Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 6/2012-T
Data da decisão: 2012-05-07  IRC  
Valor do pedido: € 523.174,48
Tema: Reconhecimento de isenção
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CAAD: ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA

PROC. 6/2012 - T

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Requerente:

Requerida: Direcção Geral dos Impostos - (Autoridade Tributária e Aduaneira)

 

 

I – Relatório

 

 

1. A … (adiante designada por “requerente”) pessoa colectiva n.º …, com sede na …, apresentou em 12 de janeiro de 2012 pedido de decisão arbitral e consequente constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º e alínea a) do n.º 1 do art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante designado por RJAT ) e dos art.ºs 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

A pretensão deduzida tem em vista “a anulação das liquidações de IRC relativas aos rendimentos auferidos pela …nos anos de 1996 e 1997 e respectivos juros compensatórios e moratórios com todas as consequência legais” (sic), atribuindo ao pedido o valor económico de €523.174,48.

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2. A requerente optou por não designar árbitro. Em consequência, foi constituído o Tribunal Arbitral, com data de 16 de Fevereiro de 2012, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 do art.º 6.º do RJAT, tendo sido designado, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, nos termos e prazos legalmente previstos, o colectivo de árbitros composto por: Conselheiro Francisco Ferreira de Almeida, na qualidade de árbitro presidente, pela Dra. Rosário Anjos e Dra. Rita Magalhães, na qualidade de árbitros adjuntos, conforme ata de constituição que se encontra junta aos autos e aqui se dá por reproduzida.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

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3. Alega a requerente, em síntese, que:

a)- a … tem prosseguido desde a sua constituição, fins de interesse geral, cooperando com a Administração Central no desenvolvimento científico e pedagógico cumprindo todas as condições de gerais de declaração utilidade pública previstas no art.º 2º do Dec.-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro;

b)- o ato de incorporação da requerente no Serviço Nacional de Educação confirma que a sua atividade material se integra no âmbito do interesse público, pelo que nenhum outro procedimento, - leia-se o de reconhecimento de utilidade pública - será necessário, porquanto a ratio do n.º 2 do art.º 12º, do Dec.-Lei n.º 271/89, de 19 de agosto, que se encontrava em vigor na data em que a … foi criada e solicitado o reconhecimento de isenção de IRC, era precisamente a de ultrapassar o processo de reconhecimento (de utilidade pública - previsto no art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro;

c)- a … é, para todos os efeitos, equiparada a pessoa coletiva de utilidade pública em todos os atos relacionados com a instituição e funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior de que é titular (…) e daí que a lei lhe confira diretamente o gozo incondicional dos direitos e faculdades das pessoas coletivas de utilidade pública, já que satisfaz todos os requisitos necessários para fruir da isenção fiscal prevista no art.º 9.º (atual 10º) do CIRC;

d)- o não reconhecimento da isenção de IRC à … viola os art.ºs 13.º e 266.º da CRP, 55.º da LGT e 6.º, n.º 2 do EBF, bem como os princípios neles consignados, porquanto o reconhecimento de tal benefício vem sendo sucessivamente concedido a inúmeras fundações em condições idênticas às da demandante/requerente, titulares de estabelecimentos de ensino superior integrados no Sistema Nacional de Ensino;

e)- a administração fiscal está vinculada à concessão do benefício fiscal da isenção a partir do momento em que se prove a verificação dos pressupostos de facto previstos no art.º 10º (antigo art.º 9.º) do CIRC, sendo que da natureza declarativa do acto administrativo de reconhecimento do benefício fiscal (reforçado pelo n.º 2 do art.º 5.º do EBF) decorre um corolário fundamental: verificado o facto a que a lei associa uma determinada isenção fiscal, é criado (automaticamente) na esfera jurídica do contribuinte um direito a essa mesma isenção;

f)- o contencioso tributário é um contencioso de plena jurisdição e o acto de indeferimento da isenção é um ato ilegal e, como tal, sobre a Administração Fiscal impende o dever de revogação de ato inválido, nada obstando a que o tribunal possa determinar a conformação dos atos de liquidação em causa nos precisos termos em que a Administração fiscal deveria atuar: a não tributação da … por esta beneficiar efectivamente do direito à isenção em sede de IRC.”

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4. Na sua “resposta” a entidade requerida (AT) alegou, em síntese:

- o tribunal arbitral é absolutamente incompetente rationae materiae , porquanto o que requerente efectivamente pretende com o pedido de pronúncia arbitral é o reconhecimento do direito à isenção a que se reportava o art. 9.º do CIPRC, sendo que tal matéria não consta do elenco das pretensões sujeitas apreciação do tribunal arbitral consignadas no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT; a requerente não coloca em causa nenhum aspecto atinente à liquidação propriamente dita, não imputa ao ato de liquidação qualquer erro ou vício, limita-se a esgrimir argumentação contra a decisão do Ministro das Finanças que negou o reconhecimento à isenção prevista no art.º 9.º, do CIRC;

- existe, ademais (formado) caso julgado material que obsta à reapreciação do mérito da causa, uma vez que se torna por demais evidente que a intenção da demandante/requerente é reagir contra o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção, o qual foi já apreciado e decidido sucessivamente, sempre de modo desfavorável às suas pretensões, pelo TCA e pelo STA (acórdão n.º …, de …), com recurso para o Tribunal Constitucional, o qual foi considerado improcedente pelo acórdão nº …, de …;

- relativamente à liquidação de IRC relativa a exercício de 1995, a impugnação judicial foi também apreciada no ….º Juízo do Tribunal Tributário do … (Proc. n.º …) no TCA (Proc. n.º …, de …) e decidido desfavoravelmente na instância superior, com o fundamento, face ao caso decidido sobre a isenção, de não poder este tribunal, nem o tribunal a quo voltar a reapreciar esta questão, porque definitivamente decidida, com trânsito em julgado - a inadequação do meio processual, porquanto, o ato de denegação do reconhecimento da isenção constitui um ato administrativo autónomo passível de impugnação específica, por via - à data dos factos - do recurso contencioso de anulação, de que, aliás, o requerente, em tempo, fez uso; e sendo os benefícios fiscais, no caso, a isenção de IRC, dependente de reconhecimento prévio, a impugnação contenciosa, o recurso contencioso ou, (actualmente) a acção administrativa especial que recaírem sobre o indeferimento do pedido constituirão sempre um pedido autónomo em relação á impugnação do ato liquidação, não podendo a questão do direito à isenção ser discutida no processo de impugnação, o que tudo leva a concluir pela manifesta impropriedade do meio processual usado nos presente autos arbitrais;

- relativamente à questão de fundo, “existindo um regime específico para as pessoas coletivas titulares de estabelecimentos de ensino particular, ainda que integrados no Sistema Nacional de Educação, o legislador, coerentemente, distingue, de forma clara, estas entidades das pessoas colectivas de utilidade pública, concedendo a estas uma isenção total de impostos, e, àquelas, às titulares de estabelecimentos de ensino particular, como é o caso da requerente, o benefício fiscal da redução de taxa (art.º 47º do EBF); ora nunca, em nenhum momento, foi reconhecida a utilidade pública da requerente” (sic).

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5. A 12 de Abril de 2012, realizou-se a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos previstos no artigo 18º do RJAT, com a presença dos ilustres representantes das requerente e da requerida para se pronunciarem sobre as questões relacionadas com:

- a tramitação processual;

- as exceções que devessem ser apreciadas e decididas pelo Tribunal antes de conhecer do pedido;

- a necessidade de serem feitas correcções nas peças processuais apresentadas.

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6. Realizada a reunião, foram ouvidas as partes e decididas as questões supra referidas, conforme consta da ata que se encontra junta aos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida.

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Cumpre, pois, apreciar e decidir.

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6. II Thema Decidenda:

 

Atendendo às posições das partes, assumidas nos articulados apresentados, e em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 660º do CPC, constituem questões centrais a dirimir por este tribunal arbitral as seguintes:

- a alegada exceção de incompetência do Tribunal Arbitral;

- a alegada inadequação do meio processual;

- a alegada exceção de caso julgado material;

- a alegada ilegalidade dos atos de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 1996/1997, respectivos juros e sua consequente anulação.

A apreciação de cada uma destas excepções supõe que a respectiva decisão não seja prejudicada pela solução dada a outra, como resulta do disposto no n.º 2 do art.º 660º do CPC, aplicável por força da al. e) do n. º1 do art.º 29.º do RJAT.

Assim, as questões de natureza excecional suscitadas, serão apreciadas atendendo à ordem da respectiva alegação e de acordo com a relação de precedência lógica entre si existente.

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7. III - Das invocadas excepções dilatórias

 

1. Da deduzida exceção de incompetência do tribunal arbitral

 

1.1 A requerente configurou o seu pedido como “um pedido de anulação de atos de liquidação de IRC”, com referência aos exercícios de 1996 e 1997, com fundamento na ilegalidade das liquidações.

O que a requerente impetra a este tribunal é a procedência de uma ação de impugnação proposta com fundamento em ilegalidade das liquidações tributárias que identifica, pugnando pela respectiva anulação.

E é em relação a este objeto da causa (pedido e causa de pedir) que deve ser aferida a questão da competência do tribunal.

1.2 Na aferição do pressuposto processual da competência, há que atentar, desde logo, no disposto no art.º 2º, n.º1, al. a) do RJAT, o qual claramente postula que a competência do tribunal arbitral compreende a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.

Isto tendo presente que do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, resulta a vinculação da DGCI à jurisdição arbitral e o não enquadramento da matéria sub-judice em qualquer das situações excludentes previstas no respectivo art.º 2º.

Na hipótese vertente - bem ou mal - é solicitado ao tribunal que aprecie e decida sobre a ilegalidade da liquidação de um tributo, o que se enquadra, sem sombra de dúvida, no âmbito de competência abstrata legalmente definida para o tribunal arbitral.

Há, deste modo, que concluir pela competência absoluta deste tribunal para a dirimência do objeto do presente litígio e, consequentemente, pela improcedência da deduzida exceção de incompetência em razão da matéria.

 

2. Da alegada inadequação do meio processual.

 

A suscitada questão da inadequação do meio processual encontra-se intimamente ligada à da já apreciada questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.

Foram já acima delimitados - por decorrência dos termos em que a ação foi proposta - os elementos essenciais da lide (sujeitos e objecto).

Ora, o meio processual utilizado pela requerente para fazer valer os seus direitos de contribuinte (sujeito passivo) foi o da ação de impugnação e sem dúvida de que é este o meio processual idóneo e próprio para pôr em crise a legalidade dos atos tributários relativamente aos quais o interessado pretende adregar a respectiva anulação (art.º 99.º do CPPTRIB).

Outra é a questão de saber se o objetivo aparente (e declarado) da ação (impugnação de um ato tributário de liquidação) coincide ou não com o seu objetivo real (obtenção, pela via da impugnação da liquidação, do reconhecimento da isenção do tributo), questão esta que será mais adiante analisada por reporte à estatuição do art.º 95.º do CPPTRIB.

Daí que igualmente se conclua improcedência da alegada inadequação ou impropriedade do meio processual.

 

 

 

 

3. Da Deduzida exceção dilatória de caso julgado material.

 

3.1 Para bem decidir da invocada exceção de caso julgado material - suscitada pela entidade requerida – há que atentar na retórica argumentativa utilizada pelas partes, designadamente na matéria alegada sob os art.ºs 4.º a 18.º do requerimento Inicial e 12.º e 13.º da resposta apresentada pela AT.

E, ademais, na panóplia documental constante ex-abundante do processo administrativo tributário junto aos autos, com destaque para o teor das decisões judiciais antecedentes, cuja síntese já se encontra vertida nos pontos 3 e 4 do “Relatório” supra.

 

3.2 A existência de caso julgado material integra uma exceção dilatória que obsta à reapreciação do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância (art.ºs 493.º, n.º 2 e 494.º, al. i)) do CPC. Consubstancia tal exceção um pressuposto processual negativo cujo desígnio reside em impedir que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva sobre a mesma temática jurídico-substantiva.

Prescreve o n.º 1 do art.º 497º do CPC que a exceção de caso julgado pressupõe a repetição da causa depois de uma primeira ou anterior ter sido já decidida por sentença que não admite recurso ordinário.

O art.º 498º do mesmo diploma estabelece os requisitos para que se possa dar como verificada a repetição da causa, a saber:

 

“Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da qualidade jurídica.

identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.

É a chamada “tripla” ou “trípliceidentidade (quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir), conceito adoptado pela doutrina para significar a necessidade de evitar que o tribunal seja confrontado com a inevitabilidade de reproduzir ou de contrariar uma decisão (judicial) anterior de idêntico teor decisório e a, assim, prevenir danos irreparáveis para o prestígio dos tribunais e para a confiança dos cidadãos na administração da justiça.

 

 

De abrir aqui um parêntesis, acerca dos atos de indeferimento de pedidos de isenção ou de beneficios fiscais (cfr. Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada, em anotação II ao art.° 95.°, no prelo, que aqui seguimos muito de perto).

A qualificação como atos lesivos dos actos de indeferimento de pedidos de isenção ou de beneficios fiscais quando a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo funda-se na circunstância de tais atos constituírem o "ato final de um procedimento legal especifico" sujeito a regras próprias tendentes à obtenção ou reconhecimento do beneficio que não estão conetadas procedimentalmente com as do procedimento de liquidação do imposto.

o acto denegador da isenção assume, em tal caso, a natureza de um ato exterior ao processo de liquidação do imposto. Caracterização esta expressa na al. f) do n.º 2 do art.º 95.° da LGT, mas que também pode ser surpreendida nos n.ºs 1 a 3 do art.º 65.° do CPPT. Daí que um tal ato possa até ser objecto de recurso hierárquico (facultativo, a menos que a lei disponha o contrário – art.ºs 66.° e 67.° do CPPTRIB) que nada tem a ver com a reclamação graciosa do ato tributário e do recurso hierárquico da decisão que a que a indefira.

Diferentemente se passam as coisas nas hipóteses dos beneficias fiscais de concessão automática ou dos dependentes de reconhecimento que tenha lugar no (próprio) procedimento de liquidação do imposto: aqui o ato lesivo recorrível é o ato de liquidação do imposto dada a coetaneidade procedimental existente os momentos da aplicação da norma de incidência e da norma de isenção (incidência negativa).

A liquidação de imposto contra (ao arrepio de) norma de reconhecimento automático encontra-se ferida de ilegalidade por estar paralisada também automaticamente a potencialidade da norma de tributação para gerar a obrigação do imposto liquidado. O mesmo se passa em caso de beneficio dependente de reconhecimento a efectuar no processo administrativo dirigido à liquidação do imposto: o acto que o denegue assume-se então como mero ato preparatório e prejudicial do ato de declaração dos direitos tributários (art.º 54.° da LGT), ficando abrangido pelo princípio da impugnação unitária.

Anote-se que, não obstante o n." 2 do art." 2.° do Dec.-Lei n." 433/99, de 26 de Outubro - diploma este que aprovou o CPPT - terem revogado os art.", 14.° a 17.° do EBF, o certo é que quer a LGT, quer o CPPTRlB, nada inovaram no que concerne a esta matéria da recorribilidade dos atos de indeferimento tácito.

 

Ora, o ato administrativo que culminou no indeferimento do pedido de isenção foi emitido em procedimento administrativo próprio e autónomo, desencadeado deliberadamente para a obtenção de uma pronúncia administrativa (final) por banda da entidade com competência decisória na matéria - na circunstância o Ministro das Finanças. Isto porque se tratava de um ato eivado de evidentes laivos de discricionaridade, não assumindo a sua concessão/deferimento carácter automático/vinculativo.

Não se tratava, tão-pouco, de um qualquer ato dependente de reconhecimento a ser operado no seio do processo administrativo dirigido à liquidação do imposto. E daí que não possa assumir a qualificação de mero ato preparatório/ou prejudicial do ato de declaração dos direitos tributários (art.º 54.º da LGT), o que desde logo excluía a sua abrangência pelo princípio da impugnação unitária final.

O que tudo leva a concluir não poder verificar-se tecnicamente, na hipótese, sub-specie, a repetição de causas pretendida evitar com a exceção de caso julgado subjacente à previsão dos citados art.ºs 497.º e 498.º do CPC. Com efeito, não se mostra preenchido o requisito da tríplice identidade, desde logo quanto aos sujeitos processuais passivos: no recurso contencioso, o Ministro das Finanças; na acção de impugnação a entidade liquidadora do tributo; e também quanto ao pedido: no recurso contencioso a anulação do ato denegatório da pretensão de isenção; na acção de impugnação a legalidade da liquidação dos atos tributários praticados pela administração fiscal

Só quanto à causa de pedir poderia ocorrer uma certa similitude quanto
à invocação dos vícios invalidantes do ato administrativo denegatório e do ato administrativo de liquidação.

A causa subjacente às decisões judiciais transitadas supra-enunciadas não pode, deste modo, ser considerada a mesma causa, pleito ou lide veiculada e exercitada pelo presente processo. E só se se verificasse a aludida identidade é que seria de indagar dos “antecedentes” lógicos determinantes ou condicionantes da decisão judicial já anteriormente firmada na ordem jurídica.

Improcede, por conseguinte, a invocada exceção dilatória de caso julgado.

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8. A questão dirimenda central é essencialmente de direito e o tribunal considera-se devidamente habilitado a conhecer do mérito da causa, sem a necessidade de realização de qualquer diligência probatória adicional.

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9. IV. MÉRITO DA IMPUGNAÇÃO.

 

No fundo o que a requerente pretende, por via da presente impugnação é pôr em crise as sucessivas liquidações de IRC (recte as referentes aos exercícios de 1996 e 1997); mas fá-lo procurando “ressuscitar” a questão do não deferimento do reconhecimento da isenção de IRC oportunamente deduzido pela via administrativa.

Por essa via ínvia buscaria a requerente obter uma “reapreciação” pelos serviços da AT de um ato administrativo (da autoria do Ministro das Finanças) já consolidado na ordem jurídica com força de caso resolvido ou de caso decidido. Este o desígnio oculto da dedução da impugnação.

E consolidado também com autoridade de caso julgado.

Com efeito, os pretensos vícios invalidades do ato denegatório da isenção pretendida já foram – na realidade - sindicados em sede própria: o então recurso contencioso de anulação, hoje ação administrativa especial. Sindicância essa que culminou com a prolação, pelo STA, do acórdão n.º …, datado de …, depois alvo de recurso para o Tribunal Constitucional (acórdão n. º …, de …), ambos esses arestos de sentido desfavorável aos interesses da ora requerente nos mesmos defendidos.

Diga-se, a talho de foice, que a requerente havia também já deduzido um processo de impugnação, em tudo idêntico ao dos presentes autos - que correu seus trâmites no Tribunal Tributário de 1.ª instância … - relativo à liquidação de IRC relativa a exercício de 1995, na qual viu denegada a sua pretensão anulatória pelas instâncias judiciais para tanto convocadas, com o fundamento no “caso decidido” sobre a isenção do imposto e, em consequência, na impossibilidade do tribunal voltar a reapreciar esta questão.

Também quando invoca uma aventada violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP e art.º 55º da LGT) assenta todo o seu raciocínio argumentativo na existência de idênticas situações de isenção referentes a outras entidades, ou seja, sempre na mesma linha de defesa da existência de uma isenção que, alega, deveria ter evitado a emanação das questionadas liquidações de IRC. De notar que as liquidações de IRC impugnadas não são liquidações adicionais mas sim liquidações regulares emitidas a partir do pressuposto de não existência de isenção de imposto. E um tal vício teria sempre de ser imputado ao ato administrativo de indeferimento do pedido de isenção que não aos atos tributários de liquidação ora impugnados.

Nada inova, pois, a ora recorrente no pedido de anulação da liquidação tributária quanto à invocação de vícios invalidantes próprios; toda a motivação do deduzido pedido anulatório assenta no (seu) entendimento de que deveria ser (ou ter sido) isenta de IRC, em perfeita equiparação ao regime de benefício fiscal aplicável às pessoas colectivas de utilidade pública - único fundamento da ilegalidade decorrente do (alegado) direito à isenção do tributo.

Conforme acima já se deixou acima sugerido - reitera-se - o objectivo aparente (e declarado) da acção (impugnação de um acto tributário de liquidação) não coincide com o seu

objectivo real (obtenção, pela via da impugnação da liquidação, do reconhecimento da isenção do tributo).

No fundo o que a requerente pretenderia com a presente ação é que o tribunal apreciasse, de novo (agora pela via da impugnação judicial) a questão fundamental de saber se deve beneficiar ou não de isenção de IRC e que, se tal resposta fosse de sentido positivo, deveria, em consequência, decidir-se pela ilegalidade das liquidações impugnadas. Dito de outro modo, a ratio essendi da invocada ilegalidade da liquidação assentaria sempre - mais uma vez numa verdadeira “petitio principii” - no pressuposto da (existência) da isenção (ou melhor, da ilegalidade do ato administrativo denegatório dessa isenção).

Mas a consolidada decisão (ato administrativo) de indeferimento do pedido de isenção goza, sem dúvida, da autoridade de caso julgado a aferir em sede de decisão do mérito da causa.

 

Vem, a este propósito, o entendimento de LEBRE DE FREITAS/A. Montalvão Machado/Rui Pinto, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. 2.º, aAt.ºs 381º a 675º, Coimbra Editora, pp. 325 e ss:

“a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira posição, como pressuposto indiscutível da primeira decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela proferida deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira ação, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção” (sic).

 

Na hipótese de que ora curamos, vem mais a propósito o efeito positivo de impor a primeira posição como pressuposto indiscutível da primeira decisão de mérito que se encontra subjacente à autoridade do caso julgado; isto porque nenhum outro vício de carácter invalidante vem assacado de modo autónomo aos atos de liquidação postos em crise. Tudo, no fundo, se reconduz ao não reconhecimento da pretendida isenção.

A única ilegalidade (autonomamente) imputada aos atos de liquidação, invocada pelo demandante, assenta – reitera-se - na tese de que este deve ter tratamento fiscal idêntico ao das pessoas coletivas de utilidade pública e, em consequência, deve ver reconhecido o direito de isenção de IRC, ao abrigo do art.º 9º do CIRC (na versão vigente ao momento dos exercícios em causa nestes autos). Na própria expressão da requerente, as liquidações de IRC efectuadas pela administração fiscal “padecem assim de ilegalidade, porquanto o não reconhecimento de isenção é, em si mesmo, fundamento da ilegalidade das liquidações” (sic).

A requerida AT, rebatendo esta ideia, vem alegar - com razão - que, “no fundo, o verdadeiro objectivo da demandante é obter, pela via da impugnação, o reconhecimento da isenção de IRC (ainda que limitado aos exercícios de 1996/1997),direito à isenção esse, que não lhe foi reconhecido, nem pela Administração fiscal, nem pelas várias instâncias judiciais” (sic); de salientar, à guisa de censura, que as “várias instâncias judiciais” não poderiam (então) reconhecer ou ter reconhecido qualquer direito à isenção!...

 

À míngua, pois, de vícios próprios e autonomamente imputados às liquidações impugnadas, para além dos que estiveram na base do indeferimento do pedido de isenção, a presente ação sempre teria de ser (necessariamente) votada ao malogro.

 

10. V - Decisão

 

Em face do exposto, acordam os árbitros que constituem o presente colectivo arbitral em julgar improcedente a impugnação, absolvendo, em consequência, a requerida AT do pedido.

Custas pela requerente no montante de €7.956.00

 

Registe e notifique.

 

 

Lisboa, 7 de Maio de 2012

 

 

Francisco Ferreira de Almeida (árbitro-presidente)

 

 

Maria do Rosário Anjos (árbitra-adjunta- relatora).

 

 

Rita Magalhães (árbitra-adjunta)