Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 764/2014-T
Data da decisão: 2015-05-29   
Valor do pedido: € 65.006,50
Tema: IMT – Competência do Tribunal; reconhecimento de isenções e benefícios fiscais; venda de universalidades de bens ou elementos do ativo integrados no plano de insolvência ou no âmbito da massa insolvente
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

A... , SA, contribuinte nº …, com sede na Rua …, nº … – Sala…, do concelho…, notificada em 7-10-2014, pelo ofício nº … do serviço de finanças de Braga- 1 da liquidação do IMT no montante de €65.006,00, vem requerer pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade de tal liquidação.

 

Alegou, em síntese e no essencial:

 

a) Correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal da comarca de Guimarães o Procº nº …/…. em que foi declarada a insolvência da B..., Ldª, contribuinte nº …, que teve sede no lugar de …, da freguesia de …, do concelho de Guimarães – Doc. 1.

b) Faziam parte da massa insolvente diversos prédios urbanos, os quais foram alienados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

c) Todos os prédios foram adquiridos pela insolvente, pelo valor de €.1000.100,00, conforme escritura de 14 de Junho de 2011 de que se junta cópia – Doc. 2

d) Antes dessa transmissão foi reconhecida à Recorrente a isenção do imposto do selo da verba 1.1 da Tabela, com base no disposto no artº 269º do CIRE (doc. 3).

e) Na mesma data, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não reconhecia à requerente a isenção de IMT com base no disposto no nº 2 do artº 270º do CIRE, foi invocado o disposto no artº 7º do CIMT, com base no qual lhe foi concedida a isenção (Doc. 4).

f) Acresce que, não obstante a requerente ter destinado tal prédio a revenda, não foi possível proceder à mesma no prazo a que se refere o nº 5 do artº 7º do CIMT.

g) A requerente, em 28 de Julho de 2014 e fora do prazo a que se refere o nº 1 do artº 34º do CIMT, pediu a liquidação do IMT pelo facto de não ter sido revendido aquele prédio.

h) Posteriormente e antes de efectuada a liquidação impugnada, solicitou a requerente que fosse considerado sem efeito tal pedido de pagamento e a convolação da isenção inicialmente concedida para o disposto no nº 2 do artº 270 do CIRE, com base na jurisprudência constante dos Acórdãos do STA de 30 de Maio de 2012 e 3 de Julho de 2013, nos processos nºs 949/11 e 765/13, de que foram relatores os Conselheiros Isabel Marques da Silva e Fernanda Maçãs.

i) A AT não se pronunciou sobre tal pedido, tendo liquidado o imposto que ora é impugnado,

j) Segundo informação que foi prestada, a ATA invoca, para a não concessão da isenção,  instruções transmitidas pela Informação nº …/2007, da DSIMT, nos termos da qual só haveria isenção de IMT caso tivesse sido vendida a empresa na sua globalidade ou um estabelecimento da mesma que passasse a constituir uma empresa independente.

 

 

Notificada, a AT apresentou resposta em suscitou a exceção da incompetência material dos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD e, sem prescindir, impugnou os fundamentos do pedido de pronúncia arbitral.

 

Alegou, no essencial:

A – Exceção da incompetência material

a) A alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina que competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

b) E refere o artigo 4.º do RJAT que ”A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. “

c) Ou seja, não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação de matéria relativa ao reconhecimento de isenções e benefícios fiscais.

d) Decorre do pedido e da causa de pedir deduzidos que a pretensão da Requerente consiste no reconhecimento de isenção prevista no artigo 7.º no Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT). 

e) Assim resulta das disposições legais atrás invocadas, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º do RJAT, que o tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir o pedido da Requerente ou conhecer da matéria a ele respeitante.

f) Na verdade, os actos tributários relativos ao reconhecimento das isenções tributárias, constituem actos destacáveis do procedimento tributário, susceptível de reacção por parte dos sujeitos passivos através de meio próprio, não podendo a liquidação de imposto dela decorrente ser posta em causa através de impugnação judicial ou, no caso que ora interessa, através de pedido de pronúncia arbitral, conforme, por exemplo, é referido na jurisprudência plasmada no acórdão do STA n.º 0188/09, de 09/09/2009.

g) No  processo arbitral n.º 17/2012-T, de 14 de Maio de 2012, ponderou-se:

“Na verdade, a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade da eficácia subjectiva de um julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia a incompetência material deste tribunal.

É, pois, para nós inequívoco, que a falta de jurisdição do tribunal para dirimir o litígio configura efectivamente a excepção dilatória de incompetência e não qualquer outra, fazendo-se, atenta a natureza arbitral do tribunal, uma leitura integrada do nº1 do artigo 2º do RJAT, com o nº 1 do seu artigo 4º e, ainda, com o mencionado artigo 2º da Portaria de Vinculação acima transcritos.”.(Sublinhado nosso).

h) Também a decisão proferida no Processo Arbitral n.º 310/2014-T, de 26 de Novembro de 2014, concluiu pela procedência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria

            Aí se escreveu:

“Ora, conforme tem sido jurisprudência constante deste Tribunal, a Requerida não se encontra vinculada à Jurisdição do CAAD quanto às matérias peticionadas pela Requerente (…).”

i) Considerando assim que a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral relativamente a actos de reconhecimento de isenções em matéria tributária, será, assim de concluir pela incompetência do presente tribunal arbitral para decidir o presente litígio, em  consequência, deve o tribunal abster-se de conhecer ou de pronunciar-se sobre quaisquer questões relativas ao reconhecimento de isenção de IMT em causa nos presentes autos.

 

B) Defesa por impugnação

 

j) A 08.09.2014 o Serviço de Fianças de Braga notificou a Requerente para o seguinte conforme excerto copiado e que conta do processo administrativo que aqui se junta e se dá por inteiramente reproduzido para todos os devidos e efeitos legais:

 

k) Junto à notificação foi remetida a seguinte Demonstração da Liquidação:

l) A notificação foi enviada para a Rua …. n.º … – … Sala …, …-… … e veio devolvida com a indicação de “mudou-se”.

m) A 19.09.2014 procedeu-se à segunda notificação da Requerente por carta registada com aviso de recepção cujo aviso foi assinado a 09.10.2014 conforme consta do p.a..

m) Alega a Requerente, cf. no artigo 8 do p.a, que solicitou que fosse considerado sem efeito o pedido de liquidação de IMT e a convolação da isenção inicialmente concedida para o disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, pedido esse ao qual a AT não se teria pronunciado .

n) Acontece porém que tal pedido não consta do processo administrativo nem a requerente junta cópia ou comprovativo da entrega do mesmo ou da resposta que a AT se terá ou não pronunciado pelo que se deve dar esta o referido nos artigos 8 a 10.º como matéria não assente porque não provada. 

o) A Requerente beneficiou da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT;

p) Nenhum vício ou ilegalidade pode ser assacado ao reconhecimento da isenção uma vez que o mesmo resultou directamente da aplicação da lei.

 

Este Tribunal foi constituído em 20-1-2015, com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do CAAD nos termos do artigo 11º, do RJAT [Dec-Lei nº 10/2011, de 20-1 – versão introduzida pela Lei nº 66-B/2012, de 31-12].

 

Saneamento

A competência material deste Tribunal

 

Suscita a requerida (AT) a exceção de incompetência material do Tribunal, alegando, em síntese, que “não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação de matéria relativa ao reconhecimento de isenções e benefícios fiscais” (art. 5.º da contestação).

Respondendo à exceção [e só nessa parte se conhece da resposta apresentada],alega a requerente que o acto tributário que se pretende anulado tem enquadramento na alínea a) do artº 2º do RJAT e na alínea a) do nº 1 do artº 97º do CPPT, não sendo um dos actos previstos no citado nº 1 do artº 97º para o qual a ATA não se vinculou.

 

Decidindo a exceção

 

Objeto dos autos não é uma questão de reconhecimento de uma isenção, mas sim a convolação de uma isenção automática.

 

A pretensão da Requerente não é, na verdade, o reconhecimento de uma isenção de IMT, contrariamente ao que afirma a AT na sua contestação (arts. 6.º e ss.).

 

Conforme a requerida parece admitir, as isenções a que se refere o art. 7.º do CIMT são de reconhecimento automático (arts. 28.º, 32.º e 33.º da Contestação).

 

Daí que o que seja questionado e objeto do pedido é o ato de liquidação decorrente de legada desconsideração, por parte da AT, de uma isenção automática à qual a Requerente considera ter direito.

 

Destarte e sem outras, desnecessárias, considerações, improcede a exceção e julga-se este Tribunal materialmente competente para dirimir o litígio e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a), 5º e 6º nº 1 do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

Factos provados

 

Considera o Tribunal como provados os seguintes factos:

 

a) Correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal da comarca de Guimarães o Procº nº …/… em que foi declarada, por sentença de 9-3-2004, transitada em julgado em 3-5-2004, a insolvência da B..., Lda., contribuinte nº …, que teve sede no lugar de …, da freguesia de …, do concelho de Guimarães (cfr. certidão judicial no processo administrativo);

b) Por escritura pública outorgada a 14-07-2011 entre C…, na qualidade de liquidatário judicial da massa insolvente de B..., Lda. e D…, na qualidade de administrador único e em representação da requerente, A..., Lda., esta adquiriu à primeira, por compra e para revenda, os prédios urbanos inscritos nas respetivas matrizes prediais sob os artigos …, …, …, …, … e …, … e … pelo preço total de 1.000.100,00 (Cfr documento junto aos autos e não impugnado);

c) Antes desta transmissão, foi reconhecida à Requerente isenção do imposto do selo da verba 1.1 da Tabela, com base no disposto no art. 269º do CIRE – “transmissões integradas em planos de insolvência ou de pagamentos ou no âmbito da liquidação da Massa Insolvente (Cfr documento de liquidação junto aos autos);

d) A Requerente beneficiou da isenção de IMT concedida ao abrigo do disposto no art. 7.º do CIMT.

e) Em 28-07-2014 a Requerente, em virtude de não ter revendido os referidos imóveis dentro do prazo de 3 anos, solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Braga 1 a liquidação de IMT que se mostrasse devida pelos prédios inscritos na matriz predial sob os artigos …, …,…,…, …, …, … e ….

f) Em 31-07-2014 a Requerente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Braga 1 que fosse considerado sem efeito tal pedido de liquidação e a convolação da isenção inicialmente concedida na isenção a que se refere o n.º 2 do art. 270.º do CIRE, tendo aí invocado a jurisprudência constante dos Acórdãos do STA de 30 de Maio de 2012 e 3 de Julho de 2013, nos processos nºs 949/11 e 765/13.

g) Em 08-09-2014 o Serviço de Fianças de Braga notificou a Requerente para proceder ao pagamento de IMT, no montante de € 65.006,50, por se ter verificado a caducidade da isenção prevista no art. 7.º do CIMT (cfr documento de liquidação nos autos).

h) E junto a essa notificação foi remetida a demonstração da liquidação.

i) A requerente efetuou o pagamento do valor de IMT liquidado e juros compensatórios (tudo perfazendo €65.106,24) em 3-11-2014 – Cfr. documento nos autos.

 

 

Factos não provados

Com relevo para a decisão não existem factos essenciais não provados

 

 Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem, em primeiro lugar, que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º nº 2 do CPPT e artigos 607º do CPC,  aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) e e) do RJAT)].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Depois, tomou o Tribunal em consideração para formar a sua convicção, a análise crítica das posições assumidas pelas partes, a prova documental mencionada e junta aos autos bem como o PA (processo administrativo) junto pela AT.

 

No que concerne muito especialmente à prova do requerimento da convolação da isenção, o que os autos e documentos espelham é que, em 28-04-2015 a Requerente solicitou ao Tribunal a junção da cópia do requerimento, datado de 31-07-2014, de convolação da “isenção inicialmente concedida na isenção a que se refere o n.º 2 do art. 270.º do CIRE”, tendo tal junção sido admitida e o documento não impugnado.

 

Aí se requer ao Chefe do Serviço de Finanças de Braga-1 que “se digne considerar sem efeito o requerimento de 28 do corrente a solicitar a liquidação pela não revenda dos imóveis”, sustentando-se que a interpretação do n.º 2 do art. 270.º do CIRE feita pela AT “não está de acordo” com a interpretação adotada pelo STA nos acórdãos de 30-05-2012, proc. 949/11, e de 03-07-2013, proc. 765/13.

 

Daí que se conclua que antes de efetuada a liquidação impugnada a requerente solicitou que  fosse  “(…)considerado sem efeito tal pedido de pagamento  e a convolação da isenção inicialmente concedida para o disposto no nº 2 do artº 270 do CIRE, com base na jurisprudência constante dos Acórdãos do STA de 30 de Maio de 2012 e 3 de Julho de 2013, nos processos nºs 949/11 e 765/13, de que foram relatores os Conselheiros Isabel Marques da Silva e Fernanda Maçãs (…)”.

 

 

II FUNDAMENTAÇÃO (Cont)

 

O Direito

 

Está em causa apurar se a liquidação enferma de ilegalidade por violação do disposto no artigo 270º, do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresa aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004 e sucessivas alterações.

 

Aí se dispõe:

“Artigo 270º

Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis

1 – (...)

2 – Estão igualmente isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (...)”.

 

Esta norma sucede ao artigo 121º-2/c), do CPEREF e, tal como acontecia à luz desse regime, também no vigente, a citada isenção é concedida atendendo aos atos em si mesmos, com benefício tanto para a empresa devedora como para os credores ou adquirentes dos bens alienados, sendo irrelevante a qualidade da pessoa ou entidade sujeita ao pagamento do imposto (Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos Processos de Recuperação de Empresa e de Falência Anotado, 3ª Edição, pg. 329).

 

Conforme preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE (Dec. Lei 53/04, de 16-3), “mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, bem como à indiciação de infracção penal” (Cfr 49, do preâmbulo do DL nº 53/2004, de 18 de março, que aprova o CIRE).

 

Nos termos do diploma que aprovou o CPEREF (DL nº 123/93, de 23 de abril), “além de um tratamento bastante favorecido dos dois processos abrangidos pelo diploma no domínio das custas judiciais, adopta-se ainda neste decreto-lei um conjunto de incentivos de natureza fiscal, através dos quais se procura especialmente evitar penalizações indevidas ou graves inconvenientes para as operações jurídicas, económicas ou financeiras em que pode desdobrar-se o processo de recuperação”.

“Afastaram-se com essa intenção alguns encargos de carácter fiscal ou parafiscal relacionados com os negócios jurídicos susceptíveis de constituírem o meio de recuperação aprovado pelos credores, tendo nomeadamente em vista o imposto do selo, a contribuição autárquica, o imposto municipal de sisa e os próprios emolumentos devidos pelos actos”.

 

Entraria em choque com o pretendido pelo legislador – manutenção no essencial dos regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais (citado ponto 49, do preâmbulo do DL nº 53/2004) – o entendimento de que estariam excluídas de isenção IMT as vendas de elementos do ativo da empresa, ainda que integradas no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticadas no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Foi neste sentido que se pronunciou o STA, no Acórdão nº 0765/13, de 3 de julho: “O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

E já anteriormente se pronunciara o STA no mesmo sentido (Cfr Acórdão nº 0949/11, de 30-5-2012:

“I - O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, deve ser interpretado em conformidade com a alínea c) do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade.

II - Como tal, deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”).

 

Subsumindo:

Em 31-07-2014 a Requerente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Braga 1 que fosse considerado sem efeito o pedido de liquidação de IMT que se mostrasse devido pelos prédios inscritos na matriz predial sob os artigos …, …,…,…, .., …, … e … adquiridos à Massa Insolvente em virtude de não os ter revendido no prazo de 3 anos e a convolação da isenção inicialmente concedida na isenção a que se refere o n.º 2 do art. 270.º do CIRE, tendo aí invocado a jurisprudência constante dos Acórdãos do STA de 30 de Maio de 2012 e 3 de Julho de 2013, nos processos nºs 949/11 e 765/13.

 

Apesar de tal pedido, a AT procedeu à liquidação solicitada anteriormente e objeto de pedido de anulação/convolação subsequente [Em 08-09-2014 o Serviço de Finanças de Braga notificou a Requerente para proceder ao pagamento de IMT, no montante de € 65.006,50, por se ter verificado a caducidade da isenção prevista no art. 7.º do CIMT - Cfr.g) e h), dos factos provados]

 

Ou seja: a requerente pediu inicialmente a liquidação de IMT decorrente da não realização da venda de prédios adquiridos para revenda no prazo de 3 anos (Cfr artigo 7º, CIMT).

 

Todavia, antes da liquidação, pediu a anulação desse seu requerimento e a convolação do pedido para a concessão de isenção à luz do disposto no artigo 270º-2, do CIRE.

 

E, na verdade, reunindo as condições, substantivas e processuais, para a concessão dessa isenção (aquisição de imóveis no âmbito de processo de insolvência e liquidação do ativo e tendo requerido a respetiva isenção de IMT à luz do citado artigo 270º-2, do CIRE), a liquidação de IMT objeto destes autos enferma de ilegalidade porque violadora do disposto neste último normativo.

 

É certo que na aquisição inicial dos imóveis à massa insolvente, havia ficado isenta da liquidação e pagamento de IMT na medida em que os imóveis se destinavam a revenda (Cfr artigo 7º, do CIMT).

 

Não revendidos os imóveis no prazo de 3 anos, caducou, ipso facto, a isenção e, num primeiro requerimento, foi pedida a liquidação de IMT.

 

A requerente veio, no entanto, antes de consumada a liquidação, solicitar a convolação dessa liquidação para um pedido de isenção com fundamento no disposto no artigo 270º-2, do CIRE.

 

A questão essencial não estará em saber se ocorreu a caducidade da isenção porquanto esta efetivamente ocorreu, automaticamente, pela não revenda dos imóveis no prazo de 3 anos.

 

Mas – questiona-se - será que a caducidade automática da isenção implicaria de forma inevitável a liquidação de IMT ou, pelo contrário, poderia a requerente invocar e requerer – como fez – a isenção de IMT com base no disposto no artigo 270º-2, do CIRE?

 

Afigura-se negativa a resposta.

 

Na verdade, se à data da compra dos imóveis à Massa Insolvente, estavam preenchidos os requisitos de isenção previstos no artigo 270º-2, do CIRE, nada fundamenta a denegação da isenção e, consequentemente, a liquidação sob impugnação.

 

Por outro lado, afigura-se indiscutível que a venda dos imóveis pelo liquidatário judicial da Massa Insolvente ocorreu no âmbito do processo de insolvência e de liquidação do ativo posterior à sentença que declarou aquela insolvência

 

O que é suficiente para justificar a isenção prevista no citado artigo 270º-2, do CIRE.

 

Daí que proceda o pedido de anulação da liquidação por ilegalidade.

 

Juros indemnizatórios

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 65.106,24 (incluindo juros compensatórios), acrescido de juros indemnizatórios.

 

 A Requerente pagou as quantias liquidadas, como se refere na alínea i) da matéria de facto fixada.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial (ou pedido de pronúncia arbitral) ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

 

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente (€65.106,24).

 

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir aos Requerentes e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (3-11-2014), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 65.106,24.

 

Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando o seu pagamento a cargo da requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

III – DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar totalmente procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IMT de 3-11-2014 e juros compensatórios;

– anular a referida liquidação;

– julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga correspondente à mencionada liquidação (€ 65.106,24) e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituí-la;

– julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia a restituir (€65.106,24), desde a data do pagamento (3-11-2014), até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.

 

Lisboa, 29-05-2015

O Tribunal

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Maria do Rosário Anjos

(vogal)

 

Paulo Jorge Nogueira da Costa

(Vogal)