Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A..., S.A., com sede na …, n.º …, ….º piso, …-… Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e a anulação do acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que incidiu sobre dois prédios urbanos, referente ao ano de 2010, no montante global de € 39.250,36, bem como a condenação da AT ao reembolso do imposto pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IMI, referente ao ano de 2010, e incidente sobre dois terrenos para construção, correspondentes aos artigos matriciais … e …, da freguesia de …;
b) Em 2010, tais prédios não podiam constar da matriz predial como terrenos para construção, porquanto, nesse ano: i) tinham terminado as obras de construção que se encontravam a ser desenvolvidas nos prédios rústicos que, segundo a AT, deram origem àqueles terrenos para construção; e ii) os três prédios urbanos (artigos matriciais …, … e …, todos da extinta freguesia de …) neles edificados tinham começado já a ser utilizados para os fins previstos, tendo sido obtidas pelo menos duas das respectivas licenças camarárias de utilização e/ou exploração;
c) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 10.º, n.º 1 do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), consideram-se sujeitos a tributação em sede de IMI os prédios urbanos resultantes das obras perpetradas nos prédios rústicos existentes, eliminando-se da matriz os prédios em que tais edificações foram implementadas;
d) Em 2011, a AT liquidou IMI sobre os referidos três prédios urbanos edificados nos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … e …, ambos da secção … da extinta freguesia de …, com referência ao ano de 2010, e não sobre quaisquer terrenos para construção, tendo a Requerente pago a correspondente liquidação;
e) Apesar de ter procedido à avaliação dos três prédios urbanos edificados e de sobre os mesmos ter feito incidir IMI, referente a 2010, a AT liquidou IMI, exactamente para esse mesmo ano, sobre os alegados terrenos para construção, data em que não poderiam constar da matriz;
f) A avaliação e inscrição dos terrenos para construção, efectuada pela AT, apenas em 2013, mas com referência a 2009 e com efeitos para 2010, não passa de uma mera ficção, por naquele ano já nada haver a inscrever ou a avaliar, para além dos prédios urbanos neles edificados;
g) Da liquidação notificada à Requerente não é possível apreender como foi possível a AT proceder à inscrição retroactiva na matriz predial de dois terrenos para construção;
h) Ou bem que a AT entende que, a 31 de Dezembro de 2010, existiam apenas terrenos para construção, e não prédios urbanos edificados, e reembolsa à Requerente o IMI pago, em 2010; ou bem que não pode sustentar ser possível a mesma realidade física, em 31 de Dezembro de 2010, constituir quer um prédio urbano edificado, quer um terreno para construção;
i) A AT não satisfez o pedido de emissão de certidão formulado pela Requerente ao abrigo do disposto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
j) Notificada da liquidação impugnada, a Requerente solicitou a realização de segunda avaliação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 76º nºs 1 e 2 do CIMI;
k) A Requerente não foi notificada do resultado da segunda avaliação requerida previamente à notificação da liquidação, apenas tendo sido notificada da segunda avaliação realizada pela AT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 76º nºs 4 e 5 do CIMI;
l) Nos termos desta segunda avaliação efectuada pela AT, os terrenos para construção constantes dos artigos … e … da extinta freguesia de …, foram avaliados em, respectivamente, € 6.014.897,28 e € 449.550,00;
m) Não obstante o valor patrimonial tributário atribuído aos identificados artigos … e …, a AT liquidou IMI respeitante aos identificados prédios, com base nos valores patrimoniais tributários decorrentes da primeira avaliação;
n) Em suma, a notificação da liquidação adicional de IMI não esclarece a razão pela qual a AT liquidou IMI, em 2010, sobre duas realidades que, em 31 de Dezembro desse ano não podiam estar inscritas na matriz nem tão-pouco existir, atendendo, para o efeito, ao valor patrimonial tributário determinado em sede de primeira avaliação;
o) O acto de liquidação adicional notificado à Requerente carece de fundamentação, devendo por isso ser declarado ilegal e ser anulado por vício de forma, ao abrigo do disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º, n.º 1 da LGT;
p) Sendo o IMI um imposto periódico com carácter anual, que se considera devido logo que ocorra um dos factos previstos no artigo 9.º do CIMI, a AT não pode fazer incidir IMI, à data de 31 de Dezembro de 2010, quer sobre terrenos para construção, quer sobre prédios urbanos edificados, reportando-se à mesma realidade física, sob pena de uma inadmissível duplicação da incidência de IMI;
q) Tendo sido constituído direito de superfície a favor de sociedade terceira sobre uma parcela do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo … secção …, em 2010, apenas o superficiário pode, em 2010, ser sujeito passivo de IMI relativamente a essa parcela – cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do CIMI;
r) A liquidação adicional é ilegal, devendo ser anulada, por violação do disposto nos artigos 6.º, 8.º, 9.º e 10.º do CIMI.
s) A liquidação é ainda ilegal por não terem sido efectuadas pela AT as segundas avaliações dos prédios, nos termos do regime geral, solicitadas pela Requerente, ocorrendo uma falha no procedimento de liquidação de IMI, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 76.º do CIMI.
A Requerente juntou trinta (30) documentos, tendo arrolado duas testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 05 de Janeiro de 2015.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida não apresentou resposta, nem juntou cópia do processo administrativo.
Notificada para juntar aos autos cópia do processo administrativo, a Requerida informou não existir processo administrativo referente ao acto tributário sub judice.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, prosseguindo o processo para alegações, tendo a Requerente apresentado alegações escritas.
II. QUESTÕES A DECIDIR:
Nos presentes autos as questões a decidir são:
a) Determinar se o acto de liquidação adicional de IMI padece de falta de fundamentação;
b) Determinar se o acto de liquidação adicional de IMI é ilegal por não se verificarem os pressupostos de facto e de direito legalmente exigidos ou por vício de procedimento.
III. MATÉRIA DE FACTO:
a. Factos provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada em 21 de Setembro de 2009, a Requerente comprou à “B…” os seguintes prédios: i) prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … da secção …; e ii) prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … da secção …, ambos da extinta freguesia de …, concelho do ..., distrito de Setúbal;
2. O prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … da secção … tinha uma área total de 10,399200 ha e o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … da secção … tinha uma área de 1,498500 ha;
3. Em 22 de Setembro de 2009, foi emitido pela Câmara Municipal do ..., em nome da Requerente, o alvará de licença de obras de construção n.º …/09, referente à construção de edifício com área licenciada de 70.434,77 m2, destinado a comércio, nos prédios rústicos identificados em 2. anterior;
4. Em 25 de Junho de 2010 foi igualmente emitido pela Câmara Municipal do ..., em nome da Requerente, o alvará de licença de obras de construção n.º …/10, referente à construção de edifício “C…” com área licenciada de 410,20 m2, destinado a uso geral, no prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo … da secção … da extinta freguesia de …;
5. Em 27 de Julho de 2010 foi emitido pela Câmara Municipal do ..., em nome da “D…, S.A”, o alvará de licença de obras de construção n.º …/10, referente à construção de posto de abastecimento de combustíveis com área licenciada de 209,68, no prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo … da secção … da extinta freguesia de …;
6. Em 12 de Novembro de 2010 foi concedido pela Câmara Municipal do ... à “D…, S.A” o alvará de licença de exploração n.º …/10, para a exploração de Posto de Abastecimento de combustíveis líquidos e gasosos para venda ao público, localizado no “E…”;
7. Por escritura pública outorgada em 15 de Novembro de 2010, a Requerente constituiu a favor da sociedade “F…, Lda” direito de superfície sobre uma parcela de terreno do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo … da secção …, da extinta freguesia de …, por um período de 20 anos, a contar do dia 17/11/2010;
8. Em 16 de Novembro de 2010, a Câmara Municipal do ... emitiu em nome da Requerente, o alvará de utilização dos prédios a que se alude em 2. anterior, ao qual veio a ser atribuído o número …/10;
9. Em 14 de Janeiro de 2011, a Requerente entregou a declaração Modelo 1 de IMI referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … secção .. da extinta freguesia de …, tendo declarado, como data da licença de utilização, 16/11/2010;
10. Em 17 de Janeiro de 2011, a “F…, Lda” entregou a declaração Modelo 1 de IMI referente a …/… do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … da secção … da extinta freguesia de …, tendo declarado como data da conclusão de obras, 17/11/2010;
11. Por ofício datado de 01 de Fevereiro de 2011, a Requerente foi notificada do valor patrimonial atribuído aos andares A) a P) do prédio urbano descrito na matriz sob o artigo …, da extinta freguesia de …;
12. Por ofício datado 08 de Fevereiro de 2011, a Requerente foi notificada do valor patrimonial atribuído ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo …., da extinta freguesia de …;
13. Em 21 de Março de 2011, a Requerente entregou a declaração Modelo 1 de IMI referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … secção … da extinta freguesia de …, tendo declarado, como data da licença de utilização, 12/11/2010;
14. Por ofício datado de 29 de Março de 2011, a Requerente foi notificada do valor patrimonial atribuído ao andar Q) do prédio urbano descrito na matriz sob o artigo …, da extinta freguesia de …;
15. Por ofício datado de 10 de Maio de 2011, a Requerente foi notificada do valor patrimonial atribuído ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo …, da extinta freguesia de …;
16. Em 20 de Maio de 2011, a AT liquidou IMI referente aos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … e …, das secções … e ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, respeitante ao exercício de 2010, no valor total de € 113.666,73;
17. Em 14 de Junho de 2011 a AT liquidou IMI referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, respeitante ao exercício de 2010;
18. Em 09 de Julho de 2011, a AT emitiu uma liquidação adicional de IMI, respeitante ao ano de 2010, na qual incluiu, além dos prédios a que se alude em 16. anterior, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, no valor total de € 115.240,41;
19. A Requerente pagou as liquidações de IMI a que se alude em 16. e 18. anteriores, no valor total de € 115.240,41;
20. A Requerente foi notificada das liquidações de IMI referentes aos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … e …, da extinta freguesia de … e aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e …, da extinta freguesia de …, relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013;
21. Em 12 de Setembro de 2013, a Requerente foi notificada do início do procedimento de inspecção externa, Ordem de Serviço n.º OI2013…, de âmbito geral e extensão ao exercício de 2009;
22. Em 18 de Novembro de 2013, foi a Requerente notificada do valor patrimonial tributário atribuído aos prédios inscritos na matriz predial sob os artigos … e … da extinta freguesia de … em resultado da avaliação efectuada;
23. Na sequência da avaliação efectuada aos prédios a que se alude em 22. anterior, a Requerente formulou pedido de esclarecimentos ao Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, questionando o fundamento de tais avaliações;
24. Em 17 de Dezembro de 2013, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças do ... dois requerimentos mediante os quais peticionou a anulação do processo de avaliação dos prédios inscritos na matriz predial urbana da extinta freguesia de … sob os artigos … e … e requereu, subsidiariamente, a realização de segunda avaliação desses mesmos prédios, nos termos do artigo 76.º do CIMI;
25. Por ofícios de 17 de Janeiro de 2014, o perito nomeado pela Requerente foi notificado para comparecer no dia 07 de Fevereiro de 2014, pelas 14h15, no Serviço de Finanças do ..., a fim de se proceder à segunda avaliação dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e …;
26. A Requerente foi notificada, em 21 de Março de 2014, da conclusão dos actos de inspecção relativos ao exercício de 2009, da qual não resultaram actos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis;
27. Em 26 de Abril de 2014, a AT emitiu liquidação adicional de IMI referente aos prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os artigos … e …, relativa ao ano de 2010;
28. Em 04 de Julho de 2014, a Requerente solicitou a emissão de certidão de teor integral com a fundamentação completa do acto de liquidação de IMI emitido pela AT em 26 de Abril de 2014, ao abrigo do artigo 37.º do CPPT;
29. A Requerente solicitou a emissão de certidão integral do processo de avaliação dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e … da extinta freguesia de …;
30. Por ofícios datados de 15 de Julho de 2014, a Requerente foi notificada dos novos valores patrimoniais tributários atribuídos aos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana sob os artigos … e …, apurados nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 76.º do CIMI;
31. Em 29 de Julho de 2014, foi emitida certidão integral do processo de avaliação referente aos prédios inscritos sob os artigos matriciais … e …, da extinta freguesia de …;
32. Em 28 de Agosto de 2014, a Requerente pagou o valor correspondente à liquidação impugnada;
33. Os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e … da extinta freguesia de …., correspondentes aos terrenos para construção sobre os quais incidiu a liquidação adicional de IMI ora em crise, tiveram origem nos prédios rústicos inscritos sob os artigos … e …, ambos da secção … da extinta freguesia de …;
34. Em virtude da reorganização administrativa do território, operada pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de Janeiro, a freguesia de …. foi agregada à freguesia de …, dando origem à União de Freguesias de …, passando os artigos …, … e … da anterior freguesia de … a corresponder aos actuais artigos …, … e … da União de Freguesias de …..
b. Factos não provados:
Com interesse para os autos, não existe qualquer factualidade não provada.
c. Fundamentação da matéria de facto:
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, cuja autenticidade e adesão à realidade não foi questionada pela Requerida.
IV. SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade, não existindo excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.
V. DO DIREITO:
Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.
A Requerente começa por invocar que o acto de liquidação adicional de IMI de que foi notificada padece de vício de falta de fundamentação, por do mesmo não ser possível apreender: i) a razão pela qual a AT procedeu à inscrição retroactiva na matriz predial, em 2013, de duas realidades que, pelo menos desde 2010, não se poderiam ter por existentes; ii) a razão pela qual a AT fez incidir IMI sobre o valor patrimonial tributário determinado em sede de primeira avaliação, desconsiderando o pedido de segunda avaliação peticionado; e iii) a opção pelo período de tributação relativo ao ano de 2010.
Em suma, alega a Requerente que, perante a obscuridade da liquidação em crise, resulta cerceado o seu direito de defesa, sendo o pedido de pronúncia arbitral construído com base em meras suposições e assunções.
Conclui, assim, peticionando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação impugnado e, por via disso, a sua anulação, ao abrigo do disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º, n.º 1 da LGT.
Vejamos.
A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e acto definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, por forma a que o sujeito passivo possa inferir o raciocínio seguido pela AT para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.
O dever de fundamentação permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação[1].
É precisamente por tal razão que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária impõe que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do acto tributário e ponderar as reacções ao mesmo.
Ora, analisada a liquidação adicional notificada à Requerente, verifica-se que a mesma contém:
a) as disposições legais aplicáveis;
b) a qualificação dos factos tributários;
c) a quantificação dos factos tributários; e
d) as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Com efeito, da liquidação em crise resulta que a AT liquidou IMI sobre os prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os artigos … e …, sitos na extinta freguesia de .., referente ao ano de 2010, tendo por base o valor patrimonial tributário de, respectivamente, € 9.022.930,00 e € 789.660,00, aplicando sobre este valor uma taxa de 0,4%, o que resultou na colecta de, respectivamente, € 36.091,72 e € 3.158,64, ao abrigo do disposto no artigo 112.º do CIMI.
Pese embora a liquidação em crise contenha todos os elementos impostos pelo artigo 77º nº 2 da LGT, importa averiguar se esses elementos serão suficientes para se poder afirmar que os deveres de fundamentação do acto estão, in casu, devidamente preenchidos.
É que, e como bem frisa a Requerente, o dever de fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto administrativo e da circunstância em que o mesmo foi praticado[2].
Neste sentido, tem vindo a ser defendido que “as exigências de fundamentação do acto tributário não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido[3]”.
Pese embora a Requerente alegue não ter conseguido apreender da liquidação adicional notificada o fundamento para tal liquidação, a verdade é que, atendendo à exposição do mérito da causa e à fundamentação do pedido de pronúncia arbitral efectuada pela Requerente, resulta que esta percebeu exactamente qual o caminho traçado pela AT para a liquidação do IMI, pelo que terá, forçosamente, de se considerar ultrapassado o vício formal invocado.
Conforme é aceite de forma pacífica pela jurisprudência, “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do acto e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”[4].
Se estes pressupostos e razões correspondem ou não à realidade é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.
Nestes termos, entende-se que, in casu, resulta suficientemente perceptível para um destinatário médio, colocado na posição do destinatário concreto, qual a fundamentação do acto tributário impugnado, devendo a alegação da Requerente improceder nesta parte.
Conhecida esta questão, cumpre, agora, apreciar se a liquidação adicional de IMI impugnada enferma ou não de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito ou por vício de procedimento.
O conhecimento do vício de procedimento deverá preceder, logicamente o conhecimento do erro sobre os pressupostos de facto e de direito, atento o facto de a eventual procedência do invocado vício de procedimento ter como consequência a impossibilidade de liquidação do imposto em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 118.º do CIMI.
Confrontados os factos provados verifica-se que a Requerente foi notificada da avaliação efectuada aos prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os artigos … e … da extinta freguesia de …, em 18 de Novembro de 2013, e solicitou a realização de segunda avaliação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 76.º do CIMI, em 17 de Dezembro de 2013 – cfr. factos provados 22. e 24.
Resulta ainda dos factos provados que a liquidação impugnada foi efectuada, em 26 de Abril de 2014, e que a Requerente foi notificada dos novos valores patrimoniais tributários atribuídos aos prédios aqui em causa, apurados em resultado da segunda avaliação efectuada nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 76.º do CIMI, em 15 de Julho de 2014 – cfr. factos provados 27. e 30.
Dispõe o n.º 1 do artigo 118.º do CIMI:
“Enquanto não tiver decorrido o prazo de 30 dias contados a partir da notificação da primeira avaliação ou não se tornar definitivo o resultado da segunda avaliação, quando requerida, fica suspensa a liquidação do imposto, salvo se for apresentada impugnação judicial, que não tem efeito suspensivo”. (sublinhado nosso).
No caso dos autos, tendo sido tempestivamente requerida pela ora Requerente a realização de uma segunda avaliação, não poderia a AT liquidar o imposto em causa até à conclusão desta segunda avaliação, já que apenas após a realização desta segunda avaliação se consolidaria na ordem jurídica o valor patrimonial dos prédios sobre os quais incidiu a liquidação.
Significa isto que a liquidação de IMI em crise deveria ter ficado suspensa até à efectiva consolidação do resultado da segunda avaliação requerida.
A este respeito, clarifica o Ofício-Circulado 40.056, de 04/11/2002, da Direcção de Serviços de Avaliações[5] que “o facto de ser requerida uma segunda avaliação por se discordar do valor atribuído na primeira, desde logo impede que se consolide na ordem jurídica aquele ou qualquer outro valor. É como se nada existisse até aí. A partir desse momento só poderá vir a converter-se em definitivo unicamente o valor determinado na segunda avaliação”.
Concluindo da seguinte forma:
“1. A avaliação destina-se a determinar o valor dos bens para efeitos tributários.
2. O facto de ser requerida uma segunda avaliação impede que se consolide o resultado da primeira.
3. O valor sobre o qual há-de incidir a tributação só existe com o fim do processo de avaliação, no qual se incluem tanto a 1ª como a 2ª avaliação.”
Note-se que, tal como refere o Ofício-Circulado supra mencionado, o valor sobre o qual há-de incidir a tributação em sede de IMI só existe com o fim do processo de avaliação, incluindo-se aqui quer o resultado da primeira como da segunda avaliação.
Pelo que não poderia a AT ter liquidado IMI sobre os aludidos prédios urbanos, sem que o respectivo processo de avaliação tivesse sido encerrado.
Em face do exposto, tendo a AT liquidado o IMI sem a prévia consolidação do valor patrimonial dos prédios em causa, o qual apenas sucederá com a realização da segunda avaliação, conclui-se que o acto de liquidação de IMI impugnado é ilegal, por violação do disposto no artigo 118º do CIMI.
Fica assim prejudicado o conhecimento do invocado erro sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação impugnada.
VI. DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se:
a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis no valor global de € 39.250,36, com a sua consequente anulação;
b) julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento do reembolso do imposto pago pela Requerente, bem como de juros indemnizatórios.
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Fixa-se o valor do processo em € 39.250,36, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 3 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida por ser a parte vencida.
***
Registe e notifique.
Lisboa, 5 de Junho de 2015.
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.
[1] Cfr. Ac. STA de 19NOV2008, processo número 194/08, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, veja-se o Ac. TCA Norte de 13OUT2005, processo número 00584/03, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Ac. TCA Norte, de 13/10/2005, proc. 00584/03, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do STA, de 30/01/2013, proc. 0105/12, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do STA, de 30/01/2013, proc. 0105/12, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, “Tributação do Património – IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados)”, Almedina, 2015, p. 312.