Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 643/2014-T
Data da decisão: 2020-01-23   
Valor do pedido: € 843,44
Tema: IUC (Imposto Único de Circulação) - Incidência subjetiva, presunção legal, juros indemnizatórios litigância de má fé – Reforma da decisão arbitral (anexo à decisão)
* Substitui a decisão arbitral de 30 de abril de 2015
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DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Paulino Brilhante Santos, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 30 de Outubro de 2014 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 30 de Outubro de 2014), transmite o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            Em 29 de Agosto de 2014, a sociedade A..., S.A., com o número de pessoa colectiva ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa (doravante abreviadamente identificada por Requerente) requereu a constituição do Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante abreviadamente designado por RJAT), em conjugação com os artigos 1.º alínea a), 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

2.            No pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular, a Requerente pretende que o referido Tribunal declare a ilegalidade e a consequente anulação dos actos de liquidação oficiosa relativos ao Imposto Único de Circulação (IUC) respeitantes a 9 veículos efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada como a Autoridade Requerida).

 

3.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 01 de Setembro de 2014, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, tendo as Partes sido notificadas em 02 de Setembro de 2014.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos e as Partes notificadas dessa designação em 15 de Outubro de 2014. O Tribunal foi constituído nos termos do disposto no artigo 11.º do RJAT, em 30 de Outubro de 2014.

 

5.            Em 03 de Dezembro de 2014, a Autoridade Requerida apresentou a sua Resposta invocando uma execpção dilatória de ilegitimidade parcial.

 

6.            Em 06 de Janeiro de 2015 a Requerente juntou uma resposta à douta resposta da Autoridade Requerida relativamente à excepção dilatória sustentada pela Autoridade Requerida.

 

7.            No dia 03 de Março de 2014, realizou-se com as Partes a Primeira Reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT da qual foi lavrada a correspondente acta que se encontra junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 

8.            No âmbito desta Primeira Reunião (adiante, a “Reunião”) foi decidido pelo Tribunal Arbitral:

8.1          A suspensão da Reunião para que a Requerente juntasse aos presentes autos certidão comercial da sociedade B..., tendo sido concedido um prazo de vista para a Autoridade Requerida, querendo, se poder pronunciar;

8.2          A notificação à Autoridade Requerida da Resposta da Requerente à excepção dilatória, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para a Autoridade Requerida se pronunciar;

8.3          E por último foi designado o dia 24.03.2015 para continuação da Reunião. 

 

9.            Em 05.03.2015, a Autoridade Requerida pronunciou-se sobre a Resposta da Requerente à excepção dilatória deduzida pela Autoridade Requerida no âmbito da sua Resposta.

 

10.          No dia 06.03.2015, a Requerente juntou aos presentes autos certidão comercial da sociedade B... . Sobre a junção, a Autoridade Requerida veio pronunciar-se em 13.03.2015.

 

11.          Na Reunião realizada no dia 24.03.2015:

11.1       Foi inquirida a testemunha arrolada pela Requerente;

11.2       As Partes manifestaram preferência por apresentarem as suas alegações por escrito, pelo que, foi determinado o prazo para as partes apresentarem as suas alegações.

11.3       No encerramento da Reunião foi, ainda, designado o dia 30.04.2015 para prolação da Decisão Arbitral.

 

12.          As Partes apresentaram as suas alegações por escrito nos prazos fixados, mantendo, no essencial, ainda que com ulteriores considerações e desenvolvimentos, as posições assumidas nos respectivos Requerimento Inicial e Resposta,

 

13.          De referir que a Autoridade Requerida suscitou nas suas Alegações Finais o incidente de litigância de má fé da Requerente com o argumento essencial de que esta teria passado de uma posição processual inicial segundo a qual a B... em cuja universalidade de posição jurídica a Requerente sucedeu- não teria qualquer activo ou passivo para vir em julgamento arbitral sustentar que, afinal, a B... sempre teria no seu activo diversos veículos automóveis.

 

14.          Deste modo, importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:

14.1       A Requerente (e, antes dela, a B..., cuja carteira de activos foi assumida pela Requerente) é uma instituição de crédito que, entre outras actividades, oferece aos clientes financiamento no sector automóvel;  

14.2       No exercício da sua actividade, a Requerente celebra contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

14.3       O presente pedido de pronúncia arbitral é deduzido por referência a 11 (onze) actos de liquidação adicional de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014, referentes a 9 (nove) veículos, os quais se encontram identificados no Anexo A integrante do pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por reproduzido;

14.4       A Requerente levantou uma questão prévia referindo que um dos actos de liquidação do IUC (o último identificado no Anexo A) foi dirigido à sociedade “B..., SA”, sociedade actualmente encerrada, tendo sido anteriormente detida exclusivamente pela Requerente;

14.5       Refere a Requerente que o veículo automóvel referido sob o número 11 do Anexo A, com a matrícula, ..., foi objecto de contrato de locação financeira celebrado pela B...;

14.6       Neste contrato, a B... assumia a posição de entidade locadora, a qual, com a sua extinção, foi assumida pela Requerente na qualidade de sociedade dominante da B... e responsável pela sua dissolução e liquidação;

14.7       Refere também a Requerente que, em 2014, ano a que se reporta o IUC em questão, era já a Requerente que figurava como entidade locadora do respectivo veículo;

14.8       Assim sendo, entende a Requerente que detém legitimidade processual para apresentar o pedido de pronúncia arbitral quanto ao acto de liquidação referido;

14.9       Declara a ora Requerente que os veículos automóveis identificados no Anexo A foram dados em locação financeira;

14.10     E que na data do termo desses Contratos, os locatários dos respectivos veículos exerceram a sua opção de compra tendo-se tornado proprietários desses veículos;

14.11     A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam os actos de liquidação identificados no Anexo A;

14.12     Na sequência das notificações, a Requerente procedeu ao respectivo pagamento, apesar de alegar que a Autoridade Requerida, por força das audições prévias, deveria saber que os veículos automóveis em apreço já não eram da sua propriedade no momento em que o imposto devia ter sido pago;

14.13     “Com efeito, nos anos (e, por maioria de razão, nos meses desses anos) a que se reportam as referidas liquidações, os veículos a que as mesmas correspondem já tinham saído da esfera jurídica da Requerente, pertencendo a respectiva propriedade a outrem”;

14.14     “Pelo que, nas datas a que se reportam os factos tributários que originaram as liquidações de IUC aqui em causa, a Requerente já não era proprietária dos veículos a que as mesmas se referem”;

14.15     Alega então a Requerente que, consequentemente, não pode assumir a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado não podendo pois ser responsável pelo seu pagamento;

14.16     “(...) ainda que no ano (ou no mês) a que se reportam os IUC em causa, a transmissão dos referidos veículos não estivesse devidamente registada junto da Conservatória do Registo Automóvel”;

14.17     A título meramente subsidiário, alega a Requerente que mesmo antes de alienar os respectivos veículos não podia ser considerada sujeito passivo dos correspondentes IUC porquanto sobre tais veículos incidiam contratos de locação financeira sendo a responsabilidade pelo pagamento dos IUC dos locatários;

14.18     Fazendo alusão ao Ilustre jurista Agostinho Cardoso Guedes, conclui a Requerente que a ausência de registo de propriedade automóvel não é condição de validade do contrato de compra e venda nem condição de produção do efeito translativo do mesmo;

14.19     Não podendo por isso à Autoridade Requerida servir o argumento da falta de registo de transmissão para vir exigir à Requerente o imposto em falta;

14.20     Subscrevendo na íntegra as considerações do referido Ilustre jurista, alega a Requerente que uma vez vendido o veículo ao locatário, este passa a ser proprietário do mesmo, sendo aplicável o artigo 3.º do Código do Imposto Único Automóvel (CIUC);

14.21     Alega ainda que, através das referidas considerações, nos termos dos artigos 874.º, 879.º e 408.º, n.º 1, do Código Civil (CCivil) o facto jurídico que determina a transmissão de propriedade é unicamente o contrato e não outro facto posterior;

14.22     Continua referindo que, de acordo com o artigo 29º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, são aplicáveis ao registo automóvel, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao registo predial, na medida indispensável ao suprimento de lacunas da regulamentação própria;

14.23     Referindo assim os artigos 1.º e o artigo 7.º do Código de Registo Predial (CRP), a função primordial do registo é dar publicidade à situação jurídica dos bens e a inscrição no registo de certo bem constitui uma dupla presunção, presumindo-se que o direito existe nos precisos termos em que o registo o define e que o direito pertence ao titular inscrito nos precisos termos definidos no registo;

14.24     Concluindo que estas presunções são ilidíveis mediante prova em contrário nos termos do artigo 350.º, n.º 2 do CCivil;

14.25     Em continuação a Requerente alega que muito embora a ausência de registo não afecte a aquisição de qualidade de proprietário, “certo é que ela impede, porém, a eficácia plena do contrato de compra e venda; mas não quanto a todas as entidades”;

14.26     Apoia-se a Requerente nas considerações do ilustre jurista que, fazendo referência aos artigos 4.º, n.º 4 e 6.º, n.º 1 do CRP e ao artigo 892.º, 2ª parte do CCivil, considera que “estando em causa o pagamento do IUC, e não cabendo à Administração Fiscal no conceito de terceiro para efeitos de registo, uma vez que não adquire do mesmo transmitente direitos total ou parcialmente incompatíveis com os do comprador, conclui-se tranquilamente que aquela não pode escudar-se na ausência do registo de transmissão para exigir o pagamento do imposto devido ao anterior proprietário, seja este uma locadora ou qualquer outra pessoa ou entidade”;

14.27     Concluindo, “a Administração Fiscal não preenche os requisitos legais do conceito de terceiro para efeitos de registo (previsto no art. 5.º, n.º4, do CRP), razão pela qual não pode exigir ao vendedor o pagamento do imposto devido pelo comprador (proprietário) a partir do momento em que a presunção do art. 7.º seja afastada mediante a prova da respeciva venda”;

14.28     E ainda fazendo alusão às considerações do Ilustre jurista, a prova atrás referida, pode ser feita por qualquer meio, uma vez que a lei não exige forma escrita;

14.29     A “Administração Fiscal não pode recusar ou ignorar a prova produzida, a menos que tenha fundadas razões para questionar a autenticidade ou veracidade do documento”;

14.30     Concluindo que as liquidações realizadas na esfera da Requerente devem ser consideradas ilegais e consequentemente anuladas;

14.31     Para defender o seu entendimento a Requerente recorre ainda a várias decisões arbitrais, alegando que o artigo 3.º, n.º1 do CIUC consagra uma presunção ilidível por admitir sempre prova em contrário nos termos do artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT);

14.32     Recorrendo ainda a várias decisões arbitrais, entende a Requerente que as facturas de venda são prova bastante para demonstrar inequivocamente a transmissão dos veículos automóveis e adequados para ilidir a presunção fundada no registo até porque se tratam de documentos que gozam da presunção de veracidade nos termos do artigo 75.º da LGT;

14.33     Assim sendo, considera a Requerente que as facturas juntas ao presente pedido de pronúncia arbitral, afiguram-se plenamente suficientes para comprovar a transmissão dos veículos automóveis em apreço, gozando da presunção de veracidade do artigo 75.º da LGT;

14.34     Considera ainda não restarem quaisquer dúvidas de que a transmissão de propriedade dos referidos veículos, sucedeu antes de vencidos os IUC cuja liquidação se contesta;

14.35     Uma vez que o vencimento do IUC ocorre no aniversário dos meses de matrícula dos respectivos veículos conforme artigo 6.º, n.º 3 e artigo 4.º, n.º 2 do CIUC;

14.36     A título subsidiário alega a Requerente que ainda que houvesse dúvidas quanto à venda dos veículos em apreço, a circunstância de sobre os mesmos incidir um contrato de locação financeira, impunha que se alcançasse semelhante decisão;

14.37     Referindo-se à ratio subjacente ao IUC alega a Requerente que “o imposto sob apreciação é fortemente marcado por uma lógica ambiental, pretendendo-se que seja cobrado em função do potencial a que um determinado veículo automóvel se presta”;

14.38     Concluindo que o IUC tem como objecto da sua incidência a utilização do veículo e não o veículo em si mesmo, daí que o encargo corresponda em primeira linha à pessoa que utiliza o referido automóvel, pressupondo-se que seja o seu proprietário, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC;

14.39     Ora, refere a Requerente que de acordo com o artigo 3.º, n.º 2 do CIUC cabe às locatárias o gozo exclusivo do veículo automóvel sobre o qual recai o contrato bem como a obrigação de pagar o imposto;

14.40     Continuando, refere a Requerente que numa locação financeira, o locatário, como utilizador do veículo locado, nos termos do artigo 19.º do IUC, deve ser responsável “por indemnizar os custos (ambientes e viários) associados ao potencial de utilização do respectivo veículo”;

14.41     Concluindo ainda e em consequência que é com base na lei, devidamente interpretada, que se estabelece a sujeição a imposto do locatário;

14.42     E que a identidade dos locatários é do pleno conhecimento da Administração Tributária, uma vez que nos termos do artigo 19.º do CIUC, a Administração Tributária é atempadamente informada dos referidos contratos de locação assim como da identidade dos utilizadores dos veículos;

14.43     Termina a Requerente referindo que resulta evidente que a Requerente enquanto entidade locadora, não era sujeito passivo de IUC no quadro dos contratos de locação financeira de que foi parte;

14.44     Tanto mais que nesses casos, esses locatários já se haviam tornado proprietários nos anos cujo IUC está a ser exigido;

14.45     Por fim, a Requerente peticiona pela declaração de ilegalidade e consequente anulação dos 11 (onze) actos de liquidação relativos ao IUC respeitantes aos 9 (nove) veículos em apreço bem como a restituição do imposto e respectivos juros compensatórios indevidamente pagos acrescido de juros indemnizatórios previstos nos artigos 43.º da LGT;

15.          Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:

15.1       A Autoridade Requerida começa por apresentar a sua defesa por excepção alegando ilegitimidade parcial da Requerente;

15.2       Refere a Autoridade Requerida que, entre os actos tributários colocados em crise pela Requerente, figura a liquidação corporizada no Documento 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral referente ao veículo automóvel com a matrícula …;

15.3       Essa liquidação foi remetida à sociedade B... S.A., entidade agora extinta;

15.4       Não obstante a Requerente alegar que o conjunto dos activos e dos passivos da B..., S.A., foram incorporados na sua esfera, designadamente o contrato de leasing referente à viatura aqui mencionada, a acta de dissolução e liquidação da sociedade refere que esta já não tinha qualquer activo ou passivo;

15.5       Assim sendo, se deverá concluir pela sua ilegitimidade processual quanto ao referido acto tributário; 

15.6       Seguidamente apresentou a sua defesa por impugnação começando por se defender quanto à falta de fundamentação dos actos tributários em apreço alegada pela Requerente, referindo que não foi oferecido qualquer argumento para fundamentar tal alegação;

15.7       Não obstante, alega a Autoridade Requerida que “a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não de outra”;

15.8       Continua a Autoridade Requerida salientando a natureza de “processo de massa” que representa a liquidação de IUC;

15.9       “Natureza aquela que se repercute na forma das notificações, nomeadamente na consagração de uma fundamentação padronizada e informatizada, mas que ainda assim não deixa de observar o disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária nem coloca em causa as finalidades garantísticas do direito à fundamentação”;

15.10     Refere ainda que a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT;

15.11     No presente caso, considera a Autoridade Requerida que “a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater ponto por ponto, toda a sua actuação”; 

15.12     Quanto ao erro sobre os pressupostos dos actos tributários alegados pela Requerente, na medida em que já não era proprietária dos veículos em causa no momento em que se venceu a obrigação de liquidação dos respectivos IUC, entende a Autoridade Requerida que, tais alegações “não podem de todo proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada”;

15.13     De acordo com a Autoridade Requerida, o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o IUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e bem assim, em todo o CIUC; 

15.14     Desenvolvendo a sua posição, diz a Autoridade Requerida que o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC, estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados;

15.15     Em defesa do seu ponto de vista, refere a Autoridade Requerida que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito e que “o normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 3.º, em que o legislador fiscal expressa e intencionalmente consagra o que deve considerar-se legalmente para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros”;

15.16     Como exemplo, entre outros, refere o artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) em que o legislador tributário não presume que “há lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 do artigo referido, na outorga de contrato-promessa de aquisição e alienação de bens imóveis em que seja clausulado no contrato ou posteriormente que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual” a terceiro. Neste caso, o legislador expressa e intencionalmente assimila este contrato a uma transmissão onerosa de bens para efeitos de IMT;

15.17     Refere também o artigo 17.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) em que o legislador também não estabelece que os excedentes líquidos das cooperativas se presumem como resultado líquido do período, mas sim que estes se consideram como tal;

15.18     Acrescenta que grande parte das normas de incidência em sede de IRC, têm como ratio subjacente, determinar o que deve ser considerado como rendimento para efeitos deste imposto, pelo que, se se entendesse que ao usar a expressão “considera-se” o legislador fiscal teria consagrado uma presunção, praticamente todas as normas de incidência em sede de IRC seriam afastadas porque a contabilidade prescreve soluções diferentes das do CIRC, sendo exatamente o fim do legislador afastar as regras contabilísticas;

15.19     Em sequência, conclui a Autoridade Requerida que no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários, ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas em nome dos quais os veículos se encontram registados por ser a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal. Pelo que entender que o legislador consagrou aí uma presunção seria efetuar uma interpretação contra legem;

15.20     Refere a Autoridade Requerida que esse é o entendimento da jurisprudência fazendo menção a uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que acolheu a posição sufragada pela Autoridade Tributária;

15.21     Refere ainda que, se a Requerente pretende reagir contra a presunção de propriedade que lhe é atribuída, então forçosamente terá de reagir pelos meios próprios previstos no Regulamento do Registo Automóvel e nas leis registais subsidiariamente aplicáveis e contra o próprio teor do registo automóvel, mas não é pela impugnação das liquidações de IUC que se ilide a informação registral;

15.22     Considerando que “a presunção da propriedade automóvel decorre única, direta e exclusivamente do próprio regime registal automóvel, e não da legislação fiscal sobre automóveis que constitui um aspecto colateral àquele regime.”;

15.23     Por outro lado, apelando ao elemento sistemático, entende a Autoridade Requerida que a solução propugnada pela Requerente é intolerável não encontrando qualquer apoio na lei;

15.24     Isto porque, no mesmo sentido do que dispõe o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, estabelece o artigo 6.º do CIUC, sob a epígrafe “Facto Gerador e Exigibilidade”, no seu n.º 1, que “O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;

15.25     Ou seja, o momento a partir do qual se constituí a obrigação de imposto, apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (artigos 4.º, n.º 2 e 6.º n.º 3, ambos do CIUC, artigo 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis);

15.26     No mesmo sentido, milita a solução legislativa adoptada pelo legislador fiscal no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respectivo registo;

15.27     Sustenta ainda a Autoridade Requerida que tal posição está patente na circunstância de o Registo Automóvel a que a Administração Tributária tem ou pode ter acesso, e o certificado no qual devem constar os actos sujeitos a registo, cuja exibição poderá ser exigida pela mesma Administração ao interessado, conterem todos os elementos destinados à determinação do sujeito passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais direitos, enunciados pelo CIUC como constitutivos da situação jurídica de sujeito passivo deste imposto;

15.28     Alega ainda a Autoridade Requerida que “na falta de tal registo, terá de ser o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Autoridade Tributária, tendo em conta a actual configuração do Sistema Jurídico, não terá de proceder à liquidação do Imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos”;

15.29     Assim sendo, a não actualização do registo, nos termos do artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do Sujeito Passivo do IUC e não na do Estado, enquanto sujeito activo deste imposto;

15.30     Concluí a Autoridade Requerida alegando que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Ou seja, apesar de uma das ratio subjacentes à reforma da tributação automóvel ser a preocupação ambiental, o legislador pretendeu criar um IUC assente na tributação do proprietário, independentemente da circulação dos veículos;

15.31     Referindo-se aos documentos juntos pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, não obstante a Autoridade Requerida considerar que o artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção, considera que a Requerente que tais documentos não são prova suficiente para ilidir a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC;

15.32     Considera a Autoridade Requerida que as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, como a compra e venda, uma vez que não comprovam a aceitação por parte do adquirente;

15.33     Neste sentido, a Autoridade Requerida apoia-se em várias decisões arbitrais (Processos n.ºs 63/2014-T, 150/2014-T e 220/2014-T) que consideram as facturas documentos particulares unilaterais e internos, com um valor probatório muito limitado insuficiente para ilidir a presunção sobre a titularidade da propriedade de veículos;

15.34     Defende que uma factura unilateralmente emitida pela Requerente não pode substituir o requerimento de registo automóvel, documento este aprovado por modelo oficial;

15.35     No entendimento da Autoridade Requerida, a Requerente deveria ter apresentado cópias do referido modelo oficial para registo de propriedade automóvel pois trata-se de documento assinado por ambas as partes intervenientes bem como prova documental do recebimento do preço;

15.36     Refere ainda a Autoridade Requerida que as facturas apresentadas pela Requerente são desconformes e por isso jamais poderão beneficiar da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º da LGT;

15.37     Quanto ao argumento subsidiário da vigência dos contratos de locação financeira, considera a Autoridade Requerida que os mesmos não estão em vigor;

15.38     Para além da fundamentação exposta, considera a Autoridade Requerida ser de referir que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade;

15.39     Concluindo que “a interpretação proposta pela Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio de confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária”;

15.40     Por último, e fazendo referência à responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais e do pagamento de juros indemnizatórios, refere a Autoridade Requerida que o IUC visa tributar o proprietário do automóvel revelado através do seu registo;

15.41     Afirma a Autoridade Requerida que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível relativamente à actualização do registo automóvel, como podia e competia nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro e artigo 118º, n.º 4 do Código da Estrada, e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos em questão;

15.42     Afirma ainda que a Autoridade Requerida limitou-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e a seguir a informação registal que lhe foi fornecida por quem de direito;

15.43     Considerando assim a Autoridade Requerida que foi a Requerente que deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, devendo por isso, ser a Requerente condenada ao pagamento das custas arbitrais;

15.44     Considera ainda a Autoridade Requerida que o mesmo raciocínio deverá ser aplicado ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente à luz dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT;

15.45     Concluí requerendo pela procedência da excepção invocada dando lugar à absolvição da instância e pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Autoridade Requerida do pedido e requerendo ainda nas suas alegações finais, a condenação da Requerente como litigante de má fé.

 

II.            QUESTÃO PRÉVIA

 

Da alegada ilegitimidade parcial da Requerente

 

16.          Sintetizados os elementos factuais relevantes e a posição das Partes, importa, antes de mais, analisar e decidir a questão prévia suscitada pela Autoridade Requerida que, como atrás se referiu, se prende com a alegada ilegitimidade parcial da Requerente.

 

17.          Na Resposta apresentada no presente processo arbitral, veio a Autoridade Requerida defender-se por excepção invocando a ilegitimidade parcial da Requerente para requerer a declaração de ilegalidade de uma das liquidações que ora se impugnam, por ter sido dirigido a outra entidade que não a Requerente.

 

18.          Essa liquidação foi remetida à sociedade B... S.A., entidade agora extinta.

 

19.          Não obstante a Requerente alegar que o conjunto dos activos e dos passivos da B..., S.A., foram incorporados na sua esfera, designadamente o contrato de leasing referente à viatura aqui mencionada, alega a Autoridade Requerida que não o demonstrou minimamente pelo que se terá que concluir pela sua ilegitimidade processual quanto ao referido acto tributário.

 

20.          Veio então a Requerente apresentar resposta a tal excepção referindo que assumiu como suas as responsabilidades e contingências fiscais da Sociedade B... uma vez que a B... era detida, previamente à sua dissolução, exclusiva e unicamente pela Requerente.

 

21.          Sendo detida a 100% pela Requerente quaisquer contratos de locação que se encontrassem na “carteira” da B... foram transferidos para a Requerente aquando da dissolução desta.

 

22.          Alega de seguida que por força da legislação aplicável às relações de domínio entre sociedades comerciais nos termos dos artigos 491.º e 501.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a Requerente seria sempre responsável pelas dívidas da sociedade B... e por isso parte legítima neste processo arbitral.

 

23.          Alega ainda a Requerente que nos termos do artigo 163.º do CSC “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado”.

 

24.          E ainda nos termos do artigo 147.º, n.º 2 do mesmo Código, “as dívidas de natureza fiscal ainda não exigidas à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios”.

 

25.          Alega também a Requerente que a partir do momento em que suportou o imposto liquidado pela Autoridade Requerida, é titular de um interesse legítimo em discutir a sua legitimidade ao abrigo do artigo 9.º do CPPT.

 

26.          Em Resposta à Resposta à excepção deduzida pela Autoridade Requerida, veio esta referir que em matéria de dívidas fiscais, a responsabilidade de terceiros pelo seu pagamento advém do acionamento do instituto de reversão fiscal e não da aplicação de normas de direito societário referentes a uma suposta relação de domínio entre sociedades comerciais.

 

27.          Sustenta ainda a Autoridade Requerida que a Requerente não é o contribuinte directo nem o substituto ou o responsável pelas dívidas da B... .

 

28.          A circunstância de ter pago não a torna parte legítima nos presentes autos face ao artigo 41.º da LGT.

 

29.          Ora, considerando os factos e as disposições legais apresentados pela Requerente, este Tribunal não considera procedente a excepção suscitada pela Autoridade Requerida, considerando assim a Requerente como parte legítima no presente processo arbitral.

 

30.          A B... era detida a 100% pela Requerente e, de acordo com a acta junta ao pedido de pronúncia arbitral (Anexo B) e com a Certidão do Registo Comercial da B..., a Requerente na qualidade de acionista único, deliberou em 31 de Dezembro de 2008 proceder à sua dissolução e liquidação imediata, tendo o acionista, a Requerente, sido nomeada depositária da sociedade extinta.

 

31.          Sendo a única acionista da B... e tendo sido nomeada depositária aquando da extinção daquela, considera este Tribunal que a Requerente assumiu os contratos de locação da B... .

 

32.          Nos termos do artigo 147.º, n.º 2 do CSC, “as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios”.

 

33.          Refere ainda o artigo 163.º do mesmo diploma que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado”.

 

34.          Também de acordo com os artigos 491º e 501º do CSC, entende o Tribunal Arbitral que a Requerente seria sempre considerada responsável pelas dívidas da sociedade B... .

 

35.          Entende também o Tribunal Arbitral que a Requerente tem legitimidade no processo tributário, nos termos do artigo 9.º do CPPT, ao estatuir que têm legitimidade no processo tributário os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis,

 

36.          A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IUC na qualidade de anterior sócia exclusiva e responsável pela dissolução e liquidação da B... .

 

37.          Entende assim o Tribunal Arbitral que a Requerente tem legitimidade para contestar o acto de liquidação de IUC correspondente à sociedade B..., não devendo ser considerada procedente a excepção invocada pela Autoridade Requerida.

 

III.          SANEADOR

 

38.          O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

39.          As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

40.          Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe agora, conhecer do mérito do pedido.

 

IV.          CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

 

41.          Considerando o elevado número de viaturas, bem como o volume de documentação necessário para comprovar os factos alegados, a Requerente, invocando o princípio da economia processual, requereu a apreciação conjunta dos actos tributários em causa.

 

42.          Considerada a identidade do facto tributário, do tribunal arbitral competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos artigos 104.º do CPPT e 3.º do RJAT à pretendida cumulação de pedidos.

 

V.           OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

 

43.          Vêm colocadas ao Tribunal Arbitral as seguintes questões nos termos atrás descritos:

43.1       A norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º do CIUC consagra ou não uma presunção de propriedade ilidível?

43.2       Entendendo que a referida norma consagra uma presunção ilidível, os documentos apresentados pela Requerente constituem elementos de prova bastantes para ilidir a supramencionada presunção legal?

43.3       Deverá ser a Requerente condenada em litigante de má-fé?

 

VI.          MATÉRIA DE FACTO

 

44.          Para provar os factos alegados, a Requerente apresentou a seguinte prova documental:

44.1       Quadro com uma listagem das matrículas de todas as viaturas em questão, números de facturas e IUC’s correspondentes (Anexo A);

44.2       Cópia da Acta n.º 30 da “B...” (Anexo B);

44.3       Fotocópias das notas de liquidação objecto do presente pedido e respectivos pagamentos (Docs. 1 a 9);

44.4       Fotocópias dos Contratos de Aluguer de Veículo Automóvel sem Condutor das 9 (nove) viaturas objecto do presente pedido (Docs. 10 a 18);

44.5       Fotocópias de 9 (nove) facturas relativas aos 9 (nove) veículos vendidos;

44.6       Acta de dissolução e liquidação da B... (Anexo B);

44.7       Certidão da Conservatória do Registo Comercial de ... relativa à sociedade B... .

 

45.          A Requerente apresentou ainda a seguinte prova testemunhal:

45.1 C..., técnica de operações no A..., S.A., que testemunhou sobre a circunstância da Requerente ter sucedido aquela no que respeita à posição contratual que detinha a B... nos contratos de locação que havia celebrado com os locatários. Muito sucintamente a testemunha declarou o seguinte:

45.1.1 A testemunha acompanha as operações referentes aos contratos de locação financeira da Requerente;

45.1.2 Em 2008, a Requerente absorveu a carteira de activos da B...;

45.1.3 As facturas que têm referido no descritivo “venda de bens”, são emitidas quando um cliente antecipa o pagamento e liquida o contrato de locação financeira antes do seu termo com vista a adquirir a veículo objecto do contrato;

45.1.4 As facturas que têm referido no seu descritivo “valor residual” são emitidas no termo do contrato com vista à aquisição definitiva do veículo pelo cliente;

45.1.5 Aquando das vendas dos veículos são os clientes que procedem ao registo de compra e venda;

45.1.6 O Documento junto aos autos com o número 27, trata-se de uma segunda via que não tem o logotipo da Requerente uma vez que a a primeira via foi emitida pela B..., entidade que procedeu à venda da viatura.

 

46.          A Autoridade Recorrida juntou o processo administrativo.

 

47.          Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a Decisão Arbitral a proferir, com base na prova documental junta aos autos:

 

47.1       A Requerente é uma instituição de crédito que no exercício da sua actividade, celebra contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

47.2       O presente pedido de pronúncia arbitral é deduzido por referência a 11 (onze) actos de liquidação adicional de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014, referentes a 9 (nove) veículos (Anexo A e Docs. 1 a 9);

47.3       O acto de liquidação n.º 2014... foi dirigido à sociedade B...;

47.4       A Sociedade B... encontra-se dissolvida e liquidada (Anexo B e Certidão do Registo Comercial da B...);

47.5       O veículo automóvel com a matrícula ... foi objecto de locação financeira celebrado pela B... (Doc. 18 e Certidão do Registo Comercial da B...);

47.6       A posição de entidade locadora do veículo automóvel com a matrícula ... foi assumida pela Requerente na qualidade de accionista única da B... (Anexo B e Certidão do Registo Comercial e depoimento da testemunha arrolada);

47.7       Os veículos automóveis objecto do presente processo arbitral foram dados em locação financeira (Docs. 10 a 18);

47.8       No termo dos Contratos de Locação Financeira todos os veículos com excepção do veículo com a matrícula ... foram vendidos aos locatários ou a terceiros (Docs. 19 a 26);

47.9       A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam os actos de liquidação oficiosa identificados no Anexo A nos casos de 1 a 9 (Docs. 1 a 8);

47.10     Na sequência das notificações, procedeu ao pagamento de todos os actos de liquidação em apreço no presente processo (Docs. 1 a 9);

47.11     Todos os veículos com excepção do veículo com a matrícula …, foram vendidos em data anterior à da exigibilidade do imposto (Docs. 19 a 26);

47.12     Os veículos constantes dos IUC’s em questão ainda se encontravam inscritos na Conservatória do Registo Automóvel em nome da Requerente no momento da respectiva liquidação do IUC (cfr. Processo Administrativo).

 

48.          Entende o Tribunal Arbitral que as facturas emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC.

49.          Assim sendo, o Tribunal Arbitral entende que apenas as facturas juntas à P.I. sob a forma de Documentos 19 a 26, foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º do CIVA e por isso constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC.

 

50.          Consideram-se não provados os seguintes factos com relevância para a decisão arbitral a proferir:

50.1       A factura junta à P.I. sob a forma de documento 27 não constitui meio de prova para ilidir a referida presunção por não se verificarem todos os referidos requisitos legalmente exigidos no artigo 36.º do CIVA, nomeadamente o nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e o correspondente números de identificação fiscal;

50.2       Assim sendo, apesar do Tribunal Arbitral entender que a Requerente tem legitimidade para contestar o acto de liquidação de IUC correspondente à sociedade B..., relativo à viatura com a matrícula ..., não pode considerar como provada a venda do referido veículo com base na respectiva factura junta aos autos (Doc.27).

50.3       Apesar da prova testemunhal ter declarado que a referida factura, ao tratar-se de uma segunda via, não tem o logotipo da Requerente porque a primeira via foi emitida pela B..., impunha-se a junção aos autos de cópia dita primeira via da factura de forma a cumprir com todos os requisitos exigidos pelo referido artigo 36.º do CIVA.

50.4       Não pode ainda o Tribunal aceitar o Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel Sem Condutor, junto à P.I. sob a forma de documento 18, uma vez que o mesmo teve o seu termo em 14.03.2004, não se encontrando assim em vigor na data da exigibilidade do correspondente IUC que aqui se discute (Doc. 9).

50.5       Nestes termos não se considera provada a venda da viatura com a matrícula ... .

 

VII.         DO DIREITO APLICÁVEL

 

51.          Quanto à questão da falta de fundamentação dos actos tributários em apreço, embora ela seja suscitada pela Requerente, não foram oferecidos quaisquer argumentos para a fundamentar, o que faz com que o Tribunal não tenha como se pronunciar sobre ela, pelo que a declara improcedente por não provada.

 

(i)           A norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra ou não uma presunção de propriedade ilidível?

 

52.          Como vimos, a questão principal objeto da presente decisão, versa sobre a interpretação do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, designadamente, se o mesmo contempla ou não uma presunção ilidível de que os sujeitos passivos do imposto são os proprietários dos veículos, tendo-se como tais, em definitivo ou não, as pessoas em nome de quem os veículos estejam registados.

 

53.          Dispõe o nº 1 do referido artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

 

54.          A expressão usada no referido artigo, “considerando-se” suscita a questão de saber se à mesma pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se, à expressão “presumindo-se”.

 

55.          Antes de mais, há que fazer referência ao n.º 1 do artigo 11.º da LGT que estabelece que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

56.          Neste quadro, não pode deixar de considerar-se igualmente o artigo 9.º do CC enquanto preceito que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas jurídicas, incluindo as fiscais que, a este propósito, não apresentam qualquer especialidade que deva ser apreciada ou ponderada, excepto um especial cuidado com a observância do princípio da legalidade, da não retroactividade da lei fiscal em certos casos e da adesão ao princípio da prevalência da verdade material sobre a forma.

 

57.          O texto do n.º 1 do referido artigo 9.º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que ela é aplicada.

 

58.          Começando pelo teor literal do n.º 1 do artigo 3.º do IUC, há que encontrar o pensamento legislativo subjacente no sentido de saber se o mesmo contempla ou não a presunção de que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, tendo-se como tais, em definitivo ou não, as pessoas em nome de quem os veículos estejam registados.

 

59.          Como referido, a expressão usada no referido artigo “considerando-se” suscita assim a questão de saber se a tal expressão poderá ser atribuído um sentido presuntivo equiparando-se à expressão “presumindo-se”.

 

60.          Com efeito, da análise do nosso ordenamento jurídico, tratam-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, seja ao nível das presunções ilidíveis ou inilidíveis.

 

61.          A título de mero exemplo, no âmbito do Direito Civil encontramos, entre outros, o artigo 243.º, n.º 3 do Código Civil quando dispõe que: “Considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo de ação de simulação, quando a este haja lugar”, ou o artigo 314º do mesmo código quando dispõe que: “Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”. 

 

62.          A título igualmente exemplificativo, poder-se-á referir também, no âmbito do direito da propriedade industrial, o disposto no n.º 5 do artigo 59º do Código da Propriedade Industrial, onde se estabelece que “As invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho” bem como o artigo 98º do mesmo código onde também o termo “considerando” é usado num contexto presuntivo.

 

63.          Também no ordenamento jurídico tributário encontramos, várias normas legais que consagram presunções utilizando o verbo “considerar”.

 

64.          Como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, na anotação n.º 3 ao artigo 73.º “As presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão «presume-se» ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é viável apurar o valor real (…)” referindo como exemplos, entre outros, os artigos 45.º, n.º 2 e 46.º, n.º 2 do CIRS, o artigo 21.º, n.º 2 e 58.º, n.º 4 do CIRC.

 

65.          Poder-se-á igualmente referir o disposto no nº 6 do art.º 45º da LGT quando, para efeitos da notificação da liquidação dos tributos, se estabelece que “(…) as notificações sob registo consideram-se validamente efetuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”, bem como o n.º 4 do artigo 89º-A da mesma Lei, onde está consagrada igualmente uma presunção, quando estabelece que nas situações em que o sujeito passivo não faça a prova referida no n.º 3 do mesmo artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, os rendimentos que resultam da tabela que consta no n.º 4 do referido artigo.

 

66.          Citando ainda Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, é “[…] imposto ao contribuinte o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade (nº 3 do art.º 89º-A) e, não sendo ela feita, presume-se que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta do nº 4 do mesmo artigo.”. A este propósito, e neste mesmo sentido, importa referir o Acórdão do STA de 02-05-2012, Processo 0381/12, e de 17-04-2013, Processo 0433/13.

 

67.          Face ao exposto, será de concluir que não é só quando é usado o termo “presumir” que estamos perante uma presunção. O verbo “considerar” é recorrentemente usado com um propósito e significado equivalente, o que, no entender deste Tribunal, é precisamente o caso do nº 1 do art.º 3º do CIUC, tratando-se de um entendimento que se mostra em total sintonia com o disposto no n.º 2 do art.º 9º do CC, o qual exige que o pensamento legislativo tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal

 

68.          Há que atender também ao elemento racional ou teleológico. A este propósito refere o artigo 1.º do CIUC sob a epígrafe “princípio da equivalência” que “O Imposto Único de Circulação obedece ao princípio da equivalência procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

69.          A este propósito, cabe lembrar a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07 de Março de 2007, que procedeu à reforma global da tributação automóvel, aprovando o Código do Imposto sobre Veículos (ISV) e o IUC, quando menciona que a referida reforma resulta da necessidade não só de trazer clareza e coerência a esta área do sistema fiscal, mas sobretudo resulta da necessidade de subordiná-la aos princípios e preocupações de ordem ambiental e energética.

 

70.          Com efeito, a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação dos mesmos.

 

71.          Refere ainda a mesma Proposta, que os dois novos impostos visam com certeza angariar receita pública, mas angariá-la na medida do custo que cada individuo provoca à comunidade, acrescentando no Anexo II, relativamente ao IUC, que “como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o principio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”.

 

72.          Trata-se assim de um princípio estruturante do IUC que deverá ser tido em conta na interpretação do artigo 3.º do IUC relativo à incidência subjectiva, na medida em que pretende tributar o sujeito passivo proprietário do veículo no pressuposto de ser esse o real e efetivo sujeito causador dos danos viários e ambientais. 

 

73.          Atendendo agora ao elemento histórico na interpretação do artigo 3.º do IUC, alega a Autoridade Requerida na sua Resposta, que o legislador fiscal determinou que se considerem como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados, não utilizando a expressão “presumem-se” como poderia ter feito.

 

74.          Com efeito, desde o nascimento do imposto criado pelo Decreto-Lei n.º 599/72, de 30 de Dezembro, até ao último diploma vigente antes da entrada do atual regime, estava consagrada uma presunção relativamente aos sujeitos passivos do imposto, sendo estes os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas em nome de quem os mesmos se encontravam registados.  

 

75.          O legislador posteriormente optou por usar a expressão “considerando-se” em vez da expressão “presumindo-se”.

 

76.          Ora, tal como já foi referido, e dado vários exemplos, no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no ordenamento jurídico tributário, as referidas expressões são frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, seja ao nível das presunções ilidíveis ou inilidíveis.

 

77.          Assim ocorreu no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC em que se consagrou uma presunção revelada pela expressão “considerando-se” e ao contrário da posição expressa pela Autoridade Tributária, entende este Tribunal que se está perante uma mera questão semântica que não altera o conteúdo da norma em questão. 

 

78.          Tendo em conta os vários elementos de interpretação expostos, todos apontam no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo assim entender-se que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73.º da LGT deverá ser considerada como uma presunção ilídivel, não podendo aceitar-se como pretende a Autoridade Tributária, de que os sujeitos passivos do IUC sejam somente aqueles que constam no registo automóvel como proprietários dos veículos. 

 

79.          Acresce que o Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis (CRA), não prevendo qualquer norma de caráter constitutivo quanto ao registo de propriedade automóvel, se limita a estabelecer no n.º 1 do artigo 1.º que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”

 

80.          E, de acordo com o artigo 7.º do CRP aplicável supletivamente ao registo automóvel por remissão do artigo 29.º do CRA, determina que o registo apenas “(...) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

81.          A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) pronunciou-se em Acórdãos de 19/02/2004 e 29/01/2008, proferidos nos processos n.ºs 03B4369 e 07B4528 respetivamente, concluindo que o registo definitivo constitui uma mera presunção ilidível de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, admitindo-se, assim, prova em contrário.

 

82.          Nestes termos, será de concluir para a situação em análise, que a função do registo é a de publicitar a situação jurídica dos veículos, presumindo-se que pertencem ao titular inscrito nos termos em que o registo o define, não configurando o registo uma condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

 

83.          Os compradores tornam-se assim proprietários dos veículos por via da celebração de contratos de compra e venda, independentemente do registo.

 

84.          De referir ainda a este propósito, o artigo 408.º, n.º 1 CC que estabelece que a transferência de direitos reais sobre as coisas, neste caso veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato.

 

85.          Assim, face ao que se vem referindo, não pode deixar de se considerar que o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, configura uma presunção legal ilidível por força do artigo 73º da LGT, permitindo, deste modo, que a pessoa que está inscrita no registo como proprietário do veículo, possa apresentar elementos de prova para demonstrar que já não é proprietário uma vez que a propriedade sobre o veículo em questão tenha sido transferida para outra pessoa.

 

86.          Deverá ser essa outra pessoa, devidamente identificada pelo presumível proprietário, a quem a Autoridade Tributária se deve dirigir para efectuar a liquidação do IUC que se mostrar devido sempre que a pessoa indicada no registo como proprietária do veículo lograr fazer prova bastante de não ser e ou de já não ser, à data da ocorrência do facto gerador do imposto, proprietária da viatura objecto de tal tributo.

 

87.          Deste modo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, caso o contribuinte venha a demonstrar em sede de audiência prévia, reclamação graciosa e ou outro procedimento tributário adequado que não é o verdadeiro proprietário do veículo, redirecionando-se o procedimento tribuário competente para aquele que for o verdadeiro sujeito passivo do imposto em causa.

 

88.          Assim, quando a Autoridade Tributária considera que os sujeitos passivos do IUC são apenas as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem ter em conta os elementos probatórios que lhe forem apresentados, está a proceder a uma liquidação indevida do imposto assente numa errónea e equivocada interpretação do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC.

 

89.          Pode, naturalmente, admitir-se que a expressão “presume-se” é mais clara e taxativa do que a expressão “considera-se; mas daí não se segue nem logica nem teleologicamente que ambas as expressões tenham necessariamente de ter um sentido divergente ou sequer diverso.

 

90.          O exemplo dado pela Autoridade Recorrida, alicerçado no artigo 17º- supomos que referido ao seu nº 2- do CIRC, é um caso típico de um tal erro de direito que conduz, in casu, à invalidade das liquidações de IUC controvertidas.

 

91.          Senão vejamos: o supramencionado preceito legal do artigo 17º nº 2 do CIRC determina exactamente o seguinte: “Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do exercício.” (sublinhado nosso)

 

92.          Lida apenas esta norma, a mesma poderia ser uma norma de incidência objectiva sem mais ou uma norma consagrando uma mera presunção legal, ilidível ou não.

 

93.          Na realidade, trata-se clara e inequivocamente de uma norma de incidência objectiva sem mais.

 

94.          Isto porque a regra do dito n.º 2 do artigo 17º do CIRC começa por remeter para o n.º 1 anterior do mesmo artigo que, por seu turno nos refere para a alínea a) do n.º 1 do artigo 3º do mesmo CIRC.

 

95.          Este último preceito, usando, diga-se, en passant, uma técnica legislativa discutível, estatui que a base deste imposto- o IRC, é constituída pelo “(...) lucro das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, das cooperativas (...). (sublinhado nosso)

 

96.          Ora, em bom rigor, as cooperativas não dão nem podem sequer dar lucro no sentido juridicamente aplicável do termo, pelo que tão pouco os seus resultados podem ser expressos, contrariamente aos das sociedades comerciais e ou das sociedades civis sob a forma comercial enquanto resultados líquidos do exercício, no estrito sentido contabilístico e fiscal do termo.

 

97.          Assim, somente da conjugação entre estes dois preceitos legais do CIRC- artigo 3º, n.º 1, alínea a) e artigo 17º, números 1 e 2 se pode alcançar a verdadeira natureza económica dos excedentes das cooperativas os quais constituem base tributável em IRC.

 

98.          Razão pela qual, numa interpretação não apenas com correspondência literal, mas também teleológica e sistemática dos ditos preceitos legais do IRC se pode concluir decisiva e inquestionavelmente que a expressão “consideram-se” consagrada no supra mencionado artigo 17º, n.º 2 do CIRC não pode, em caso algum, ser tomada como uma presunção, ilidível ou não, mas antes e somente como parte de uma norma, toda ela, absolutamente prescritiva e imperativa.

 

99.          Nem se afigura pertinente, para efeitos de se entender a norma do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC como uma disposição prescritiva ou imperativa o seu confronto com o disposto no artigo 6º, n.º 1 do mesmo diploma legal, contrariamente ao sustentado pela Autoridade Recorrida.

 

100.       Na verdade, enquanto que no exemplo dado pela própria Autoridade Recorrida- artigos 3º, n.º 1 alínea a) e 17º, n.º 2 do CIRC- que analisámos e confrontámos, a fim de determinar a natureza deste último preceito legal, concluindo serem normas de incidência objectiva em ambos os casos- , na situação das normas do n.º 1 do artigo 3º do CIUC e do artigo 6º, n.º 1 do mesmo diploma legal, a Autoridade Recorrida procura elucidar o sentido da primeira regra- norma de incidência subjectiva – por confronto com o disposto na segunda – norma de incidência territorial e que visa determinar o facto gerador do imposto.

 

101.       Ou seja, a Autoridade Recorrida procura justificar a sua tese quanto ao carácter prescritivo ou impositivo, ao invés de presuntivo, da norma de incidência subjectiva do n.º 1 do artigo 3º do CIUC – que determina apenas o sujeito passivo do imposto, em nosso entender, o proprietário do veículo, presumindo-se ser o que consta do registo automóvel, presunção, a nosso ver, ilídivel- com uma norma de natureza completamente distinta que não permite nem esclarecer nem clarificar o sentido da primeira- a norma de incidência territorial e definidora do facto gerador do imposto- a qual, por definição, esclarece o campo de aplicação e o facto que determina a liquidação do imposto mas nem mesmo remota e ou implicitamente o respectivo sujeito passivo.

 

102.       Eis porque a Autoridade Recorrida, em nosso entender, não tem apoio legal nem para a comparação que procura fazer com a aludida norma do artigo 17º nº 2 do CIRC- e, acrescente-se, com as demais normas do CIRC citadas na sua, aliás, douta Resposta – nem com a análise sistemática que procurou fazer do CIUC ao aplicar a norma do artigo 3º, n.º 1 em confronto com o n.º 1 do artigo 6º desse mesmo diploma legal.

 

103.       É, de resto, elucidativo, que a Autoridade Recorrida, na sua douta Resposta faça apenas referência a normas de incidência objectiva e nenhuma referência a normas de incidência subjectiva, supomos por não lhe ocorrer nenhuma comparação ou analogia relevante neste último e decisivo domínio para a questão dos presentes autos.

 

104.       Ora, é sabido que rendimentos e ou avaliações ou ainda determinações da matéria colectável em impostos podem, na ausência ou na extrema dificuldade, por razões de prova e ou de administração de tributos, serem fixados segundo critérios objectivos determinados pela lei fiscal, bem como a lei tributária pode e deve determinar critérios objectivos quanto à verificação dos factos geradores de impostos e à data ou momento de tal verificação e ainda critérios objectivos- ainda que estes últimos possam ficar sujeitos a aplicação de convenções para evitar a dupla tributação em certos casos- para a incidência territorial de impostos.

 

105.       Mas já nos pareceria abusivo que a lei fiscal pudesse fixar presunções inilidíveis ou, pior ainda, normas prescritivas, sobre quem é sujeito passivo de um imposto com base num mero registo de propriedade sobre um bem, sendo sabido que um tal registo é, ele mesmo, uma mera presunção, claramente ilidível, de um tal título de propriedade.

 

106.       Pensamos que terá sido por estas e outras fundadas razões que tem sido pacífico o entendimento nas decisões arbitrais no sentido de concluir, tal como agora este Tribunal também conclui, que o n.º 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção ilidível, admitindo por essa via que, não obstante o registo de propriedade do veículo se encontrar ainda em nome do sujeito passivo, este poderá demonstrar não ser o proprietário à data da liquidação do imposto e, como tal, não ser responsável pelo pagamento deste.

 

(ii)          Ilisão da presunção

 

107.       Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente apresentou como prova cópias de diversas facturas de venda das viaturas constantes dos IUC’s em questão, que demonstram ser de datas anteriores à obrigação fiscal exigida e por conseguinte, a Requerente não deveria suportar o imposto relativo à circulação de tais veículos.

 

108.       Tal como foi referido nos pontos 47 e 48 desta Decisão, relativamente aos factos provados, e de acordo com os requisitos da lei tributária, apenas foram aceites por este Tribunal Arbitral as facturas emitidas e juntas a estes autos pela Requerente achadas de acordo com os requisitos legais estabelecidos no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.

 

109.       Importa agora aferir se as cópias das facturas apresentadas corporizam meios de prova com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo.

 

110.       Alega a Autoridade Requerida que uma factura unilateralmente emitida é um documento particular e interno, com um valor probatório diminuto, e que por isso não pode substituir o requerimento de registo automóvel, documento este aprovado por modelo oficial.

 

111.       Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Tribunal Arbitral que as facturas emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC.

 

112.       A contrario, aquelas facturas que não foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º do CIVA, não podem ser aceites como meio de prova.

 

113.       No âmbito do princípio da verdade material, princípio ordenador do processo fiscal, o Tribunal Arbitral é obrigado a pôr em causa senão a idoneidade, seguramente a validade enquanto meio de prova das facturas que não são emitidas com todos os requisitos legais.

 

114.       Entende, porém e por outro lado, o Tribunal Arbitral que a Administração Fiscal não pode deixar de dar valor às facturas regularmente emitidas por um sujeito passivo.

 

115.       Com efeito, de acordo com a lei civil, artigo 219º do CC, na situação em apreço, estamos perante contratos de compra e venda de coisas móveis que não estão sujeitos a nenhum formalismo especial.

 

116.       Não obstante estarmos perante situações em que o registo é obrigatório, não podemos concluir que somente o modelo de registo automóvel seja o único e exclusivo meio de prova para ilidir a presunção de propriedade como refere a Autoridade Requerida.

 

117.       De facto, entende o Tribunal que os documentos particulares, unilaterais ou bilaterais, não têm um valor probatório diminuto. Apenas não fazem prova plena face aos documentos autênticos.

 

118.       Não há nada na lei civil que nos leve a afirmar que os documentos particulares têm um valor de prova diminuto para efeitos de ilisão de uma presunção legal ou para qualquer outro fim probatório face a documentos autênticos ou documentos extraídos de registos públicos.

 

119.       Entendimento diverso levaria a que um registo público, como é o registo automóvel, ao invés de estabelecer uma mera presunção ilidível relativamente aos factos a ele sujeitos, na prática, dada a previsível escassez de meios de prova em contrário que seriam admitidos, estabelecesse uma presunção que seria, na prática e em quase todos os casos, inilidível, o que iria contra a natureza legal de qualquer registo público, para mais de um registo de bens móveis como é o registo automóvel.

 

120.       Entende ainda o Tribunal Arbitral que uma vez que a Administração Tributária considera as facturas documentos relevantes, por exemplo na determinação da liquidação de impostos, não pode agora não aceitar essas mesmas facturas para efeitos probatórios, alegando serem documentos particulares e unilaterais, a não ser que arguisse a sua falsidade, o que não o fez.

 

121.       De facto, a Requerente, sendo uma sociedade, obedece a rigorosas regras legais de ordem comercial, contabilística e fiscal, nomeadamente no que concerne à facturação, citando como exemplo os artigos 19.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, alínea b) e 36.º do CIVA e artigos 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2 do CIRC.

 

122.       Ora, nos termos do referido artigo 75.º, n.º 1 da LGT, caberia à Autoridade Requerida apresentar e demonstrar indícios concretos e fundamentados de que as facturas apresentadas pela Requerente não correspondiam à realidade.

 

123.       Isto porque, no entender do Tribunal Arbitral, se à Requerente cabe a ilidir a presunção estabelecida no artigo 3º, n.º 1 do CIUC, com o correspondente ónus da prova- o que consideramos ter feito com a apresentação de facturas emitidas pela forma legal – já caberia à Autoridade Requerida o ónus de reverter tal ilisão da presunção levada a cabo pela Requerente demonstrando a falsidade ou, pelo menos, a falta de idoneidade e ou a irregularidade das facturas emitidas pela Requerida pela forma legal.

 

124.       O que a Autoridade Requerida não fez.

 

125.       Como se encontra estabelecido, a Autoridade Requerida não apresentou qualquer prova; limitou-se a conjecturar e ou a especular, perante documentos que o Tribunal Arbitral considera terem valor probatório e todos os requisitos de facturas regularmente emitidas pela forma legal, de que as mesmas poderiam não corresponder a verdadeiras e efectivas transacções.

 

126.       Razão pela qual este Tribunal Arbitral não pode dar como cumprido este ónus da prova que caberia à Autoridade Requerida, com base em alegações não substanciadas e ou meras suspeitas e conjecturas.

 

127.       Pelo exposto, considera o Tribunal Arbitral que os referidos meios de prova apresentados pela Requerente, desde que emitidos de acordo com a legislação fiscal e comercial, questão que a Autoridade Requerida não suscita e não põe em causa, gozam da presunção de veracidade que lhes é conferida pelo artigo 75.º, n.º 1 da LGT, afigurando-se assim com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC.

 

(iii)         Pedido de condenação em litigante de má-fé da Requerente

 

Questão prévia:

 

128.       Importa desde já referir que esta questão não foi abordada na Decisão Arbitral emitida em 30 de Abril de 2015 no âmbito do processo arbitral em apreço.

 

129.       Considerando que houve uma omissão de pronúncia na referida decisão, a Autoridade Requerida, veio, ao abrigo dos artigos 26.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro RJAT apresentar impugnação de tal decisão.

 

130.       Requereu a Autoridade Requerida que a referida Decisão Arbitral fosse declarada nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, uma vez que não se pronunciou sobre o pedido de condenação em litigante de má-fé da Requerente, pedido deduzido pela Autoridade Requerida nas suas alegações finais no âmbito do presente processo arbitral.

 

131.       Ora, relativamente à alegada omissão de pronúncia - “pedido de condenação em litigante de má-fé da Requerente”, veio o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul (doravante abreviadamente identificado como TCA Sul), no seu douto Acordão, datado de 22/05/2019, Processo n.º 8755/15, para o qual remetemos, concluir pela sua procedência, considerando que a Decisão Arbitral não se pronunciou sobre a referida questão, verificando-se em consequência uma nulidade da Decisão Arbitral (nulidade parcial) que a afecta na parte correspondente.

 

132.       Ora, nos termos do artigo 27.º do RJAT, a impugnação de uma decisão arbitral com fundamento na alínea c) do artigo 28.º do RJAT, corresponde aos vícios das sentenças dos Tribunais Tributários nos termos do n.º 1, do artigo 125.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (designado de ora em diante CPPT), com correspondência ao estipulado nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.

 

133.       Nos termos do mencionado artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar. 

 

134.       Nestes termos, e de acordo com o douto Acórdão do Venerando TCA Sul, estamos perante uma nulidade parcial da Decisão Arbitral emitida em 22/05/2019, devendo assim o presente Tribunal Arbitral Singular, pronunciar-se sobre o pedido de condenação em litigante de má-fé da Requerente, suscitado pela Autoridade Requerida nas suas alegações finais apresentadas no processo arbitral, o que se faz nos termos que se seguem.

 

Apreciação:

 

135.       Suscitou a Autoridade Requerida nas suas Alegações Finais o incidente de litigância de má fé da Requerente com o argumento essencial de que esta teria passado de uma posição processual inicial segundo a qual a B...- empresa em cuja universalidade de posição jurídica a Requerente sucedeu- não teria qualquer activo ou passivo para vir em julgamento arbitral sustentar que, afinal, a B... sempre teria no seu activo diversos veículos automóveis.

 

136.       A Autoridade Requerida afirmou que “quem nada tem nada pode transmitir”.

 

137.       O Tribunal Arbitral sempre entendeu que as alegações da Autoridade Recorrida de conduta processual de má fé da Requerente constituíram mero expediente dilatório e simples argumento ou razão para sustentar a tese- considerada e rebatida pela decisão arbitral- de ilegitimidade processual parcial da Requerente e repartição de custas.

 

138.       Nesse sentido e estando estas duas questões analisadas e decididas em pormenor e suficientemente fundamentadas, entendeu o Tribunal Arbitral Singular que a arguição de má fé da Requerente se encontrava, por definição, também resolvida.

 

139.       Como refere o douto Acórdão do Venerando TCA Sul citando a magistral lição de Alberto dos Reis, o tribunal não carece de se pronunciar sobre todos os argumentos e razões e sobre todos os incidentes menores e laterais suscitados pelas partes mas apenas deve pronunciar-se sobre as verdadeiras questões de facto e de direito com verdadeiro e real interesse para o mérito da causa e para a boa administração da justiça.

 

140.       Analisada a conduta processual das partes, podemos concluir que a Requerente não terá pretendido apresentar uma acta comprovativa da sua ilegitimidade processual como ponto de partida para a sua posição num processo arbitral visando a sindicância de liquidações de IUC em que era visada.

 

141.       Colaborou a Requerente com o Tribunal Arbitral para esclarecer esse lapso da acta durante a audiência arbitral de forma a ter gerado a convicção de se ter efectivamente tratado de mero lapso.

 

142.       Quanto à Autoridade Recorrida das duas uma: ou conclui que a Requerente não tem legitimidade processual e nesse caso também nunca teria capacidade contributiva real nem seria responsável pelo pagamento das liquidações de IUC que lhe foram efectuadas- “quem nada tem nada pode transmitir”- ou teria de e conformar com a legitimidade processual da Requerente.

 

143.       Nem sequer o registo comercial faz prova plena criando apenas uma presunção legal ilidível quanto aos direito e factos a ele sujeitos.

 

144.       Assim, uma mera acta- documento particular- está sujeito a livre apreciação pelo julgador e in casu, o Tribunal Arbitral entendeu que tal acta continha, face a outros elementos de prova, inclusive testemunhal, um lapso.

 

145.       Venire contra factum proprium poderia em abstracto configurar uma conduta de má fé, mas apenas se de tal conduta censurável a Requerente pudesse extrair alguma vantagem.

 

146.       Ora, que vantagem poderia razoavelmente a Requerente extrair da apresentação de uma acta que lhe retiraria a legitimidade processual à sua própria demanda?

 

147.       Acresce e decisivamente que a Requerente nunca negou a titularidade dos automóveis em termos do respectivo registo automóvel.

 

148.       O cerne da argumentação da Requerente foi sempre no sentido de alegar que o registo automóvel constitui mera presunção legal ilidível de propriedade dos veículos a qual admite prova em contrário, por definição, tendo a Decisão Arbitral impugnada considerado que a Requerente logrou produzir tal prova parcialmente.

 

149.       Não se vislumbra assim, qualquer contradição ou inconsistência na posição adoptada pela Requerente na sua petição inicial face às suas alegações finais.

 

150.       Soçobra, assim, a alegação de litigância de má fé deduzida pela Autoridade Recorrida contra a Requerente nestes autos.

 

(iv)         Do direito a juros indemnizatórios

 

151.       A Requerente pede o reembolso dos montantes indevidamente pagos acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento até efectivo e integral reembolso.

 

152.       Nos termos do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode, de resto, ser reconhecido no processo arbitral.

 

153.       Estabelece ainda o artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, que deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários, que visa concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

154.       Estabelece o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

155.       Ora, o caso em apreço, suscita a questão de determinar se houve ou não erro imputável à Autoridade Tributária.

 

156.       Ao considerar que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção ilidível, o presumível proprietário poderá ilidir essa presunção demonstrando não ser já o proprietário do veículo em questão.

 

157.       Devendo assim a Autoridade Tributária, antes de efectuar a liquidação do imposto, dirigir-se ao outro sujeito passivo identificado como o real proprietário do veículo.

 

158.       In casu, a Requerente não usou os meios próprios e adequados, como a reclamação graciosa, para identificar o real proprietário como o verdadeiro sujeito passivo dos impostos liquidados oficiosamente.

 

159.       Assim sendo, entende este Tribunal que, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Autoridade Requerida limitou-se a dar cumprimento ao disposto no referido nº 1 do artigo 3º do Código do IUC, que considera que os sujeitos passivos do IUC são as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados.

 

160.       Por outro lado, tal como referido, a citada norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a Autoridade Requerida, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados sem necessidade de provar os factos que a elas conduzem, conforme expressamente prevê o nº 1 do artigo 350º do Código Civil.

 

161.       Em face do disposto, é de concluir que não estamos perante um erro imputável à Administração Tributária e por isso, decide-se pela improcedência do pedido de condenação da Autoridade Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios correspondentes às liquidações indevidas.

 

(v)          Do pagamento das custas arbitrais

 

162.       Por fim, alega a Autoridade Requerida na sua Resposta bem como nas suas Alegações escritas, que o IUC é liquidado de acordo com informação legitimamente gerada pela própria Autoridade Requerida.

 

163.       Alega ainda a Autoridade Requerida que a Requerente não tendo o cuidado com a actualização do registo automóvel como podia e competia nos termos do artigo 5,º, n.1, a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro e artigo 118.º, n.º 4 do Código da Estrada, e não tendo mandado cancelar as matrículas não procedeu com o zelo que lhe era exigível.

 

164.       Pelo que entende a Autoridade Requerida que esta se limitou a cumprir com as obrigações legais a que está adstrita, devendo a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais.

 

165.       Ora, nos termos do artigo 527º, nº 1 do CPC, será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

166.       O nº 2 do referido artigo 527º, concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que as custas deverão ser suportadas pelas partes na proporção em que decaírem.

 

167.       Nestes termos, a Requerente e/ou a Autoridade Requerida serão condenadas, se aplicável, tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, ou seja, sendo-lhes atribuída a responsabilidade por custas, na proporção em que forem parte vencida.

 

VIII.       DECISÃO

 

168.       Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

168.1     Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente no que concerne à ilisão da presunção de incidência subjetiva do artigo 3º do CIUC com a consequente anulação das liquidações de IUC correspondentes aos documentos com os números 1 a 8 juntos com a P.I. aos presentes autos com a consequente restituição do imposto e respectivos juros compensatórios indevidamente cobrados à Requerente, no montante de € 790.83 (setecentos e noventa euros e oitenta e três cêntimos).

168.2     Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerente como litigante de má fé.

168.3     Negar provimento ao pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios, absolvendo, em consequência, a Autoridade Requerida de tal pedido.

 

 

169.       Fixa-se o valor da ação em € 843,44 (oitocentos e quarenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

170.       Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2.22, n.º 4, do RJAT e do artigo 4.º do citado Regulamento condenando-se ambas as Partes ao seu pagamento na percentagem do respectivo decaimento, a qual corresponde a 93,77% e a 6,23%.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de Janeiro de 2020.

 

 

O Árbitro nomeado,

 

Paulino Brilhante Santos

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

O Árbitro Paulino Brilhante Santos, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 30 de Outubro de 2014 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 30 de Outubro de 2014), transmite o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

171.       Em 29 de Agosto de 2014, a sociedade A…, S.A., com o número de pessoa colectiva …, com sede na Rua …, n.º …, … Lisboa (doravante abreviadamente identificada por Requerente) requereu a constituição do Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante abreviadamente designado por RJAT), em conjugação com os artigos 1.º alínea a), 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

172.       No pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular, a Requerente pretende que o referido Tribunal declare a ilegalidade e a consequente anulação dos actos de liquidação oficiosa relativos ao Imposto Único de Circulação (IUC) respeitantes a 9 veículos efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada como a Autoridade Requerida).

 

173.       O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 01 de Setembro de 2014, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, tendo as Partes sido notificadas em 02 de Setembro de 2014.

 

174.       A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos e as Partes notificadas dessa designação em 15 de Outubro de 2014. O Tribunal foi constituído nos termos do disposto no artigo 11.º do RJAT, em 30 de Outubro de 2014.

 

175.       Em 03 de Dezembro de 2014, a Autoridade Requerida apresentou a sua Resposta invocando uma execpção dilatória de ilegitimidade parcial.

 

176.       Em 06 de Janeiro de 2015 a Requerente juntou uma resposta à douta resposta da Autoridade Requerida relativamente à excepção dilatória sustentada pela Autoridade Requerida.

 

177.       No dia 03 de Março de 2014, realizou-se com as Partes a Primeira Reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT da qual foi lavrada a correspondente acta que se encontra junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 

178.       No âmbito desta Primeira Reunião (adiante, a “Reunião”) foi decidido pelo Tribunal Arbitral:

8.4          A suspensão da Reunião para que a Requerente juntasse aos presentes autos certidão comercial da sociedade B…, tendo sido concedido um prazo de vista para a Autoridade Requerida, querendo, se poder pronunciar;

8.5          A notificação à Autoridade Requerida da Resposta da Requerente à excepção dilatória, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para a Autoridade Requerida se pronunciar;

8.6          E por último foi designado o dia 24.03.2015 para continuação da Reunião. 

 

179.       Em 05.03.2015, a Autoridade Requerida pronunciou-se sobre a Resposta da Requerente à excepção dilatória deduzida pela Autoridade Requerida no âmbito da sua Resposta.

180.       No dia 06.03.2015, a Requerente juntou aos presentes autos certidão comercial da sociedade B... Sobre a junção, a Autoridade Requerida veio pronunciar-se em 13.03.2015.

 

181.       Na Reunião realizada no dia 24.03.2015:

11.4       Foi inquirida a testemunha arrolada pela Requerente;

11.5       As Partes manifestaram preferência por apresentarem as suas alegações por escrito, pelo que, foi determinado o prazo para as partes apresentarem as suas alegações.

11.6       No encerramento da Reunião foi, ainda, designado o dia 30.04.2015 para prolação da Decisão Arbitral.

 

182.       As Partes apresentaram as suas alegações por escrito nos prazos fixados, mantendo, no essencial, ainda que com ulteriores considerações e desenvolvimentos, as posições assumidas nos respectivos Requerimento Inicial e Resposta.

 

183.       Deste modo, importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:

13.1       A Requerente (e, antes dela, a B..., cuja carteira de activos foi assumida pela Requerente) é uma instituição de crédito que, entre outras actividades, oferece aos clientes financiamento no sector automóvel;  

13.2       No exercício da sua actividade, a Requerente celebra contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

13.3       O presente pedido de pronúncia arbitral é deduzido por referência a 11 (onze) actos de liquidação adicional de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014, referentes a 9 (nove) veículos, os quais se encontram identificados no Anexo A integrante do pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por reproduzido;

13.4       A Requerente levantou uma questão prévia referindo que um dos actos de liquidação do IUC (o último identificado no Anexo A) foi dirigido à sociedade “B… – …, SA”, sociedade actualmente encerrada, tendo sido anteriormente detida exclusivamente pela Requerente;

13.5       Refere a Requerente que o veículo automóvel referido sob o número 11 do Anexo A, com a matrícula, …-…-…, foi objecto de contrato de locação financeira celebrado pela B…;

13.6       Neste contrato, a B… assumia a posição de entidade locadora, a qual, com a sua extinção, foi assumida pela Requerente na qualidade de sociedade dominante da B… e responsável pela sua dissolução e liquidação;

13.7       Refere também a Requerente que, em 2014, ano a que se reporta o IUC em questão, era já a Requerente que figurava como entidade locadora do respectivo veículo;

13.8       Assim sendo, entende a Requerente que detém legitimidade processual para apresentar o pedido de pronúncia arbitral quanto ao acto de liquidação referido;

13.9       Declara a ora Requerente que os veículos automóveis identificados no Anexo A foram dados em locação financeira;

13.10     E que na data do termo desses Contratos, os locatários dos respectivos veículos exerceram a sua opção de compra tendo-se tornado proprietários desses veículos;

13.11     A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam os actos de liquidação identificados no Anexo A;

13.12     Na sequência das notificações, a Requerente procedeu ao respectivo pagamento, apesar de alegar que a Autoridade Requerida, por força das audições prévias, deveria saber que os veículos automóveis em apreço já não eram da sua propriedade no momento em que o imposto devia ter sido pago;

13.13     “Com efeito, nos anos (e, por maioria de razão, nos meses desses anos) a que se reportam as referidas liquidações, os veículos a que as mesmas correspondem já tinham saído da esfera jurídica da Requerente, pertencendo a respectiva propriedade a outrem”;

13.14     “Pelo que, nas datas a que se reportam os factos tributários que originaram as liquidações de IUC aqui em causa, a Requerente já não era proprietária dos veículos a que as mesmas se referem”;

13.15     Alega então a Requerente que, consequentemente, não pode assumir a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado não podendo pois ser responsável pelo seu pagamento;

13.16     “(...) ainda que no ano (ou no mês) a que se reportam os IUC em causa, a transmissão dos referidos veículos não estivesse devidamente registada junto da Conservatória do Registo Automóvel”;

13.17     A título meramente subsidiário, alega a Requerente que mesmo antes de alienar os respectivos veículos não podia ser considerada sujeito passivo dos correspondentes IUC porquanto sobre tais veículos incidiam contratos de locação financeira sendo a responsabilidade pelo pagamento dos IUC dos locatários;

13.18     Fazendo alusão ao Ilustre jurista Agostinho Cardoso Guedes, conclui a Requerente que a ausência de registo de propriedade automóvel não é condição de validade do contrato de compra e venda nem condição de produção do efeito translativo do mesmo;

13.19     Não podendo por isso à Autoridade Requerida servir o argumento da falta de registo de transmissão para vir exigir à Requerente o imposto em falta;

13.20     Subscrevendo na íntegra as considerações do referido Ilustre jurista, alega a Requerente que uma vez vendido o veículo ao locatário, este passa a ser proprietário do mesmo, sendo aplicável o artigo 3.º do Código do Imposto Único Automóvel (CIUC);

13.21     Alega ainda que, através das referidas considerações, nos termos dos artigos 874.º, 879.º e 408.º, n.º 1, do Código Civil (CCivil) o facto jurídico que determina a transmissão de propriedade é unicamente o contrato e não outro facto posterior;

13.22     Continua referindo que, de acordo com o artigo 29º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, são aplicáveis ao registo automóvel, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao registo predial, na medida indispensável ao suprimento de lacunas da regulamentação própria;

13.23     Referindo assim os artigos 1.º e o artigo 7.º doCódigo de Registo Predial (CRP), a função primordial do registo é dar publicidade à situação jurídica dos bens e a inscrição no registo de certo bem constitui uma dupla presunção, presumindo-se que o direito existe nos precisos termos em que o registo o define e que o direito pertence ao titular inscrito nos precisos termos definidos no registo;

13.24     Concluindo que estas presunções são ilidíveis mediante prova em contrário nos termos do artigo 350.º, n.º 2 do CCivil;

13.25     Em continuação a Requerente alega que muito embora a ausência de registo não afecte a aquisição de qualidade de proprietário, “certo é que ela impede, porém, a eficácia plena do contrato de compra e venda; mas não quanto a todas as entidades”;

13.26     Apoia-se a Requerente nas considerações do ilustre jurista que, fazendo referência aos artigos 4.º, n.º 4 e 6.º, n.º 1 do CRP e ao artigo 892.º, 2ª parte do CCivil, considera que “estando em causa o pagamento do IUC, e não cabendo à Administração Fiscal no conceito de terceiro para efeitos de registo, uma vez que não adquire do mesmo transmitente direitos total ou parcialmente incompatíveis com os do comprador, conclui-se tranquilamente que aquela não pode escudar-se na ausência do registo de transmissão para exigir o pagamento do imposto devido ao anterior proprietário, seja este uma locadora ou qualquer outra pessoa ou entidade”;

13.27     Concluindo, “a Administração Fiscal não preenche os requisitos legais do conceito de terceiro para efeitos de registo (previsto no art. 5.º, n.º4, do CRP), razão pela qual não pode exigir ao vendedor o pagamento do imposto devido pelo comprador (proprietário) a partir do momento em que a presunção do art. 7.º seja afastada mediante a prova da respeciva venda”;

13.28     E ainda fazendo alusão às considerações do Ilustre jurista, a prova atrás referida, pode ser feita por qualquer meio, uma vez que a lei não exige forma escrita;

13.29     A “Administração Fiscal não pode recusar ou ignorar a prova produzida, a menos que tenha fundadas razões para questionar a autenticidade ou veracidade do documento”;

13.30     Concluindo que as liquidações realizadas na esfera da Requerente devem ser consideradas ilegais e consequentemente anuladas;

13.31     Para defender o seu entendimento a Requerente recorre ainda a várias decisões arbitrais, alegando que o artigo 3.º, n.º1 do CIUC consagra uma presunção ilidível por admitir sempre prova em contrário nos termos do artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT);

13.32     Recorrendo ainda a várias decisões arbitrais, entende a Requerente que as facturas de venda são prova bastante para demonstrar inequivocamente a transmissão dos veículos automóveis e adequados para ilidir a presunção fundada no registo até porque se tratam de documentos que gozam da presunção de veracidade nos termos do artigo 75.º da LGT;

13.33     Assim sendo, considera a Requerente que as facturas juntas ao presente pedido de pronúncia arbitral, afiguram-se plenamente suficientes para comprovar a transmissão dos veículos automóveis em apreço, gozando da presunção de veracidade do artigo 75.º da LGT;

13.34     Considera ainda não restarem quaisquer dúvidas de que a transmissão de propriedade dos referidos veículos, sucedeu antes de vencidos os IUC cuja liquidação se contesta;

13.35     Uma vez que o vencimento do IUC ocorre no aniversário dos meses de matrícula dos respectivos veículos conforme artigo 6.º, n.º 3 e artigo 4.º, n.º 2 do CIUC;

13.36     A título subsidiário alega a Requerente que ainda que houvesse dúvidas quanto à venda dos veículos em apreço, a circunstância de sobre os mesmos incidir um contrato de locação financeira, impunha que se alcançasse semelhante decisão;

13.37     Referindo-se à ratio subjacente ao IUC alega a Requerente que “o imposto sob apreciação é fortemente marcado por uma lógica ambiental, pretendendo-se que seja cobrado em função do potencial a que um determinado veículo automóvel se presta”;

13.38     Concluindo que o IUC tem como objecto da sua incidência a utilização do veículo e não o veículo em si mesmo, daí que o encargo corresponda em primeira linha à pessoa que utiliza o referido automóvel, pressupondo-se que seja o seu proprietário, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC;

13.39     Ora, refere a Requerente que de acordo com o artigo 3.º, n.º 2 do CIUC cabe às locatárias o gozo exclusivo do veículo automóvel sobre o qual recai o contrato bem como a obrigação de pagar o imposto;

13.40     Continuando, refere a Requerente que numa locação financeira, o locatário, como utilizador do veículo locado, nos termos do artigo 19.º do IUC, deve ser responsável “por indemnizar os custos (ambientes e viários) associados ao potencial de utilização do respectivo veículo”;

13.41     Concluindo ainda e em consequência que é com base na lei, devidamente interpretada, que se estabelece a sujeição a imposto do locatário;

13.42     E que a identidade dos locatários é do pleno conhecimento da Administração Tributária, uma vez que nos termos do artigo 19.º do CIUC, a Administração Tributária é atempadamente informada dos referidos contratos de locação assim como da identidade dos utilizadores dos veículos;

13.43     Termina a Requerente referindo que resulta evidente que a Requerente enquanto entidade locadora, não era sujeito passivo de IUC no quadro dos contratos de locação financeira de que foi parte;

13.44     Tanto mais que nesses casos, esses locatários já se haviam tornado proprietários nos anos cujo IUC está a ser exigido;

13.45     Por fim, a Requerente peticiona pela declaração de ilegalidade e consequente anulação dos 11 (onze) actos de liquidação relativos ao IUC respeitantes aos 9 (nove) veículos em apreço bem como a restituição do imposto e respectivos juros compensatórios indevidamente pagos acrescido de juros indemnizatórios previstos nos artigos 43.º da LGT;

 

184.       Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:

14.1       A Autoridade Requerida começa por apresentar a sua defesa por excepção alegando ilegitimidade parcial da Requerente;

14.2       Refere a Autoridade Requerida que, entre os actos tributários colocados em crise pela Requerente, figura a liquidação corporizada no Documento 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral referente ao veículo automóvel com a matrícula …-…-…;

14.3       Essa liquidação foi remetida à sociedade B… – … S.A., entidade agora extinta;

14.4       Não obstante a Requerente alegar que o conjunto dos activos e dos passivos da B… – …, S.A., foram incorporados na sua esfera, designadamente o contrato de leasing referente à viatura aqui mencionada, a acta de dissolução e liquidação da sociedade refere que esta já não tinha qualquer activo ou passivo;

14.5       Assim sendo, se deverá concluir pela sua ilegitimidade processual quanto ao referido acto tributário; 

14.6       Seguidamente apresentou a sua defesa por impugnação começando por se defender quanto à falta de fundamentação dos actos tributários em apreço alegada pela Requerente, referindo que não foi oferecido qualquer argumento para fundamentar tal alegação;

14.7       Não obstante, alega a Autoridade Requerida que “a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não de outra”.

14.8       Continua a Autoridade Requerida salientando a natureza de “processo de massa” que representa a liquidação de IUC;

14.9       “Natureza aquela que se repercute na forma das notificações, nomeadamente na consagração de uma fundamentação padronizada e informatizada, mas que ainda assim não deixa de observar o disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária nem coloca em causa as finalidades garantísticas do direito à fundamentação”;

14.10     Refere ainda que a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT;

14.11     No presente caso, considera a Autoridade Requerida que “a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater ponto por ponto, toda a sua actuação”; 

14.12     Quanto ao erro sobre os pressupostos dos actos tributários alegados pela Requerente, na medida em que já não era proprietária dos veículos em causa no momento em que se venceu a obrigação de liquidação dos respectivos IUC, entende a Autoridade Requerida que, tais alegações “não podem de todo proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso subjudice notoriamente errada”;

14.13     De acordo com a Autoridade Requerida, o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o IUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e bem assim, em todo o CIUC; 

14.14     Desenvolvendo a sua posição, diz a Autoridade Requerida que o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC, estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados;

14.15     Em defesa do seu ponto de vista, refere a Autoridade Requerida que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito e que “o normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 3.º, em que o legislador fiscal expressa e intencionalmente consagra o que deve considerar-se legalmente para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros”;

14.16     Como exemplo, entre outros, refere o artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) em que o legislador tributário não presume que “há lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 do artigo referido, na outorga de contrato-promessa de aquisição e alienação de bens imóveis em que seja clausulado no contrato ou posteriormente que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual” a terceiro. Neste caso, o legislador expressa e intencionalmente assimila este contrato a uma transmissão onerosa de bens para efeitos de IMT;

14.17     Refere também o artigo 17.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) em que o legislador também não estabelece que os excedentes líquidos das cooperativas se presumem como resultado líquido do período, mas sim que estes se consideram como tal;

14.18     Acrescenta que grande parte das normas de incidência em sede de IRC, têm como ratio subjacente, determinar o que deve ser considerado como rendimento para efeitos deste imposto, pelo que, se se entendesse que ao usar a expressão “considera-se” o legislador fiscal teria consagrado uma presunção, praticamente todas as normas de incidência em sede de IRC seriam afastadas porque a contabilidade prescreve soluções diferentes das do CIRC, sendo exatamente o fim do legislador afastar as regras contabilísticas;

14.19     Em sequência, conclui a Autoridade Requerida que no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários, ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas em nome dos quais os veículos se encontram registados por ser a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal. Pelo que entender que o legislador consagrou aí uma presunção seria efetuar uma interpretação contra legem;

14.20     Refere a Autoridade Requerida que esse é o entendimento da jurisprudência fazendo menção a uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que acolheu a posição sufragada pela Autoridade Tributária;

14.21     Refere ainda que, se a Requerente pretende reagir contra a presunção de propriedade que lhe é atribuída, então forçosamente terá de reagir pelos meios próprios previstos no Regulamento do Registo Automóvel e nas leis registais subsidiariamente aplicáveis e contra o próprio teor do registo automóvel, mas não é pela impugnação das liquidações de IUC que se ilide a informação registral;

14.22     Considerando que “a presunção da propriedade automóvel decorre única, direta e exclusivamente do próprio regime registal automóvel, e não da legislação fiscal sobre automóveis que constitui um aspecto colateral àquele regime.”;

14.23     Por outro lado, apelando ao elemento sistemático, entende a Autoridade Requerida que a solução propugnada pela Requerente é intolerável não encontrando qualquer apoio na lei;

14.24     Isto porque, no mesmo sentido do que dispõe o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, estabelece o artigo 6.º do CIUC, sob a epígrafe “Facto Gerador e Exigibilidade”, no seu n.º 1, que “O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;

14.25     Ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto, apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (artigos 4.º, n.º 2 e 6.º n.º 3, ambos do CIUC, artigo 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis);

14.26     No mesmo sentido, milita a solução legislativa adotada pelo legislador fiscal no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respectivo registo;

14.27     Sustenta ainda a Autoridade Requerida que tal posição está patente na circunstância de o Registo Automóvel a que a Administração Tributária tem ou pode ter acesso, e o certificado no qual devem constar os atos sujeitos a registo, cuja exibição poderá ser exigida pela mesma Administração ao interessado, conterem todos os elementos destinados à determinação do sujeito passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais direitos, enunciados pelo CIUC como constitutivos da situação jurídica de sujeito passivo deste imposto;

14.28     Alega ainda a Autoridade Requerida que “na falta de tal registo, terá de ser o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Autoridade Tributária, tendo em conta a actual configuração do Sistema Jurídico, não terá de proceder à liquidação do Imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos”;

14.29     Assim sendo, a não actualização do registo, nos termos do artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do Sujeito Passivo do IUC e não na do Estado, enquanto sujeito ativo deste imposto;

14.30     Concluí a Autoridade Requerida alegando que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Ou seja, apesar de uma das ratio subjacentes à reforma da tributação automóvel ser a preocupação ambiental, o legislador pretendeu criar um IUC assente na tributação do proprietário, independentemente da circulação dos veículos;

14.31     Referindo-se aos documentos juntos pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, não obstante a Autoridade Requerida considerar que o artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção, considera que a Requerente que tais documentos não são prova suficiente para ilidir a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC;

14.32     Considera a Autoridade Requerida que as faturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, como a compra e venda, uma vez que não comprovam a aceitação por parte do adquirente;

14.33     Neste sentido, a Autoridade Requerida apoia-se em várias decisões arbitrais (Processos n.ºs 63/2014-T, 150/2014-T e 220/2014-T) que consideram as faturas documentos particulares unilaterais e internos, com um valor probatório muito limitado insuficiente para ilidir a presunção sobre a titularidade da propriedade de veículos;

14.34     Defende que uma fatura unilateralmente emitida pela Requerente não pode substituir o requerimento de registo automóvel, documento este aprovado por modelo oficial;

14.35     No entendimento da Autoridade Requerida, a Requerente deveria ter apresentado cópias do referido modelo oficial para registo de propriedade automóvel pois trata-se de documento assinado por ambas as partes intervenientes bem como prova documental do recebimento do preço;

14.36     Refere ainda a Autoridade Requerida que as faturas apresentadas pela Requerente são desconformes e por isso jamais poderão beneficiar da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º da LGT;

14.37     Quanto ao argumento subsidiário da vigência dos contratos de locação financeira, considera a Autoridade Requerida que os mesmos não estão em vigor;

14.38     Para além da fundamentação exposta, considera a Autoridade Requerida ser de referir que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade;

14.39     Concluindo que “a interpretação proposta pela Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio de confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária”;

14.40     Por último, e fazendo referência à responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais e do pagamento de juros indemnizatórios, refere a Autoridade Requerida que o IUC visa tributar o proprietário do automóvel revelado através do seu registo;

14.41     Afirma a Autoridade Requerida que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível relativamente à atualização do registo automóvel, como podia e competia nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro e artigo 118º, n.º 4 do Código da Estrada, e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos em questão;

14.42     Afirma ainda que a Autoridade Requerida limitou-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e a seguir a informação registal que lhe foi fornecida por quem de direito;

14.43     Considerando assim a Autoridade Requerida que foi a Requerente que deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, devendo por isso, ser a Requerente condenada ao pagamento das custas arbitrais;

14.44     Considera ainda a Autoridade Requerida que o mesmo raciocínio deverá ser aplicado ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente à luz dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT;

14.45     Conclui requerendo pela procedência da excepção invocada dando lugar à absolvição da instância e pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Autoridade Requerida do pedido.

 

 

II.            QUESTÃO PRÉVIA

 

Da alegada ilegitimidade parcial da Requerente

 

185.       Sintetizados os elementos factuais relevantes e a posição das Partes, importa, antes de mais, analisar e decidir a questão prévia suscitada pela Autoridade Requerida que, como atrás se referiu, se prende com a alegada ilegitimidade parcial da Requerente.

 

186.       Na Resposta apresentada no presente processo arbitral, veio a Autoridade Requerida defender-se por excepção invocando a ilegitimidade parcial da Requerente para requerer a declaração de ilegalidade de uma das liquidações que ora se impugnam, por ter sido dirigido a outra entidade que não a Requerente.

 

187.       Essa liquidação foi remetida à sociedade B… – … S.A., entidade agora extinta.

 

188.       Não obstante a Requerente alegar que o conjunto dos activos e dos passivos da B… – …, S.A., foram incorporados na sua esfera, designadamente o contrato de leasing referente à viatura aqui mencionada, alega a Autoridade Requerida que não o demonstrou minimamente pelo que se terá que concluir pela sua ilegitimidade processual quanto ao referido acto tributário.

 

189.       Veio então a Requerente apresentar resposta a tal excepção referindo que assumiu como suas as responsabilidades e contingências fiscais da Sociedade B… uma vez que a B… era detida, previamente à sua dissolução, exclusiva e unicamente pela Requerente.

 

190.       Sendo detida a 100% pela Requerente quaisquer contratos de locação que se encontrassem na “carteira” da B… foram transferidos para a Requerente aquando da dissolução desta.

 

191.       Alega de seguida que por força da legislação aplicável às relações de domínio entre sociedades comerciais nos termos dos artigos 491.º e 501.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a Requerente seria sempre responsável pelas dívidas da sociedade B… e por isso parte legítima neste processo arbitral.

 

192.       Alega ainda a Requerente que nos termos do artigo 163.º do CSC “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado”.

 

193.       E ainda nos termos do artigo 147.º, n.º 2 do mesmo Código, “as dívidas de natureza fiscal ainda não exigidas à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios”.

 

194.       Alega também a Requerente que a partir do momento em que suportou o imposto liquidado pela Autoridade Requerida, é titular de um interesse legítimo em discutir a sua legitimidade ao abrigo do artigo 9.º do CPPT.

 

195.       Em Resposta à Resposta à excepção deduzida pela Autoridade Requerida, veio esta referir que em matéria de dívidas fiscais, a responsabilidade de terceiros pelo seu pagamento advém do accionamento do instituto de reversão fiscal e não da aplicação de normas de direito societário referentes a uma suposta relação de domínio entre sociedades comerciais.

 

196.       Sustenta ainda a Autoridade Requerida que a Requerente não é o contribuinte directo nem o substituto ou o responsável pelas dívidas da B….

 

197.       A circunstância de ter pago não a torna parte legítima nos presentes autos face ao artigo 41.º da LGT.

 

198.       Ora, considerando os factos e as disposições legais apresentados pela Requerente, este Tribunal não considera procedente a excepção suscitada pela Autoridade Requerida, considerando assim a Requerente como parte legítima no presente processo arbitral.

 

199.       A B… era detida a 100% pela Requerente e, de acordo com a acta junta ao pedido de pronúncia arbitral (Anexo B) e com a Certidão do Registo Comercial da B…, a Requerente na qualidade de accionista único, deliberou em 31 de Dezembro de 2008 proceder à sua dissolução e liquidação imediata, tendo o accionista, a Requerente, sido nomeada depositária da sociedade extinta.

 

200.       Sendo a única accionista da B… e tendo sido nomeada depositária aquando da extinção daquela, considera este Tribunal que a Requerente assumiu os contratos de locação da B….

 

201.       Nos termos do artigo 147.º, n.º 2 do CSC, “as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios”.

 

202.       Refere ainda o artigo 163.º do mesmo diploma que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado”.

 

203.       Também de acordo com os artigos 491º e 501º do CSC, entende o Tribunal Arbitral que a Requerente seria sempre considerada responsável pelas dívidas da sociedade B….

 

204.       Entende também o Tribunal Arbitral que a Requerente tem legitimidade no processo tributário, nos termos do artigo 9.º do CPPT, ao estatuir que têm legitimidade no processo tributário os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis,

 

205.       A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IUC na qualidade de anterior sócia exclusiva e responsável pela dissolução e liquidação da B….

 

206.       Entende assim o Tribunal Arbitral que a Requerente tem legitimidade para contestar o acto de liquidação de IUC correspondente à sociedade B…, não devendo ser considerada procedente a excepção invocada pela Autoridade Requerida.

 

III.          SANEADOR

 

207.       O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

208.       As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

209.       Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe agora, conhecer do mérito do pedido.

 

IV.          CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

 

210.       Considerando o elevado número de viaturas, bem como o volume de documentação necessário para comprovar os factos alegados, a Requerente, invocando o princípio da economia processual, requereu a apreciação conjunta dos actos tributários em causa.

 

211.       Considerada a identidade do facto tributário, do tribunal arbitral competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos artigos 104.º do CPPT e 3.º do RJAT à pretendida cumulação de pedidos.

 

V.           OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

 

212.       Vêm colocadas ao Tribunal Arbitral as seguintes questões nos termos atrás descritos:

212.1     A norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º do CIUC consagra ou não uma presunção de propriedade ilidível?

212.2     Entendendo que a referida norma consagra uma presunção ilidível, os documentos apresentados pela Requerente constituem elementos de prova bastantes para ilidir a supra mencionada presunção legal?

 

VI.          MATÉRIA DE FACTO

 

213.       Para provar os factos alegados, a Requerente apresentou a seguinte prova documental:

213.1     Quadro com uma listagem das matrículas de todas as viaturas em questão, números de facturas e IUC’s correspondentes (Anexo A);

213.2     Cópia da Acta n.º 30 da “B…” (Anexo B);

213.3     Fotocópias das notas de liquidação objecto do presente pedido e respectivos pagamentos (Docs. 1 a 9);

213.4     Fotocópias dos Contratos de Aluguer de Veículo Automóvel sem Condutor das 9 (nove) viaturas objecto do presente pedido (Docs. 10 a 18);

213.5     Fotocópias de 9 (nove) facturas relativas aos 9 (nove) veículos vendidos;

213.6     Acta de dissolução e liquidação da B… (Anexo B);

213.7     Certidão da Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia relativa à sociedade B….

 

214.       A Requerente apresentou ainda a seguinte prova testemunhal:

44.1 C, técnica de operações no A…, S.A., que testemunhou sobre a circunstância da Requerente ter sucedido aquela no que respeita à posição contratual que detinha a B… nos contratos de locação que havia celebrado com os locatários. Muito sucintamente a testemunha declarou o seguinte:

44.1.1 A testemunha acompanha as operações referentes aos contratos de locação financeira da Requerente;

44.1.2 Em 2008, a Requerente absorveu a carteira de activos da B…;

44.1.3 As facturas que têm referido no descritivo “venda de bens”, são emitidas quando um cliente antecipa o pagamento e liquida o contrato de locação financeira antes do seu termo com vista a adquirir a veículo objecto do contrato;

44.1.4 As facturas que têm referido no seu descritivo “valor residual” são emitidas no termo do contrato com vista à aquisição definitiva do veículo pelo cliente;

44.1.5 Aquando das vendas dos veículos são os clientes que procedem ao registo de compra e venda;

44.1.6 O Documento junto aos autos com o número 27, trata-se de uma segunda via que não tem o logotipo da Requerente uma vez que a a primeira via foi emitida pela B…, entidade que procedeu à venda da viatura.

 

215.       A Autoridade Recorrida juntou o processo administrativo.

 

216.       Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a Decisão Arbitral a proferir, com base na prova documental junta aos autos:

 

216.1     A Requerente é uma instituição de crédito que no exercício da sua actividade, celebra contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

216.2     O presente pedido de pronúncia arbitral é deduzido por referência a 11 (onze) actos de liquidação adicional de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014, referentes a 9 (nove) veículos (Anexo A e Docs. 1 a 9);

216.3     O acto de liquidação n.º 2014 … foi dirigido à sociedade B…;

216.4     A Sociedade B… encontra-se dissolvida e liquidada (Anexo B e Certidão do Registo Comercial da B…);

216.5     O veículo automóvel com a matrícula …-…-… foi objecto de locação financeira celebrado pela B… (Doc. 18 e Certidão do Registo Comercial da B…);

216.6     A posição de entidade locadora do veículo automóvel com a matrícula …-…-… foi assumida pela Requerente na qualidade de accionista única da B… (Anexo B e Certidão do Registo Comercial e depoimento da testemunha arrolada);

216.7     Os veículos automóveis objecto do presente processo arbitral foram dados em locação financeira (Docs. 10 a 18);

216.8     No termo dos Contratos de Locação Financeira todos os veículos com excepção do veículo com a matrícula …-…-… foram vendidos aos locatários ou a terceiros (Docs. 19 a 26);

216.9     A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam os actos de liquidação oficiosa identificados no Anexo A nos casos de 1 a 9 (Docs. 1 a 8);

216.10   Na sequência das notificações, procedeu ao pagamento de todos os actos de liquidação em apreço no presente processo (Docs. 1 a 9);

216.11   Todos os veículos com excepção do veículo com a matrícula …-…-…, foram vendidos em data anterior à da exigibilidade do imposto (Docs. 19 a 26);

216.12   Os veículos constantes dos IUC’s em questão ainda se encontravam inscritos na Conservatória do Registo Automóvel em nome da Requerente no momento da respectiva liquidação do IUC (cfr.Processo Administrativo).

 

48           Entende o Tribunal Arbitral que as facturas emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC.

49           Assim sendo, o Tribunal Arbitral entende que apenas as facturas juntas à P.I. sob a forma de Documentos 19 a 26,foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º do CIVA e por isso constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC:

 

50           Consideram-se não provados os seguintes factos com relevância para a decisão arbitral a proferir:

50.1       A factura junta à P.I. sob a forma de documento 27 não constitui meio de prova para ilidir a referida presunção por não se verificarem todos os referidos requisitos legalmente exigidos no artigo 36.º do CIVA, nomeadamente o nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e o correspondente números de identificação fiscal;

50.2       Assim sendo, apesar do Tribunal Arbitral entender que a Requerente tem legitimidade para contestar o acto de liquidação de IUC correspondente à sociedade B…, relativo à viatura com a matrícula …-…-…, não pode considerar como provada a venda do referido veículo com base na respectiva factura junta aos autos (Doc.27).

50.3       Apesar da prova testemunhal ter declarado que a referida factura, ao tratar-se de uma segunda via, não tem o logotipo da Requerente porque a primeira via foi emitida pela B…, impunha-se a junção aos autos de cópia dita primeira via da factura de forma a cumprir com todos os requisitos exigidos pelo referido artigo 36.º do CIVA.

50.4       Não pode ainda o Tribunal aceitar o Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel Sem Condutor, junto à P.I. sob a forma de documento 18, uma vez que o mesmo teve o seu termo em 14.03.2004, não se encontrando assim em vigor na data da exigibilidade do correspondente IUC que aqui se discute (Doc. 9).

50.5       Nestes termos não se considera provada a venda da viatura com a matrícula …-…-….

 

VII.         DO DIREITO APLICÁVEL

 

51           Quanto à questão da falta de fundamentação dos actos tributários em apreço, embora ela seja suscitada pela Requerente, não foram oferecidos quaisquer argumentos para a fundamentar, o que faz com que o Tribunal não tenha como se pronunciar sobre ela, pelo que a declara improcedente por não provada.

 

(vi)         A norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra ou não uma presunção de propriedade ilidível?

 

52           Como vimos, a questão principal objecto da presente decisão, versa sobre a interpretação do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, designadamente, se o mesmo contempla ou não uma presunção ilidível de que os sujeitos passivos do imposto são os proprietários dos veículos, tendo-se como tais, em definitivo ou não, as pessoas em nome de quem os veículos estejam registados.

 

53           Dispõe o nº 1 do referido artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

 

54           A expressão usada no referido artigo, “considerando-se” suscita a questão de saber se à mesma pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se, à expressão “presumindo-se”.

 

55           Antes de mais, há que fazer referência ao n.º 1 do artigo 11.º da LGT que estabelece que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

56           Neste quadro, não pode deixar de considerar-se igualmente o artigo 9.º do CC enquanto preceito que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correcta e adequada das normas jurídicas, incluindo as fiscais que, a este propósito, não apresentam qualquer especialidade que deva ser apreciada ou ponderada, excepto um especial cuidado com a observância do princípio da legalidade, da não retroactividade da lei fiscal em certos casos e da adesão ao princípio da prevalência da verdade material sobre a forma.

 

57           O texto do n.º 1 do referido artigo 9.º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que ela é aplicada.

 

58           Começando pelo teor literal do n.º 1 do artigo 3.º do IUC, há que encontrar o pensamento legislativo subjacente no sentido de saber se o mesmo contempla ou não a presunção de que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, tendo-se como tais, em definitivo ou não, as pessoas em nome de quem os veículos estejam registados.

 

59           Como referido, a expressão usada no referido artigo “considerando-se” suscita assim a questão de saber se a tal expressão poderá ser atribuído um sentido presuntivo equiparando-se à expressão “presumindo-se”.

 

60           Com efeito, da análise do nosso ordenamento jurídico, tratam-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, seja ao nível das presunções ilidíveis ou inilidíveis.

 

61           A título de mero exemplo, no âmbito do Direito Civil encontramos, entre outros, o artigo 243.º, n.º 3 do Código Civil quando dispõe que: “Considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo de ação de simulação, quando a este haja lugar”, ou o artigo 314º do mesmo código quando dispõe que: “Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”. 

 

62           A título igualmente exemplificativo, poder-se-á referir também, no âmbito do direito da propriedade industrial, o disposto no n.º 5 do artigo 59º do Código da Propriedade Industrial, onde se estabelece que “As invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho” bem como o artigo 98º do mesmo código onde também o termo “considerando” é usado num contexto presuntivo.

 

63           Também no ordenamento jurídico tributário encontramos, várias normas legais que consagram presunções utilizando o verbo “considerar”.

 

64           Como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, na anotação n.º 3 ao artigo 73.º “As presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão «presume-se» ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é viável apurar o valor real (…)” referindo como exemplos, entre outros, os artigos 45.º, n.º 2 e 46.º, n.º 2 do CIRS, o artigo 21.º, n.º 2 e 58.º, n.º 4 do CIRC.

 

65           Poder-se-á igualmente referir o disposto no nº 6 do art.º 45º da LGT quando, para efeitos da notificação da liquidação dos tributos, se estabelece que “(…) as notificações sob registo consideram-se validamente efetuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”, bem como o n.º 4 do artigo 89º-A da mesma Lei, onde está consagrada igualmente uma presunção, quando estabelece que nas situações em que o sujeito passivo não faça a prova referida no n.º 3 do mesmo artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, os rendimentos que resultam da tabela que consta no n.º 4 do referido artigo.

 

66           Citando ainda Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, é “[…] imposto ao contribuinte o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade (nº 3 do art.º 89º-A) e, não sendo ela feita, presume-se que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta do nº 4 do mesmo artigo.”. A este propósito, e neste mesmo sentido, importa referir o Acórdão do STA de 02-05-2012, Processo 0381/12, e de 17-04-2013, Processo 0433/13.

 

67           Face ao exposto, será de concluir que não é só quando é usado o termo “presumir” que estamos perante uma presunção. O verbo “considerar” é recorrentemente usado com um propósito e significado equivalente, o que, no entender deste Tribunal, é precisamente o caso do nº 1 do art.º 3º do CIUC, tratando-se de um entendimento que se mostra em total sintonia com o disposto no n.º 2 do art.º 9º do CC, o qual exige que o pensamento legislativo tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal

 

68           Há que atender também ao elemento racional ou teleológico. A este propósito refere o artigo 1.º do CIUC sob a epígrafe “princípio da equivalência” que “O Imposto Único de Circulação obedece ao princípio da equivalência procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

69           A este propósito, cabe lembrar a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07 de Março de 2007, que procedeu à reforma global da tributação automóvel, aprovando o Código do Imposto sobre Veículos (ISV) e o IUC, quando menciona que a referida reforma resulta da necessidade não só de trazer clareza e coerência a esta área do sistema fiscal, mas sobretudo resulta da necessidade de subordiná-la aos princípios e preocupações de ordem ambiental e energética.

 

70           Com efeito, a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação dos mesmos.

 

71           Refere ainda a mesma Proposta, que os dois novos impostos visam com certeza angariar receita pública, mas angariá-la na medida do custo que cada indivíduo provoca à comunidade, acrescentando no Anexo II, relativamente ao IUC, que “como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o principio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”.

 

72           Trata-se assim de um princípio estruturante do IUC que deverá ser tido em conta na interpretação do artigo 3.º do IUC relativo à incidência subjectiva, na medida em que pretende tributar o sujeito passivo proprietário do veículo no pressuposto de ser esse o real e efectivo sujeito causador dos danos viários e ambientais. 

 

73           Atendendo agora ao elemento histórico na interpretação do artigo 3.º do IUC, alega a Autoridade Requerida na sua Resposta, que o legislador fiscal determinou que se considerem como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados, não utilizando a expressão “presumem-se” como poderia ter feito.

 

74           Com efeito, desde o nascimento do imposto criado pelo Decreto-Lei n.º 599/72, de 30 de Dezembro, até ao último diploma vigente antes da entrada do actual regime, estava consagrada uma presunção relativamente aos sujeitos passivos do imposto, sendo estes os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas em nome de quem os mesmos se encontravam registados.  

 

75           O legislador posteriormente optou por usar a expressão “considerando-se” em vez da expressão “presumindo-se”.

 

76           Ora, tal como já foi referido, e dado vários exemplos, no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no ordenamento jurídico tributário, as referidas expressões são frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, seja ao nível das presunções ilidíveis ou inilidíveis.

 

77           Assim ocorreu no artigo 3.º, n.º1 do CIUC em que se consagrou uma presunção revelada pela expressão “considerando-se” e ao contrário da posição expressa pela Autoridade Tributária, entende este Tribunal que se está perante uma mera questão semântica que não altera o conteúdo da norma em questão. 

 

78           Tendo em conta os vários elementos de interpretação expostos, todos apontam no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo assim entender-se que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73.º da LGT deverá ser considerada como uma presunção ilídivel, não podendo aceitar-se como pretende a Autoridade Tributária, de que os sujeitos passivos do IUC sejam somente aqueles que constam no registo automóvel como proprietários dos veículos. 

 

79           Acresce que o Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis (CRA), não prevendo qualquer norma de carácter constitutivo quanto ao registo de propriedade automóvel, se limita a estabelecer no n.º 1 do artigo 1.º que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”

 

80           E, de acordo com o artigo 7.º do CRP aplicável supletivamente ao registo automóvel por remissão do artigo 29.º do CRA, determina que o registo apenas “(...) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

81           A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) pronunciou-se em Acórdãos de 19/02/2004 e 29/01/2008, proferidos nos processos n.ºs 03B4369 e 07B4528 respectivamente, concluindo que o registo definitivo constitui uma mera presunção ilidível de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, admitindo-se, assim, prova em contrário.

 

82           Nestes termos, será de concluir para a situação em análise, que a função do registo é a de publicitar a situação jurídica dos veículos, presumindo-se que pertencem ao titular inscrito nos termos em que o registo o define, não configurando o registo uma condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

 

83           Os compradores tornam-se assim proprietários dos veículos por via da celebração de contratos de compra e venda, independentemente do registo.

 

84           De referir ainda a este propósito, o artigo 408.º, n.º 1 CC que estabelece que a transferência de direitos reais sobre as coisas, neste caso veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato.

 

85           Assim, face ao que se vem referindo, não pode deixar de se considerar que o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, configura uma presunção legal ilidível por força do artigo 73º da LGT, permitindo, deste modo, que a pessoa que está inscrita no registo como proprietário do veículo, possa apresentar elementos de prova para demonstrar que já não é proprietário uma vez que a propriedade sobre o veículo em questão tenha sido transferida para outra pessoa.

 

86           Deverá ser essa outra pessoa, devidamente identificada pelo presumível proprietário, a quem a Autoridade Tributária se deve dirigir para efectuar a liquidação do IUC que se mostrar devido sempre que a pessoa indicada no registo como proprietária do veículo lograr fazer prova bastante de não ser e ou de já não ser, à data da ocorrência do facto gerador do imposto, proprietária da viatura objecto de tal tributo.

 

87           Deste modo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, caso o contribuinte venha a demonstrar em sede de audiência prévia, reclamação graciosa e ou outro procedimento tributário adequado que não é o verdadeiro proprietário do veículo, redireccionando-se o procedimento tributário competente para aquele que for o verdadeiro sujeito passivo do imposto em causa.

 

88           Assim, quando a Autoridade Tributária considera que os sujeitos passivos do IUC são apenas as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem ter em conta os elementos probatórios que lhe forem apresentados, está a proceder a uma liquidação indevida do imposto assente numa errónea e equivocada interpretação do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC.

 

89           Pode, naturalmente, admitir-se que a expressão “presume-se” é mais clara e taxativa do que a expressão “considera-se; mas daí não se segue nem lógica nem teleologicamente que ambas as expressões tenham necessariamente de ter um sentido divergente ou sequer diverso.

 

90           O exemplo dado pela Autoridade Recorrida, alicerçado no artigo 17º- supomos que referido ao seu nº 2- do CIRC, é um caso típico de um tal erro de direito que conduz, in casu, à invalidade das liquidações de IUC controvertidas.

 

91           Senão vejamos: o supra mencionado preceito legal do artigo 17º nº 2 do CIRC determina exactamente o seguinte: “Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do exercício.” (sublinhado nosso)

 

92           Lida apenas esta norma, a mesma poderia ser uma norma de incidência objectiva sem mais ou uma norma consagrando uma mera presunção legal, ilidível ou não.

 

93           Na realidade, trata-se clara e inequivocamente de uma norma de incidência objectiva sem mais.

 

94           Isto porque a regra do dito n.º 2 do artigo 17º do CIRC começa por remeter para o n.º 1 anterior do mesmo artigo que, por seu turno nos refere para a alínea a) do n.º 1 do artigo 3º do mesmo CIRC.

 

95           Este último preceito, usando, diga-se, en passant, uma técnica legislativa discutível, estatui que a base deste imposto - o IRC, é constituída pelo “(...) lucro das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, das cooperativas (...). (sublinhado nosso)

 

96           Ora, em bom rigor, as cooperativas não dão nem podem sequer dar lucro no sentido juridicamente aplicável do termo, pelo que tão pouco os seus resultados podem ser expressos, contrariamente aos das sociedades comerciais e ou das sociedades civis sob a forma comercial enquanto resultados líquidos do exercício, no estrito sentido contabilístico e fiscal do termo.

 

97           Assim, somente da conjugação entre estes dois preceitos legais do CIRC- artigo 3º, n.º 1, alínea a) e artigo 17º, números 1 e 2 se pode alcançar a verdadeira natureza económica dos excedentes das cooperativas os quais constituem base tributável em IRC.

 

98           Razão pela qual, numa interpretação não apenas com correspondência literal, mas também teleológica e sistemática dos ditos preceitos legais do IRC se pode concluir decisiva e inquestionavelmente que a expressão “consideram-se” consagrada no supra mencionado artigo 17º, n.º 2 do CIRC não pode, em caso algum, ser tomada como uma presunção, ilidível ou não, mas antes e somente como parte de uma norma, toda ela, absolutamente prescritiva e imperativa.

 

99           Nem se afigura pertinente, para efeitos de se entender a norma do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC como uma disposição prescritiva ou imperativa o seu confronto com o disposto no artigo 6º, n.º 1 do mesmo diploma legal, contrariamente ao sustentado pela Autoridade Recorrida.

 

100         Na verdade, enquanto que no exemplo dado pela própria Autoridade Recorrida - artigos 3º, n.º 1 alínea a) e 17º, n.º 2 do CIRC- que analisámos e confrontámos, a fim de determinar a natureza deste último preceito legal, concluindo serem normas de incidência objectiva em ambos os casos - , na situação das normas do n.º 1 do artigo 3º do CIUC e do artigo 6º, n.º 1 do mesmo diploma legal, a Autoridade Recorrida procura elucidar o sentido da primeira regra - norma de incidência subjectiva – por confronto com o disposto na segunda – norma de incidência territorial e que visa determinar o facto gerador do imposto.

 

101         Ou seja, a Autoridade Recorrida procura justificar a sua tese quanto ao carácter prescritivo ou impositivo, ao invés de presuntivo, da norma de incidência subjectiva do n.º 1 do artigo 3º do CIUC – que determina apenas o sujeito passivo do imposto, em nosso entender, o proprietário do veículo, presumindo-se ser o que consta do registo automóvel, presunção, a nosso ver, ilídivel - com uma norma de natureza completamente distinta que não permite nem esclarecer nem clarificar o sentido da primeira - a norma de incidência territorial e definidora do facto gerador do imposto - a qual, por definição, esclarece o campo de aplicação e o facto que determina a liquidação do imposto mas nem mesmo remota e ou implicitamente o respectivo sujeito passivo.

 

102         Eis porque a Autoridade Recorrida, em nosso entender, não tem apoio legal nem para a comparação que procura fazer com a aludida norma do artigo 17º nº 2 do CIRC - e, acrescente-se, com as demais normas do CIRC citadas na sua, aliás, douta Resposta – nem com a análise sistemática que procurou fazer do CIUC ao aplicar a norma do artigo 3º, n.º 1 em confronto com o n.º 1 do artigo 6º desse mesmo diploma legal.

 

103         É, de resto, elucidativo, que a Autoridade Recorrida, na sua douta Resposta faça apenas referência a normas de incidência objectiva e nenhuma referência a normas de incidência subjectiva, supomos por não lhe ocorrer nenhuma comparação ou analogia relevante neste último e decisivo domínio para a questão dos presentes autos.

 

104         Ora, é sabido que rendimentos e ou avaliações ou ainda determinações da matéria colectável em impostos podem, na ausência ou na extrema dificuldade, por razões de prova e ou de administração de tributos, serem fixados segundo critérios objectivos determinados pela lei fiscal, bem como a lei tributária pode e deve determinar critérios objectivos quanto à verificação dos factos geradores de impostos e à data ou momento de tal verificação e ainda critérios objectivos - ainda que estes últimos possam ficar sujeitos a aplicação de convenções para evitar a dupla tributação em certos casos - para a incidência territorial de impostos.

 

105         Mas já nos pareceria abusivo que a lei fiscal pudesse fixar presunções inilidíveis ou, pior ainda, normas prescritivas, sobre quem é sujeito passivo de um imposto com base num mero registo de propriedade sobre um bem, sendo sabido que um tal registo é, ele mesmo, uma mera presunção, claramente ilidível, de um tal título de propriedade.

 

106         Pensamos que terá sido por estas e outras fundadas razões que tem sido pacífico o entendimento nas decisões arbitrais no sentido de concluir, tal como agora este Tribunal também conclui, que o n.º 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção ilidível, admitindo por essa via que, não obstante o registo de propriedade do veículo se encontrar ainda em nome do sujeito passivo, este poderá demonstrar não ser o proprietário à data da liquidação do imposto e, como tal, não ser responsável pelo pagamento deste.

 

(vii)        Ilisão da presunção

 

107         Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente apresentou como prova cópias de diversas facturas de venda das viaturas constantes dos IUC’s em questão, que demonstram ser de datas anteriores à obrigação fiscal exigida e por conseguinte, a Requerente não deveria suportar o imposto relativo à circulação de tais veículos.

 

108         Tal como foi referido nos pontos 47 e 48 desta Decisão, relativamente aos factos provados, e de acordo com os requisitos da lei tributária, apenas foram aceites por este Tribunal Arbitral as facturas emitidas e juntas a estes autos pela Requerente achadas de acordo com os requisitos legais estabelecidos no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.

 

109         Importa agora aferir se as cópias das facturas apresentadas corporizam meios de prova com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo.

 

110         Alega a Autoridade Requerida que uma factura unilateralmente emitida é um documento particular e interno, com um valor probatório diminuto, e que por isso não pode substituir o requerimento de registo automóvel, documento este aprovado por modelo oficial.

 

111         Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Tribunal Arbitral que as facturas emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC.

 

112         A contrario, aquelas facturas que não foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º do CIVA, não podem ser aceites como meio de prova.

 

113         No âmbito do princípio da verdade material, princípio ordenador do processo fiscal, o Tribunal Arbitral é obrigado a pôr em causa senão a idoneidade, seguramente a validade enquanto meio de prova das facturas que não são emitidas com todos os requisitos legais.

 

114         Entende, porém e por outro lado, o Tribunal Arbitral que a Administração Fiscal não pode deixar de dar valor às facturas regularmente emitidas por um sujeito passivo.

 

115         Com efeito, de acordo com a lei civil, artigo 219º do CC, na situação em apreço, estamos perante contratos de compra e venda de coisas móveis que não estão sujeitos a nenhum formalismo especial.

 

116         Não obstante estarmos perante situações em que o registo é obrigatório, não podemos concluir que somente o modelo de registo automóvel seja o único e exclusivo meio de prova para ilidir a presunção de propriedade como refere a Autoridade Requerida.

 

117         De facto, entende o Tribunal que os documentos particulares, unilaterais ou bilaterais, não têm um valor probatório diminuto. Apenas não fazem prova plena face aos documentos autênticos.

 

118         Não há nada na lei civil que nos leve a afirmar que os documentos particulares têm um valor de prova diminuto para efeitos de ilisão de uma presunção legal ou para qualquer outro fim probatório face a documentos autênticos ou documentos extraídos de registos públicos.

 

119         Entendimento diverso levaria a que um registo público, como é o registo automóvel, ao invés de estabelecer uma mera presunção ilidível relativamente aos factos a ele sujeitos, na prática, dada a previsível escassez de meios de prova em contrário que seriam admitidos, estabelecesse uma presunção que seria, na prática e em quase todos os casos, inilidível, o que iria contra a natureza legal de qualquer registo público, para mais de um registo de bens móveis como é o registo automóvel.

 

120         Entende ainda o Tribunal Arbitral que uma vez que a Administração Tributária considera as facturas documentos relevantes, por exemplo na determinação da liquidação de impostos, não pode agora não aceitar essas mesmas facturas para efeitos probatórios, alegando serem documentos particulares e unilaterais, a não ser que arguisse a sua falsidade, o que não o fez.

 

121         De facto, a Requerente, sendo uma sociedade, obedece a rigorosas regras legais de ordem comercial, contabilística e fiscal, nomeadamente no que concerne à facturação, citando como exemplo os artigos 19.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, alínea b) e 36.º do CIVA e artigos 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2 do CIRC.

 

122         Ora, nos termos do referido artigo 75.º, n.º 1 da LGT, caberia à Autoridade Requerida apresentar e demonstrar indícios concretos e fundamentados de que as facturas apresentadas pela Requerente não correspondiam à realidade.

 

123         Isto porque, no entender do Tribunal Arbitral, se à Requerente cabe a ilidir a presunção estabelecida no artigo 3º, n.º 1 do CIUC, com o correspondente ónus da prova - o que consideramos ter feito com a apresentação de facturas emitidas pela forma legal – já caberia à Autoridade Requerida o ónus de reverter tal ilisão da presunção levada a cabo pela Requerente demonstrando a falsidade ou, pelo menos, a falta de idoneidade e ou a irregularidade das facturas emitidas pela Requerida pela forma legal.

 

124         O que a Autoridade Requerida não fez.

 

125         Como se encontra estabelecido, a Autoridade Requerida não apresentou qualquer prova; limitou-se a conjecturar e ou a especular, perante documentos que o Tribunal Arbitral considera terem valor probatório e todos os requisitos de facturas regularmente emitidas pela forma legal, de que as mesmas poderiam não corresponder a verdadeiras e efectivas transacções.

 

126         Razão pela qual este Tribunal Arbitral não pode dar como cumprido este ónus da prova que caberia à Autoridade Requerida, com base em alegações não substanciadas e ou meras suspeitas e conjecturas.

 

127         Pelo exposto, considera o Tribunal Arbitral que os referidos meios de prova apresentados pela Requerente, desde que emitidos de acordo com a legislação fiscal e comercial, questão que a Autoridade Requerida não suscita e não põe em causa, gozam da presunção de veracidade que lhes é conferida pelo artigo 75.º, n.º 1 da LGT, afigurando-se assim com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC.

 

(viii)       Do direito a juros indemnizatórios

 

128         A Requerente pede o reembolso dos montantes indevidamente pagos acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento até efectivo e integral reembolso.

 

129         Nos termos do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode, de resto, ser reconhecido no processo arbitral.

 

130         Estabelece ainda o artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, que deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários, que visa concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

131         Estabelece o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

132         Ora, o caso em apreço, suscita a questão de determinar se houve ou não erro imputável à Autoridade Tributária.

 

133         Ao considerar que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção ilidível, o presumível proprietário poderá ilidir essa presunção demonstrando não ser já o proprietário do veículo em questão.

 

134         Devendo assim a Autoridade Tributária, antes de efectuar a liquidação do imposto, dirigir-se ao outro sujeito passivo identificado como o real proprietário do veículo.

 

135         In casu, a Requerente não usou os meios próprios e adequados, como a reclamação graciosa, para identificar o real proprietário como o verdadeiro sujeito passivo dos impostos liquidados oficiosamente.

 

136         Assim sendo, entende este Tribunal que, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Autoridade Requerida limitou-se a dar cumprimento ao disposto no referido nº 1 do artigo 3º do Código do IUC, que considera que os sujeitos passivos do IUC são as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados.

 

137         Por outro lado, tal como referido, a citada norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a Autoridade Requerida, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados sem necessidade de provar os factos que a elas conduzem, conforme expressamente prevê o nº 1 do artigo 350º do Código Civil.

 

138         Em face do disposto, é de concluir que não estamos perante um erro imputável à Administração Tributária e por isso, decide-se pela improcedência do pedido de condenação da Autoridade Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios correspondentes às liquidações indevidas.

 

(ix)         Do pagamento das custas arbitrais

 

139         Por fim, alega a Autoridade Requerida na sua Resposta bem como nas suas Alegações escritas, que o IUC é liquidado de acordo com informação legitimamente gerada pela própria Autoridade Requerida.

 

140         Alega ainda a Autoridade Requerida que a Requerente não tendo o cuidado com a actualização do registo automóvel como podia e competia nos termos do artigo 5,º, n.1, a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro e artigo 118.º, n.º 4 do Código da Estrada, e não tendo mandado cancelar as matrículas não procedeu com o zelo que lhe era exigível.

 

141         Pelo que entende a Autoridade Requerida que esta se limitou a cumprir com as obrigações legais a que está adstrita, devendo a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais.

 

142         Ora, nos termos do artigo 527º, nº 1 do CPC, será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

143         O nº 2 do referido artigo 527º, concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que as custas deverão ser suportadas pelas partes na proporção em que decaírem.

 

144         Nestes termos, a Requerente e/ou a Autoridade Requerida serão condenadas, se aplicável, tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, ou seja, sendo-lhes atribuída a responsabilidade por custas, na proporção em que forem parte vencida.

 

VIII.       DECISÃO

 

145         Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

145.1     Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente no que concerne à ilisão da presunção de incidência subjectiva do artigo 3º do CIUC com a consequente anulação das liquidações de IUC correspondentes aos documentos com os números 1 a 8 juntos com a P.I. aos presentes autos com a consequente restituição do imposto e respectivos juros compensatórios indevidamente cobrados à Requerente, no montante de € 790.83 (setecentos e noventa euros e oitenta e três cêntimos).

145.2     Negar provimento ao pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios, absolvendo, em consequência, a Autoridade Requerida de tal pedido.

 

146         Fixa-se o valor da acção em € 843,44 (oitocentos e quarenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

147         Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 306,00 (trezentos e seis euros) a pagar pela Autoridade Requerida, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2.22, n.º 4, do RJAT e do artigo 4.º do citado Regulamento condenando-se ambas as Partes ao seu pagamento na percentagem do respectivo decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Abril de 2015.

 

O Árbitro nomeado,

(Paulino Brilhante Santos)

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.]