Decisão Arbitral[1]
Requerente – A…, S.A.
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira
O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 18 de Março de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, S.A. (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, nº …, …, em Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 30 de Dezembro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e n.º 2 do artigo 10º do Decreto-lei
nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral:
(i) “(…) se digne julgar procedente, por provado, o (…) pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IUC (…) identificados (…), com fundamento em err6nea qualificação dos factos tributários (…) e, como efeito da (…) decisão arbitral, a Autoridade Tributária deverá efetuar os procedimentos necessários para extinguir os processos executivos e contraordenacionais subjacentes aos atos de liquidação anulados pela (…) decisão arbitral”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2 de Janeiro de 2015 e foi notificado à Requerida, em 15 de Janeiro de 2015.
1.4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 27 de Fevereiro de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Em 27 de Fevereiro de 2015, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 18 de Março de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Em 27 de Abril de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.
1.8. Em 28 de Abril de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido das Partes se pronunciaram, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade:
1.8.1. De dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, e
1.8.2. De apresentação de alegações.
1.9. Em 29 de Abril de 2015, a Requerida apresentou requerimento no sentido concordar com a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT “(…) prescindindo, igualmente, da realização de alegações (orais ou escritas), por entender que o Tribunal poderá passar imediatamente à fase de decisão”.
1.10. Na mesma data, a Requerente apresentou requerimento a concordar com a dispensa da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como a prescindir da apresentação de alegações.
1.11. Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 3 de Maio de 2015, foi decidido prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT bem como prescindir da apresentação de alegações, tendo sido designado o dia 8 de Junho de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral a anulação “três atos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao exercício de 2009, no montante total de EUR 1.008,90 (…)”.
2.2. “A Requerente é uma instituição financeira de crédito, que tem por objeto social a prática das operações permitidas aos bancos, com exceção da receção de depósitos” e “no âmbito da sua atividade (…) concede aos seus clientes financiamentos destinados à compra de viaturas automóveis”, esclarecendo que “o financiamento de veículos automóveis é formalizado através da outorga de”:
2.2.1. “Contratos de mútuo, em que o mutuário concede a favor do mutuante, como garantia do integral pagamento da quantia mutuada, uma reserva de propriedade do veículo automóvel, até ao integral pagamento da quantia mutuada” ou, em alternativa,
2.2.2. “Contratos de locação financeira”.
2.3. Prossegue a Requerente referindo que “foi notificada para exercer o direito de Audição Prévia por alegadamente (…) ser o sujeito passivo de IUC, devido no exercício de 2009 e ainda não liquidado, referente aos 3 (três) veículos (…) identificados”.
2.4. Refere ainda a Requerente que “analisou cada uma das situações que lhe foram notificadas, não só as que (…) são objeto do (…) pedido de pronúncia arbitral, como também outras (…) de falta de pagamento de IUC (…)” e “efetuou o pagamento de IUC em todas as situações em que, na data da génese do facto tributário sujeito a imposto (…) era a proprietária do veículo e o mesmo não se encontrava locado”.
2.5. “Nas outras situações nas quais, à data da génese do facto tributário, a ora Requerente não era proprietária do veículo ou que o mesmo se encontrava locado, naquela data, em virtude da vigência de contrato de locação financeira (…) entende que não é o sujeito passivo do IUC (…)”, “(…) porque não estão satisfeitos os requisitos de incidência subjetiva do imposto (…)”.
2.6. Tendo optado “por não exercer o direito de audição prévia (…)”, a Requerente foi notificada pela Requerida “dos atos tributários de liquidação de IUC e dos respetivos juros compensatórios”, não tendo concordado “com o entendimento da AT, no que concerne ao enquadramento fiscal das situações de facto em análise, pelo que reclamou, em 31 de Outubro de 2013 dos atos tributários de liquidação”.
2.7. Posteriormente, “em 3 de Abril de 2014 (…) foi notificada do deferimento parcial da reclamação graciosa”, tendo a “Autoridade Tributária anulado apenas as liquidações de imposto referentes ao veículo …-…-…[2], mantendo os restantes atos tributários de liquidação”.
2.8. “Em 22 de Abril de 2014, a ora Requerente recorreu hierarquicamente da decisão da reclamação graciosa”, tendo sido notificada, em 17 de Dezembro de 2014, da “decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico (…), na qual a Autoridade Tributária indeferiu o recurso (…) no que respeita às matrículas …-…-…,
…-…-…, …-…-…, uma vez que, segundo o entendimento da Autoridade Tributária não se encontrava registada qualquer locação financeira à data da ocorrência do facto tributário”.
Cumulação de Pedidos
2.9. Neste âmbito, refere a Requerente que “não concorda com o entendimento da AT, pelos fundamentos que em seguida expõe, os quais são comuns aos 3 atos tributários de liquidação de IUC (…) e, por esse motivo, em nome do princípio da economia processual e em conformidade com o previsto” na lei, “procede à cumulação dos 3 pedidos de anulação dos atos tributários de liquidação de IUC (…)”.
Fundamentos do Direito Substantivo
2.10. Nesta matéria, refere a Requerente que “a génese da relação jurídica de imposto pressupõe a verificação cumulativa dos três pressupostos necessários[3] ao seu surgimento”, ou seja, (i) “o elemento real”, (ii) “o elemento pessoal” e (iii) “o elemento temporal”.
2.11. No que diz respeito à incidência real, refere a Requerente que “os veículos (…) objeto das liquidações de IUC que se impugnam no presente pedido (…),
encontram-se todos matriculados em Portugal no ano de 2009, pelo que está verificado o pressuposto da incidência real do IUC”.
2.12. Relativamente à incidência temporal, prossegue a Requerente referindo que “os veículos (…) encontram-se todos matriculados em Portugal no ano de 2009 (…) pelo que o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários”.
2.13. Em matéria de incidência pessoal, considera a Requerente, “(…) na interpretação da norma de incidência pessoal (…)” que “serão considerados separadamente (…) o elemento gramatical e o elemento lógico, subdividindo-se este último em três elementos (…)”, ou seja, (i) “o elemento histórico”, (ii) “o elemento racional” e (iii) “o elemento sistemático”.
O elemento gramatical
2.14. “Ao nível da incidência pessoal, são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos e são equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação”, ou seja, “o legislador presume que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados”.
O elemento histórico
2.15. Prossegue a Requerente, referindo que “a presunção estabelecida no artigo 3° do atual código IUC, também já estava consagrada nos impostos anteriores, que foram abolidos aquando da entrada em vigor” daquele código, porquanto “as normas de incidência anteriores à vigência do IUC consagravam uma presunção legal expressa e ilidível, enquanto o legislador do IUC (…) optou por uma mera presunção implícita (também ilidível)”.
2.16. Neste âmbito, refere a Requerente que “as presunções implícitas (…) não consagram expressamente se são ilidíveis ou inilidíveis” pelo que (…) haverá que considerá-las, pelo menos após a entrada em vigor da LGT como sendo sempre presunções ilidíveis” dado que desde então “(…) todas as presunções inilidíveis consagradas expressamente passaram a admitir prova em contrário”, bem como “também as presunções implícitas que estavam consagradas na lei (…)”.
2.17. “Em suma, quer sejam expressas ou implícitas, as presunções em matéria de normas de incidência tributária são sempre ilidíveis e, por esse motivo, o facto de o legislador do IUC ter optado por uma presunção implícita (…) em vez de uma presunção expressa (…) em nada afetou em substância” segundo a Requerente, “ no que a esta matéria diz respeito, o conteúdo e o âmbito da delimitação do sujeito passivo do imposto”.
O elemento racional
2.18. Neste âmbito, defende a Requerente que “parece ser um erro de Direito qualificar a norma de incidência (…) em análise como sendo uma ficção legal, isto porque existe uma inequívoca conexão lógica entre os dois factos referidos na norma, a saber: o proprietário do veículo e a entidade que figura no registo como sendo o proprietário”.
2.19. Com efeito, argumenta a Requerente que “parece claro que no caso (…) em apreço não estamos perante um ficção legal mas sim perante uma presunção legal” pelo que, tendo em consideração “o pensamento legislativo subjacente ao IUC, o qual visa onerar com o encargo do imposto os utilizadores dos veículos, porque são estas entidade que tem o potencial poluir suscetível de gerar custos ambientais para a sociedade em geral”, “uma norma de incidência (…) que ignora a conexão entre o sujeitos passivo do imposto e o uso do veículo é contrária (…) à ratio legis (….) subjacente à tributação automóvel”.
O elemento sistemático
2.20. “E por ser (…) este o princípio subjacente à tributação do IUC, o legislador teve a preocupação de considerar como sujeitos passivos não só o proprietário, como também o locatário financeiro e os outros utilizadores do veículo com carácter de permanência (…)”, pelo que a admitir-se “a interpretação da norma em apreço como sendo uma ficção legal (…) que considere como sujeito passivo do IUC a entidade em nome da qual está averbado o registo automóvel, sem admitir prova em contrário (…) padece de uma incoerência sistemática (…) e, por esse motivo, é uma interpretação contrária à lei (…)”.
2.21. Por último, neste âmbito, em sede de interpretação sistemática, reitera a Requerente que “o facto que uma norma de incidência, baseada numa ficção legal deste tipo, seria materialmente inconstitucional (…) porque se uma presunção jus et de jure consagrada numa norma de incidência é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, por maioria de razão uma norma de incidência baseada numa ficção legal (…) também será inconstitucional, com base nos mesmos fundamentos (…)”.[4]
2.22. Segundo a Requerente, em face do “exposto parece ser inquestionável que a presunção legal (…) em apreço é ilidível, pelo que o sujeito passivo do IUC é o proprietário (ou locatário financeiro ou o adquirente com reserva de propriedade) (…) desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo”.
2.23. Para efeito da prova bastante para ilidir a presunção, a Requerente “apresenta para cada veículo, um documento comprovativo que o veículo estava locado, apresenta um documento comprovativo (o contrato) da existência de uma locação financeira vigente na data de ocorrência do fato gerador de IUC e também junta cópia do registo na Conservatória do Registo de Automóveis (…) onde esta averbada a locação financeira”.
2.24. Assim, conclui a Requerente que “não sendo sujeito passivo, não se verifica o pressuposto da incidência pessoal do imposto e, consequentemente, não está verificado um dos três pressupostos cumulativos necessários para o surgimento da obrigação de imposto” pelo que “todos os 3 atos tributários de liquidação de IUC enfermam de erro sobre os pressupostos de facto (…) que consubstanciam um vício de violação de lei (…) suscetível de ser arguido para fundamentar a anulação dos atos tributários de liquidação de IUC (…)”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida na resposta apresentada defendeu-se por impugnação tendo, em síntese, apresentado os seguintes argumentos:
Quanto ao erro sobre os pressupostos
3.2. Neste âmbito, defende a Requerida que alega “as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada” porquanto “o entendimento propugnado (…) incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC”.
Da incidência subjectiva do IUC
3.3. A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” (…) porquanto esta estabelece que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.
3.4. Nestes termos, prossegue a Requerida que “é imperativo concluir que (…) o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como (…) proprietários (…), as pessoas em nome das quais os (…) os veículos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”, defendendo assim o afastamento da consagração de presunção por parte do legislador.
3.5. Assim, defende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente (…) tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel”[5], pelo que, para a Requerida, “ o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)”.
Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime
3.6. Entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”.
3.7. Ou seja, “o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.
3.8. Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos (…) pelo que a não atualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto”.
3.9. Prossegue a Requerida argumentando que, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)”.
3.10. “Por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou (…) locação financeira (…) com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto” e, por isso, no entender da Requerida, “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.
Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei
3.11. Neste sentido, alega a Requerida que, tendo em consideração o teor dos debates parlamentares[6] em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, “resulta inequivocamente que o IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, de modo a “evitar os problemas (…) relacionados com o facto de existirem muitos veículos não registados em nome do real proprietário”.[7]
3.12. Na verdade, de acordo com a posição defendida pela Requerida, “o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade (…)”.
3.13. Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os atos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC relativamente aos 3 veículos”.
Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção
3.14. Nesta matéria, entende a Requerida que sendo “a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC (…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.
3.15. “Todavia (…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”.
3.16. Com efeito, contesta a Requerida a posição da Requerente quanto à “ilegalidade das liquidações de IUC (…) referentes àqueles 3 veículos na medida em que os mesmos eram objeto de contratos de locação financeira celebrados pela Requerente” porquanto, segundo a Requerida, “levantam sérias dúvidas os alegados contratos de locação financeira apresentados (…)”:
3.16.1. “No que concerne ao veículo …-…-…, não se encontrava registada qualquer locação financeira à data da ocorrência do facto tributário (Setembro)” uma vez que “o suposto contrato de locação financeira reporta-se à data de 05-03-2009” quando, naquela data, “a Requerente não era sequer proprietária do veículo (…)”.
3.16.2. “Já no que diz respeito ao veículo …-…-…, não se encontrava registada qualquer locação financeira à data da ocorrência do facto tributário (Abril)”, uma vez que “o suposto contrato de locação financeira reporta-se à data de 05-04-2009” quando, naquela data, “a Requerente não era sequer proprietária do veículo (…)”.
3.16.3. “Por fim, relativamente ao veículo …-…-…, não se encontrava registada qualquer locação financeira à data da ocorrência do facto tributário (Abril[8]), uma vez que “(…) a propriedade apenas se iniciou a 28-05-2009”
3.17. Segundo a Requerida, “ainda que se concluísse estarmos perante contratos de locação financeira outorgados pela Requerente, as pretensões aqui arvoradas sempre decairiam (…) por duas ordens de razão”:
3.17.1. “Em primeiro lugar porquanto nos termos do nº 1 do nº 2 ambos do artº 5º do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12 de Fevereiro (Código do Registo Automóvel) estão sujeitos registo, sendo este obrigatório”, nomeadamente, a locação financeira, “sendo certo que atento o preceituado no nº 1 do artº 4.º do CIUC, aquele deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar do facto”.
3.17.2. “Em segundo (…) lugar sempre cabia à Requerente demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19º do CIUC”, ou seja, “(…) obrigada a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados”.
3.18. Ora, segundo a Requerida, “nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação, como aliás lhe competia, pelo que necessariamente terá de improceder a pretendida ilisão do artigo 3º aqui em causa”, pelo que será “forçoso concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto”.
Da interpretação desconforme à Constituição
3.19. Neste âmbito, entende a Requerida que “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.[9]
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
3.20. A este respeito, alega a Requerida que “o registo da propriedade constitui um elemento essencial no sistema de informação entre a Requerida e demais entidades públicas (…) e com as forças da autoridade (…) com vista à troca de informação necessária à liquidação e fiscalização do (…) IUC”.
3.21. Assim, “a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida, pois inexiste qualquer obrigação acessória declarativa quanto a esta matéria (…) significando isto que o IUC é liquidado de acordo com a informação registal oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado”.
3.22. Em resumo, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…)”.[10]
3.23. “Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” pelo que, consequentemente, “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”.
3.24. Nestes termos, conclui a Requerida a resposta apresentada no sentido que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, (..) absolvendo-se (…) a entidade Requerida do pedido”.
4. SANEADOR
4.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
4.4. A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, n 1 do RJAT, ou seja, a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
4.5. Não foram identificadas nulidades no processo.
4.6. Não existem excepções nem questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.
4.7. Nestes termos, serão as seguintes as questões a decidir:
4.7.1. O artigo 3º do Código do IUC consagra ou não uma presunção ilidível quanto aos proprietários dos veículos automóveis, enquanto sujeitos passivos de imposto, de modo a afastar a presunção de que são considerados como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados?
4.7.2. A Requerente conseguiu demonstrar, em matéria de procedimento arbitral, que não era, à data das liquidações de IUC objecto deste processo, o sujeito passivo do imposto, logrando ilidir a presunção referida no ponto anterior?
4.7.3. As liquidações de IUC efectuadas pela Requerida enfermam, em consequência, de ilegalidade, face ao disposto na legislação aplicável?
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. Dos factos provados
5.2. A Requerente é uma instituição financeira de crédito, que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com a excepção da recepção de depósitos (conforme Doc. nº 2 anexado com o Pedido).
5.3. Assim, no âmbito da sua atividade, a Requerente concede aos seus clientes financiamentos destinados à compra de viaturas automóveis, sendo esses financiamentos formalizados através da outorga de (i) contratos de mútuo ou (ii) contratos de locação financeira.
5.4. A Requerente, no âmbito da sua actividade, foi notificada, em 2013, das seguintes liquidações oficiosas de IUC “Notificação para Audição Prévia”, datadas de 21 de Agosto de 2013, conforme cópias de documentos anexadas ao processo:
MATRÍCULA
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CATEGORIA
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ANO IUC
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Nº DOC.
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…-…-…
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A
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2009
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4 DO PEDIDO
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…-…-…
|
B
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2009
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…-…-…
|
C
|
2009
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5.5. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia, nos termos e para os efeitos legais (conforme artigo 12º do Pedido).
5.6. A Requerente foi notificada das liquidações oficiosas de IUC a seguir documentadas, as quais estão na origem deste Pedido de Pronúncia Arbitral:
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Nº DOCUMENTO
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MATRÍCULA
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DADOS MATRÍCULA
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VALOR TOTAL (IUC E JUROS) (EUR)
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Nº DOC.
|
2009 636526403
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…-…-…
|
2004
|
09
|
59,56
|
1 DO PEDIDO
|
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2009 636527003
|
…-…-…
|
2009
|
04
|
168,53
|
1 DO PEDIDO
|
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2009 636547003
|
…-…-…
|
2003
|
05
|
780,81
|
1 DO PEDIDO
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|
|
|
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|
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5.7. A Requerente apresentou, em 31 de Outubro de 2013, Reclamação Graciosa
(nº … 2013 …) dos actos de liquidação de IUC acima identificados[11], conforme cópia anexada com o Pedido (Doc. nº 5).
5.8. Não obstante a Reclamação Graciosa referida no ponto anterior ter sido parcialmente deferida, por despacho de 31 de Março de 2014 (Ofício nº …. de 01.04.14), os actos tributários objecto deste pedido foram mantidos (conforme cópia do Doc. nº 6 anexado com o Pedido).
5.9. A Requerente apresentou, em 22 de Abril de 2014, Recurso Hierárquico relativo à decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa acima identificada (conforme cópia do Doc. nº 7 anexado com o Pedido).
5.10. O Recurso Hierárquico, identificado no ponto anterior, foi objecto de deferimento parcialmente, comunicado por despacho de 20 de Novembro de 2014 (Informação …/2014, de 7 de Outubro de 2014), mas os actos tributários objecto deste pedido foram mantidos (conforme cópia do Doc. nº 8 anexado com o Pedido).
5.11. Com relevância para a decisão do pedido, considera-se como provada a existência de Contratos de Locação Financeira, no período a que respeitam as liquidações de IUC, das viaturas identificadas no ponto 5.4., supra, tendo em conta a prova documental, junta aos autos, para esse efeito pela Requerente, a saber:
5.11.1. Cópia dos Contratos de Locação Financeira celebrados, para cada uma das viaturas identificadas no ponto 5.4., supra, entre a Requerente (Locadora) e os respectivos Locatários (conforme cópia do Doc. nº 9 anexado com o Pedido);
5.11.2. Cópia de Informação emitida pelo Ministério da Justiça (respectivamente, pela Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, para as viaturas
…-…-… e …-…-… e pela 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, para a viatura …-..-..) confirmando a informação constante dos Contratos de Locação Financeira identificados no ponto anterior, quanto à titularidade da propriedade das referidas viaturas e início e fim de cada um dos Contratos (conforme cópia do Doc. nº 10 anexado com o Pedido).
5.12. Em resumo, dos documentos referidos, nos ponto 5.11.1. e 5.11.2., supra, pode extrair-se, resumidamente, a seguinte informação:
Nº DE CONTRATO
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MAT. DA VIATURA
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INÍCIO DO CONTRATO
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FIM DO CONTRATO
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LOCATÁRIO
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…
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…-…-…
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05-03-2009
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05-03-2015
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B…, LDA.
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…
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…-…-…
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05-04-2009
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05-04-2015
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C…
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…
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…-…-…
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28-04-2009
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28-04-2013
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D…, LDA.
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5.13. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
5.14. Dos factos não provados
5.15. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Da incidência subjectiva do IUC
6.1. A questão aqui subjacente será a da verificação da legalidade das liquidações de IUC, notificadas à Requerente e objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
6.2. Com efeito, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente invoca a circunstância de “(…) à data da génese do facto tributário (…)”, os veículos objecto de liquidação de IUC encontravam-se locados, “(…) em virtude da vigência de contrato de locação financeira (…)” pelo que, a Requerente, entende que não era o sujeito passivo do IUC.
6.3. Neste âmbito, considera a Requerente não ser o sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, porquanto de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, aí está consagrada uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário, nomeadamente, através da demonstração que as viaturas automóveis na origem das liquidações de IUC estavam locadas a terceiros na data da verificação do facto gerador do imposto no ano de 2009.
6.4. Em sentido contrário, a Requerida considerou que o disposto no artigo 3º, nº1 do Código do IUC, não comporta qualquer presunção legal e que, pelo contrário, estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos estão registados.
6.5. Neste âmbito, haverá que dar resposta à questão de se saber se, estando em vigor, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, para cada uma das viaturas identificadas no ponto 5.4., supra, um contrato de locação financeira, quem era, para efeitos do disposto no artigo 3º, nºs 1 e 2 do Código IUC, o sujeito passivo do IUC - o Locatário ou a entidade Locadora, proprietária do veículo, em nome da qual o registo do direito de propriedade se encontra efectuado?
6.6. Ora, sendo esta a questão principal a decidir nos presentes autos, será assim necessário determinar a incidência subjectiva do IUC, de acordo com o disposto no respectivo Código e assumir uma posição sobre a referida norma de incidência subjectiva de modo a aferir se a mesma estabelece ou não uma presunção legal.
6.7. Nesta contenda, se a referida presunção estiver aí consagrada, há que verificar se a mesma é susceptível de ser ilidida (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, se consagra de forma expressa e inilidível, que as pessoas em nome das quais os veículos estão registados são os proprietários, para efeitos de incidência subjectiva do IUC (conforme defende a Requerida).
6.8. Todavia, e antes de passar a interpretar o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, é relevante ter presente o disposto no artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT), na medida em que as normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação e, bem assim, o disposto no artigo 9º do Código Civil que estabelece as regras e elementos para a interpretação das normas.
6.9. Na verdade, a actividade interpretativa é, como refere Francesco Ferrara, “a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se (…)” pois “(…) o intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei parece objectivamente querido (…)” (sublinhado nosso).[12]
6.10. Assim, para o mesmo autor, entender a lei “não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direcções possíveis” (sublinhado nosso).[13]
6.11. Como refere Baptista Machado[14] “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras (…)” pelo que “(…) embora aparentemente claro na sua expressão verbal e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo – fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista” (sublinhado nosso).
6.12. Assim para que possamos concluir se o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra (i) uma presunção ilidível de quem deve ser considerado sujeito passivo do imposto com base no Registo Automóvel ou se (ii) o Legislador pretendeu expressa e intencionalmente determinar, com base no Registo Automóvel, quem deve ser considerado o sujeito passivo do IUC, é fundamental em primeiro lugar atentar na letra da Lei.
6.13. Nestes termos, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” (sublinhado nosso).
Elemento Literal
6.14. Ora, de acordo com o elemento literal da norma referida, a problemática centra-se na expressão “considerando-se como tais” utilizada pelo Legislador.
6.15. De facto, a letra da Lei não refere a expressão “presumindo-se”, conforme constava nos diplomas antecedentes ao presente Código, sendo assim questionável se a natureza de presunção continua ou não a estar presente na norma em análise.
6.16. Neste sentido, a título de exemplo, verifica-se, que no artigo 243º, nº 3 do Código Civil e nos artigos 45º, nº 6 e 89º-A, nº 4 da LGT, também é utilizada a expressão “considera-se” e, no entanto, estamos perante presunções legais pelo que, de acordo com as normas gerais de interpretação, se considera que está assegurado o mínimo de correspondência verbal, para efeitos da determinação do pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma em apreço.[15]
6.17. E, como afirma Karl Larenz[16], se “o sentido literal na maior parte dos casos não basta como critério interpretativo, precisamente porque ainda permite diversas interpretações”, também é verdade que, se acompanhado de outros elementos é bastante relevante e indiciador do verdadeiro sentido da norma em análise, apontando para que a expressão “considerando-se como tais” seja equivalente à expressão anteriormente utilizada de “presumindo-se como tais” (sublinhado nosso).
Elemento Histórico
6.18. Não obstante, e ainda no âmbito dos elementos da interpretação de acordo com o artigo 9º do Código Civil, importar também atender ao elemento histórico.
6.19. No entender de Baptista Machado[17], este elemento “compreende todos os materiais relacionados com a história do preceito, a saber: a história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico em causa (…); as chamadas fontes da lei, ou seja os textos legais ou doutrinais que inspiraram o legislador na elaboração da lei (…); os trabalhos preparatórios” (sublinhado nosso).
6.20. Neste âmbito, o legislador, na definição da incidência subjectiva do Imposto Municipal sobre Veículos (IMV), do Imposto de Circulação (ICI) e do Imposto de Camionagem (ICA), impostos abolidos pelo IUC, estabelecia que "o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados" (sublinhado nosso).
6.21. Nestes termos, quanto a este elemento de interpretação fica demonstrado que os antecedentes do Código do IUC consagraram uma presunção de que são sujeitos passivos do IUC os proprietários registados na Conservatória do Registo Automóvel.
6.22. No que diz respeito ao IUC, não obstante continuar a atribuir aos proprietários dos veículos a qualidade de sujeitos passivos, o legislador optou por utilizar uma formulação diversa da norma de incidência, abandonando a expressão
"(…) presumindo- se como tais, (…)” em favor da expressão "(…) considerando-se como tais (…)".
6.23. Em consequência, fica claro que o entendimento subjacente ao disposto naquele artigo do Código do IUC prevê uma presunção ilidível, relativamente à qual a questão semântica em nada altera o sentido interpretativo da norma.[18] [19]
6.24. Se for adoptado o entendimento perfilhado em anteriores decisões [20] sobre a mesma matéria, entendemos que deve ser concluído que, de facto, o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra uma presunção, pois não é a substituição da expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se” que faz com que esta norma deixe de consagrar uma presunção.
6.25. Na verdade, entendemos que se está perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão, porquanto:
6.25.1. Para que se esteja perante uma presunção legal, é necessário que a norma que a estabelece se adapte ao respectivo conceito legal (vertido no artigo 349º do Código Civil), sendo para tal irrelevante que a mesma seja explícita (revelada pela utilização da expressão "presumem-se") ou apenas implícita.[21] [22]
6.25.2. Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador está limitada por princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP), nomeadamente, o princípio igualdade, cuja relevância é pertinente no caso em análise.[23]
6.26. Neste âmbito, “a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses (…) previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo" (sublinhado nosso).[24]
6.27. É no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do Registo Automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo, estabelecida no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC.
6.28. Com efeito, no que respeita à importância do Registo Automóvel, importa referir que o registo permite publicitar a situação jurídica dos bens e, bem assim, presumir que existe o direito sobre esses e que o mesmo pertence ao titular, conforme consta do registo.
Elemento Racional e Teleológico
6.29. Caberá agora a vez de ser utilizado o elemento racional ou teleológico o qual reveste a maior importância para determinar o sentido da norma em análise, porquanto, segundo o autor Menezes Cordeiro[25], “a interpretação é hoje dominada pelo factor teleológico”.
6.30. Assim, no que se refere ao elemento racional e teleológico, importa fazer notar que o IUC tem subjacente o princípio da equivalência, consagrado no artigo 1º do respectivo Código, princípio veio corporizar as preocupações ambientais ao estabelecer que o imposto deve onerar os contribuintes pelos custos ambientais e viários provocados pela circulação automóvel, ou seja, quem polui tem de pagar (princípio que também subjaz ao artigo 66º, nº 2, alínea h) da CRP e ao Direito Comunitário).[26]
6.31. Como escreve Sérgio Vasques[27], “em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria actividade” pelo que “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também” (sublinhado nosso).
6.32. Com efeito, o que se pretende alcançar através da consagração do referido princípio é fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.
6.33. Sendo conhecida a dimensão dos danos ambientais causados pelos veículos automóveis, a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no Código do IUC, em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientalmente causados.
6.34. Tratam-se, pois, de preocupações com assinalável importância, na economia do IUC, e que não se poderão deixar de, coerentemente, ter em conta na interpretação do artigo 3º, relativo à incidência subjectiva daquele imposto.
6.35. Nestes termos, correspondendo a tributação (em sede de IUC) dos reais poluidores a um importante fim visado pela lei, à luz dos elementos de carácter racional e teleológicos de interpretação, impõe-se concluir que o nº 1 do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível.[28]
6.36. Em resumo, importa salientar que os referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, sejam os respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se como tais” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se como tais”, devendo, assim, entender-se que, reitera-se, o disposto no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção legal.
6.37. Ora, de acordo com o disposto no artigo 349º do Código Civil, presunções são as ilações que a lei (ou o julgador), tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
6.38. Deste modo, as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), pelo que quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de fazer prova do facto a que ela conduz (artigo 350º, nº1 do Código Civil).
6.39. Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (artigo 350º, nº 2 do Código Civil) e, tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente previsto no artigo 73º da LGT.
6.40. Na verdade, estas presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio, previsto no artigo 64º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem.
6.41. Sobre a consagração no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC de uma presunção ilidível pronunciaram-se já diversas decisões arbitrais nesse sentido.[29]
6.42. Nestes termos, a resposta que deverá ser dada à questão formulada no ponto 4.7.1., supra será a de que o artigo 3º do Código do IUC consagra, efectivamente, uma presunção ilidível quanto aos proprietários dos veículos automóveis, de modo a poder afastar a presunção de que são considerados como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.[30]
Da incidência subjectiva do imposto na vigência do contrato de locação financeira.
6.43. O Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira (provado pelo Decreto-Lei
nº 149/95, de 24 de Junho, com as alterações entretanto nele introduzidas), estabelece que é obrigação do Locador, entre outras, ”conceder o gozo dos bens para os fins a que se destina”.
6.44 Por outro lado, o mesmo diploma estabelece as obrigações do Locatário nomeadamente, a de “pagar as rendas”, a de “assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente”, bem como a de “usar e fruir o bem Locado”.
6.45. Tendo em consideração as obrigações acima transcritas, a título de exemplo, para ambas as partes de um Contrato de Locação Financeira, será possível concluir que na vigência de um contrato daquela natureza, embora o Locador continue como proprietário do bem em causa, só o Locatário tem o gozo exclusivo do bem Locado, usando-o como se fosse ele o verdadeiro proprietário.
6.46. Adicionalmente, refira-se que o Locatário financeiro é equiparado a proprietário, para efeitos do disposto no nº 1, do artigo 3º do Código do IUC, ou seja, o mesmo será dizer que será este que deve ser considerado como sujeito passivo do IUC (vide artigo 3º, nº 2 daquele Código).
6.47. Assim sendo, não dispondo o Locador por imposição legal e contratual do potencial de utilização do veículo e tendo o Locatário o gozo exclusivo do automóvel, reafirmamos a conclusão de que, em nosso entender, manda a ratio legis do Código do IUC que, nos termos do disposto no nº 2, do seu artigo 3º, seja o Locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e provoca os custos viários e ambientais a ele inerentes.
6.48. Aliás, à mesma conclusão se chega quando se verifica a importância dada aos utilizadores dos veículos Locados, de acordo com o preceituado no artigo 19º do Código do IUC, nos termos do qual, as entidades que procedam, designadamente, à Locação Financeira de veículos ficam obrigadas a fornecer à AT (ex-DGCI), a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos Locados, para efeitos do disposto no artigo 3º do Código do IUC.
6.49. Nestes termos, e dando resposta à questão formulada no ponto 6.5., supra, é entendimento deste Tribunal Arbitral que se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, vigorar um contrato de Locação Financeira que tem como objecto uma viatura automóvel, o sujeito passivo do imposto não é o Locador mas sim, à luz do disposto no nº 2, do artigo 3º do Código do IUC, o Locatário, porquanto é este que tem o gozo do veículo e, como tal, o inerente potencial poluidor (independentemente do registo do direito de propriedade permanecer em nome do Locador).
Da ilisão da presunção
6.50. Face ao acima exposto, concluindo-se que o sujeito passivo do imposto é o Locatário, caso as viaturas objecto de liquidação de IUC estejam, à data do facto gerador do imposto (em 2009), Locadas ao abrigo de Contrato de Locação Financeira, e consagrando o artigo 3º, nº 1 do Código do IUC uma presunção ilidível, cumpre ainda analisar se esta presunção foi efectivamente ilidida pela Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 73º da LGT.
6.51. O que a Requerente se propõe provar, segundo resulta dos autos, é que à data do facto gerador do IUC (em Abril, Maio e Setembro de 2009), as viaturas automóveis que deram origem aos actos de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral estavam Locadas ao abrigo de 3 Contratos de Locação Financeira (identificados no ponto 5.12., supra), anexando para efeitos de prova:
6.51.1. Cópia dos Contratos de Locação Financeira celebrados, para cada uma das viaturas identificadas no ponto 5.4., supra, entre a Requerente (Locadora) e os respectivos Locatários, devidamente assinados por ambas as partes;
6.51.2. Cópia de Informação emitida pelo Ministério da Justiça (respectivamente, pela Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, para as viaturas …-…-… e …-…-… e pela 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, para a viatura …-…-…) confirmando a informação relativa aos Contratos de Locação Financeira acima identificados, quanto à titularidade da propriedade das referidas viaturas e início e fim de cada um dos Contratos de Locação.
6.52. Em matéria de oposição à prova apresentada pela Requerente, a Requerida veio questionar a existência dos Contratos de Locação Financeira nas datas de ocorrência de cada um dos factos tributários objecto do Pedido Arbitral, com base nas informações contantes do “Sistema de Gestão de Cadastro de Veículos”
6.53. Contudo, tendo em consideração as cópias, anexadas pela Requerente, relativas às informações emitidas pelas respectivas Conservatórias (identificadas no ponto anterior) quanto:
6.53.1. Ao registo de propriedade a favor da Requerente de cada uma das viaturas objecto de liquidação de IUC e,
6.53.2. Ao registo do Contrato de Locação Financeira – identificação dos respectivos Locatários, bem como do início e fim de cada contrato, não viu este Tribunal razões para pôr em causa a veracidade das cópias e dos documentos que lhes deram origem (acima referidos), razão pela qual deu como provados os factos neles contidos, conforme pontos 5.11. e 5.12., supra.
6.54. A circunstância de não ter sido suscitada, pela Requerida, a falsidade dos documentos dos quais as fotocópias foram extraídas mas, tão somente, terem sido levantadas dúvidas quanto ao teor dos contratos de locação anexados (em matéria de data de início de cada locação), tal não é suficiente para colocar em causa a veracidade e autenticidade dos documentos originais e das cópias deles extraídas para efeitos de prova (a qual foi apreciada tendo em conta o disposto no artigo 370º e seguintes Código Civil.
6.55. Neste âmbito, dado que a ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347º do Código Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, tendo em consideração o acima exposto, será forçoso concluir que a Requerente conseguiu provar que, a data da ocorrência dos factos tributários em análise (2009), os sujeitos passivos do IUC resultantes das liquidações em crise eram os Locatários dos respectivos Contratos de Locação Financeira já identificados, pelo que se entende que foi ilidida a presunção derivada da inscrição do Registo Automóvel (a favor da Locadora).
6.56. Consequentemente, tendo a Requerente demonstrado que, à data das liquidações de IUC, não era o sujeito passivo do imposto, é afirmativa a resposta a dar à questão formulada no ponto 4.7.2., ou seja, de que conseguiu ilidir a presunção do artigo 3º do Código do IUC.
6.57. Deste modo, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do IUC, a Requerida não era competente para liquidar o imposto à Requerente, enquanto pessoa em nome do qual os veículos objecto das liquidações se encontravam registados (de acordo com o disposto no artigo 3º do Código do IUC).
6.58. Em consequência, será também afirmativa a resposta à questão acima formulada no ponto 4.7.3., ou seja, as liquidações de IUC efectuadas pela Requerida enfermam, em consequência do acima exposto, de ilegalidade, devendo, por isso, ser anuladas.
Do pagamento dos juros indemnizatórios
6.59. De acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no CPPT”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
6.60. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”[31][32]
6.61. Assim, nos processos arbitrais tributários haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (sublinhado nosso), não sendo necessários que os mesmos sejam pedidos na petição [33][34], tal como sucede no caso do Pedido de Pronúncia Arbitral em análise.
6.62. No entanto, importará atender ao disposto nos artigos acima referidos, na medida em que o direito a juros indemnizatórios dependerá da verificação de um erro imputável aos serviços, do qual resultou um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
6.63. Em resumo, o direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto superior ao devido e que tal facto derive de erro (de facto ou de direito) imputável aos serviços da Requerida.
6.64. No caso em análise, ao promover as liquidações oficiosas do IUC considerando o Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Requerida limitou-se a dar cumprimento do disposto no nº 1, do artigo 3º do Código do IUC, que, como acima já foi analisado, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, não se vislumbrando qualquer erro que lhe fosse imputável.
6.65. Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a Requerida, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, sem necessidade de provar os factos que a elas conduzem, conforme expressamente prevê o nº 1, do artigo 350º do Código Civil.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.66. Em consonância com o ponto anterior, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.67. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.[35]
6.68. Nestes termos, deverá ser imputada à Requerida a responsabilidade em matéria de custas arbitrais.
7. DECISÃO
7.1. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.2. Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a Parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC em vigor).
7.3. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida.
7.4. Nestes termos, tendo em consideração as conclusões definidas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral:
7.4.1. Julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente, anulando-se os respectivos actos tributários, com as consequências daí decorrentes;
7.4.2. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 1.008,90.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 8 de Junho de 2015
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.
[2] A viatura a que corresponde esta matrícula não é objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado (nota deste Tribunal Arbitral).
[3] Neste âmbito, a Requerente cita, entre muitos outros autores, Freitas Pereira, M. H., “Fiscalidade”, 3a Edição, Almedina, Coimbra, 2009).
[4] Neste âmbito, a Requerente cita o Acórdão nº 348/97 do Tribunal Constitucional e Casalta Nabais (1994) in “Contratos Fiscais” (Reflexões acerca da sua admissibilidade), pág. 279, na qual se afirma que a presunção “tem de compatibilizar-se com o princípio em análise, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta”.
[5] Para reforço deste entendimento, a Requerida cita a decisão proferida no âmbito do Processo nº 210/13.0BEPNF do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (tendo anexado cópia deste decisão com a Resposta apresentada - Doc. nº 2), nos termos da qual “a falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (art. 3º, n.º 1, do CIUC) se mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva”.
[6] Relativos à sessão de 12 de Março de 2008.
[7] Na mesma esteira, é citada a recomendação nº 6-B/2012 do Provedor de Justiça, datada de 22 de Junho de 2012, nos termos da qual se refere que “(…) com a aprovação da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, diploma que aprovou o Código do Imposto Único de Circulação e que veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel (…) os sujeitos passivos do imposto passaram a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública (…)” pelo que “a nível fiscal (…) o Imposto Único de Circulação é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”.
[8] De acordo com a informação constante da nota de liquidação do IUC/2009, o mês de matrícula é Maio e não Abril, conforme refere a Requerida na sua Resposta, sendo que a data por esta indicada como sendo a do início do Contrato de Locação Financeira (02-04-2009) não coincide com a data indicada pela Requerente na documentação apresentada (28-04-2009) – vide Capítulo 5.
[9] Neste sentido, cita a Requerida a exposição de motivos referente à Proposta de Lei n.º 118/X, ou seja, à proposta de reforma global da tributação automóvel.
[10] Neste âmbito, a Requerida cita a Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 26/2013.
[11] Em conjunto com outros actos tributários que não são objecto deste Pedido de Pronúncia Arbitral.
[12] Vide Francesco Ferrara, “Interpretação e Aplicação das Leis”, 2ª Edição, Coimbra, 1963, pág. 134/135.
[13] Vide Francesco Ferrara, obra citada, pág. 128.
[14] Neste âmbito, cfr. “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, pág. 175/176.
[15] Atente-se que, no que se refere à segunda disposição legal referida, Jorge Lopes de Sousa considera estar em causa uma presunção ilidível de notificação, para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação (vide “Código de Procedimento e de Processo Tributário” Anotado, Vol. I, 6.ª Edição, Áreas Editora, S.A., Lisboa 2011, pág. 388).
[16] Neste âmbito, cfr. “Metodologia da Ciência do Direito”, Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 1969, pág. 369.
[17] Na sua obra “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, pág. 184.
[18] Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa afirma que “em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão presume-se ou por expressão semelhante” (in CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, pág. 589) (sublinhado nosso).
[19] Também no mesmo sentido, A. Brigas Afonso e Manuel Teixeira Fernandes (in “Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação”, Coimbra Editora, 2009, pág. 187) consideram que “não houve alterações relativamente à situação que vigorou no âmbito dos extintos IMV, ICI e ICA”.
[20] Neste sentido vide, nomeadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 34/2014-T e 42/2014-T.
[21] Neste sentido, vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, 6ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, página 586.
[22] Vide AC STA Processo 441/11, de 29 de Fevereiro de 2012 e AC STA Processo 381/12, de 2 de Maio de 2012.
[23] Com efeito, no plano tributário, o princípio da igualdade traduz-se na generalidade e abstracção da norma que cria os elementos essenciais do tributo, de acordo com a capacidade contributiva de cada um.
[24] Vide AC TC Processo 343/97, de 29 de Abril.
[25] Neste âmbito, vide “Tratado de Direito Civil Português I”, Parte Geral, Tomo 1, 2ª ed,. 2000, Almedina, pág. 557.
[26] Com a assinatura, em 7 de Fevereiro de 1992, em Maastrich, do Tratado da União Europeia, o aludido princípio passou a constar como suporte da política Comunitária no domínio ambiental (vide artigo 130º-R, nº 2).
[27] In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Almedina, 2000, pág. 110 e 122.
[28] Neste âmbito, segundo Francesco Ferrara [in “Interpretação e Aplicação das Leis”, 2ª Edição, Coimbra, 1963, pág. 130, “(…) a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”].
[29] Vide, nomeadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T e 67/2014-T e 115/2014-T.
[30] Neste âmbito, vide AC TCAS 08300/14, de 19 de Março de 2015, nos termos do qual se pode ler que “o IUC está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do artigo 3º, nº 1, do Código do IUC, norma onde se (…) consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artigo 73º, da LGT” (sublinhado nosso).
[31] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, pág. 116).
[32] Sobre os juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo Sousa, Jorge Lopes, Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, pág. 155 e sgts).
[33] Vide AC STA Processo nº 1052/04, de 30 de Novembro de 2004.
[34] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, pág. 869).
[35] Assim, as Partes devem ser condenadas tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, ou seja, sendo-lhes atribuída a responsabilidade por custas, na proporção em que forem parte vencida.