tributação em IMI.

Assinale-se, por outro lado, que, à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, “cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Por outro lado ainda e no que diz respeito ao espírito da lei, importa referir que, conforme tem vindo a ser defendido pela mais recente jurisprudência arbitral e que aqui se segue de muito perto, a introdução da verba 28 na TGIS teve como objetivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor com afetação habitacional, tributando a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície, de prédios urbanos “de luxo”, ou suas frações ou divisões autónomas, com afetação habitacional [cf. as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T, todas disponíveis em www.caad.org.pt).

De realçar ainda que existindo (ou podendo existir) num mesmo edifício, frações (em propriedade horizontal ou não), com afetação diversa ou diferente da habitacional, só será atingido o desiderato visado pela verba 28.1 quando cada uma das frações de per si tenha valor patrimonial tributário superior a €1.000.000.

Aliás, conforme resulta da análise da discussão da proposta de Lei n.º 96/XII na Assembleia da República (DAR, I Série, n.º 9/XII/2, de 11.10.2012), a fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a um milhão de euros.

Ora, se o objetivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, não se vislumbra como possa a propriedade de determinadas divisões num prédio em regime de propriedade total significar maior riqueza e maior capacidade contributiva do que a propriedade do mesmo número de frações num prédio em regime de propriedade horizontal.

Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram sequer constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.

Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a AT deva valorizar a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões propriedade da Requerente e as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.

Ou, dito doutro modo: sendo a constituição da propriedade horizontal operação meramente jurídica e não factual, não se descortinam razões para diferenças de tributação nesta sede, porquanto o que relevará é sempre o valor individual de cada uma das frações, esteja ou não o prédio constituído no regime de propriedade horizontal.

Distinguir, para efeito de sujeição ou não a Imposto do Selo, as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, representa uma clara violação dos princípios da justiça, da igualdade e proporcionalidade fiscal, da verdade material e da capacidade contributiva, não podendo, assim, ser acolhida.

Assim, deverá naufragar a tese defendida pela Requerida de que o facto de o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal impede a aplicação do seu regime.

No caso dos autos, conforme resulta dos factos provados, nenhuma das divisões com utilização independente, ou melhor, nenhum dos “prédios” propriedade da Requerente, tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, pelo que não se encontram estes abrangidos pela norma de incidência prevista na verba 28 da TGIS.

Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, dos quais alguns com afetação habitacional, é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não, como defendido pela Requerida, o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.

Nesta parametria, não havendo fundamento legal para os referidos atos de liquidação de Imposto do Selo, impõe-se a sua anulação em virtude de os mesmos padecerem de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de direito, com o consequente reembolso à Requerente de tudo quanto tenha esta tenha pago à Requerida relativamente àqueles atos de liquidação.

*

§2. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, seja utilizada a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT, em que se determina que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos ditos atos de liquidação de Imposto do Selo, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

Acresce que, é também claro que a ilegalidade daqueles atos de liquidação de Imposto do Selo é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem o necessário suporte legal.

Está-se, como se referiu já, perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente na sequência daqueles atos de liquidação de Imposto do Selo.

Assim, deverá a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante de imposto a restituir à Requerente e calculando os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva fixada para as dívidas cíveis, os quais são devidos desde as datas dos pagamentos indevidos de Imposto do Selo e sobre os respetivos montantes até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos [cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 1, da LGT, artigo 61.º do CPPT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem)].

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)     Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de Imposto do Selo, por erro sobre os pressupostos de direito, com a sua consequente anulação:

-        liquidação n.º 2014…, datada de 17.03.2014, no valor de € 550,60;

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 474,73;

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 550,60;

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 474,73;

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 550,60;

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 474,73;

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 216,23;

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 550,60; e

-        liquidação n.º 2014 …, datada de 17.03.2014, no valor de € 474,73.

b)     Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias que hajam sido pagas em virtude de tais liquidações de Imposto do Selo;

c)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável, calculados sobre os referidos montantes de Imposto do Selo pagos e contados desde as datas dos pagamentos indevidos de imposto até à data de processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos;

d)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4.317,55 (quatro mil trezentos e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Lisboa, 22 de junho de 2015.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)