Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 776/2014-T
Data da decisão: 2015-06-18   
Valor do pedido: € 1.905.324,08
Tema: IRC – Perdas decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros
Versão em PDF

Decisão arbitral

Decisão arbitral (processo 776/2014-T)

Os árbitros Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares (árbitro-presidente), Dr. Fer­nando Carreira de Araújo e Dr. José Rodrigo de Castro (árbitros vogais), designados respetivamente pelos árbitros vogais, pela Requerente e pela Requerida para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13/2/2015, acordam no seguinte:

1. Relatório

Grupo A…, SGPS, S.A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n,º 1, al. a), e 6.º, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento das reclamações graciosas das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2011 e 2012 e da ilegalidade parcial dessas autoliquidações de IRC (e derrama consequente) no total de 1.905.324,08€, acrescida de juros indemnizatórios nos termos legais.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

Nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 2, al. b) do RJAT, a Requerente utilizou a prerro­gativa legal de nomeação de árbitro, tendo designado o Dr. Fernando Car­reira de Araújo; a AT nomeou como árbitro o Dr. José Rodrigo de Castro; e ambos os árbitros designaram o Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares como árbitro presidente. Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros.

O tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13/2/2015.

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

No dia 27/4/2015 efetuou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT onde a Requerente declarou prescindir da produção da prova testemunhal e as Partes acordaram em que se realizassem alegações orais, que foram proferidas de seguida, nesse mesmo dia.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos fiáveis e não impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a) Em 2011 e 2012, a Requerente integrava, para efeitos de tributação em IRC, um grupo fiscal sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto nos arts. 69° e ss. do CIRC, do qual era sociedade dominante;

b) A Requerente apresentou tempestivamente a declaração de rendimentos de IRC modelo 22 de 2011 e 2012, do grupo de sociedades;

c) Durante o ano de 2011 e 2012, a Requerente deteve uma participação financeira inferior a 5% no capital social da B... SGPS, SA (anteriormente denominada por C… SGPS, SA e D… SGPS SA), sociedade cotada, à data dos factos relevantes neste processo, no mercado regulamentado que é a Bolsa de Valores de Lisboa (Euronext Lisbon);

d) Em 2011 e 2012, a participação referida na alínea anterior encontrava-se conta­bi­lis­tica­mente mensurada pelo método do justo valor por resultados e registada numa rubrica de "Investimentos mensurados ao justo valor através de resultados";

e) Até 2009, e para efeitos fiscais, essa participação encontrava-se registada ao custo de aquisição respectivo (custo histórico) e não ao justo valor, nos termos definidos à época pelo Plano Oficial de Contabilidade (POC);

f) Depois da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a Requerente passou a proceder ao registo das participações sociais em causa pelo seu justo valor, sendo este também o critério utilizado para efeitos fiscais;

g) Em 2010, aquando da transição para o Sistema de Normalização Contabilística, a Requerente, tendo latente uma variação de valor negativo de 23.196.890,00€, corres­pondente à diferença entre o valor de aquisição da sua participação na B... SGPS e a sua cotação oficial na data relevante, fê-la relevar nas rubricas de capitais próprios;

h) A Requerente, na autoliquidação de 2011 e 2012, considerou apenas por metade, não só a perda anual (1/5) correspondente à aplicação do regime transitório pre­visto no art. 5.º do Dec. Lei n.º 159/2009 de 13 de Julho no montante atrás referido, como também em fun­ção do ajustamento negativo, em 2011, decorrente da aplicação do método do jus­to valor a participações financeiras em entidades cotadas inferiores a 5% do capi­tal social (art. 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC), pela intepretação que fez à época do art. 45.º, n.º 3, do CIRC (e em face do teor de informação vinculativa nese sentido).

k) A Requerente apresentou tempestiva reclamação graciosa das autoliquidações de 2011 e 2012, onde pugnou, com argumentos vários, pela total dedução fiscal daquelas perdas por redução do justo valor da cotação da B... SGPS – e não apenas em 50% como havia inicialmente efetuado nas autoliquidações desses exercícios.

l) Em 25/8/2014, a Requerente foi notificada do indeferimento expresso das reclamações graciosas, por Despachos proferidos em 22/8/2014 pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Justiça tributária da Direção de Finanças de Viseu.

m) Inconformada, a Requerente apresentou tempestivo pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

n) As partes discordam da questão jurídica inerente ao presente processo, mas concordam com os valores em causa (fruto das cotações da B... no final de cada ano, variação patrimonial negativa do regime transitório e nos custos de aquisição do pacote de ações da B... por parte da Requerente).

o) Em 2011, se acaso os 100% da perda por redução de justo valor for fiscalmente dedutível, o valor adicional considerado como gastos fiscalmente aceites, por aplicação do ajustamento de transição e variação da cotação no período, monta a 4.639.378,00€ e 3.817.646,00€, respetivamente, o que perfaz a quantia a reembolsar à Requerente de 1.226.268,48€ (IRC, derrama e derrama estadual).

p) Em 2012, se acaso os 100% da perda por redução de justo valor for fiscalmente de­du­tível, o valor adicional considerado como gastos fiscalmente aceites, por apli­cação do ajustamento de transi­ção, monta a 4.639.378,00€, o que perfaz a quan­tia a reembolsar à Requerente de 679.055,60€ (IRC, derrama e derrama esta­du­al).

 2.2. Factos não provados

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas partes (que são documentos emitidos pelas Finanças e declarações de rendimentos), no consenso das partes (também em relação aos valores e mensurações em causa) e nas informações oficiais juntas ao processo.

 

3. Matéria de direito

3.1. Questão decidendi

Como é aceite pelas partes, a questão que se coloca nos presentes autos prende-se apenas com o tratamento fiscal a dar às perdas decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja re­conhe­cida através de resultados, por interpretação e aplicação do art. 5.º do Dec. Lei n.º 159/2009, art. 18.º, n.º 9 e art. 45.º, n.º 3, do CIRC.

Concretamente, tendo a Requerente, nos exercícios em causa, uma participação fi­nanceira inferior a 5% em sociedade cotada, as depreciações do justo valor (por os­cilação negativa da cotação anual e pela aplicação, em 2011 e 2012, do regime transitório des­crito no art. 5.º do dec. Lei n.º 159/2009 [1/5 da redução do justo valor a 1/1/2010, face ao custo de aquisição]) são um gasto fiscal do exercício, a 100%, como advoga a Requerente (nesta ação arbitral e na reclamação da auto­liquidaçao que a antecedeu), ou relevam apenas por metade, a 50%, como defende a AT.

Por outras palavras: a questão decidendi é a de saber se as perdas (à data da transi­ção do POC para o SNC e no exercício do método do justo valor) decorren­tes da redução da cotação das acções da B... SGPS, devidamente contabilizadas de acordo com o critério aplicável do justo valor, e reconhecida em resultados, deverão ser atendidas na totalidade, ou apenas em 50%, por interpretação e aplicação do art. 18.º, n.º 9, do CIRC e principalmente do art. 45.º, n.º 3, do CIRC.

 

3.2. As leis aplicáveis

Por regra, em sede de IRC, as perdas são fiscalmente registadas (dedutíveis) quando os ativos sub­jacentes são realizados, mormente por alienação, indepen­den­temente ­ do recebimento do preço (art. 18.º, n.º 1 e 2, do CIRC).

Já as perdas potenciais ou latentes eram relevados em provisões do ativo, desde o Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, denominadas de ajustamentos no POC, na conta 6841 – Ajustamento de Aplicações de Tesouraria – Títulos Negociáveis por contrapartida da conta 195 – Ajustamento de Aplicações de Tesouraria – Títulos Negociáveis e não eram aceites fiscalmente nos termos do artigo 34.º do Código do IRC (hoje artigo 39.º do Código do IRC), na redação vigente até 31 de Dezembro de 2013, pese embora na sua epígrafe se referirem provisões e não também ajustamentos.

O Sistema de Normalização Contabilístico (SNC) alterou, em parte, este dogma – de serem gastos fiscalmente aceites apenas as perdas realizadas – per­mi­tindo, nalguns casos, que se registem proveitos e perdas contabilísticos, em face da mera oscilação do valor anual dos ativos, independentemente da realização – o padrão do justo valor, relevadas como perdas no SNC, respetivamente nas contas 661 – Perdas por reduções do justo valor – Em instrumentos financeiros diretamente contra a conta 1421 – Outros Instrumentos Financeiros, Instrumentos Financeiros Detidos para Negociação – Ativos Financeiros.

A lei fiscal, na incorporação tributária do SNC, optou através do Dec. Lei n.º 159/2009, pela aceitação muito residual da tributação do justo valor para certos ativos de quaisquer empresas (onde antes era uma medida de exceção para alguns setores [por exemplo segurador] e produtos complexos [derivados]).

Um dos casos, talvez o mais emblemático, consta do art. 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC que impõe, num entorse à regra da realização, o reconhecimento fiscal anual da me­ra variação (positiva ou negativa) do valor de um ativo – um instrumento financeiro – no caso presente, uma participação inferior a 5% do capital social de sociedade cujos va­lo­res mobiliários sejam negociados em mercado organizado (em bolsa de valores).

O n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, dispõe que:

“Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código”.

Trata-se, com efeito, de uma livre opção do legislador fiscal de 2010: perante a introdução do SNC (a partir de 2010), acata esse padrão contábil para efeitos tributários, tratando-se de uma perda por redução ou ganho por aumento do justo valor, entre outros casos, em participações não significativas (menores que 5%) de sociedade cotadas (em que a cotação pacífica e torna fiável o elemento valorativo, perante a inexistência de um preço de transação).

Por outro lado, o art. 5.º do Dec. Lei n.º 159/2009 criou uma disposição transitória consentânea com essa regra: no que ao nosso caso importa, determina que o justo valor negativo aquando da entrada em vigor do SNC (diferença entre o custo de aquisição da participação e a cotação do título a 31/12/2009) seja repartida por cinco anos, concorrendo como custo fiscal uma quota parte proporcional (1/5) em cada um dos anos seguintes – entre os quais, em 2011 e 2012.

O art. 45.º, n.º 3 do CIRC – o preceito central da discórdia interpretativa entre as partes, onde a Requerente advoga a sua não aplicação ao caso dos autos, ao contrário da AT – reza assim:

“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.” (os sublinhados são nossos).

De notar que este preceito não sofreu qualquer alteração na sua redação legal, aquando da profunda reforma do CIRC preconizada pelo Dec. Lei n.º 159/2009, que adaptou o CIRC ao novo padrão contablístico do SNC (aprovado pelo Dec. Lei n.º 158/2009).

3.3. Os argumentos das partes

A Requerente invoca, em síntese, que estas perdas de justo valor por desvalo­rização contabilística dos títulos representativos do capital social da B... SGPS são aceites fiscalmente por preenchimento dos pressupostos do art. 18.º n.º 9, do CIRC (e art. 5.º do Dec. Lei 159/2009) e são-no a 100% (integralmente), porque o art. 45.º, n.º 3 do CIRC não se aplica às perdas de justo valor, mas apenas quando existe realização, com base em argumentos literais (análise da letra do art. 45.º, n.º 3, do CIRC), histórico-sistemáticos (diante do imobilismo legal deste preceito aquando da introdução do justo valor em termos fiscais) e teleológicos (alicerçados na razão de ser do art. 45.º, n.º 3, do CIRC [i) que visa combater a “evasão fiscal” por oportunismo no registo dos custos, via venda de partes sociais em exercícios lucrativos, algo que não sucede no modelo do justo valor, em que a vontade do contribuinte não modela o justo valor; ii) não seria legal prever um diverso regime para os ganhos e para as perdas de justo valor (tributação por inteiro e por metade, respetivamente), quando a vontade do contribuinte não interfere no facto tributário]. Ou seja, o art. 45.º, n.º 3, do CIRC estaria apenas pensado para as perdas e menos valias sustentadas no modelo da realização, aceites fiscalmente apenas em 50% do seu montante, sendo certo que as mais-valias também são tributadas nos mesmos 50%, em caso de reinvestimento nos termos do art. 48.º do mesmo código.

A AT refuta estes argumentos, com base igualmente, e em síntese, em argumentos literais, histórico-sistemático e teleológicos (e introduzindo doutrina a favor da sua pretensão).

Segundo o argumento literal, quando o art. 45.º, n.º 3 do CIRC refere especifi­camente “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (...), concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”, estaria a abranger situações como a dos autos, impondo que a variação patrimonial negativa em questão concorresse para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

Quanto ao argumento histórico-sistemático: segundo a AT, a ausência de al­te­ra­ções na redação do art. 45.º, n.º 3, do CIRC (aquando da reforma fiscal de incor­po­ra­ção e adequação tributária do SNC e tributa­ção excecional do justo valor) revela apenas que não se pretendeu que o regime em causa sofresse qualquer restrição, em função das alterações introduzidas no sis­tema de contabilidade, porque a limitação fiscal das perdas (agora alegadamente abrangendo também as de justo valor) já es­taria incluída nesse preceito, até porque já havia outros casos na lei de tributa­ção do justo valor – e daí não haver necessidade de alteração da redação do preceito.

Quanto ao argumento teleológico: afirma que o art. 45.º, n.º 3 do CIRC é uma norma que visa razões de cobrança de receita e que foi como tal (na sua redação original) não declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional (Ac. 85/2010) – man­ten­­do-se, tal ratio na aceitação fiscal, em apenas metade, das perdas de justo va­lor aceites fiscalmente; para além da dificuldade em concatenar a total dedução do justo valor com a dedução por metade da menos valia realizada aquando da ulterior alienação desses ativos.

3.4. Decisão

Os árbitros analisaram toda a retórica aduzida pelas partes (nas suas peças escritas e alegações), bem como a argumentação e ponderação da decisão arbitral proferida em caso com contornos similares (o Acórdão 108/2013-T), mas tendo sempre presente as pequenas alterações do caso (“cada caso é um caso”).

Depois da maturada ponderação, decidem no sentido da Sentença do Processo 108/2013-T, seguindo doravante, com a devida vénia, o argumentário essencial daquela decisão.

Ao caso dos autos aplica-se indubitavelmente o art. 18.º, n.º 9, do CIRC (e art. 5.º do Dec. Lei n.º 159/2009) com a tributação do justo valor anual (2011) e regime transitório (2011 e 2012) das oscilações de cotação da participação inferior a 5% na B... SGPS SA (as partes concordam nisso e nos valores em causa, sejam as perdas reconhecidas fiscalmente em metade ou na totalidade).

O ponto de discórdia está na interpretação e aplicação do art. 45.º, n.º 3, do CIRC.

O actual artigo 45.º n.º 3 do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º n.º 3, efectuada pelo Dec- Lei n.º 159/2009, o qual, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:

“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”.

De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável.”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

A redacção actual da norma em análise, resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p.31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “combate à evasão e fraude fiscais e outras medidas direcionadas à consolidação orçamental”.

Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do Dec. Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados.(...)

Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do n.º 1 dos artigos 20.º (rendimentos e ganhos) e 23.º (gastos e perdas) do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do art. 46.º do CIRC (conceito de mais e menos valias).

Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Dec. Lei n.º 159/2009 cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.

A tributação do justo valor do art. 18.º, n.º 9, do CIRC (a partir de 2010) – com a aceitação fiscal de parte do justo valor contabilístico – representa uma rutura fiscal face ao passado, onde a tributação (facto tributário) pressupunha obrigatoriamente um ato de realização ou transmissão (tirando casos excecionais, meramente residuais, em certos setores e para produtos complexos).

Todas as empresas, qualquer empresa, que tenha uma participação inferior a 5% em sociedade cotada será agora tributada pela oscilação (positiva ou negativa) do valor desse instrumento financeiro, independentemente da sua transmissão (e geração de dinheiro para pagar o imposto).

Antes de 2010, previamente à adopção do justo valor, as oscilações de valor positivas ou negativas relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito das normas do artigo 21.º e 24.º do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.

A ligação do facto tributário à realização (transmissão) tinha (como tem, na parte em que se mantém) três características bem vincadas, a saber:

·        É uma tributação única: ocorre uma só vez (com a venda) apesar de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros (e da formação do rendimento ao longo do tempo);

·        Depende de uma actuação voluntária do sujeito passivo (ato de venda ou transmissão): a verificação do facto tributário depende em absoluto de uma decisão do contribuinte.

·        A valorimetria da variação patrimonial é fixada em função da concreta transação que desencadeia a sua relevância tributária.

A conjugação destas três características propiciam terreno fértil para indesejadas manipulações contabilísticas e fiscais: o sujeito passivo, pelo livre exercício da sua liberdade (decisão de venda ou não venda), condiciona o se e quantum do imposto. E opta naturalmente por desencadear o facto tributário no momento e nos termos que lhe fosse fiscalmente mais proveitoso. Mantém a participação com valorização potencial e não é tributado (ou vende-a em exercícios deficitá­rios); e sobretudo, se desvalorizada, vende-a em exercícios lucrativos – registando uma menos valia totalmente dedutível e pagando, com isso, menos IRC. Sendo certo que poderia adquirir de seguida uma igual participação em bolsa, mantendo assim o mesmo empenho económico naquela participada...

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior art. 42.º n.º 3 do CIRC (posterior art. 45.º n.º 3, do CIRC) – com a aceitação das menos valias e perdas relativas a partes de capital e de­mais componentes negativas do capital próprio em apenas metade do seu valor.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A tributação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Dec. Lei 159/2009, de 13 de Julho (no seu art. 5.º e no art. 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC) in­tro­duziu um modelo radicalmente diferente: a vontade do contribuinte é irre­levante, diremos mesmo totalmente irrelevante para a formação e quantificação do rendimento ou do gasto, o qual se associa, em exclusivo à detenção e oscilação do valor da cotação no período, independentemente da liquidez para se pagar o tributo.

O legislador fiscal, contudo, não acolheu este modelo com abrangência. Mantém-se a regra geral da tributação com base na realização – para todos os ativos e também para os instrumentos financeiros (fora dos apertados pressupostos do art. 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC), cfr. art. 46.º, n.º 1, al. b) do CIRC.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização – constituindo pois a exceção e não a regra.

A letra da lei (art. 18.º, n.º 9, do CIRC) é perentória:

Assim, por regra, mesmo “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor [contabilístico] não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.” Trata-se aqui da manutenção do regime fiscal regra da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, nos seguinte termos: “excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, e igualmente conforme assumido pela entidade legislante, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

a.      Sejam reconhecidos “através de resultados”;

b.     Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;

c.      “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e

d.     “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social.”.

Cumpridas estas condições:

a.      consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 20.º n.º 1, al. f) do CIRC); e

b.     consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 23.º n.º 1, al. j) do CIRC).

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transação daqueles instrumentos, apurada por dedução do valor de realização ao custo histórico de aquisição (eventualmente revalorizado por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda), agora passamos a ter uma relevância tributária continuada (oscilação da cotação anual face ao valor de aquisição ou à data de encerramento do exercício anterior), independentemente da transação). Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos (relevados na conta 771 – ganhos por aumento do justo valor – instrumentos financeiros) ou gastos (relevados na conta 661 – perdas por redução de justo valor – instrumentos financeiros) resultantes da aplicação do justo valor (oscilação anual da cotação) passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/j) do CIRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º, n.º 1, al. b), do CIRC).

Neste quadro, cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de von­ta­de do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria (ontem como hoje) é objetiva­mente fixada.

Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer me­dida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favo­recer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.

A diferença é que na vigência do POC, o legislador do mesmo modo que não aceitava a relevância a relevância fiscal das perdas relevadas via constituição de provisões ou ajustamentos, contrariando o princípio de dependência parcial da fiscalidade em relação à contabilidade, não tributava os ganhos, enquanto hoje, na vigência do SNC, aceita a relevância fiscal de ambos, deduzindo-os ou tributando-os, aceitando o princípio atrás referido, ainda que com as limitações atrás assinaladas, aproximando a fiscalidade da contabilidade como foi o objetivo expresso do legislador.

Não obstante todas as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º n.º 3 do CIRC, renumerado para artigo 45.º, n.º 3, manteve a respectiva vigência, com a sua redação inalterada, pese embora as alterações contabilísticas ocorridas, de que já aqui demos nota.

Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às perdas relativas a instrumentos financeiros relevados contabilisticamente que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC (e art. 5.º, do Dec. Lei n.º 159/2009).

A leitura atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da causa leva a concluir pela não aplicação do art. 45.º, n.º 3, do CIRC ao caso dos autos.

A análise deste preceito, nos termos da Sentença do Processo n.º 108/2013-T do CAAD, revela que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter por distintas, em função da presunção de boa técnica legislativa, a saber:

a.      “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;

b.     “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;

c.      “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.

A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, como porque o artigo 46.º n.º 1, al. b) do CIRC exclui as situações descritas no artigo 18.º, n.º 9.º, al. a) do CIRC do conceito de mais valias realizadas.

Resta pois analisar as situações elencadas nas alíneas b) e c) supra. A aparente abrangência indiscriminada dessas previsões é mitigada se se atentar que “perdas” (al. b) supra) e “outras variações patrimoniais negativas” (al. c) supra), são conceitos não redundantes mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário analisar os artigos 23.º e 24.º do CIRC, atentando na evolução terminológica operada pelo Dec. Lei n.º 159/2009.

Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respetivamente, que:

·        “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

·        “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redação actual do artigo 45 n.º 3, do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber: Custos; Perdas; Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

A previsão do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC (predecessor do actual art. 45.º, n.º 3), de­ver-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os gastos relativos “a partes de capital ou outras com­po­nentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como defi­ni­das no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais ne­gativas” utilizada no atual art. 45.º, n.º 3, do CIRC não tem hoje como ontem um sentido indis­cri­mi­nadamente abrangente, como seria se utilizasse as expressões custos e gastos (que incluiriam as perdas tal como definido no parágrafo 76 da estrutura concetual do SNC), mas antes um sentido fiscalmente preciso, definido nos art. 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter utilizado a mesma distin­ção, não considerando no âmbito do artigo todos os gastos (então custos), mas apenas as perdas, que pressupõem a alienação ou extinção do ativo subjacente à transação, salvo as assimilações previstas expressamente na lei.

Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa, não só das perdas (tal como definidas no art. 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como defi­ni­das no art. 24.º), mas também dos custos, levaria a que após 2009, com a entrada em vigor do SNC, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não alterou nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que, na redação vigente até 2013, o CIRC utiliza a expressão “gastos” incluída no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea i) quando se refere à aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, pelo que, por maioria de razão, a estes não se aplica o art. 45.º, n.º 3, do CIRC.

E ainda que após as alterações ocorridas em 2014, a epígrafe do artigo passe a ser “gastos e perdas”, incluindo no próprio artigo “as perdas por redução do justo valor” (n.º 1, al. h), sendo que tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”, incluindo as últimas nos primeiros, a verdade é que numa interpretação literal como a proposta pela AT, nos termos do art. 45.º, n.º 3, do CIRC, não relevam todas as perdas relativas a instrumentos financeiros, mas apenas as relativas a partes de capital.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º, .º 3 do CIRC se reporta a:

a.      diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;

b.     outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e

c.      outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

Sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC na redação à data em vigor (2011 e 2012) e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patri­mo­niais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como defi­nidas no artigo 24.º.

Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, tanto relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio – o que sucede, na redação à data dos factos, aos “gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” (art. 23.º, n.º 1, al. i) do CIRC) – a situação dos autos, remetida pelo art. 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC, que também se refere a “gastos” e não a “perdas”.

De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Dec. Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC, no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do mesmo ou teria alterado este último preceito, indicando que abrangeria os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros ou teria dado outra redação ao art. 23.º, n.º 1, al. i) do CIRC dizendo expressamente que os ajustamentos de justo valor são designados como “perdas” e não como “gastos”, o que veio apenas a fazer em 2014, sem prejuízo do acima exposto.

Em suma: o argumento literal pende para a interpretação segundo a qual as oscilações desvalorativas do justo valor nos casos do art. 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC serão um integral gasto fiscal do exercício – e não apenas por metade.

Este resultado interpretativo (estabelecido pelo Dec. Lei n.º 159/2009) é aliás aque­le que melhor se coaduna com a relação geral de dependência (identidade) en­tre a contabilidade e a fiscalidade; entre o resultado proposto pela contabi­li­dade – e a sua identidade com o resultado tributário.

Dito de outro modo, qualquer distorção e diferença entre o resultado proposto pela contabilidade e a respetiva solução fiscal tem de constar de uma norma tributária precisa, que o autonomiza expressa e indubitavelmente.

É isso o que sucede, manifestamente, com a aceitação fiscal apenas por metade das menos valias realizadas de partes de capital. Mas a letra da lei – e as expresões legais – não são idênticas no que respeita às oscilações negativas do justo valor, entre o art. 45.º, n.º 3 do CIRC por um lado e o art. 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC (e art. 23.º, n.º 1, al. i), CIRC), por outro. E a sistemática do CIRC, na relação de dependência (identidade) entre a contabilidade e a fiscalidade – deve prever o mesmo resultado nas duas vertentes, quando nada se diga expressamente em sentido oposto (como é o caso dos autos).

Por fim, o elemento teleológico pende igualmente na consideração fiscal a 100% dos ajustamentos negativos do justo valor – e não aplicação nesse cenário (como sucede nos autos) do art. 45.º, n.º 3, do CIRC.

Como se viu, o regime para o qual foi pensada e instituída a norma do art. 45.º, n.º 3, do CIRC (a realização de menos-valias, e demais situações elencadas) estava dependente de uma actuação voluntária do sujeito, no intuito de as efetivar quando lhe aprouvesse, por ato exclusivo da sua vontade (como medida de minimização da carga tributária). Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.

Por outro lado, e no caso de estar em causa ativos de valor não objecti­va­mente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais ne­gativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.

Nada disso sucede nos casos do art. 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC: estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista econó­mi­co quer de um ponto de vista jurídico – e frustraria a razão essencial do co­man­do vertido no art. 45.º, n.º 3, do CIRC.

Assim, o art. 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC, ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, retira-as também do espartilho do art. 45.º, n,º 3, do CIRC, justificando, para esses casos, um regime de total tributação do justo valor, seja positivo ou negativo, em obediência a argumentos literais, sistemáticos e teleológicos.

Refira-se, por fim, que esses mesmos argumentos justificam a total dedução fiscal do ajustamento fiscal de transição por decorrência da desvalorização da participação em causa aquando da entrada em vigor do SNC. Ao que acresce o fulcral argumento de coerência e unidade do sistema: que não poderia prever um resultado tributário para o justo valor negativo do ano e um resultado fiscal diverso para o ajustamento de transição, quando não há quaisquer razões atendíveis que impussessem uma solução diversa.

Nestes termos, a pretensão da Requerente merece provimento, pois o artigo 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social” (como sucede nos autos). Neste caso, não se aplica a limitação prevista no art. 45.º, n.º 3 do CIRC, na medida em que não estão abrangidos pela sua previsão normativa.

 

4. Juros Indemnizatórios 

O contribuinte tem direito a juros indemnizatórios quando exista um erro na liquidação (autoliquidação) imputável aos serviços – e que desse erro tenha resultado o pagamento de uma quantia de imposto (autoliquidada) superior ao legalmente devido – art. 44.º da LGT.

Nas suas autoliquidações de 2011 e 2012, a requerente considerou esses ajusta­mentos negativos em apenas 50% do seu valor, seguindo a orientação constante de informação vinculativa sobre esse mesmo e exato tema, cuja decisão está errada, como se determina com a presente sentença.

Ora, este facto basta para considerar que existe um erro na autoliquidação imputável aos serviços, que determina a pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, contados desde o prazo legal anual de reembolso do IRC autoliquidado (art. 104.º, n.º 3, do CIRC) até integral pagamento.

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a.      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC praticado pela Requerente relativo ao ano de 2011 e 2012, por errada aplicação do regime do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, que constitui vício e violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.

b.     Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da reclamação graciosa das autoliquidações em causa, por ter incorrido no mesmo vício de violação de lei, ao não deferir a pretensão aí formulada pela Requerente

E em consequência:

c.      Determinar, em 2011, a aceitação intregral em termos fiscais da perda de justo valor em causa (por ajustamento de transição e variação da cotação no período, de 4,639.378,00€ e 3.817.646,00€, respetivamente), o que perfaz a quantia a reembolsar à Requerente de 1.226.268,48€ (IRC, derrama e derrama estadual).

d.     Determinar, em 2012, a aceitação intregral em termos fiscais da perda de justo valor em causa (por ajustamento de transição de 4,639.378,00€), o que perfaz a quantia a reembolsar à Requerente de 679.055,60€ (IRC, derrama e derrama estadual).

e.      E condenar a AT a pagar juros indemnizatórios à Requerente, sobre as quantias definidas no pontos anteriores, desde 1 de Setembo de 2012 (ponto c. supra) e 1 de Setembro de 2013 (ponto d. supra), até integral reembolso.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.905.324,08€.

  

7. Custas

Não há lugar à fixação e repartição da responsabilidade pelas custas do processo, nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT.

Notifique-se

 

Lisboa, 18 de Junho de 2015

 

Os Árbitros

Tomás Cantista Tavares (árbitro Presidente)

Fernando Carreira de Araújo (árbitro Vogal)

Dr. José Rodrigo de Castro (árbitro Vogal)