Acórdão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Tomás Castro Tavares e Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-03-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, SGPS, S.A., NIPC …, com sede na Rua …., número …, …, …-… …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, a) e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.ºs 2013 …, da liquidação de juros compensatórios n.º 2014 …, da correspondente Demonstração de Acerto de Contas n.º 2014 .. (compensação n.º 2013 …) referentes ao exercício de 2011, bem competência o Despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes (Divisão de Gestão e Assistência Tributária) de 16-10-2014, proferido no processo de reclamação graciosa n.º … 2014 ….
A Requerente pede ainda indemnização por garantia indevida.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-01-2015.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10-03-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-03-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 18-05-2015, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente A… SGPS S.A. (A…) é uma sociedade anónima de direito português, que tem por objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, actuando como Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS)
b) A Requerente é, no ano de 2011, a sociedade dominante do grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades;
c) A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral do IRC, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil;
d) No ano de 2011, integravam-se nesse grupo, além de outras, as seguintes sociedades:
– B…, SGPS, S.A., titular do número de identificação … (doravante "B… SGPS"):
– C…, SGPS, S.A., titular do número de identificação …. (doravante "C… SGPS");
e) Em cumprimento da Ordem de Serviço com o n.º OI … de 21-05-2013, foi realizada uma acção de inspecção, externa, polivalente, aos elementos contabilístico-fiscais referentes ao exercício de 2011, a uma sociedade do Grupo, a sociedade B… SGPS, SA (com NIPC …);
f) Na sequência dessa inspecção, foi efectuada uma correcção de natureza meramente aritmética à matéria colectável no montante de € 1.375.146,93, consubstanciada na não aceitação de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, entendendo a Autoridade Tributária e Aduaneira que os mesmos encargos não seriam admissíveis, de qualquer forma, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC;
g) Em cumprimento da Ordem de Serviço com o n.º OI2013 …, de 18-07-2013, foi realizada uma acção de inspecção, externa, polivalente aos elementos contabilístico-fiscais referentes ao exercício de 2011, a outra sociedade do Grupo: a sociedade C… SGPS, SA (com NIPC …);
h) Na sequência da inspecção referida na alínea anterior foi efectuada uma correcção de natureza meramente aritmética à matéria colectável no montante de € 1.068.839,57, consubstanciada na não aceitação de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, entendendo a Autoridade Tributária e Aduaneira que os mesmos encargos não seriam admissíveis, de qualquer forma, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC;
i) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2013 …, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do GRUPO A…., foi objecto de procedimento inspectivo ao exercício de 2011, tendo em vista reflectir no resultado tributável do grupo as correcções em sede de IRC efectuadas ao resultado tributável individual das sociedades do grupo, designadamente da sociedade B… SGPS, SA e da sociedade C… SGPS, SA, perfazendo uma correcção aritmética ao lucro tributável da ora Requerente no valor total de € 2.443.986,50;
j) Na sequência dessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia constitui o documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
k) Posteriormente, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios que são objecto do presente processo e do correspondente acerto de contas, donde resulta uma prestação tributária a pagar de C 672.217,61 (seiscentos e setenta e dois mil, duzentos e dezassete euros e sessenta e um cêntimos) (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
l) A Requerente apresentou reclamação graciosa, peticionando a anulação dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios e do referido acerto de contas (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
m) Por despacho de 16-10-2014, o Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes (Divisão de Gestão e Assistência Tributário) indeferiu a reclamação graciosa referida na alínea anterior, manifestando concordância com a Informação n.º …-…/2014, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:
3.1.1 Descrição da correção (factos e enquadramento jurídico-tributário)
No cumprimento da Ordem de Serviço n.º … 2013 … pelos serviços de inspeção da UGC cujo objeto era a verificação do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS), foi proposta uma correção aritmética â matéria tributável da Reclamante no montante de € 2.443.986,50, resultante de correções ao lucra tributável na esfera das associadas.
A Reclamante é sociedade dominante das sociedades B…, SGPS, S.A. (doravante B…) e C…, SGPS, S.A., {doravante C…) que no decurso das ações inspetivas realizadas ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2013 … e OI2013 …, respetivamente, foram propostas correções ao lucro tributável de ambas.
Na sua origem encontra-se uma aplicação indevida do disposto no n.º 2 do artigo 32.º" do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) relativamente ao cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, facto que levou os serviços de inspeção a promoverem as correção no valor de € 1.375.146,93 e € 1.068.839,57 (total perfaz € 2.443.986,50) nos lucros tributáveis da B… e C…, respetivamente.
Esta correção resulta da posição que tem vindo a ser seguida pelos serviços da AT em relação à natureza das prestações suplementares e prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares, e da sua subsunção ao conceito de partes de capital para efeitos do referido n.º 2, apoiada no regime jurídico das SGPS em vigor, no enquadramento contabilístico destas à luz do normativo POC/SNC, sempre considerando a lógica jurídico-fiscal, bem como as instruções administrativas existentes sobre a matéria.
Com base no enquadramento feito, não tiveram dúvidas os serviços da inspeção tributária em considerar como partes de capital as prestações suplementares e por força do supra referido normativo anular a dedução ao lucro tributável do montante registado como encargos financeiros suportados com a concessão das referidas prestações suplementares.
3.1.2 Alegações sucintas do contribuinte, ora reclamante
A Reclamante contesta na totalidade as correções na esfera das suas associadas B… e C… e a sua fundamentação, reiterando aquilo que já havia defendido em sede de audição e rebatendo a argumentação adiantada pelos serviços de inspeção na resposta, arguindo a integração pelos serviços de inspeção de uma sociedade no cômputo do encargos financeiros da C... cuja aquisição foi conseguida através de permuta de partes sociais e não com recurso a financiamento, passando pelo enquadramento das prestações acessórias e prestações suplementares no ordenamento jurídico, contabilístico e jurídico-fiscal, e pela sua (não) equiparação a partes de capital, refutando, em termos gerais, toda a argumentação constante do relatório final de inspeção, com base na sua interpretação de lei, apoiando-se em eventual doutrina e jurisprudência,
Dos encargos financeiros com a D…
A Reclamante afirma que para o cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis na esfera da C… foi indevidamente incluída a aquisição da sociedade D...- cujo custo fiscal ascende a € 45.000.000,00 - para efeitos do cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, uma vez que a mesma foi adquirida através de uma operação de permuta de partes sociais, num contexto de reorganização societária.
Considerando que a permuta de partes sociais é neutra para efeitos fiscais, os serviços de inspeção deveriam apenas ter considerado o valor correspondente à aquisição das participações sócias da E... uma vez que só sobre esta esteve envolvido financiamento.
Das prestações acessórias e da falta de enquadramento no conceito de partes de capital
• As prestações acessórias à luz do direito societário
Com base no teor da Circular n.º 7/2004, defendem os serviços de inspeção da UGC que o conceito de partes de capital a que alude o n.º 2 do art.° 32 do EBF integra as prestações acessórias que sigam o regime das prestações suplementares.
Defende por sua vez a Reclamante que apesar do papel desempenhado pelas prestações suplementares ser o de um complemento do capital social não significa que com o mesmo deva ser confundido.
Este entendimento é defendido por vários autores, pelo que se torna evidente que o conceito de capital e de prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares não se identificam, pois o primeiro refere-se, dentro da sistemática do direito societário, ao "capital social", e se capital significa isto mesmo então "partes de capital" só pode significar "partes do capital social" ou, por outras palavras, "participações sociais.,
- Da classificação contabilística das partes de capital e prestações acessórias
O argumento sobre interpretação dada pelos serviços de inspeção da UGC que determinou serem subsumíveis ao conceito de partes de capital as prestações suplementares por força da exigência contabilística em reconhecer na esfera da beneficiária tais prestações numa conta de capitais próprios, nomeadamente a conta 53 - "Outros instrumentos de capital próprio", é integralmente refutado pela Reclamante.
Neste momento, a Reclamante recorre às considerações de outros autores sobre a classificação contabilística destes instrumentos quer no antigo POC, quer no atual SNC, e ao sentido que é dado ao conceito "capital", "partes de capital e às "prestações suplementares" na esfera contabilística, e de como a contabilidade não assimilou estas duas últimas figuras, já que o seu registo é feito em subcontas distintas.
- Do enquadramento fiscal dado às partes de capital e prestações acessórias
A este respeito, a Reclamante começa por explicar a ratio do n.º 2 do art. 32.° do EBF, disposição à qual a própria e suas associadas B… e C... estão sujeitas, e de como as figuras de "capital social" e "prestações suplementares" não se identificam.
Sugere igualmente que a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, faz uma clara distinção entre "partes de capital" e "prestações suplementares", não considerando as últimas dentro do âmbito de aplicação do disposto no n.º 2 do art. 32.° do EBF, pelo que de forma alguma pode servir de justificativo para destacar a similitude dessas figuras.
Após um extenso exercício hermenêutico à norma em questão e uma análise sistemática ao Código do IRC, a Reclamante comenta que os serviços de inspeção fizeram uma interpretação económica ou restritiva da lei, limitando o seu escopo, e à luz das regras de interpretação esta encontra-se de fato "contra a letra da lei e contra o espirito do legislador".
Entre isto, não deixa de trazer a colação as decisões arbitrais n.º 12/2013T e n.º 24/2013T do Centro de Arbitragem Administrativa, bem como das decisões n.º 80/2013T e n.º 39/2013, cujo objeto versa exatamente sobre a natureza jurídica das prestações suplementares e da dedutibilidade dos juros suportados com a sua aquisição ã luz do art. 32.° do EBF e 23.° do Código do IRC.
- Da indedutibilidade à luz do art.° 23 do CIRC
A título subsidiário, é defendido pelos serviços de inspeção da UGC no Relatório de Inspeção que a dedutibilidade fiscal destes encargos é proibida à luz do art. 23.° do CIRC, com base na jurisprudência existente na matéria, nomeadamente nos Acórdãos proferidos nos âmbitos dos processos n.º 186/06 e n.º 1046/05, do STA, e n.º 5251/11 do TCA do Sul.
A Reclamante não aceita esta base jurisprudencial como fundamento para a indedutibilidade dos encargos financeiros pois todos os Acórdãos referem-se a sociedades que não são sociedades gestoras de participações sociais, o seu caso.
3.1.3 Apreciação
Cumpre informar que esta correção já havia sido contestada em sede de audição, antes da elaboração do relatório final, no qual os serviços de inspeção não consideraram como válidos à luz do quadro legal em vigor os argumentos aduzidos pela Reclamante, decidindo assim por manter as conclusões vertidas no projeto, que originou a correção ora contestada.
Dos encargos financeiros com a D…
Vem a Reclamante afirmar que a aquisição da sociedade D...pela C... deu-se num contexto de reorganização societária e não teve qualquer financiamento associado dado que tal foi conseguido "através de uma operação de permuta de partes sociais, neutra para efeitos fiscais em IRC, realizada com o antigo acionista da D…, a sociedade C…, S.A.", logo inexistindo encargos financeiros associados a esta.
Considerando que os custos incorridos com financiamentos respeitam apenas à aquisição das participações da sociedade E..., a C..., para efeitos do cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do art. 32.º do EBF, seguiu um método de afetação direta com o objetivo de determinar os encargos que efetivamente suportou com a aquisição de partes de capital, ao invés de aplicar o método demonstrado na Circular n.°7/2004 da DSIRC.
Ora, depreende a Reclamante que o método demonstrado na supra citada instrução administrativa é aplicável apenas e quando «não seja possível adotar um "método de afetação direta" ou específica, tal como resulta, aliás do espírito e da letra da lei.»
Não obstante lhe ser aqui reconhecido o mérito das suas reservas quanto à possibilidade de desvios no que à tributação real do rendimento respeita, a Reclamante depreende mal, pois tal possibilidade derrogatória do método demonstrado na circular não é possível em caso algum.
Tal decorre do vertido no parágrafo 7 da Circular 7/2004 da DSIRC, onde se refere que "quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método do afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula (...)."
Não obstante as circulares emanadas pela AT não constituírem fonte de Direito Fiscal, elas são-no, como a Reclamante está ciente, vinculativas para os serviços da AT, pelo que não poderá ser outra a posição desta unidade de serviços que não a da aplicação criteriosa dessa instrução.
Posto isto, a metodologia seguida pelos serviços de inspeção decorre do estrito cumprimento do vertido na circular, sendo esta (metodologia) mandatária e sem qualquer possibilidade derrogatória pelo já mencionado parágrafo 7, pelo que da mesma forma não pode ser dado agora provimento à pretensão da Reclamante no que a esta parte do pedido respeita.
Dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital
Como mencionado, na origem desta correção está a qualificação que a AT atribui às prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares para efeitos tanto do CIRC como do EBF.
Comece-se por dizer que para a UGC existe uma orientação bem definida na AT quanto ao tratamento fiscal a dar, em sede de IRC e EBF, às prestações suplementares e às prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares, expresso na Informação n.º …/10 de 7/10/2010 da DSIRC, bem como nas Informações n.º …/08 e n.º …/11 igualmente da DSIRC donde esse mesmo entendimento se pode inferir.
Esse tratamento consiste em qualificar este tipo de prestações como partes de capital para efeitos de aplicação do disposto nos n.ºs 3 a 5 do art. 23.°, o qual ê utilizado com o mesmo sentido no n.º 2 do art. 32.° do EBF, ficando assim precludidas de concorrer para a formação do lucro tributável as mais e menos valias geradas com a sua alienação, assim como os encargos financeiros incorridos com a sua obtenção, bem como quaisquer outros gastos conexos com a sua transmissão que cumpram os pressupostos constantes dos n.ºs 3 a 5 do art. 23.°.
De fato, esta orientação decorre já de inúmeros pareceres do Centro de Estudos Fiscais em relação á questão do tratamento a dar às mais e menos valias geradas com a alienação de prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares e nos quais é unívoca a conclusão de integrar e/ou equiparar estas prestações a partes de capital, referindo que este conceito alude às partes de capital próprio e não, como defende a reclamante, a participações sociais, máxime, a ações e quotas.
A defesa da Reclamante consiste na interpretação do conceito de partes de capital como referindo-se estritamente a participações sociais e não, como é pugnado pela AT em doutrina administrativa, a partes de capital próprio, fazendo com que, e para efeitos do caso concreto, as prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares fiquem excluídas do âmbito de aplicação do disposto no art, 32.° do EBF.
Ora, considerando que a exposição que consta dos respetivos Relatórios de Inspeção a fundamentar esta correção, tanto no projeto como na resposta ao direito de audição, na parte relativa à extensão do conceito de partes de capitai para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do art. 32.° do EBF, é já por si bastante completa e clarificadora da posição da AT, conclui-se que qualquer argumentação nesta sede resultaria num mero exercício tautológico.
Mais, a UGC limita-se a aplicar aquilo que constitui a doutrina jurídico-fiscal da AT, vertida em pareceres e informações dos organismos responsáveis máximos por cada imposto, encontrando-se vinculada a estas como a Reclamante bem reconhece nos pontos 69.° E 70.° da reclamação, e nessa medida a sua resposta não poderá ser outra que não a da rejeição da posição da reclamante quanto à extensão do conceito de partes de capital para os efeitos daqueles preceitos.
Posto isto, e por nada mais ter a acrescentar, confirma-se o entendimento dos serviços de inspeção já cabalmente demonstrado nos Relatórios de Inspeção no qual se entende serem enquadráveis as prestações suplementares e as prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares ao conceito de partes de capital firmado no n.º 2 do art. 32.º do EBF, desta forma expurgando do lucro tributável os encargos financeiros incorridos com financiamentos para a cedência destas mesmas prestações.
Da indedutibilidade dos encargos financeiros à luz do art. 23. ° do CIRC
A título subsidiário, foi defendido pelos serviços de inspeção da UGC que a dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos pela Reclamante, com a concessão de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares às suas participadas não seria aceitável, visto que "os meios financeiros geradores dos encargos não serem utilizados na exploração da entidade que os suporta, acrescendo o fato de não serem remunerados e, desta forma, não contribuírem para a obtenção dos proveitos".
Também, "no caso concreto das SGPS, mesmo perspetivando uma tributação de rendimentos futuros, baseada no incremento da atividade e concomitantemente dos dividendos das participadas, por efeito das prestações suplementares, estes resultados que afluem às SGPS's são maioritariamente excluídos de tributação (mais valias e dividendos). "
Os serviços de inspeção da UGC justificaram este entendimento com a jurisprudência existente sobre a matéria, nomeadamente com as decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 186/06, n.º 1046/05 e n.º 0107/11 do Supremo Tribunal Administrativo, e n.ºs 06826/13 e 5251/11 do Tribunal Central Administrativo, cujo objeto de todos versava exatamente sobre a possibilidade ou não de uma sociedade deduzir encargos suportados com financiamentos obtidos para por sua vez financiar as suas participadas.
Por sua vez, a reclamante rejeita esta conclusão pois, no seu entender, parte de uma interpretação errada do princípio estabelecido no artigo 23.° do Código do IRC, e do seu enquadramento com o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais, bem como da natureza dos rendimentos destas.
Afirma mesmo que existe por parte dos serviços de inspeção uma interpretação abusiva da norma legal referida ao restringir o seu âmbito no que aos rendimentos próprios respeita, sendo esta suportada em citações descontextualizados da jurisprudência mencionada de forma a suportar as suas próprias conclusões, para além de que estes acórdãos versam todos sobre entidades cuja atividade social não é a gestão de participações sociais, o seu caso.
Ora, nesta sede não poderíamos estar mais em desacordo com o pugnado pela Reclamante, senão vejamos:
Ignorando, por agora, a natureza da Reclamante como uma SGPS, segundo a jurisprudência adiantada pelos serviços de inspeção, a qual diga-se demonstra uma orientação bem definida pelos tribunais no que a esta matéria respeita, em regra, uma sociedade dominante não poderá deduzir quaisquer encargos financeiros associados a uma contração de crédito cujo destino será, por sua vez, financiar as sua associadas, na forma de prestações suplementares ou prestações acessórias que sigam o regime das prestações suplementares.
A razão aparente para esta posição dos tribunais prende-se com o fato das sociedades não terem como objeto social, isto é, a atividade ou atividades a serem desenvolvidas pela sociedade, a concessão de crédito, salvo claro está tipos próprios, maxime, instituições de crédito, e na óptica da Reclamante as SGPS.
A lei exige que o objeto social seja indicado com precisão e clareza, indicando a atividade ou as atividades a serem desenvolvidas pelo empresário, devendo ser corretamente redigido em português, pelo que se depreende ser vedado a inserção de termos estrangeiros, salvo quando não houver termo correspondente em português.
Entende no entanto a Reclamante que as SGPS são um desses tipos próprios de sociedades que tem como objeto social a concessão de crédito às suas participadas, como o imenso conjunto de decisões do CAAD trazidos pela Reclamante o demonstra, e cuja identificação é escusada pois a sua tendência é unívoca e a sua fundamentação em tudo idêntica, alicerçada na própria lei do regime jurídico das SGPS, nomeadamente, no art. 5.°, n.º 1, alínea c) e n.ºs 2 e 3, mas não só.
De fato, na óptica da Reclamante, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1046/05 suporta esta sua conclusão, ao sugerir que caso a sociedade visada fosse uma SGPS (que não é) já tais encargos seriam fiscalmente aceites, refutando as conclusões do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 186/06, donde se transcreve que "mesmo que a recorrente tivesse como objeto a gestão de participações sociais - que não tem - nem assim tais juros poderiam ser qualificados como um custo (...)".
Assim poderá parecer à primeira vista mas a verdade é que esta citação está descontextualizado do processo e da sua matéria factual.
Ora, refere-se nos pontos XVII e XX do douto acórdão, respetivamente, que "ao socorrer-se do Acórdão do STA de 10/07/2002 relativo à assumpção de prejuízos de uma participada por uma SGPS, está a louvar-se em jurisprudência que não tem aplicação ao caso", e "estamos, pois, perante a aplicação analógica de uma decisão (Acórdão do STA de 10/07/2002) a uma situação que não se subsume naquela que foi objecto dessa mesma decisão."
Daqui se infere que com recurso à analogia, a recorrente no processo, não sendo uma SGPS, procurou nas suas alegações equiparar-se a uma para efeitos de aplicação do mencionado acórdão, bem como procurou equiparar os encargos financeiros por si incorridos com empréstimos para financiar as participadas a uma cobertura de prejuízos ou perdas na participada.
Neste caso, o tribunal não divergiu da posição firmada no acórdão proferido, por exemplo, no âmbito do processo n.º 186/06, antes limitou-se a afirmar que o objeto social da recorrente não era o de gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco e nessa medida não podia socorrer-se do Acórdão do STA de 10/07/2002 (Proc. n.º 0246/02).
Acresce-se ainda que o objeto do pedido no âmbito daquele processo não era os encargos financeiros incorridos com empréstimos para financiar as participadas através de prestações acessórias mas sim a cedência de crédito para cobrir prejuízos de uma participada.
Já quanto ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no âmbito do processo n.º 06826/13, o qual afirma a Reclamante não existir "qualquer informação sobre se a impugnante do mesmo constituía uma SGPS", uma vez que faz parte do objeto social destas o exercício indireto de atividades económicas.
Consta do sumário do douto acórdão que "constitui jurisprudência consolidada do STA, que à luz do art. 23. °, do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas".
Esta conclusão parece ser a consequência de várias decisões neste sentido que apesar de já citadas pelos serviços de inspeção deverão ser aqui relembradas.
Veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 5251/11, donde do sumário consta a conclusão que "tendo a sociedade dominante deliberado efectuar prestações acessórias de capital com o regime das prestações suplementares nas suas associadas para, além do mais, reforçar o seu capital social, os encargos relativos aos empréstimos contraídos para o efeito, porque directamente conexionados com o exercício da actividade das associadas, constitui um custo fiscal destas, que não da sociedade dominante."
Também não se vê qualquer diferença de tratamento com os encargos desta natureza nos Acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0107/11, onde se reconhece que tais encargos só podem ser aceites fiscalmente se cumprirem com o critério da sua indispensabilidade para realização dos proveitos exigido pelo art. 23.° do CIRC.
Lê-se e transcreve-se do douto acórdão o seguinte:
"O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa."
Assim, "para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação."
De fato, este entendimento provém de um outro Acórdão do STA que trata situação idêntica proferido no âmbito do processo n.º 01077/08, a qual limitaram-se os juízes daquele tribunal a replicar.
Posto isto, os juízes acordam em que "à luz do art. 23.° do CIRC, não devem ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pelo impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total".
Assim esta regra parece ser jurisprudencialmente assumida para as sociedades em geral que se encontram numa relação de grupo.
Ora, é sugerido pela Reclamante que nenhuma da jurisprudência mencionada no Relatório Final, e presume-se que também nesta sede referida, interessa para o seu caso pois apesar de tratarem todas estas decisões sobre uma situação idêntica à da reclamante, já quanto às sociedades visadas não partilham estas a mesma natureza da sua, isto é, a gestão de participações sociais.
Posto isto, será seguro afirmar que são as associadas a quem são atribuídas as prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares, dado o carácter não oneroso destas e regime particular da sua restituição, e não a reclamante, a cedente dessas mesmas prestações, as beneficiárias da sua concessão, e seria na esfera destas que a dedutibilidade fiscal destes encargos teria que ser apreciada.
Por tudo o exposto, e naquilo que na óptica da UGC constitui uma orientação bem definida e maioritariamente defendida pelos tribunais fiscais, senão mesmo unívoca, com a devida ressalva de não se conseguir fazer nesta sede uma análise extensiva de toda a jurisprudência nacional, não podem ser aceites os encargos financeiros incorridos com a obtenção de crédito pela Reclamante para financiar as suas associadas visto não cumprirem o requisito da indispensabilidade de conexão dos gastos com a realização dos proveitos constante do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.
3.1.4 Conclusão e proposta de decisão
Pelo fato das prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares integrarem o conceito de partes de capital a que alude o n.º 2 do art. 32.° do EBF, os encargos financeiros incorridos com a obtenção de crédito para a realização destas não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo que deve ser indeferida a pretensão da Reclamante, mantendo-se a correção efetuada.
Subsidiariamente, mesmo que aquelas não fossem consideradas partes de capital, nos termos do n.º 1 do art. 23. ° do CIRC, não poderiam estes encargos financeiros ser fiscalmente aceites na esfera da reclamante na medida em que não cumprem com o requisito da conexão dos custos para a realização dos seus proveitos.
n) O despacho referido na alínea anterior foi notificado à Requerente através do Ofício n.º …, de 16 de Outubro de 2014, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT), da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC);
o) Foi instaurada uma execução fiscal, que tem o n.º … 2014 …., para cobrança da quantia de € 677.380,24, correspondente às referidas liquidações de IRC e juros compensatórios, acrescidas de juros de mora (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
p) Em 02-05-2014, a Requerente prestou garantia bancária para suspender a execução fiscal referida na alínea anterior (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
q) Em 13-01-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com a petição inicial, não havendo controvérsia sobre eles.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável do exercício de 2011 das sociedades B…, SGPS, S.A. e C…, SGPS, S.A., integradas no grupo de que a Requerente é sociedade dominante, por entender que não são de considerar como gastos os encargos financeiros suportados por aquelas sociedades para realização das prestações acessórias sobre o regime de prestações suplementares a sociedades suas participadas.
A correcção efectuada tem dupla fundamentação.
Em primeira linha, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que tem aplicação a esta situação a limitação que constava do n.º 2 do artigo 32.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2011, por as prestações suplementares se enquadrarem no conceito de «partes de capital».
Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que os encargos financeiros referidos não preenchem os requisitos para serem considerados como gastos, exigidos pelo artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2011, por terem sido incorridos em favor de outras entidades jurídicas e economicamente independentes.
Sendo fundamentos autónomos, cada um deles com potencialidade para sustentar as correcções efectuadas, serão apreciados separadamente, sem prejuízo de, se se concluir que um deles tem suporte legal, ficará prejudicado, por inútil, o conhecimento do outro.
3.2. Questão da qualificação das prestações suplementares como «partes de capital» para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2011
O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelecia, na redacção vigente em 2011, o seguinte:
2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Da parte final desta norma resulta que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.
No caso em apreço, os encargos financeiros em causa foram suportados pela B…, SGPS, S.A. e pela C…, SGPS, S.A., que são SGPS, para efectuar prestações suplementares com o regime de prestações acessórias, às suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação depende da qualificação destas prestações suplementares como «partes de capital».
Assim, «na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.
No n.º 2 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».
Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais devam ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma excepção, que é decorrer directamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.
Aliás, é uma excepção que está em sintonia com outra regra interpretativa geral, que é a de que a lei especial prefere à lei geral no seu específico domínio de aplicação. Isto é, se decorre directamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, nem interessará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido directamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser forçosamente o que se tem de adoptar e não o sentido com que é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.
De qualquer forma, do n.º 2 do artigo 11.º do EBF resulta que, em, boa hermenêutica, a primeira tarefa do intérprete da lei fiscal para apurar o alcance de um termo nela utilizado é apurar se da lei fiscal decorre directamente o sentido desse termo.
Só se não se estiver perante uma situação deste tipo, se poderá fazer apelo ao sentido dos termos utilizados noutros ramos de direito.
Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente no ano de 2011.
Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:
3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».
As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».
Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.
Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia « (...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC ( [1] ) da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro ( [2] ), só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que ele, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.
Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».
Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.
Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.
Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, neste termos:
“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um activo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.
E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos-valias.”
Assim, conclui-se que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2011, ao estabelecer, reportando-se às «partes de capital», que «não concorrem para a formação do lucro tributável» das SGPS os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares.
Por isso, as correcções efectuadas não tem suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.
3.3. Questão da indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações suplementares a participadas para a formação do lucro tributável da B…, SGPS, S.A. e da C…, SGPS, S.A.
A não consideração pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos referidos encargos financeiros com as prestações suplementares a participadas para a formação do lucro tributável da Requerente baseou-se também no entendimento de que essas despesas não podem considerar-se indispensáveis para a formação do lucro tributável da B…, SGPS, S.A. e da C…, SGPS, S.A..
Esta questão foi já apreciada, com os mesmos pressupostos de facto e de direito, nos processos do CAAD n.ºs 39/2013-T e 734/2014-T, com cuja decisão se concorda, pelo que se seguirá a sua fundamentação.
3.3.1. A interpretação do conceito de indispensabilidade dos custos ou perdas
A interpretação do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem, na doutrina jurídico-fiscal portuguesa, em TOMÁS TAVARES e ANTÓNIO PORTUGAL, autores de obras nucleares quanto à dilucidação de tal conceito.
Para o primeiro destes autores: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.”
E continua: “ (…) A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”.
O segundo autor, relativamente à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, exprime a seguinte posição:
“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei”.
Estas obras sustentam pois que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade.
No plano da jurisprudência, e em especial no que respeita à dedutibilidade de gastos relativos a juros suportados por sociedades que aplicam os capitais tomados de empréstimo no financiamento de participadas, merece destaque o Acórdão do STA de 7 de Fevereiro de 2007, no qual se afirma:
“Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.
Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.
As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.
Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.
Também aqui a noção de actividade ou de interesse social se revela o traço marcante na admissibilidade fiscal dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC. E na jurisprudência citada pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira predomina, como era de esperar, a questão de ligação da admissibilidade fiscal dos gastos financeiros em função de se considerar que a entidade financiadora realiza ou não, nessas operações, actividade própria.
Ora, em face do que se referiu, é claro que, tanto no plano doutrinal como na esfera jurisprudencial, a ligação à actividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade. Assim, e para o caso em apreço, a análise do que se entende por “actividade” das sociedades, em particular de uma SGPS, revela-se essencial.
Vejamos então, num plano geral, o que entendemos por actividade dos entes societários; e depois, no caso em apreço, o que se deve entender por actividade própria de uma SGPS.
3.3.2. A actividade das sociedades
A actividade de um ente societário consiste nas operações decorrentes do uso e gestão dos seus recursos. Tais recursos são, em primeira linha, os activos que constam do respectivo património.
A partir da noção de “activo” que o normativo contabilístico estabelece, pode concluir-se que tanto será actividade a gestão de um activo fixo tangível, como a de um intangível, como a de um activo financeiro, ou uma qualquer prestação de serviço.
Assim, suponha-se que a sociedade ALFA participa na sociedade BETA na proporção de 100%. A primeira é pois titular de um activo financeiro. Que “actividade” resulta na esfera de ALFA da participação que esta detém em BETA?
A primeira pode intervir na segunda, controlando as suas políticas financeiras e operacionais de modo a obter benefícios da mesma, determinando a produção de novos bens ou serviços, a minimização de gastos, ou outras medidas que aumentem os seus benefícios económicos futuros (eu diria assim e não me referiria ao lucro operacional pois pode aumentar não apenas os lucros operacionais como os resultados financeiros). Mas é também claro que ALFA poderá intervir em BETA no plano das operações financeiras. Quer aumentando o capital de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a tesouraria. (eu também alteraria a coisa).
A entidade ALFA, no exercício da sua actividade própria, administra e toma decisões referentes a um activo financeiro, que decorre da dita participação. Tal constitui actividade de ALFA e não de BETA. Esta beneficia dessa actividade, sofre os efeitos das decisões de ALFA, mas não desenvolve a actividade de gestão da participação.
Caso os gestores de ALFA executem operações que afectem o financiamento de BETA não estão a desenvolver actividade de terceiros. Estão a desenvolver actividade própria de ALFA, derivada directamente da gestão do activo financeiro traduzido na participação em BETA. A empresa BETA tem a natureza de entidade participada, o que confere às decisões da participante o qualificativo de uma actividade própria, inerente ao seu escopo: a gestão de tal participação. E essa gestão pode envolver operações de financiamento que fazem parte da actividade da participante.
A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos e, posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.
3.3.3. A actividade das SGPS e a dedutibilidade dos encargos financeiros em causa
De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ([3] ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante. ( [4] )
A participação numa sociedade considera-se forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS – conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23.º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.
Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, o financiamento de tal activo e a eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.
Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.
Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade. ( [5] )
Conclui-se, assim, que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação o conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número.
Pelo exposto, falece também o segundo fundamento da correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao lucro tributável da Requerente, relativo aos encargos financeiros com as referidas prestações suplementares.
Assim, conclui-se que as correcções efectuadas não têm fundamento legal, pelo que enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a anulação dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios, bem como a respectiva demonstração de acerto de contas que se basearam naquelas correcções (artigo 135.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 1991).
O despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes (Divisão de Gestão e Assistência Tributária) de 16-10-2014, proferido no processo de reclamação graciosa n.º … 2014 …, que manteve os actos de liquidação referidos com os mesmos fundamentos enferma de idêntico vício, pelo que também se justifica a sua anulação.
4. Indemnização por garantia indevida
A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.
Como resulta da matéria de facto fixada, em 02-05-2014, a Requerente prestou garantia bancária com vista à suspensão do processo de execução instaurado para cobrança coerciva da dívida respeitantes aos actos tributários que são objecto do presente processo, acrescida de juros de mora.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes à liquidação de IRC são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções e as subsequentes liquidações de IRC e juros compensatórios foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].
5. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
– anular a liquidação de IRC n.º 2013 …, a liquidação de juros compensatórios n.º 2014 …, e a correspondente Demonstração de Acerto de Contas n.º 2014 … (compensação n.º 2013 …) referentes ao exercício de 2011;
– anular o despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes (Divisão de Gestão e Assistência Tributária) de 16-10-2014, proferido no processo de reclamação graciosa n.º … 2014 …;
– julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à A. a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 672.217,61.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9 792,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 18-06-2015
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Tomás Cantista Tavares)
(Ana Maria Rodrigues)
( [1] ) O artigo 42.º do CIRC, na renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, corresponde ao artigo 45.º, na renumeração do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.
( [2] ) A redacção anterior da norma correspondente, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, era a seguinte:
3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
( [3] ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.
( [4] ) No entanto, apesar de o único objecto contratual das SGPS ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.
( [5] ) Como já se referiu, adoptou-se nos pontos 3.3. 1., 3.3.2. e 3.3.3. a fundamentação do acórdão proferido no processo do CAAD n.º 39/2013-T.