Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 617/2014-T
Data da decisão: 2015-06-09   
Valor do pedido: € 10.668,60
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Propriedade vertical
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

Processo n.º 617/2014-T

 

Requerente: A…, na qualidade de cabeça-de-casal de herança indivisa de B… com o número de identificação fiscal e denominação de herança …

Requerida: Administração Tributária e Aduaneira

 

 

I. Relatório

 

1.           Em 08-08-2014 A…, casada, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, …, … Lisboa, na qualidade de cabeça de casal da herança por morte de B…, com a identificação fiscal e denominação de herança n.º …, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa anteriormente apresentada, de acordo com o disposto nos artigos 57.º, n.ºs 1 e 5, da Lei Geral Tributária, e 106.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, CPPT), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), deduzir pedido de pronúncia arbitral, com cumulação de pedidos, sobre os actos tributários de liquidação de imposto de selo, referentes ao ano de 2012, levados a cabo pelo Exmo. Senhor Director – Geral da Direcção Geral dos Impostos, os quais incidiram sobre o prédio urbano sito na Rua …, n.º …, … Lisboa, que integra o acervo hereditário,

2.           Apresentou como fundamentação a ilegalidade das liquidações a qual, no caso sub judice, e de acordo com o artigo 99.º do CPPT, aplicável por força do artº 10.º, nº 2, al. c) do RJAT, se consubstancia na errónea qualificação do facto tributário, no erro sobre os pressupostos de direito – sendo a interpretação normativa, subjacente às presentes liquidações, inconstitucional –, e ainda na preterição de formalidades legais.

3.           Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro Ana Teixeira de Sousa, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

4.           Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 09.10.2014.

5.           Notificado o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida” ou “AT”) para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional, foi apresentada resposta em 17.11.2014, subscrita pelos juristas Senhora Dra. …. e … em nome e representação da Requerida, não tendo sido apresentado processo administrativo.

6.           Face à Resposta da AT o tribunal, através de despacho 18.02.2015, decidiu, o que não foi contestado pelas partes, que se dispensa a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como as alegações orais e escritas, sendo o prazo legal para a prolação da decisão sido prorrogado duas vezes até dia 9 de Junho de 2015.   

 

O pedido de Pronúncia arbitral

7.           Em síntese, os fundamentos apresentados pela Requerente são os seguintes.

8.          A Requerente é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade vertical sito na Rua …, n.º …, … Lisboa, inscrito na matriz predial urbana no ano de 1955, sob o artigo n.º …, da actual freguesia de ..., antigo artigo …, da mesma freguesia (como melhor resulta da caderneta predial).

9.          A 17.07.2013, o Exmo. Senhor Director – Geral da Direcção Geral dos Impostos promoveu treze liquidações de imposto de selo, relativas ao ano de 2012, as quais determinaram um valor total de imposto a pagar de € 10.668,60 (dez mil seiscentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos), tendo, a 28.10.2013, a ora requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança, sido notificada pela Administração Tributária para proceder ao seu pagamento, até ao final do mês de Novembro de 2013.

10.       Os referidos actos tributários de liquidação, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, constam dos seguintes documentos: 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 861,90; 2013 …, no valor de € 610,80; 2013 …, no valor de € 861,90 e 2013 …, no valor de € 576,90 e se dão aqui por reproduzidos para todos os efeitos legais.

11.       As referidas liquidações de imposto de selo incidiram sobre os valores patrimoniais tributários de treze andares com utilização independente: R/C D, R/C E, 1.º D, 1.º E, 2.º D, 2.º E, 3.º D, 3.º E, 4.º D, 4.º E, 5.º D, 5.º E, e CV126,

12.       Reportado à liquidação do imposto de selo, o valor patrimonial tributário de cada uma das treze fracções afectas à habitação, determinado separadamente, na medida em que constituem partes economicamente independentes, está compreendido entre € 57.690,00 e € 86.190,00 (doc. nº 14). 

13.       Ainda por referência à liquidação do imposto de selo, a soma dos valores patrimoniais de todas as fracções que integram o aludido prédio em propriedade vertical, e que se destinam a habitação, perfaz o valor de € 1.066.860,00 (doc. nº 14).

14.       As referidas liquidações foram objecto de pagamento voluntário, conforme melhor resulta do quadro com a relação dos pagamentos efectuados, e da cópia do extracto de conta bancária onde estão mencionados esses pagamentos.

15.       A 18.02.2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas liquidações de imposto de selo, tendo aquela sido entregue no competente órgão periférico local, o Serviço de Finanças de Lisboa – ….

16.        Até à data de 8 de Agosto de 2014, passados os quatro meses fixados na lei para a conclusão do procedimento, a ora requerente não foi notificada de qualquer decisão proferida no âmbito do referido procedimento de reclamação graciosa, nem, tão pouco, teve conhecimento que alguma decisão tenha, eventualmente, sido enunciada.

17.       No entendimento da Requerente, estes 13 actos tributários de liquidação de IS (verba 28.1 da TGSI), são ilegais por erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito, porquanto nenhum dos andares ou divisões independentes deste prédio da Requerente que a AT tributou em sede de IS, Verba 28.1 TGIS, tem um VPT superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) se individualmente considerados.

18.       Para a Administração Tributária, há que distinguir entre prédios urbanos em regime de propriedade horizontal e prédios urbanos em regime de propriedade vertical, disponível no Portal das Finanças, in http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/C50E0100-CA10-4FDF-A9F0-C7578F4F614D/0/IVE_4599-226_2013.pdf.

19.       Nos prédios urbanos em regime de propriedade horizontal, cada fracção é considerada individualmente para efeitos da incidência desta verba, enquanto que nos prédios em propriedade vertical, para a AT, vale o conjunto.

20.       Acontece que esta interpretação da Administração Tributária apenas ocorre em sede da verba 28.1 da TGIS, já que, para efeitos de IMI, IRC, IRS, as fracções são tratadas isoladamente, quer o prédio esteja, quer não esteja, constituído em propriedade horizontal.

21.       Ao invés do entendimento da AT, na tributação dos prédios não há distinção em função do tipo de propriedade – vertical ou horizontal –, mas apenas em função da utilização – habitação, comércio, serviços ou outros –, sendo que o tratamento fiscal é sempre efectuado fracção a fracção, com ou sem natureza autónoma.

22.       A Requerente enuncia as disposições legais que apoiam e recortam a aplicabilidade da norma de incidência prevista na verba 28.1 do Código do Imposto de Selo, para concluir que, para o legislador fiscal, a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros nas regras do Código do IMI, aplicáveis por remissão do Código do Imposto de Selo, nomeadamente o nº7 do artigo 23º do Código do Imposto de Selo.

23.       Considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes andares com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

24.       Ou seja, no caso do prédio da propriedade da Requerente, só haveria lugar a incidência da Verba 28.1 da TGIS, se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

25.       Não pode a AT considerar como valor de referência para a incidência da nova verba 28 da TGIS o valor total de 13 dos pisos do prédio urbano em questão, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o Código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28.1, da TGIS.

26.       O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.

27.       É, assim, entendimento da Requerente que, em situações como a vertente, por natureza é inaplicável a verba 28.1 da TGIS, porque defender a aplicação desta norma aos prédios em propriedade vertical, constituídos por fracções cujo valor patrimonial global iguala ou supera um milhão de euros, viola os princípios da igualdade, da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal e da capacidade contributiva.

28.       Além do que, e tal como a Administração Tributária já reconheceu, o que releva para efeitos de inscrição na matriz predial, é a autonomia que dentro do mesmo prédio pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes, e a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não impondo sequer uma nova avaliação (cfr. decisão arbitral n.º 50/2013).

29.       Tanto assim é que, de acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 12.º do CIMI, “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário” (sublinhado e negrito nossos).

30.       Aliás, é, mais uma vez, a própria Autoridade Tributária que admite que é este o critério legal, razão pela qual as respectivas liquidações emitidas são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta que o valor de incidência é o correspondente ao valor patrimonial de cada andar com utilização independente, além do que aquelas liquidações são individualizadas – um acto de liquidação sobre cada um dos andares integrantes do referido prédio urbano.

31.       Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

32.       Além de que, o legislador, ao introduzir esta inovação legislativa, procurou claramente tributar as “habitações de luxo”, com valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre as quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo-se introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade de luxo com afectação habitacional.

33.       Claramente, o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

34.       O que não é o caso do imóvel em questão, onde todos os andares têm um valor muitíssimo inferior ao limite do milhão de euros.

35.       Por outro lado, o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente.

36.       De facto, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto.

37.       A verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio.

38.       Em consequência, a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal; nada na lei impõe, de resto, a constituição da propriedade horizontal.

39.       Termina a Requerente por solicitar ao tribunal que seja declarada a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto de selo, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, por violarem a norma de incidência prevista na verba n.º 28 da TGIS, os artigos 13.º, 18.º, 81.º alínea b), 103.º e 104.º da CRP, bem como o artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, e ainda ser declarada a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, devendo, assim, aqueles actos tributários ser anulados, com todas as subsequentes consequências legais, como seja a Administração Tributária proceder à devolução das quantias pagas indevidamente a título das referidas liquidações, no montante de € 10.668,60 (dez mil seiscentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos), devendo ainda aquela ser condenada a pagar, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da Lei Geral Tributária e artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, juros indemnizatórios até ao termo do prazo de execução espontânea do julgado, e juros de moratórios a partir desse momento até efectivo e integral pagamento.

 

Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira

40.       A Autoridade Tributária e Aduaneira (ou Requerida) apresentou resposta mantendo as liquidações impugnadas com base, resumidamente, nos seguintes argumentos.

41.       A AT alega que a ora requerente é comproprietário de um prédio em regime de propriedade total ou vertical.

42.       Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios – n.º4 do citado artigo 2.º do CIMI. Logo,

43.       Encontrando-se o prédio de que é proprietário, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio.

44.       Assim a ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto de selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietária de 13 fracções autónomas, mas sim de um único prédio.

45.       Com é consabido, a propriedade horizontal é um regime jurídico especifico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil, cujo modo de constituição se encontra aí previsto, assim como as demais regras sobre direitos reais.

46.       Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal.

47.       Estes dois regimes de propriedade são regimes do direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referidos pelo artigo 2.º do CIMI.

48.       E o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.º, n.º2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”

49.       Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribui relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. º 12º, nº3, do C.I.MI., cada andar de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.

50.       Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.

51.       Tal prédio não deixa, pelo facto de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas à fracções autónomas em regime de propriedade horizontal.

52.       O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº1, da Tabela Geral.

53.       É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou divisão a divisão.

54.       Não se vislumbra como, por outro lado, como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade referido pela requerente.

55.       O legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

56.       Por fim, saliente-se, que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta da uma descrição matriz do prédio na sua totalidade- veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio.

57.       O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1 ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CI.MI., seja igual ou superior a € 1.000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente

58.       Pelo conclui a Requerida que as liquidações estão correctas devendo manter-se e o pedido de pronúncia ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.

 

Objecto do pedido

59.       A questão que a Requerente pretende ver decidida é:

·     Legalidade da liquidação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS (aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) relativamente ao valor patrimonial tributário global de um edifício, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários de diversos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

Saneamento

60.       O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

61.       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

62.       O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

Factos provados

Com base nas peças juntas pelo Requerente (pedido de pronúncia arbitral, Doc. nº 1 a 18 junto com esse Pedido e documentos juntos; Resposta da A.T.); não contestação dos factos alegados pela Requerente pela própria AT, fixa-se a seguinte factualidade:

 

63.       A Requerente é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade vertical sito na Rua …, n.º …, … Lisboa, inscrito na matriz predial urbana no ano de 1955, sob o artigo n.º …, da actual freguesia de ..., antigo artigo …, da mesma freguesia (como melhor resulta da caderneta predial, junta ao processo como documento 14).

64.       A 17.07.2013, a AT promoveu treze liquidações de imposto de selo, relativas ao ano de 2012, as quais determinaram um valor total de imposto a pagar de € 10.668,60 (dez mil seiscentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos), tendo, a 28.10.2013, a ora Requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança, sido notificada pela Administração Tributária para proceder ao seu pagamento, até ao final do mês de Novembro de 2013.

65.       Os referidos actos tributários de liquidação, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, constam dos seguintes documentos: 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, os quais foram juntos como docs. n.ºs 1 a 13, e se dão aqui por reproduzidos para todos os efeitos legais.

66.       As referidas liquidações de imposto de selo incidiram sobre os valores patrimoniais tributários de treze andares com utilização independente: R/C D, R/C E, 1.º D, 1.º E, 2.º D, 2.º E, 3.º D, 3.º E, 4.º D, 4.º E, 5.º D, 5.º E, e CV126.

67.       Ainda por referência à liquidação do imposto de selo, a soma dos valores patrimoniais de todas as fracções que integram o aludido prédio em propriedade vertical, e que se destinam a habitação, perfaz o valor de € 1.066.860,00 com referência ao ano de 2012 (doc. nº 14).

68.       As referidas liquidações foram objecto de pagamento voluntário, conforme melhor resulta do quadro com a relação dos pagamentos efectuados, e da cópia do extracto de conta bancária onde estão mencionados esses pagamentos, que se juntam como doc. n.º 15 e nº 16, respectivamente, e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

69.       A 18.02.2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas liquidações de imposto de selo, tendo aquela sido entregue no competente órgão periférico local, o Serviço de Finanças de Lisboa – …, tudo conforme melhor resulta do talão de registo, e de cópia da referida reclamação graciosa, que ora se juntam como docs. n.ºs 17 e 18, respectivamente, e se dão aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, sem prejuízo.

70.       Até ao dia 8 de Agosto de 2014, passados os quatro meses fixados na lei para a conclusão do procedimento, a ora Requerente não foi notificada de qualquer decisão proferida no âmbito do referido procedimento de reclamação graciosa, nem, tão pouco, teve conhecimento que alguma decisão tenha, eventualmente, sido enunciada.

 

71.        Factos não provados

Os factos não provados são considerados irrelevantes para a apreciação do mérito da causa.

 

O Direito aplicável

 

O âmbito de incidência da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo

72.       Resulta das posições das Partes que a questão essencial nos presentes autos consiste em saber se no caso de prédios em propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente mas não constituídos em regime de propriedade horizontal, o VPT a considerar para efeitos de incidência de Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS deve corresponder ao VPT de cada andar ou divisão com e afectação habitacional e utilização independente ou à soma dos VPT correspondentes aos andares ou divisões de utilização independente com afectação habitacional. Ou seja, saber se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais. 

73.       Esta questão já foi apreciada em vários processos no âmbito da Arbitragem Tributária[1], não se identificando, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada nas decisões proferidas.

74.       Começando por fazer referência ás disposições legais relevantes na tomada de decisão do tribunal.

75.       A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

76.        Segundo resulta das alterações ao Código do Imposto do Selo, introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o imposto do selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do art. 1º e nº 4 do art. 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do art. 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS).

77.       O disposto no CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), conjugados com o art. 1º do CIMI, consideram o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação) desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo, independentemente do número de sujeitos passivos, possuidores (enquanto proprietários, usufrutuários ou superficiários) dos bens em causa [2].

78.       Quanto às taxas, a alínea f) do nº 1 do mesmo artigo 6º, da Lei nº 55-A/2012, prevê a aplicação em 2012 de uma taxa inferior à taxa de 1%, prevista na verba 28.1 da TGIS para prédios com afectação habitacional, distinguindo-se ainda entre os casos de prédios avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,5 %) e prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,8 %).

79.       A partir de 2013 a taxa normalmente aplicável é de 1%.

 

O conceito de prédio utilizado na verba 28 da TGIS

80.       O conceito de “prédios com afectação habitacional” utilizado na verba 28.1[3] não se encontra expressamente definido em qualquer disposição do CIS nem no CIMI, diploma para que remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS.

81.       No caso dos autos, quer se tome em conta o prédio da Requerente em propriedade vertical quer cada uma das respectivas divisões dotadas autónomas, trata-se (não vem contestado) de prédio classificado como urbano e habitacional, ao menos parcialmente, de acordo com os critérios estabelecidos nos arts. 2.º, 4.º e 6.º do Código do IMI, aplicáveis por remissão do art. 67º do CIS.

82.       Assim, está apenas em causa o exacto sentido do aplicação do "valor patrimonial considerado para efeitos de IMI", constante da norma de incidência do imposto do selo no corpo da verba 28: no caso de prédios em propriedade total mas com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o VPT relevante corresponde à soma do VPT das diversas divisões/andares, como pretende a AT, ou o que há que ter em conta é o VPT de cada um dos respectivos andares ou divisões autónomas, como defende a Requerente?

83.       Ora esta disposição está integrada num texto que define como objecto de incidência do imposto do selo a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI(bold nosso).

84.       Como tem sido repetidamente invocado e admitido, o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

85.       Assim, a cada prédio corresponde um único artigo na matriz (nº 2 do artigo 80º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (registo do prédio, sua caracterização, localização, VPT e titularidade), "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário”, não se tomando como referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às partes autónomas de um mesmo prédio, mas o valor atribuído a cada uma delas individualmente considerado.

86.       Quanto à liquidação do IMI - aplicação da taxa à base tributável - o art. 119.º, n.º 1 dispõe que “o competente documento de cobrança” contém a “discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta (…)”.

87.       Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente [4],  de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fracção (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica (apresentação e sublinhado nossos)[5].

88.       Assim, quando o nº 4 do artigo 2º dispõe que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, não consagra propriamente um regime excepcional ou especial para os prédios em propriedade horizontal.

89.       Cada edifício em propriedade horizontal (artigo 92º) tem apenas uma só inscrição matricial (nº 1), descrevendo-se genericamente o edifício e mencionando-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal (nº 2) e a autonomia matricial concretiza-se na atribuição a cada uma das fracções autónomas, pormenorizadamente descrita e individualizada, de uma letra maiúscula, segundo a ordem alfabética (nº 3). Esta parece ser a especificidade dos edifícios em propriedade horizontal; nos outros casos, de prédios em propriedade vertical ou total, as divisões ou andares com autonomia mas sem o estatuto de propriedade horizontal, a matriz consagra também a autonomia mas evidenciando as unidades com indicação do tipo de piso/andar.

90.       Por outro lado, a argumentação de que “a tributação em sede de Imposto do Selo obedece ao critério de adequação, visando a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado”, não é aceitável, porque o tratamento distinto de prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical nem se justifica como “uma discriminação imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal” (que coerência?) nem pode livrar-se da qualificação de arbitrário ao tratar de forma distinta realidades em grande parte idênticas, e, a serem diferentes, com risco até de tratar de forma mais gravosa situações geralmente relacionadas com menor capacidade tributária do que as que teriam tratamento mais benéfico.

91.       Nem convence a argumentação da Requerida de que no caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não obstante o IMI ser liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do Imposto de Selo da verba n.º 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global dos prédios, e não o de cada um dos seus andares ou partes independentes, porque a verba n.º 28.1 da TGIS é aplicada segundo as regras do CIMI mas “com ressalva dos aspectos que careçam das devidas adaptações”. (sublinhados nossos).

92.       Não se vislumbra portanto na lei aprovada razão para, em matéria de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, dar às fracções de prédios em “propriedade vertical”, dotadas de autonomia, tratamento diferente do concedido aos prédios em propriedade horizontal, quando em qualquer dessas situações o IMI é aplicado ao valor patrimonial evidenciado na matriz para cada uma das unidades autónomas.

93.       A interpretação acima sustentada, decorrente da análise da letra da lei e sua inserção no conjunto de outras normas tributárias aplicáveis, é a mais consonante com o espirito das alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

94.       Como já foi evidenciado em outras decisões arbitrais, “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”. (...) “A fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal." [6]

95.       Ora, parece carecer totalmente de adesão à realidade a sustentação da tese de que a detenção de fracções desprovidas de estatuto de propriedade horizontal denuncia maior capacidade contributiva do que se forem providas daquela natureza.

96.       Pelo contrário, na maioria dos casos, como evidenciado pela Decisão Arbitral nº 50/2013, “muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, factores que necessariamente devem ser tidos em conta.”

97.       Assim, considera-se correcta a interpretação de que a verba 28 da TGIS não abrange cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba.

98.       Tal como decidido em outros processos arbitrais, este tribunal entende que no tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, determinação da base tributável, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos arts. 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS.

99.       Sujeitar ao novo imposto do selo partes autónomas sem o estatuto jurídico de propriedade horizontal ou seja, enquanto se mantém a propriedade vertical e não sujeitar nenhuma das fracções habitacionais se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal constituiria violação do princípio constitucional da igualdade, tratando situações iguais de forma diferente.

100.    No caso dos autos, verificando-se que nenhuma das “fracções” de qualquer dos edifícios em causa apresenta, per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, não há lugar a incidência da verba 28 prevista na Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Dos juros indemnizatórios

 

101.    A par da anulação das liquidações e reembolso dos montantes de imposto indevidamente pagos, a Requerente solicitou ainda que lhe fossem liquidados juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.

102.    De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

103.    Tal é compaginável com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

104.    Constitui entendimento do tribunal, acompanhado pela jurisprudência arbitral, que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD integram no âmbito da sua competência os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.

105.    O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

106.    Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

107.    No presente caso, e no decorrer lógico do reconhecimento, pelo tribunal, da ilegalidade das liquidações de IS objecto da petição inicial, haverá lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

108.    Sendo a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IS imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa os praticou, em manifesto vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito.

109.    Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente.

110.    Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à requerente e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

111.    Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos e sobre as respectivas importâncias até à do processamento da nota de crédito em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

Conclusão

Assim, o presente tribunal arbitral conclui que as liquidações de Imposto do Selo, com base na verba 28/28.1 da TGIS, relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, propriedade da Requerente, objecto dos presentes autos, estão feridas de ilegalidade, porque os referidos dispositivos não podem ser interpretados no sentido da sua aplicação a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

E, como resulta da factualidade fixada, nenhum dos andares destinados a habitação, do prédio, em propriedade vertical, objecto deste processo, tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS.

 

 

Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.668,60 (dez mil, seiscentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos).

 

Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros) nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, 9 de Junho de 2015

 

O Árbitro

 (Ana Teixeira de Sousa)

 

 

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.]

 

 

 

 

 



[1]Sobre a aplicação da verba 28 da TGIS no caso de prédios em propriedade vertical, estão já publicitadas decisões no site do CAAD, designadamente, nos Processos 50/2013-T; 132/2013-T; 181/2013-T; 183/2013-T; 185/2013-T; 248/2013-T; 240/2013- T; 280/2013-T, disponíveis em www.caad.org.pt.

 

[2] O disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, quanto à nova verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, entrou em vigor no dia seguinte à publicação da lei, ou seja, 30 de Outubro de 2012. O artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, prevê disposições transitórias por virtude das quais, nesse primeiro ano de vigência, ou seja, 2012: o facto tributário verifica -se no dia 31 de Outubro (quando, de acordo com o artigo 8º do CIMI, aplicável por remissão do nº 4 do art. 2º do CIS, seria em 31 de Dezembro); o sujeito passivo do imposto é o titular do prédio (n.º 4 do artigo 2.º do CIS) também nesse dia 31 de Outubro; o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI por referência ao ano de 2011; a liquidação do imposto pela AT é efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012; o imposto deverá ser pago numa única prestação, pelos sujeitos passivos, até ao dia 20 de Dezembro desse ano 2012.

[3] A redacção deste número foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, passando a utilizar-se o conceito “prédio habitacional”, mas as liquidações objecto dos presentes autos referem-se ao ano de 2012.

[4] Sobre este aspecto, e na linha do comentário citado na nota anterior, veja-se a fundamentação contida na decisão nº248/2013-T: “A autonomização na matriz das partes funcional e economicamente independentes de um prédio em propriedade total prende-se com razões de índole fiscal e extrafiscal. No plano fiscal, essa autonomização tem a ver com a própria determinação do valor patrimonial tributário, que constitui a base tributável do IMI, dado que a fórmula de determinação desse valor, prevista no art. 38.º do mesmo Código, comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessas partes. No plano extrafiscal, essa autonomização continua a encontrar justificação na relevância atribuída ao valor patrimonial tributário de prédios e suas partes autónomas na legislação do arrendamento urbano.” Aí se menciona também o n.º 1 do art. 15.º- O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11 (prevendo que a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objecto da referida avaliação) como confirmando a individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas dos prédios urbanos.     

[5]Como observado no Proc.132/2013: “As normas (...) elencadas consagram o princípio da autonomização das partes independentes de um prédio urbano, mesmo quando não esteja constituído em propriedade horizontal. Ou seja, cada parte susceptível de utilização independente deve ser, para efeitos de IMI, valorizada em face das suas especificidades e afectação, resultando num VPT autónomo, individualizável e correspondente a cada parte susceptível de utilização independente.”

[6] Excertos da Decisão no processo nº 50/2014-T, referindo também a Decisão Arbitral no processo nº 48/2013-T, quanto à análise da Discussão da proposta legislativa na Assembleia da República.