Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 766/2014-T
Data da decisão: 2015-05-28   
Valor do pedido: € 18.731,97
Tema: IRS – Mais-valias
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Decisão Arbitral

 

1.RELATÓRIO

 

1. A… e B…, (doravante designados por Requerentes) casados entre si sob o regime da comunhão de adquiridos, contribuintes nºs … e …, ambos com domicílio da Avenida …, nº …-…º Dto., …-… Lisboa, apresentaram em de 13 de Novembro de 2014, pedido de constituição de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º nºs 1 e 2, ambos de Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº112- A/2011, de 2 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT ou Requerida) com vista à declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da liquidação de IRS, relativa ao exercício de 2011, nº 2014 …, liquidação de juros nº 2014 … e demonstração de acerto da contas nº 2014 ….

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 14 de Novembro de 2014, e de imediato notificado à Requerida nos termos legais.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos (05 de Janeiro de 2015) foi designado como árbitro o Dr. José Coutinho Pires, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro da Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. O Tribunal Singular Arbitral foi constituído em 20 de Janeiro de 2015, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º dão RJAT.

 

5. Em 14 de Abril de 2015, realizou-se, nas instalações do CAAD, a reunião a que se reporta o artigo 18º da RJAT onde foram inquiridas as testemunhas arroladas pelos Requerentes (cfr. acta da reunião do Tribunal Arbitral Singular).

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6. Para fundamentar o seu pedido os Requerentes alegaram, em síntese e com relevo:

 

(i). Que adquiriram, para habitação própria e permanente, em Setembro de 1995, pelo valor de 66.640,12 € a fracção autónoma designada pela letra “AB”, correspondente ao 5º andar esquerdo do prédio urbano sito na Avenida …, …-.. em Lisboa, inscrito na matriz urbana sob ao artigo …ª da freguesia de …,

 

(ii). No momento de aquisição o prédio apresentava sinais de alguma degradação,

 

(iii). Em Setembro de 2008, na sequência de um incêndio num quarto, efectuaram obra de remodelação no valor de quinze mil euros,

 

(iv). No período compreendido entre 2009 e 2010, procederam à realização de várias obras no exterior e interior do imóvel, que totalizaram, com inclusão do valor referido em (iii) o montante de 114.485,00 €,

 

(v). Em 7 de Junho de 2011, procederam à venda da fracção pelo valor de 179.000,00 €,

 

(vi) No ano de 2012 e no preenchimento da declaração de rendimentos – modelo 3 do IRS – inscreveram no quadro 4 do anexo G, um valor de obras a acrescer ao valor de aquisição no referido montante de 115.485.00 €,

 

(vii). Não tendo apurado, relativamente ao ano de 2011, qualquer rendimento de mais-valias (categoria G)

 

(viii). Pugnam pela consideração das referidas despesas para efeitos de acréscimo ao valor de aquisição, invocando o disposto na alínea a) do artigo 51º do CIRS,

 

(ix). Manifestando ainda a sua discordância quanto ao entendido veiculado pela AT relativamente à interpretação que esta leva a cabo quanto ao artigo 13º do CIMI, e da relevância da alteração do valor patrimonial em sede de encargos com a valorização dos bens, para efeitos da alínea a) do artigo 51º do CIRS.

 

7. A AT, na sua resposta, sustentando posição contrária à apresentada pelos Requerentes, pugna no sentido de não aceitação das despesas e encargos suportados pelos Requerentes para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 51º do CIRS, considerando ainda que as mesmas não foram objecto da declaração a que se reporta o nº 1 do artigo 13º do CIMI para efeitos de alteração do valor patrimonial tributário da fracção em causa, concluindo ainda estar-se perante obras de manutenção e de remodelação do imóvel que não constituem uma valorização intrínseca do mesmo.

 

8. Vieram ainda as partes, ao abrigo do disposto no artigo 18º do RJAT, apresentar alegações escritas, onde, fundamentalmente, reiteraram as posições já expressas e evidenciadas nos seus articulados.

 

9. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a) 5º e 6º nº 1 do RJAT.

 

10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

11. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer excepções.

 

12. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A1. Factos dados como provados

 

1.Os ora Requerentes, adquiriram em Setembro de 1995, pelo preço de 66.640,12 €, a fracção autónoma, designada pela letra “AB”, correspondente ao 5º andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida …, números …,…-A, ..-B, ..-C e ..-D em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo …º.

 

2. Fracção essa que alienaram em 7 de Julho de 2011, pelo valor de 179.000,00 €.

 

3. No quadro 4 do anexo G da declaração de IRS, modelo 3 referente ao ano de 2011, entregue em 01 de Maio de 2012 (declaração nº …-2011-…-…) os Requerentes fizeram constar um valor de despesas a acrescentar ao valor da aquisição, para efeitos do artigo 51º do CIRS no montante de 115.485,00€, sem apuramento de qualquer mais valias.

 

4. Da referida liquidação de IRS, resultou a liquidação nº 2012 …, com imposto a pagar no montante de 306,04 €.

 

5. Ao abrigo da ordem de serviço OI …, da Direcção de Finanças de Lisboa foi desencadeada uma acção inspectiva contra os Requerentes, da qual resultou um apuramento de mais valias sujeitas a imposto no montante de 41.403,41 €,

 

6. Tendo sido emitida a respectiva liquidação adicional nº 2014 …, referente a IRS de 2011, com imposto a pagar no montante de 17.664.56 € e juros compensatórios no montante de 1.373,45 €,

 

7. No relatório final da Inspecção Tributária pode ler-se:“ De acordo com o referido artigo 51º.acresce ao valor da aquisição do imóvel “os encargos com a valorização dos bens comprovadamente realizados nos últimos cinco anos”.

Da análise às quatro facturas verificamos que dizem respeito a obras de remodelação, alteração, decoração ou reparação que foram iniciadas em 2008 e concluídas em 2011 conforme descrição das cópias das folhas de obras que acompanham as mesmas, não resultando da mesma qualquer valorização do imóvel, motivo pelo qual não cabem no conceito definido no artigo 51º do CIRS.

Tal é o caso da factura nº … de 22-12-2008, respeitante a reparações resultantes de um incêndio, da factura nº … de 02-11-2009, referente à remodelação de dois WC´s e a factura … de 03-01-2011, que respeita a reparações diversas no imóvel.

Apenas a factura … de 12-12-2009 diz respeito a alterações estruturais, designadamente em paredes e vigas, que essas sim, poderiam ser enquadradas no referido artigo 51º, no entanto não resulta evidente que tais despesas e encargos tenham valorizado o imóvel.

Com efeito para aceitação das despesas e encargos, no conceito definido no referido artigo 51º do CIRS, deveria ter resultado das mesmas, alterações ao valor patrimonial tributário, através da entrega pelo sujeito passivo da declaração modelo 1 do IMI, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência dos factos, ou seja sempre que forem concluídas obras de edificação, melhoramento ou outras alterações que possam determinar a variação patrimonial tributário do prédio. Esta declaração é entregue com vista à avaliação inscrição ou actualização do valor do prédio de acordo com os artigos 13º a 37º do CIMI.

Tendo sido ultrapassado o prazo previsto no nº 1 do artigo 13º do CIMI e não tendo sido apresentada a declaração modelo 1 após a conclusão das referidas obras para a avaliação do valor patrimonial tributário do imóvel, não podem as mesmas ser aceites como despesas e encargos previsto no artº 51º do Código do IRS”.

 

B.2. Factos dados como não provados                             

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

B.3. Fundamentação da matéria de facto dado como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. artº 123º nº 2d do CPPT e artigos 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi ao artigo 29º nº 1, alínea a) e e) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º nº 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, o PA anexo, e a prova testemunhal produzida, consideram-se provados, com relevo para a decisão os factos supra elencados, reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

C.DO DIREITO

 

A questão que é objecto do presente processo reconduz-se (i) ao tema da tributação dos rendimentos da categoria G concretamente das mais-valias previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 10º do CIRS, e (ii) da interpretação a conferir à alínea a) do artigo 51º do mesmo compêndio normativo.

 

O CIRS, configura os incrementos patrimoniais[1] como uma categoria residual, tributando somente os ganhos que não estão abrangidos nas restantes categorias.

 

No artigo 9º do CIRS, respeitante aos rendimentos da categoria G, agregam-se várias categorias de incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outra categoria, as mais-valias, as indemnizações que ressarçam danos não patrimoniais, as quantias auferidas em virtude de obrigações de não concorrência e, ainda, acréscimos patrimoniais não justificados estabelecidos nos termos dos artigos 87º, 88º e 89º A) da Lei Geral Tributária.

As mais-valias encontram-se casuisticamente enumeradas no artigo 10º do CIRS, podendo dizer-se que se caracterizam pela sua natureza ocasional e fortuita, e para o que aqui releva, no que concerne à fonte do “ganho obtido”, as imobiliárias, provindas de acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS da “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”

 

Constituindo mais-valias sujeitas a imposto as ocorridas com “ganhos obtidos que não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais resultem da “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.

 

Sendo que o código do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares não nos fornece um conceito de mais-valias, poderemos aqui assumir que constituindo as mesmas incrementos de natureza patrimonial “correspondem, essencialmente a ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, portanto, independentemente de uma actividade produtiva do seu titular. São “ganhos trazidos pelo vento “ (windfal gains)” [2].

Relativamente ao ganho efectivo para efeitos fiscais, dir-se-á que “a mais valia é um ganho que se materializa na diferença entre o valor por que um activo entrou no património individual e o valor por que dele saiu por força de um acto de disposição ou outro facto que, segundo a lei, constitua a realização da mais valia”.[3]

Tais ganhos, e seguindo a solução tradicional no nosso ordenamento jurídico tributário só serão tributados no momento da alienação do bem, de acordo com a previsão do nº 3 do artigo 10º do CIRS, consagrando-se deste modo, como princípio geral da tributação das mais – valias o princípio da realização.

Os ganhos, para além das excepções previstas nas alíneas a) e b) do nº 3 ao artigo 10º consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no seu nº 1; “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no nº 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes”.

Subjacente aos ganhos ocorridos com as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (ou acto equiparado) está a diferença entre o valor de realização ou alienação do bem ou direito em causa, e o valor de aquisição.

 

Face ao disposto no artigo 51º do CIRS, e recentrando-nos na questão central dos presentes autos, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto haverá que acrescentar ao valor de aquisição, (no caso 66.640.12 €) - “os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizadas nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação nas situações previstas na alínea a) do nº1 do artigo 10º”.

 

O valor de aquisição no caso concreto, resulta do disposto no nº 1 do artigo 46º do CIRS: “no caso da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se o valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transacções onerosas de imóveis (IMT)[4] em resultado da compra efectuada pelos Requerentes em 1995.

O valor de aquisição deverá, de acordo com o disposto no artigo 50º do CIRS ser corrigido “pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados mediante portaria do Ministério das Finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação” , em observação às regras da correcção monetária.

Finalmente, e para encerrar o quadro normativo da questão submetida a este Tribunal temos que, de conformidade à estatuição da alínea a) do artigo 51º do CIRS, “para a determinação das mais – valias sujeitas a imposto ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos,[5] e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 10º”, e que o saldo apurado entre as mais valias é apenas considerado em cinquenta por cento do seu valor (cfr. nº 2 do artigo 43º do CIRS).

 

Relativamente à dedução das despesas e encargos para a determinação das mais-valias que a lei consagra, facilmente se descortina a razão da sua existência. “ A solução decorre, como é evidente, de um princípio geral de tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando assim à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido”.[6]

 

 

Reconhece-se que a redacção conferida à alínea a) do artigo 51º do CIRS sendo genérica quanto aos “encargos com a valorização dos bens” e às “despesas necessárias” suscita dúvidas de interpretação, e concede uma razoável margem interpretativa, uma vez que o legislador sequer exemplificou a quais encargos e a quais despesas se reporta, ao contrário do que adoptou noutros normativos de carácter tributário.

 

O Supremo Tribunal de Justiça, convocado a pronunciar-se sobre matéria similar[7] à que nos ocupa, em acórdão proferido em 21 de Março de 2012 (no âmbito do processo nº 0587/11), decidiu no sentido de que: “ A al, a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem”.

 

Relativamente à questão central colocada, e como supra sinteticamente se deu conta, os Requerentes perfilhando da dificuldade interpretativa quanto à primeira parte da alínea a) do artigo 51º do CIRS, pugnam no sentido de que todas as obras levadas a cabo no imóvel subjacente (com a ressalva que colocam quanto às decorrentes das reparações dos danos resultantes do incêndio) constituem “encargos com a valorização” do mesmo, e, como tal o seu valor subsumível para efeitos do citado normativo.

 

Sendo que por seu turno, a AT subscrevendo entendimento diverso, considera que as obras em causa, assumindo natureza de “obras de manutenção e de remodelação” não concorrem para a “valorização intrínseca” do imóvel e como tal inelegíveis para efeitos da alínea a), 1ª parte do artigo 51º do CIRS.

Vindo ainda a acrescentar que para efeitos do disposto no normativo em causa, deveriam ter procedido os Requerentes de conformidade ao estatuído no artigo 13º do CIMI para efeitos de actualização/alteração do valor patrimonial do imóvel, através da entrega para o efeito do modelo 1 do CIMI.

 

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Tendo por base o relatório final da inspecção (RFI), o processo administrativo anexo e a prova documental e testemunhal apresentadas pelos Requerentes, estaremos perante obras efectuadas ao tempo na habitação dos Requerentes no montante de 15.750,00 € (documento nº 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral e folhas 8 do RFI); 28.528,50 € (documento nº 6 junto com o pedido de pronuncia arbitral e folhas 10 do RFI); 39.406,50 €  (documento nº 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral e folhas 12 do RFI); e 31.800,00 € (documento junto pelos Requerentes e folhas 14 do RFI).

 

O montante total das obras realizadas no 5º andar esquerdo da fracção correspondente à habitação C, então propriedade dos Requerentes, foram executadas pela sociedade comercial denominada “C…, Lda.” NIF …, ascendeu ao montante de 115.485,00€, e ocorreram no período compreendido entre Setembro de 2008 e finais de 2010, e aos valores supra indicados correspondem, respectivamente as seguintes facturas por esta sociedade emitidas aos Requerentes: factura nº …, de 22-12-2008, factura nº …, de 02-11-2009, factura nº …,de 14-12-2009 e factura nº … de 03-01-2011.

 

Sem prejuízo da assinalada dificuldade interpretativa relativamente à primeira parte da alínea a) do artigo 51º do CIRS, afigura-se-nos possível através das diferentes intervenções/obras discriminadas nas referidas facturas, distinguir quais as que concorreram para a “valorização dos bens” (no caso aqui em apreço as que concorreram para a valorização do imóvel alienado em 2011) daquelas outras que para tanto não contribuíram.

Estarão neste caso, e desde logo, as despesas constantes da factura nº …, emitida em 22 de Dezembro de 2008, no montante de 15.750,00 € incorridas ao que da mesma se extrai (e por confissão dos Requerentes) com a reparação de danos em virtude de um incêndio, despesas essas que se afiguram claramente não terem determinado qualquer valorização do imóvel dos Requerentes. O que aqui de passa é que, em razão da tal sinistro verificado em 2008, os Requerentes viram-se compelidos a repor a sua fracção em condições de habitabilidade e conforto para na mesma continuarem a residir até à data de alienação em 2011.

Estaremos e como sublinha a AT, face a despesas “destinadas a eliminar o dano causado no imóvel por um incêndio” e “que não contribuem para a valorização do imóvel”.

Circunstância esta, que de resto, parece merecer igual interpretação por parte dos Requerentes, conforme se retira do seu articulado (artigo 45º): “ […] os Requerentes reconhecem que as obras que se viram forçados a realizar em 2008, para reparação dos danos resultantes do incêndio ocorrido na fracção, possam levantar dúvidas quanto à subsunção naquele preceito, pois, ainda que possam ter resultado das mesmas uma valorização inerente à substituição dos materiais danificados por outros de melhor qualidade ou, pelo menos, em estado novo, a verdade é que as mesmas serviram essencialmente para repor a situação do bem que se verificava antes do ocorrência do sinistro”.

Conclui-se pois, que tais obras, no montante de 15.000,00 € a que acresceu o IVA à taxa legal então vigente de 5% não são adicionáveis para efeitos de determinação do valor de aquisição.

 

Já quanto às demais despesas constantes das facturas nºs…, de 02-11-2009, nº …, de 14-12-2009 e nº …, de 03-01-2011, (documentos nºs 6,7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral) é nosso entendimento que as obras efectuadas, bem como os serviços a estas associados que nas mesmas estão identificados serão encargos elegíveis para efeitos da primeira parte da alínea a) do artigo 51º do CIRS, delas se excepcionando contudo, as relativas a serviços de limpeza e reparação de mobiliário, já que não se vislumbra que os custos com estas associados constituam encargos de valorização do imóvel.

Estarão neste caso as verbas constantes na factura nº …, relativas a despesas com remoção de mobiliária no montante de 4.950,00 €, e as incorridas com serviços de limpeza no valor de 1.350,00 €.

O mesmo se verificando quanto ao valor de 2.935.00 €, relativo a serviços de limpeza discriminados na factura nº …, de 03-01-2011.

 

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Sendo o acto tributário de liquidação por natureza um acto divisível, nada obsta que o mesmo seja susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação. (cfr. a título exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-11-2013, processo 0285/13).

Na verdade, a possibilidade de anulação parcial de um acto tributário tem sido afirmada, sem dissensões, pela doutrina e pela jurisprudência, com fundamento na divisibilidade daquele e na natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto.

Valerá por dizer que face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária nada obsta a que este Tribunal proceda à anulação parcial do acto de liquidação adicional que os Requerentes põem causa.

 

Do total das despesas incorridas pelos Requerentes no imóvel que foi sua propriedade até 7 de Julho de 2011 no montante de 115.485,00€ (valor com IVA de 5% e de 6% a partir de 01-07-2010 por força da alteração introduzida pela Lei nº 12- A/2010, de 30 de Junho), serão elegíveis, para efeitos de determinação do preço de aquisição, face à alínea a) do artigo 51º do CIRS e de acordo com o supra exposto as decorrentes da factura nºs …, no montante de (valores com IVA) 28.528,50 €, as decorrentes da factura nº …, com excepção do valores de 4.950,00€, 1.350,00€ e 2.935,00€, e relativamente à factura …, com excepção do valor de 2.935,00 €, com a assinada exclusão do valor inserto na factura nº … no montante de 15.750,00 €.

Daqui resultando e em síntese, que ao valor de aquisição actualizado deverá ser adicionado o montante de 90.008,90 € (em resultado da diferença dos encargos apresentados pelos Requerentes – 115.485,00€ e os valores, com IVA, considerados não elegíveis: 15.750,00 € (totalidade da factura nº … com IVA à taxa de 5% incluída), 5.197,50 € desconsideração da verba constante na factura …, de 4.950,00 € - despesas com remoção de mobiliários diversos e recheio da casa - (a que acresce IVA à taxa de 5%) 1.417,50 € desconsideração de verba constante na factura …,de 1.350,00 € - despesas com limpeza geral da casa. (a que acresce IVA à taxa de 5%) e 3.111,10 €, desconsideração da verba de 2.935,00 €- despesas com limpeza geral da casa - (a que acresce IVA à taxa de 6%), constante da factura nº ….

 

 

 D. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a. Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS nº 2014 …, referente ao ano de 2011, e nessa medida e como exposto, considerar o montante de 90.008,90 € correspondente a encargos de valorização para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 51º do CIRS,

 

b. Em consequência, condenar-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir o imposto e juros correspondentes à correcção adicional na parte declarada ilegal, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios na mesma proporção.

 

E. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 18.731,97 €.

 

F. CUSTAS

 

A cargo da Autoridade Tributária e dos Requerentes, na proporção do decaimento.

 

NOTIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

O árbitro

 

(José Coutinho Pires)

 

 

Vinte e oito de Maio de dois mil e quinze

 

 

 



[1] Para Paulo Pitta e Cunha, “A pseudo  - reforma fiscal do final do século e o regime simplificado do IRS”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, nº 1, Coimbra, Almedina, 2008, pagina 20, a designação correcta para esta categoria seria “outros incrementos” já que a denominação de “incrementos patrimoniais” é uma redundância, já que todos os rendimentos são incrementos do património do sujeito passivo.

[2] Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2006, página 109.

[3] José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora. 2007, páginas 431 e seguintes.

[4] Redacção dada pela Lei nº 55-A/2010 de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 01-01-2011.

[5] Presentemente 12 anos, face à alteração introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro

[6] José Guilherme Xavier de Basto, ob. cit. página 460.

[7] O acórdão citado tinha como objecto central a discussão acerca da exclusão como encargos para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 51ºdo CIRS dos ocorridos com indemnização paga a inquilino de um imóvel.