Processo n.º 64/2015-T
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria Alexandra Mesquita e Dr.ª Filomena Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-04-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
Banco A… S. A., NIPC …, com sede na Rua …, n.º …, Porto, na sequência dos indeferimentos dos Recursos Hierárquicos por si apresentados em consequência do indeferimento dos Pedidos de Revisão Oficiosa das autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") efectuadas nos períodos de 2008 a 2010, veio apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação dos referidos actos de indeferimento dos Recursos Hierárquicos apresentados na sequência dos Pedidos de Revisão Oficiosa por si formulados e, em consequência, das autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2008 e 2009 e de Janeiro a Junho de 2010 por entrega de imposto em excesso no valor de € 271.987,93 (duzentos e setenta e um mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e três cêntimos), cuja restituição peticiona.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-02-2015.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 26-03-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14-04-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, suscitando as excepções de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido e intempestividade.
Por despacho de 18-05-2015 foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com as alegações por escrito.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
a) A Requerente é uma instituição de crédito cujo objecto social consiste na realização de operações financeiras;
b) A actividade desenvolvida pela Requerente, no âmbito do seu objecto social, compreende operações que não conferem o direito à dedução do IVA e operações que conferem esse mesmo direito;
c) Nos anos de 2008 a 2010, uma parte dos bens e serviços adquiridos pela Requerente foi utilizada tanto em operações que conferem o direito à dedução como em operações que não conferem esse mesmo direito;
d) A Requerente utilizou no período referido dois métodos de determinação da medida do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços afectos a ambos os tipos de operações passível de dedução, o método da percentagem de dedução ("pró rata") e o método da afectação real;
e) No momento do apuramento do valor do IVA dedutível relativo aos anos de 2008 a 2010, a Requerente calculou um pro rata definitivo de 6%, para os anos 2008 e 2009, e de 7% para o ano 2010;
f) As percentagens referidas foram aplicadas ao IVA que a Requerente entendeu ser passível de dedução, com excepção do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços afectos às áreas em que a Requerente utilizava o método da afectação real, e do IVA incorrido em aquisições de bens e serviços afectos às áreas em que a Requerente entendia dispor do direito à dedução integral do IVA;
g) No âmbito da sua actividade, a Requerente adquiriu bens e serviços exclusivamente afectos a actividades tributadas, deduzindo a totalidade do imposto incorrido, da mesma forma que adquiriu bens e serviços relativamente aos quais, por não serem afectos a qualquer actividade tributada, a Requerente não deduziu o montante de IVA neles incorrido;
h) Nos termos que antecedem, a Requerente fez uso do método da imputação directa;
i) No período de 2008 a 2010, a Requerente aplicava o método da imputação directa nas áreas de medalhística e numismática, entre outras, por serem áreas de negócio específicas, as quais a Requerente entendeu que permitiam a clara identificação dos respectivos inputs exclusivamente afectos a estas actividades;
j) No âmbito de uma revisão interna de procedimentos efectuada pela Requerente, esta veio a entender que havia a possibilidade de estender a aplicação dos métodos da afectação real e da imputação às actividades de Custódia de Títulos, Project Finance e Leasing, cujo IVA incorrido se encontrava, até então, a ser deduzido ao abrigo da metodologia do pró rata;
k) Pretendendo exercer o seu direito à dedução relativamente ao montante de IVA dedutível nos termos referidos, a Requerente apresentou, em 07-09-2012, três pedidos de revisão oficiosa, através dos quais expôs a situação de facto em causa e peticionou a confirmação do direito à dedução no montante total de € 271.987,82 (correspondente ao produto da soma dos valores individualizados em cada pedido de revisão oficiosa, mormente dos montantes de € 132.549,72, de € 113.988,17 e de € 25.449,93);
l) A Requerente foi notificada, através dos Ofícios n.º …, n.º … e n.º …, todos de 13-05-2014, das decisões de indeferimento dos Pedidos de Revisão Oficiosa que tinha apresentado;
m) Em 12-06-2014, a Requerente interpôs recursos hierárquicos das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa;
n) Em 03-11-2014, através dos Ofícios n.º …, n.º … e n.º …, expedidos em 31-10-2014, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento que recaiu sobre os recursos hierárquicos apresentados (artigo 57.º do pedido de pronúncia arbitral, documentos n.ºs 7, 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e documentos 1, 2 e 3 juntos com a Resposta, cujos teores se dão como reproduzidos);
o) Em 04-02-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados
Não há factos potencialmente relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos dados como provados constam do processo administrativo junto com a Resposta, dos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e correspondem ao que é alegado pela Requerente sem impugnação pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Questões de incompetência do Tribunal Arbitral
Uma vez que as questões de incompetência são logicamente de conhecimento prioritário, como está reconhecido no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, começar-se-á pela apreciação das questões de incompetência colocadas.
3.1. Questão da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de restituição de IVA
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de restituição de IVA.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha pelo artigo 2.º do RJAT, de que decorre essa competência e compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à «decisão do recurso hierárquico».
Assim, é manifesto que não se insere no âmbito destas competências apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de restituição de IVA, independentemente de a restituição de quantias pagas poder decorrer de decisões anulatórias de actos dos tipos dos que se inserem naquelas competências.
Assim, procede a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à pretensão de restituição de IVA.
3.2. Questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa
A Requerente pede também que se declare a ilegalidade de actos de autoliquidação de IVA, pedido este que se enquadra na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, atrás reproduzida.
No entanto, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, o Governo restringiu a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, estabelecendo que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
A vinculação veio a concretizar-se com a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que no seu artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estabelece que se exceptuam da vinculação «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
No caso em apreço, não se provou que a autoliquidação do IVA tivesse «sido efectuada de acordo com orientação genéricas da administração tributária», nem foi apresentada reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT.
No entanto, foram apresentados pedidos de revisão oficiosa em que a Requerente fez referência a actos de liquidação de IVA incorrectamente praticados, como suporte do pedido de regularização que formulou.
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.
Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Com efeito, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau (reclamação graciosa) ou de terceiro grau (recurso hierárquico), que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau ou de terceiro grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )
A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.
Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.
Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )
A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma prévia tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.
Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à expressão «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
No que concerne à alegada incompatibilidade da apreciação por tribunais arbitrais com os «princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da Autoridade Tributária e Aduaneira», é manifesto que ela não ocorre, pois, a interpretação referida consubstancia, precisamente, a afirmação dos princípios da separação dos poderes (a função jurisdicional cabe aos tribunais, inclusivamente aos arbitrais, por força do artigo 209.º, n.º 2, da CRP), do direito de acesso à justiça (que se faz permitindo a apreciação das pretensões por tribunais e não proibindo-a) e da legalidade (pois, como ficou demonstrado, a competência referida decorre da lei, devidamente interpretada).
Improcede, assim, a excepção de incompetência com este fundamento.
3.3. Questão da incompetência por nas decisões dos pedidos de revisão oficiosa e nos subsequentes recursos hierárquicos não ter sido apreciada a legalidade de actos de liquidação
A Autoridade Tributária e Aduaneira questiona a competência material deste Tribunal Arbitral também por nos actos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e nas decisões dos recursos hierárquicos não ter sido apreciada a legalidade de actos de liquidação e, por isso, não se estar perante acto que seja susceptível de ser impugnado através de impugnação judicial, cujo âmbito não pode ser excedido pelo processo arbitral.
No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».
Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ( [4] ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade dos actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e dos recursos hierárquicos podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Os actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e de recursos hierárquicos constituem actos administrativos, à face das definições fornecidas pelo artigo 120.º do CPA de 1991 e pelo artigo 148.º do CPA de 2015 [subsidiariamente aplicáveis em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constituem decisões de um órgão da Administração no exercício de poderes jurídico-administrativos, ao abrigo de normas de direito público, visando produzir efeitos jurídicos em situações individuais e concretas.
Por outro lado, é também inquestionável que se trata de actos em matéria tributária, pois são feitas neles aplicação de normas de direito tributário.
Assim, os actos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e de indeferimento dos recursos hierárquicos constituem actos administrativos em matéria tributária.
Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [5] )
Eventualmente, como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ( [6] ) Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. ( [7] )
Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial.
À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial para o impugnar. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ( [8] )
Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido» (art. 145.º, n.º 3, do CPPT).
Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes actos.
A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.
Por isso, a solução da questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD conexionada com o conteúdo dos actos, depende da análise destes actos.
No caso em apreço, sendo objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos, é o conteúdo destas decisões o que releva para apreciar a competência deste Tribunal Arbitral.
O motivo invocado para o indeferimento dos recursos hierárquicos foi a intempestividade da pretendida regularização, à face do artigo 78.º do CIVA, o que, obviamente, não implica apreciação da legalidade ou não de qualquer acto de liquidação ou de autoliquidação.
Porém, à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto a comporte, o que, neste contexto, significa que no acto impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão.
Ora, no caso em apreço, incluem-se nas decisões dos recursos hierárquicos juízos sobre a legalidade dos actos de autoliquidação, como pode ver-se pelos seguintes pontos das decisões dos recursos hierárquicos relativos aos anos de 2008 e de 2009, a que correspondem os pontos 78 a 80 da decisão do recurso hierárquico relativo ao ano de 2010:
85. Ora, a dedução de imposto, seja total ou parcial, é objeto de registo na contabilidade dos sujeitos passivos, servindo tal registo de base ao preenchimento da respetiva declaração periódica. Assim, a dedução de imposto é efetuada, primeiramente, pelo sujeito passivo na sua contabilidade (internamente).
86. Desta forma, os erros invocados pelo Recorrente são prévios à autoliquidação e decorrem dos seus registos contabilísticos. Resulta manifesto que as autoliquidações praticadas limitaram-se a refletir os registos contabilísticos, não dando origem a um erro novo.
87. Ou seja, o erro não é na autoliquidação, mas sim nas operações praticadas a montante, não sendo legítimo estender o conceito de erro na autoliquidação a estas situações em que a autoliquidação de imposto se limita a refletir erros pré-existentes.
Assim, tem de se concluir que as decisões dos recursos hierárquicos incluem a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação
Consequentemente, pelo que atrás se disse, o meio adequado para impugnar as decisões dos recursos hierárquicos num tribunal tributário seria o processo de impugnação judicial e não a acção administrativa especial e, por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para a apreciação dos pedidos de declaração de ilegalidade e anulação desses actos.
Assim, improcede a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade das decisões dos recursos hierárquicos e, por via delas, a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação que lhes estão subjacentes.
3.4. Questão da incompetência material e da intempestividade para a impugnação directa dos actos de liquidação de IVA
Tendo sido afirmada a competência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade das decisões dos recursos hierárquicos, fica prejudicado o conhecimento das excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à competência material e intempestividade da impugnação directa dos actos de autoliquidação.
Na verdade, os actos de autoliquidação são meramente objecto mediato do presente processo, na medida em que foram mantidos pelas decisões dos recursos hierárquicos, com as respectivas fundamentações.
A competência tem de ser aferida pelos actos que são objecto imediato do processo, pois, se o Tribunal Arbitral é competente para apreciar a sua legalidade, também o é necessariamente para apreciar a legalidade dos actos de autoliquidação que por eles foram mantidos, pois a sua manutenção tem como consequência que as eventuais ilegalidades dos actos de autoliquidação passam a afectar as decisões dos recursos hierárquicos.
Por isso, não sendo impugnados directamente os actos de autoliquidação, fica prejudicado o conhecimento das excepções que poderiam suscitar-se se eles fossem o objecto directo do processo.
4. Questão da intempestividade
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita ainda a excepção da intempestividade do pedido, considerando que o presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 04-02-2015 e que nessa data já havia terminado o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).
O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), estabelece o seguinte:
1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;
Constata-se, pela matéria de facto fixada, que as decisões dos recursos hierárquicos foram notificadas à Requerente em 03-11-2014, como ela própria reconhece no artigo 57.º do pedido de pronúncia arbitral e se comprova pelos documentos n.ºs 7, 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e documentos 1, 2 e 3 juntos com a Resposta.
Por outro lado, as cartas registadas com os ofícios que comunicaram as decisões foram expedidas em 31-10-2014, pelo que aquela data de 03-11-2014 é a data em que se considera efectuada a notificação, à face da regra do artigo 39.º, n.º 1, do CPPT, com referência ao n.º 3 do artigo 38.º do mesmo Código.
Assim, o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º RJAT terminou em 02-02-2015, primeiro dia útil subsequente ao período de 90 dias subsequente às notificações das decisões dos recursos hierárquicos.
Por isso, tem razão Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que o pedido de pronúncia arbitral, enviado ao CAAD em 04-02-2015, por via electrónica, foi apresentado intempestivamente.
Procede, assim, a excepção da intempestividade, que implica caducidade do direito de acção.
5. Questões de conhecimento prejudicado
A caducidade do direito de apresentar o pedido de pronúncia arbitral constitui um obstáculo ao prosseguimento do processo [artigo 89.º, n.º 1, alínea h), Código de Processo nos Tribunais Administrativos subsidiariamente nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT], pelo que se impõe absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no processo.
6. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de restituição de IVA;
– julgar improcedentes as outras excepções de incompetência do Tribunal Arbitral suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
– julgar procedente a excepção da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
– absolver a Administração Aduaneira da instância.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 271.987,82.
8. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 22-06-2015
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Maria Alexandra Mesquita)
(Filomena Oliveira)
( [1] ) Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.
( [2] ) BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.
( [3] ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.
( [4] ) Embora no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.
A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);
– n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, página 421 (especialmente, páginas 423-424);
– n.º 205/87, de 17-6-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º volume, página 209 (especialmente páginas 221-222);
– n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente página 197);
– n.º 321/89, de 29-3-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente página 281).
O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99. processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81).
( [5] ) No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).
( [6] ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.
( [7] ) Exemplo de uma situação deste tipo é a do artigo 22.º, n.º 13, do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar actos de indeferimento de pedidos de reembolso.
( [8] ) No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08.
Adoptando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de actos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.