Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 675/2014-T
Data da decisão: 2015-04-27   
Valor do pedido: € 25.860,13
Tema: IMT - Fundo de investimento imobiliário (FII) fechado de subscrição particular; Juros compensatórios; Tempestividade do pedido
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 675/2014-T

 

 

 

I.            Relatório

 

A…, NIF …, gerido e representado por B… - …, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, …, em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e pessoa coletiva …, com o capital social de €600.000,00 (seiscentos mil euros), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 12 de setembro de 2014, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), referentes ao ano de 2007, na parte respeitante aos juros compensatórios, no valor total de €25.860,13 (vinte e cinco mil, oitocentos e sessenta euros e treze cêntimos).

 

O Requerente optou por não designar árbitro.

 

O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 12 de setembro de 2014 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

 

A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT.

A Signatária comunicou ao Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo, no prazo legal, nos termos do disposto no artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

 

As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 29 de outubro de 2014, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

 

O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 10 de dezembro de 2014, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.

 

A AT foi notificada, por despacho arbitral de 10 de dezembro de 2014, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias.

 

A AT apresentou a sua resposta em 23 de janeiro de 2015, tendo na mesma requerido a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

Por despacho de 10 de março de 2015, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para se pronunciarem sobre eventual exceção, por um lado, e sobre o pedido de dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por outro. Mais indicou que, não havendo oposição àquela dispensa, conheceria da eventual exceção na decisão final.

 

O Requerente apresentou resposta em 19 de março de 2015, nos termos da qual se pronunciou sobre a matéria de eventual exceção e indicou não se opor à dispensa daquela reunião do artigo 18.º do RJAT.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º n.º1 alínea a) do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

É admissível a cumulação de pedidos, por se encontrarem verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 3º, n.º 1 do RJAT.

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

II.          Pedido do Requerente

 

O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de IMT do ano de 2007, na parte respeitante aos juros compensatórios. Tais atos foram notificados através dos Ofícios n.º …, de 9 de maio de 2014, do Serviço de Finanças de Lisboa …, que determinou o montante de juros compensatórios de €1.488,62 (mil quatrocentos e oitenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos) e n.º …, de 14 de maio de 2014, que determinou o montante de juros compensatórios de €24.371,51 (vinte e quatro mil, trezentos e setenta e um euros e cinquenta e um cêntimos).

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.           O Requerente é um fundo de investimento imobiliário (FII) fechado de subscrição particular, autorizado por deliberação do Conselho Diretivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, de 17 de outubro de 2006, tendo sido constituído e iniciado a sua atividade em 16 de abril de 2007.

 

2.           Desde a sua constituição, e até 22 de fevereiro de 2011, o Requerente tinha dois participantes, sendo um qualificado e outro não qualificado (nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 30.º, 317.º e 317.º A do Código dos Valores Mobiliários).

 

3.           Em 2007, o Requerente adquiriu vários prédios urbanos, não tendo sido, naquelas aquisições, liquidado IMT.

 

4.           O Requerente beneficiou da isenção total de IMT ao abrigo do então artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a qual foi, nos termos das disposições legais então vigentes, reconhecida pelo respetivo notário.

 

5.           O Requerente foi alvo de inspeção tributária interna, de âmbito parcial, ao exercício de 2007, nos termos da Ordem de Serviço n.º OI2013 ….

 

6.           Tal inspeção teve por motivo (indicado no respetivo relatório final), "as alterações, ao abrigo da Lei n.º 53 A/2006 de 20/12 (OE para 2007), introduzidas no artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que alterou o regime de isenção para 50%, relativamente às taxas de Imposto Municipal sobre Imóveis e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de que beneficiam os imóveis integrados em Fundos de Investimento Imobiliário (FII) Mistos ou fechados de Subscrição Particular".

 

7.           Em resultado de tal procedimento de inspeção, a AT considerou que o Requerente não reunia condições para beneficiar da isenção total de IMT nas aquisições de imóveis realizadas em 2007, pelo facto de a última alteração legislativa ter passado a determinar que os FII fechados de subscrição particular constituídos após 1 de novembro de 2006 e compostos por investidores qualificados e não qualificados não poderiam beneficiar de uma isenção total de IMT, mas apenas de uma isenção parcial.

 

8.           Consequentemente, o Requerente foi notificado de liquidações de IMT e juros compensatórios, no valor total de €204.210,13 (duzentos e quatro mil, duzentos e dez euros e treze cêntimos), tendo procedido ao respetivo e integral pagamento.

 

9.           Sem prejuízo, o Requerente entende que os juros compensatórios, no valor de €25.860,13 (vinte e cinco mil, oitocentos e sessenta euros e treze cêntimos) não são devidos, por não estarem preenchidos os requisitos legais para a sua liquidação.

 

10.        A exigência de juros compensatórios depende do retardamento da liquidação ser imputável ao sujeito passivo, por um lado, e de tal retardamento resultar de facto culposo do mesmo, por outro, como se retira do disposto nos artigos 35.º n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 33.º n.º1 do Código do IMT.

 

11.        Citando doutrina, o Requerente entende ainda que mesmo que haja conduta errónea do sujeito passivo que determine o retardamento da liquidação, tal não é gerador de responsabilidade se o contribuinte tiver atuado de boa-fé e o erro for desculpável, por ser a sua posição razoável.

 

12.        O Requerente entende não ter existido qualquer culpa sua no retardamento da liquidação de IMT.

 

13.        Até à publicação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, os FII fechados beneficiavam de isenção total de IMT.

 

14.        Após a publicação daquela Lei, o artigo 46.º do EBF passou a ter um novo n.º2, estabelecendo que “os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados (…) não beneficiam das isenções referidas no número anterior, senda as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade”.

 

15.        A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro estabeleceu ainda um regime transitório para FII mistos ou fechados de subscrição particular: o novo n.º 2 aplicar-se-ia apenas a FII mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados que (i) fossem constituídos após 1 de novembro de 2006; (ii) realizassem aumentos de capital após 1 de novembro de 2006, ou (iii) fossem constituídos antes de 1 de novembro de 2006, mas cujas unidades de participação fossem, àquela data, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.

 

16.        Assim, de acordo com este regime transitório, bastava a existência de um único investidor qualificado para que continuasse a ser aplicável a isenção integral de IMT.

 

17.        Apesar de este regime transitório não ser aplicável ao Requerente, que se constituiu apenas em 2007, facto é que havia dúvidas quanto à aplicação do n.º2 do artigo 46.º do EBF em vigor à data dos factos, na medida em que não previa expressamente se para beneficiar da isenção em apenas 50% os FII fechados de subscrição particular deveriam ser exclusivamente subscritos por investidores não qualificados.

 

18.        Consequentemente, o Requerente não podia razoavelmente saber que lhe era aplicável o n.º 2 do artigo 46.º do EBF (logo, a isenção de IMT seria de 50%) e não o n.º 1 do mesmo artigo (que estipulava isenção total).

 

19.        O Requerente beneficiou da isenção total, mas não teve qualquer intenção de aproveitamento de um benefício fiscal de que não era titular. Apenas considerava, razoavelmente, que era do mesmo beneficiário.

 

20.        Não existiu qualquer culpa do Requerente, não tendo existido omissão reprovável de dever de diligência.

 

21.        A interpretação da lei aplicável era, de facto, dúbia, o que a própria doutrina veio reconhecendo.

 

22.        Mesmo a AT solicitou parecer sobre a matéria ao Centro de Estudos Fiscais.

 

23.        Pelo que fica demonstrado que a interpretação relativamente ao âmbito da norma em questão estava longe de ser pacífica, clara e unânime, subsistindo dúvida e incerteza.

 

24.        Sendo que a posição da AT apenas veio a ficar definida, também, em 2010 – assim inexistindo o pressuposto da culpa do Requerente no retardamento das liquidações de IMT, não podendo ser, consequentemente, devidos juros compensatórios.

 

25.        Citando doutrina e jurisprudência do CAAD, o Requerente conclui ter demonstrado de forma cabal a ausência de culpa, não se encontrando preenchidos os requisitos legais para poderem ser liquidados juros compensatórios.

 

 

III.    Da Resposta da Requerida

 

A Requerida apresentou a sua Resposta, alegando, sucintamente, o seguinte:

 

1.           A jurisprudência entende que a fundada dúvida suscitada pelo contribuinte sobre os pressupostos de facto da liquidação de juros compensatórios resolve-se a favor deste valendo, como no direito penal, o princípio “in dubio pro reo”, não obstante a inexistência da natureza sancionatória dos juros.

 

2.           Esse princípio não é, no entanto, aplicável ao mero erro de direito do contribuinte na interpretação e aplicação das normas legais que definem as suas obrigações acessórias, abrangendo apenas casos em que a AT atua no âmbito de poderes de liberdade e oportunidade.

 

3.           Nos termos do artigo 6.º do Código Civil, a ignorância da lei a ninguém aproveita.

 

4.           As normas legais são aplicáveis aos destinatários, independentemente do conhecimento ou desconhecimento por estes do seu conteúdo.

 

5.           O erro na interpretação e aplicação da lei fiscal não pode constituir, em caso algum, causa excludente do direito a juros compensatórios.

 

6.           Tal violaria a necessária unidade da ordem jurídica.

 

7.           Assim sendo, a negligência do contribuinte deixaria de se poder presumir através do incumprimento de dever declarativo, passando a depender de procedimento próprio em que o contribuinte teria de ser sempre previamente ouvido.

 

8.           E aí, o contribuinte poderia alegar contra a liquidação de juros compensatórios quaisquer publicações de consultores fiscais alegando, ainda que não fundamentadamente, ser duvidosa a interpretação e aplicação da lei em que se baseou a liquidação.

 

9.           O contribuinte tem sempre à sua disposição uma ampla panóplia de meios para ser esclarecido sobre a sua concreta situação tributária, designadamente o pedido de informação vinculativa, que pode mesmo obstar à liquidação de juros compensatórios se a AT não responder no prazo legal.

 

10.        Tais normas são apenas aplicáveis aos contribuintes que, tendo agido de acordo com uma interpretação plausível e de acordo com a boa fé da lei, tiverem requerido a prestação de informação vinculativa.

 

11.        Não sendo aplicáveis a terceiros não requerentes de informação vinculativa, que não procuraram esclarecer as suas dúvidas.

 

12.        A letra do então artigo 46.º n.º 2 é explícita no sentido de que o benefício fiscal do n.º 1 se não aplica aos FII detidos por investidores não qualificados.

 

13.        Para que esse benefício deixe de se aplicar, não é necessário que os fundos sejam detidos exclusiva ou maioritariamente por investidores não qualificados.

 

14.        Se assim fosse, seria muito fácil aos fundos ilidirem totalmente o disposto no artigo 46.º n.º 2 do EBF, bastando, para o efeito, transferir uma parte das unidades de participação para investidores qualificados.

 

15.        O Requerente apoiou-se numa interpretação de notório risco da lei, incompatível com a prudência de um “bónus pater familiae”.

 

16.        E nada obsta à exigência de juros compensatórios o facto de a não liquidação de IMT ter sido sancionada pelo notário, que não tem competência para o efeito.

 

17.        O retardamento da liquidação do imposto é imputável ao Requerente.

 

18.        A AT tem que demonstrar o erro do contribuinte, podendo tal prova resultar de presunções naturais, admissíveis em caso de negligência, como as que resultam, no presente caso, do incumprimento dos deveres declarativos do sujeito passivo no prazo legal.

 

19.        As liquidações em apreço não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidas na ordem jurídica.

 

IV.    Questões a decidir

 

Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente e a Resposta da Requerida, a única questão a decidir pelo Tribunal Arbitral é a de saber se são devidos juros compensatórios pelo retardamento na liquidação de IMT pela transmissão dos imóveis identificados a favor do Requerente.

 

V.      Matéria de Facto

 

Com relevância para a apreciação do pedido, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base nos documentos juntos ao processo, não contestados pela Requerida:

 

a.           O Requerente é um fundo de investimento imobiliário (FII) fechado de subscrição particular, autorizado por deliberação do Conselho Diretivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, de 17 de outubro de 2006, tendo sido constituído e iniciado a sua atividade em 16 de abril de 2007.

 

b.           Desde a sua constituição, e até 22 de fevereiro de 2011, o Requerente tinha dois participantes, sendo um qualificado e outro não qualificado (nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 30.º, 317.º e 317.º A do Código dos Valores Mobiliários).

 

c.           O Requerente adquiriu, em 16.4.2007, o prédio urbano sito na Rua …, …, …, concelho de Cascais, inscrito na matriz predial sob o artigo ….

 

d.           O Requerente adquiriu, em 28.12.2007, a fração autónoma G do prédio urbano sito na Rua …, lote … e Avenida …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo … (atual …).

 

e.           O Requerente não liquidou IMT sobre aquelas aquisições, tendo beneficiado da isenção total deste imposto ao abrigo do então artigo 46.º n.º1 do EBF.

 

f.            Os notários que outorgaram as respetivas escrituras públicas consideraram que o Requerente se encontrava isento ao abrigo daquela norma.

 

g.           O Requerente foi alvo de inspeção tributária interna, de âmbito parcial, ao exercício de 2007, nos termos da Ordem de Serviço n.º OI2013 ….

 

h.           Tal inspeção teve como motivação"as alterações, ao abrigo da Lei n.º 53 A/2006 de 20/12 (OE para 2007), introduzidas no artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que alterou o regime de isenção para 50%, relativamente às taxas de Imposto Municipal sobre Imóveis e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de que beneficiam os imóveis integrados em Fundos de Investimento Imobiliário (FII) Mistos ou fechados de Subscrição Particular".

 

i.            Em resultado de tal procedimento de inspeção, a AT considerou que o Requerente não reunia condições para beneficiar da isenção total de IMT nas aquisições de imóveis realizadas em 2007, pelo facto de a última alteração legislativa ter passado a determinar que os FII fechados de subscrição particular constituídos após 1 de novembro de 2006 e compostos por investidores qualificados e não qualificados não poderiam beneficiar de uma isenção total de IMT, mas apenas de uma isenção parcial.

 

j.            O Requerente foi notificado do Ofício n.º …, de 9.5.2014, emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa … para pagar, em 30 dias a contar da assinatura do aviso de receção, IMT no valor de €5.850,00 (cinco mil oitocentos e cinquenta euros) e juros compensatórios no valor de €1.488,62 (mil quatrocentos e oitenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos);

 

k.           O Requerente recebeu tal Ofício em 14 de maio de 2014.

 

l.            O Requerente foi notificado do Ofício n.º …, de 14.5.2014, emitido pelo Serviço de Finanças de Cascais …, para pagar, em 30 dias a contar da assinatura do aviso de receção, IMT no valor de €90.000,00 (noventa mil euros) e juros compensatórios no valor de €24.371,51 (vinte e quatro mil trezentos e setenta e um euros e cinquenta e um cêntimos);

 

m.         O Requerente recebeu tal Ofício em 16 de maio de 2014.

 

n.           O Requerente procedeu ao pagamento do IMT e juros compensatórios, nos termos constantes dos Ofícios referidos em j. el. supra.

 

o.           Em 2010, foi publicada pela AT ficha doutrinária respeitante ao processo 2010… – IVE 547 – com Despacho concordante datado de 2.6.2010 do Substituto Legal do Director-Geral, referente à interpretação do atual artigo 49.º do EBF (então artigo 46.º) no que se refere à isenção aplicável a fundos de investimento imobiliário fechado de subscrição particular por investidores não qualificados.

 

p.           Em 2010, foi publicada pela AT ficha doutrinária respeitante ao processo 2010… – IVE 548 – com Despacho concordante datado de 2.6.2010 do Subdirector-Geral substituto legal do Director-Geral dos Impostos, referente à interpretação do atual artigo 49.º do EBF (então artigo 46.º) no que se refere à isenção aplicável a fundos de investimento imobiliário fechado de subscrição particular por investidores não qualificados.

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

Não existem, com relevância para o processo, outros factos que não se considerem provados.

 

VI.    Matéria de Direito

 

A.          Questão Prévia: da Tempestividade do pedido do Requerente

 

O Requerente indica, em 5.º a 11.º do seu pedido de pronúncia arbitral, que de acordo com o artigo 10.º n.º1 alínea a) do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias contados a partir dos factos previstos no n.º1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) (para o caso em apreço, da alínea a) do n.º1 do artigo 102.º do CPPT). Após indicação das datas relevantes para o efeito, o Requerente indica, em 10.º do seu pedido de pronúncia arbitral, que o mesmo deveria ter sido apresentado até ao dia 11.09.2014.

 

Considerando que, de acordo com a consulta dos autos no SGP, o pedido deu entrada no CAAD em 12.9.2014, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, em 10 de março de 2015, notificando as Partes para se pronunciarem sobre a questão, por poder consubstanciar exceção a conhecer e decidir.

 

Em resposta, o Requerente apresentou requerimento em 19 de março de 2015, pronunciando-se sobre o exposto.

 

Nestes termos, o Tribunal Arbitral conhece agora e decide sobre a matéria de eventual exceção, conforme identificado.

 

Conforme indicado em V. j. e k., o Ofício n.º …, de 9.5.2014, emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa …, foi recebido pelo Requerente em 14 de maio de 2014. O termo do prazo para pagamento voluntário (30 dias) terminaria em 13 de junho de 2014. 13 de junho é feriado municipal de Lisboa, localidade da sede do Requerente e do Serviço de Finanças emitente daquele ofício.

 

Quando o termo do prazo coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, nos termos da alínea f) do atual artigo 87.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável subsidiariamente no procedimento tributário, por força do disposto no artigo 2.º alínea d) do CPPT. O termo do prazo de pagamento voluntário transferiu-se, então, para 16 de junho de 2014.

 

Assim, nos casos em que o termo do prazo de pagamento voluntário se transfere para o primeiro dia útil seguinte, o prazo previsto na alínea a) do n.º1 do artigo 102.º do CPPT contar-se-á do dia útil para o qual se transfere o termo do prazo de pagamento voluntário.

 

Consequentemente, o prazo de 90 dias, constante daquela disposição do CPPT, terminaria a 14 de setembro de 2014 (domingo), transferindo-se assim o seu termo para 15 de setembro de 2014.

 

O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 12 de setembro de 2014, pelo que, conclui-se, é, quanto ao Ofício n.º …, de 9.5.2014, tempestivo.

 

Quanto ao Ofício n.º …, de 14.5.2014, foi recebido pelo Requerente (V. m) supra), em 16 de maio de 2014. O termo do prazo para pagamento voluntário terminaria em 15 de junho de 2014, domingo, pelo que se transferiu para o dia útil seguinte, ou seja, 16 de junho. Assim, nos termos e com os fundamentos supra indicados, o pedido é, também quanto a este Ofício, tempestivo.

 

B.      Apreciação

 

Resulta da matéria dada como provada que o Requerente não liquidou IMT nas aquisições de imóveis identificadas, resultando ainda da mesma que a AT considerou que tal IMT era devido (sendo aplicável isenção de 50% do mesmo). O mesmo é dizer que se considerou existir retardamento na liquidação do imposto, retardamento esse imputável ao Requerente, já que o mesmo era da sua iniciativa.

 

De acordo com o disposto no artigo 35.º n.º1 da Lei Geral Tributária, são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido.

 

No entanto, para que haja lugar ao pagamento de tais juros, não basta o retardamento da liquidação do imposto imputável ao sujeito passivo. Dependerá, sempre e em cada caso, da possibilidade de formular um juízo de censura à atuação do contribuinte, conforme tem vindo a ser claramente e unanimemente defendido pela doutrina e jurisprudência.

 

Vejam-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.03.2009, segundo o qual “a compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não concorre para a integração do dito conceito de culpa – pelo que, por tal via, não se dá azo à cominação de juros compensatórios”, ou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.4.2013, segundo o qual “No entanto, consistindo a culpa na omissão reprovável de um dever de diligência, que tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência de um bonus pater familias, não se pode formular um juízo de censura à actuação do contribuinte que, com base numa interpretação plausível das regras legais aplicáveis e que foi aceite pelo notário que lavrou a escritura de compra e venda de uma unidade de alojamento nos termos referidos em I, considerou que pela aquisição não era devido IMT e havia redução do IS a 1/5, motivo por que não procedeu à respectiva liquidação e pagamento prévios à escritura. Consequentemente, há que considerar como excluída a culpa do contribuinte pelo retardamento das liquidações e, assim, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios.”

 

Importa perceber, então, se existiu culpa do Requerente no retardamento da liquidação do imposto em questão, ou seja, se houve uma omissão reprovável de um dever de diligência, a aferir em abstrato, pelo padrão do bonus pater familiae, colocado na situação concreta.

 

Até à publicação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, o artigo 46.º do EBF (atual artigo 49.º) estabelecia:

 

"Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional".

 

Com a publicação daquela Lei (que aprovou o Orçamento do Estado para 2007), ao artigo 46.º foi aditado um número 2, com a seguinte redação:

 

“Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas a metade.”

 

Aquela Lei n.º 53-A/2006 definiu ainda um regime transitório relativamente a esta questão, através da alínea j), do respetivo artigo 88.º, segundo a qual:

 

"O disposto n.º 2 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais é aplicável, a partir da entrada em vigor da presente lei, aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles constituídos após 1 de Novembro de 2006 ou que realizem aumentos de capital após essa data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles". (sublinhado nosso)

 

O Requerente apenas foi constituído em 2007, logo, depois da entrada em vigor da nova redação do artigo 46.º do EBF (não sendo, consequentemente, aplicável a disposição transitória transcrita). Não obstante, o Requerente entendeu que lhe era aplicável o disposto no n.º1 daquela norma e não o disposto no novo n.º2. E fê-lo, segundo indica, por errada interpretação da norma, cuja redação não era clara.

 

De facto, entende também o Tribunal Arbitral, aquela redação dava, como deu, azo a dúvidas na sua interpretação.

 

Cite-se, aliás, o Dr. Manuel Faustino (“OE 2007 – Alteração ao IRS e Benefícios Fiscais” Revista Fiscalidade n.º 28, outubro-dezembro de 2006): “a redação da norma suscita a dúvida legítima sobre qual o regime aplicável aos imóveis integrados num fundo fechado de subscrição particular em que coexistam investidores qualificados e investidores não qualificados” (sublinhado nosso).

 

Vejamos:

 

i.            Até ao final de 2006, os fundos fechados de subscrição particular estavam isentos de IMT, independentemente dos seus investidores;

 

ii.          Com a Lei do Orçamento do Estado para 2007, o legislador introduziu uma limitação: imóveis de fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados beneficiarão, apenas, de uma isenção de 50% daquele imposto;

 

iii.        A questão que se levantou é pertinente: se existir um investidor qualificado, aplicar-se-á igualmente esta limitação?

 

iv.         Adicionalmente, estabeleceu na norma transitória um elemento que contribuiu também fortemente para a dúvida legítima: o novo n.º 2 seria já aplicável a fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados cujas unidades de participação fossem, à data de 1 de novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados. A expressão “exclusivamente” gerou maior dúvida – qual seria o seu efeito prático se não aquele de distinguir o que necessitava de ser distinguido?

 

v.           Se havia necessidade de distinção e especificação na norma de direito transitório, no sentido de referir que aos fundos subscritos exclusivamente por investidores não qualificados seria aplicável o novo n.º 2, então a conclusão aparentemente lógica seria a de interpretar este mesmo n.º 2 no sentido de que, havendo pelo menos um investidor qualificado, então o n.º 1 do artigo 46.º seria aplicável e, consequentemente, poder-se-ia beneficiar da isenção de 100% de IMT.

 

Ao contrário do que defende a Requerida, a letra do artigo 46.º n.º 2 não era explícita.

 

E tanto não era que a própria AT, confrontada com pedidos de informação vinculativa por parte de contribuintes, se viu obrigada a solicitar parecer ao Centro de Estudos Fiscais. E o próprio Centro de Estudos Fiscais reconheceu: “a redação desta norma suscita a dúvida quanto ao regime aplicável aos imóveis integrados em fundos mistos ou fechados de subscrição particular em que coexistam investidores qualificados e não qualificados”.

 

Para mais, a interpretação da norma feita pelo Centro de Estudos Fiscais e pela AT foi concluída e divulgada apenas em 2010 ou seja, 3 (três) anos após a data dos factos em apreço nos autos.

 

Conclui-se, assim, que era duvidosa a interpretação a dar à lei, que a mesma não era clara e que se prestava a tais dúvidas, como indicado.

 

Conclui-se também, e consequentemente, que era perfeitamente plausível a interpretação que o Requerente fez da lei em vigor.

 

Nestes termos, e na esteira da jurisprudência superior supra citada, não se pode, sem mais, imputar culpa ao Requerente, não havendo, logo, lugar ao pagamento de juros compensatórios.

 

Por fim, importa verificar se ao Requerente era exigível outro comportamento, designadamente ode concretizar o seu direito de solicitar informação sobre a sua situação concreta à AT, como alega a Requerida.

 

Sem mais delongas se conclui: trata-se de um direito do contribuinte. Não é, consequentemente, um dever, uma exigência ou um requisito obrigatório para que se possa considerar que um contribuinte age diligentemente. Não é possível subverter a lógica do ordenamento jurídico, configurando um direito como um dever, o que seria manifestamente inconstitucional, por violação, no mínimo, do princípio da proporcionalidade e da justiça.

 

Adicionalmente, mais se refere que não colhe a argumentação da Requerida quando indica que as respostas da AT não são aplicáveis a terceiros não requerentes de informação vinculativa. Ao abrigo do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º da Lei Geral Tributária, a colaboração da AT com os contribuintes compreende a publicação de orientações genéricas sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias. Ora, as fichas doutrinárias, juntas pelo Requerente como documentos 6 e 7 do seu pedido inicial, resultaram, precisamente, de pedidos de informação vinculativa de terceiros.

 

A AT deve presumir a boa-fé dos contribuintes, nos termos legais, e não simplesmente imputar culpa aos mesmos, sem qualquer aferição concreta da situação em causa, para requerer o pagamento de juros compensatórios.

 

Em conclusão, o Requerente atuou com base numa interpretação possível do então artigo 46.º do EBF o qual, como indicado, levantava dúvidas de interpretação. Logo, não é possível realizar qualquer juízo de censura à sua atuação. Com base numa interpretação plausível das regras legais aplicáveis – que aliás foi aceite pelo notário que lavrou as escrituras de compra e venda – o Requerente não liquidou IMT. Consequentemente, há que considerar como excluída a culpa do Requerente pelo retardamento das liquidações e, assim, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios.

 

 

VII.   Decisão

 

Nestes termos, e com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, anulando-se as liquidações impugnadas na parte respeitante aos juros compensatórios.

 

 

Valor do processo: €25.860,13 (vinte e cinco mil, oitocentos e sessenta euros e treze cêntimos)

 

 

Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 27 de abril de 2015

 

 

O árbitro

 

 

Ana Pedrosa Augusto