Processo 778/2014-T
AS PARTES
Requerente - A..., Lda., NIPC PT …, com sede na Rua …, nº …, r/c …, … – ….
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
DECISÃO
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RELATÓRIO
a) No dia 20-11-2014, a sociedade A..., Lda., NIPC PT …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular (TAS), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por RJAT.
b) O pedido foi apresentado por advogado cuja procuração foi junta.
O PEDIDO
c) A Requerente peticiona a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, tendo por referência o ano de 2012, com a identificação de documento 2011 …, com data de 07.11.2012 (identificação do acerto de contas 2012 … com data de 26.11.2012), geradora de uma colecta global no valor de 15 969,40 euros (VPT de 3 193 880,00 x 0,5% = 15 969,40 euros), relativa ao prédio urbano de que é proprietária plena, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de … (distrito de Faro) sob o artigo ….
d) Dissentindo do acto tributário expressa: “… não poderá a liquidação em apreço deixar de ser considerada ilegal, porquanto, entre outros aspectos, a mesma pretende tratar como prédio com afectação habitacional um “terreno para construção” que não é nem pode ser utilizado para habitação”. E acrescenta: “se o “prédio com afecção habitacional” mais não é que um prédio edificado com afecção habitacional, já o “terreno para construção” é um prédio não edificado afecto à construção, independentemente da afectação do edifício a construir no mesmo”.
e) Aduz em defesa da sua leitura da lei a seguinte parte da Decisão Arbitral adoptada no Processo CAAD nº 42/2013-T: “… não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objectiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afecção habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afectação habitacional. E nos terrenos para construção mais não existe do que a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder, após a edificação, vir a ter uma “afectação habitacional”, mas apenas quando a “afectação habitacional” se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objectiva em apreço”.
f) Invoca ainda outra decisão arbitral (Processo CAAD 49/2013-T) e 5 acórdãos do STA (Acórdão do STA, proferido no processo 676/14, de 9 de Julho de 2014, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do STA, proferido no processo 270/14, de 23 de Abril de 2014, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do STA, proferido no processo 0272/14, de 23 de Abril de 2014, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do STA, proferido no processo 048/14, de 9 de Abril de 2014, disponível em www.dgsi.pt; e Acórdão do STA, proferido no processo 01870/13, de 9 de Abril de 2014, disponível em www.dgsi.pt), todos corroborando a tese propugnada neste pedido de pronúncia.
g) Ou seja, propugna pela seguinte leitura da previsão da norma contida nas verbas 28 e 28.1 da TGIS: “… a classificação de um prédio urbano como “prédio de afectação habitacional”, para efeitos de tributação em sede de IS, depende da sua classificação como “prédio urbano habitacional”, ou seja, terá de estar em causa um prédio edificado (“edifício ou construção”) afecto ao fim da habitação, seja em resultado da emissão de licença de utilização para o efeito, seja porque é esse o seu destino normal (cf. artigo 6.º, n.ºs 1, alínea a), e 3 do CIMI)”.
h) Termina pedindo a anulação da liquidação acima indicada, uma vez que “… a liquidação ora contestada enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito”.
i) Mais peticiona a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o acto de liquidação de imposto do selo nº 2011 …, e o reconhecimento do direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
j) O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e logo notificado à AT no dia 24.11.2014.
k) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 15.01.2015.
l) Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 30.01.2015, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.
m) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do TAS com data de 30.01.2015 que aqui se dá por reproduzida.
n) Na sequência do requerido pela AT no requerimento de 09.03.2015 e uma vez que se levantam neste processo questões em tudo idênticas às já levantadas em muitos outros processos já decididos no CAAD, o TAS por despacho de 09.03.2015 decidiu dispensar-se da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT e bem assim da produção de alegações, se a Requerente a isso não viesse a obstar, no prazo de 5 dias, o que não se verificou.
o) Pelo que a Requerente e a AT deram o seu assentimento expresso ou tácito à não realização da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT e bem assim, quanto à desnecessidade de produção de alegações.
p) Nesta conformidade não se realizou a reunião de partes prevista no artigo 18º do RJAT, nem se produziram alegações.
q) Consigna-se que 09.03.2015 o TAS obteve oficiosamente do site da AT a caderneta predial urbana do bem imóvel referido no inciso c) deste Relatório tendo em vista apurar os elementos concretos do prédio urbano, consignando-se que o VPT que aqui releva é o que consta da segunda folha do Documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia, ou seja, o que vigorava à data da liquidação ora impugnada (3 193 880,00 euros).
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
r) Capacidade, legitimidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.
s) Contraditório - a AT juntou ao processo, em 09.03.2015, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente. Todos os despachos do TAS e todos os requerimentos e documentos juntos pelas partes foram regularmente notificados à respectiva contraparte.
t) Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
Consigna-se que o TAS considera verificada a tempestividade do pedido de pronúncia uma vez que:
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a Requerente invocou no exórdio do pedido de pronúncia e nos seus artigos 1º a 12º, que a tempestividade deste pedido de pronúncia, entregue no CAAD em 20.11.2014, resultava do facto de ter apresentado à AT em 09.06.2014 um pedido de revisão oficiosa do acto tributário ora em discussão;
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pedido de revisão oficiosa este que, por omissão de resposta no prazo de 4 meses, considerou, por acto silente de 09.10.2014 indeferido;
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acrescendo o assentimento tácito desta factualidade na resposta da AT ao não propugnar por leitura diversa.
Com efeito, o pedido de revisão oficiosa da liquidação (datada de 07.11.2012) foi deduzido após o decurso dos prazos de reclamação e impugnação judicial, em 09.06.2014 o que era permitido à Requerente nos termos do artigo 78º da LGT. Competia, pois, à AT apreciar esse pedido nos termos do artigo 57º-1 da LGT. Não o tendo feito presume-se o seu indeferimento nos termos do artigo 57º-5 da LGT e porque se trata de decisão sindicável em recurso contencioso veio deduzir o presente pedido junto do TAS na hipótese de proceder o pedido de fundo (anulação da liquidação).
Naturalmente a sorte da “decisão de indeferimento tácito” depende do mérito do pedido de anulação da liquidação ora em causa, pelo que procedendo este pedido haverá que proceder, também, o de anulação do acto silente.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
Quanto à ilegalidade corporizada em eventual errónea leitura da verba 28.1 da TGIS
u) Invoca a Requerente em favor do seu entendimento, decisões adoptadas no CAAD sobre a mesma matéria de fundo e 5 acórdãos do STA.
v) E nessa linha de argumentação, como acima já se expressou, refere que a liquidação do imposto: “… não poderá …deixar de ser considerada ilegal, porquanto, entre outros aspectos, a mesma pretende tratar como prédio com afectação habitacional um “terreno para construção” que não é nem pode ser utilizado para habitação”. E acrescenta: “se o “prédio com afecção habitacional” mais não é que um prédio edificado com afecção habitacional, já o “terreno para construção” é um prédio não edificado afecto à construção, independentemente da afectação do edifício a construir no mesmo”.
w) Conclui que o acto tributário sob escrutínio padece de ilegalidade corporizada em errónea leitura da verba 28.1 da TGIS, propugnando no sentido do “… conceito de prédio com afectação habitacional ser o que literalmente resulta do artigo 60º nºs 1 e 2 do CIMI e, como tal, a "Afectação Habitacional» impõe que o imóvel que gera o imposto de selo da Verba 28 esteja habilitado com uma licença destinada à habitação ou tenha como destino normal a "habitação", neste segmento se enquadrando os imóveis que pela sua configuração física — independentemente da licença camarária — possam ser utilizados efectivamente como habitação”.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
Quanto à ilegalidade corporizada em eventual errónea leitura da verba 28.1 da TGIS
x) AT propugna no sentido de que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade), incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.
y) “Conforme resulta da expressão "valor das edificações autorizadas", constante do artigo 45º-2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI”.
z) E alega que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28-1 da TGIS não pode ser ignorada”.
aa) Esclarece que “a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção”.
bb) Resumindo o seu raciocínio expressa que “A própria verba 28 da TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6.° do CIMI.”
cc) Entende a AT “que o conceito de "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”, uma vez que “o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção de "afectação habitacional", expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de dever integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.°- 1, alínea a), do CIMI”.
dd) Conclui pela legalidade do acto de liquidação face ao CIS e à CRP, pelo que deve manter-se na ordem jurídica por configura uma correcta aplicação da lei aos factos.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
As questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.
Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma e bem assim o próprio STA, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.
O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.
Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão e uma estatuição, a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (prédios urbanos … com afectação habitacional), comporta ou não a realidade jurídico-fiscal definida na lei como “terrenos para construção”.
Nesta conformidade, afigura-se ao TAS que a questão que deve solucionar é a seguinte:
ü O acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece de qualquer desconformidade com a lei, nomeadamente “erro na qualificação do facto tributário” (ou erro nos pressupostos de facto) que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária?
Já acima se referiu, quanto ao pressuposto processual da tempestividade de dedução do pedido de pronúncia arbitral em apreciação, que, tendo a Requerente apresentado pedido de revisão oficiosa junto do Serviço de Finanças de Lisboa - 2, no dia 9 de Junho de 2014, se conclui que, no dia 9 de Outubro de 2014, ocorreu a formação da respectiva presunção de indeferimento tácito, pelo que se entende ser tempestiva a apresentação do pedido no CAAD. Esta matéria não mereceu, sequer, controvérsia entre as partes.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:
Factos provados
1) A Requerente consta como titular da propriedade plena do prédio urbano da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de …, concelho de Faro sob o artigo …º - Conforme caderneta predial urbana obtida oficiosamente pelo TAS no site da AT e junta em anexo a esta decisão.
2) A descrição do prédio urbano é feita da seguinte forma: “Tipo de prédio: terreno para construção”. – Conforme caderneta predial urbana.
3) Na caderneta predial urbana, em “dados de avaliação” refere-se: “tipo de coeficiente de localização: habitação" e contém uma quadrícula indicando: “Ca – 1,00”.
4) O prédio urbano em causa tinha, à data da liquidação, um valor patrimonial (CIMI): de 3 193 880,00 euros - Conforme 2ª folha do Documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia (certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa-2 em 24.04.2013).
5) E tal valor patrimonial resultou do “Modelo 1 do IMI nº … entregue em 2008.01.10, ficha de avaliação …, avaliada em 2008.05.08 – Conforme caderneta predial urbana.
6) À Requerente foi enviada notificação por carta simples em 26-11-2012, tendo sido notificada em data não apurada, da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, identificada no inciso c) do Relatório desta decisão, geradora de uma colecta global no valor de 15 969,40 euros – Conforme primeiro parágrafo de folhas 50 do PA e artigo 1º do pedido de pronúncia.
7) A Requerente apresentou à AT, em 9 de Junho de 2014, um pedido de revisão oficiosa contra o referido acto tributário, peticionando a respectiva anulação, pedido que até à data de entrega do pedido de pronúncia arbitral não teve resposta – Artigos 2º e 3º do pedido de pronúncia.
8) Imposto este liquidado, à taxa de 0,5%, com base em facto tributário de 31-10-2012, apenas com fundamento na verba 28 da TGIS, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro - Conforme 2ª folha do Documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia (certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa-2 em 24.04.2013).
9) A Requerente procedeu ao pagamento coercivo do imposto que lhe foi liquidado no processo de execução fiscal …2013… em 8 prestações – conforme documentos nºs 3, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual. Não se colocou em causa a valoração probatória dos documentos juntos ao processo pela Requerente e pela Requerida (no PA).
Como se referiu, dada a oficiosidade da obtenção da caderneta predial de bens imóveis, o TAS procedeu à sua obtenção e consta em anexo a esta decisão.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
Afigura-se-nos que com a criação de uma nova verba na TGIS, a verba 28, (pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29.10), no fundo criando-se um novo “facto ou situação jurídica” sujeito a tributação fiscal, apenas se pretendeu ampliar a incidência do imposto do selo a uma nova realidade jurídico-factual, mas não se alterando a divisão das diversas espécies de prédios urbanos existentes.
Não se pretendeu, segundo nos afigura, criar uma nova classificação de prédios urbanos em sobreposição das espécies que estão previstas no nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.
O acto tributário em causa ocorreu na vigência da redacção anterior da verba 28.1 da TGIS pelo que a actual redacção que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) não é aqui aplicável, uma vez que só vigora a partir de 01 de Janeiro de 2014.
Estamos assim, como acima referimos, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na norma de incidência deste novo tributo e que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS.
No entanto, a lei, no seu elemento literal que é sempre o limite de qualquer interpretação, na verba 28-1 TGIS, refere “… por prédio com afectação habitacional”.
Ou seja, esta concreta norma de incidência do imposto, não deve depois ser interpretada, delimitada, como se tivesse a literalidade de “prédios urbanos habitacionais”, isto porque o intérprete, em respeito pelo comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não poderá partir do pressuposto que o legislador não conhecia os exactos termos do nº 1 do artigo 6º do CIMI que faz a divisão das diversas espécies de prédios urbanos.
Mas também não parece que possa entender-se que na norma de incidência caiba automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção”.
Parece-nos, pois, que face ao elemento literal da norma de incidência (revelador da voluntas legis) escolhido pelo legislador: “prédios urbanos … com afectação habitacional” se pretendeu atingir outras espécies de prédios urbanos, para além dos “prédios urbanos …habitacionais” segundo a divisão do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.
Não queremos, no entanto, com isto significar que a espécie de prédios urbanos “terrenos para construção” (ou outra espécie de prédios urbanos) esteja claramente e sem mais (ou seja, “ope legis”), comportada na norma de incidência da verba 28-1 da TGIS.
A este propósito transcrevemos, visando a simplificação e uniformização, o que é referido na decisão arbitral CAAD Processo 48/2013-T (a título exemplificativo), na parte a que aderimos:
***
“A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;
28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.
…
Relativamente às situações tipificadas na verba 28.1 só estão sujeitos os prédios com afectação habitacional.
A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afectação habitacional. No entanto, no nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo referido diploma legal, foi estipulado que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
O CIMI também não clarifica o que são prédios com afectação habitacional, mas apenas o que são os diversos tipos de prédios, qualificando o nº 2 do artigo 6º como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços os edifícios como tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
Ou seja, para o CIMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização, como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.
Já quanto aos terrenos para construção, que interessam no presente caso, face à liquidação efectuada e impugnada sobre terreno para construção, o CIMI, no nº 3 do artigo 6º, diz-nos que “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos”.
Das duas normas atrás transcritas não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando fala em prédios com afectação habitacional.
A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.
Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.
Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.
…
Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte: “O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.
No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.
Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.
Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.
Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.
Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.
Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.
Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.
“Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.”
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Em primeiro lugar, há que constatar que não há dúvidas de que a espécie de prédios urbanos considerados “habitacionais” (alínea a) do nº 1 do artigo 6º do CIMI) que são “… os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”, cabem automaticamente na previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.
Mas da simples consideração do elemento literal da lei resultará que se pretendeu abranger mais do que esta realidade jurídico-fiscal abrange.
Posto que, como já se referiu, por força do comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não parece possível ao intérprete entender que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional” tenha o mesmo alcance prático (âmbito de aplicação) como se dissesse “prédios urbanos habitacionais”, partindo do princípio que se pretendeu abranger mais do que se abrangeria através deste último elemento literal.
No caso dos autos a AT defende que “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação” e por isso deve recorrer-se ao artigo 41º (coeficiente de afectação) do Código do IMI.
E expressa ainda: “a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e construção.”
Mas então a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?
Ora, apenas com os elementos constantes da matriz predial, como é o caso, em que se demonstra uma mera potencialidade construtiva ou edificativa, afigura-se-nos que sem uma fundamentação adicional do acto tributário, sem a demonstração de que a espécie de prédio urbano “terreno para construção” tem desde já uma qualquer utilidade económica ao nível da afectação habitacional, não será possível considerá-lo abrangido na norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.
Quer isto significar que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, não pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?
Afigura-se-nos que podem ocorrer na imensa complexidade da economia, da utilidade económica, até informal, situações de sujeição, face aos comandos que se colocam ao intérprete constantes do nº 3 do artigo 9º do Código Civil e do nº 3 do artigo 11º da LGT.
Só que quanto aos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, afigura-se-nos que não é suficiente para demonstrar a “afectação habitacional” os elementos que constam da matriz. Será necessária uma outra fundamentação, outra matéria factual, para além do que consta da matriz, que evidencie a utilidade económica com essa finalidade em concreto.
Não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que, percute-se, haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.
A Requerente aduz a desconformidade do acto tributário face à lei de errónea qualificação do facto tributário, além da falta de fundamentação (ainda que de forma implícita, propugnando no sentido de que nunca os prédios urbanos da espécie “terrenos para construção” podem estar comportados na norma de incidência, na medida em que o acto tributário de liquidação de IS apenas é sustentado com os elementos da matriz predial).
Na verdade, mesmo que se entenda, como nos parece ser de entender, em termos gerais e abstractos, que um “terreno para construção” como aliás qualquer outro prédio urbano para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais” (porque estes têm sempre afectação habitacional por definição) pode ter, em termos de utilidade prática, económica e funcional uma “afectação habitacional” em concreto (até na economia informal), a verdade é que a sua consideração “ope legis” como tendo “afectação habitacional” partindo apenas dos elementos da matriz e do facto da sua avaliação ser feita com referência aos coeficientes aplicáveis aos prédios urbanos habitacionais, constitui desconformidade com a norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT e verifica-se ainda a prevista na alínea c) do artigo 99º do CPPT por ocorrer uma ausência de fundamentação que a lei, na leitura que acima se expressou, exige.
O acto impugnado não contém qualquer fundamentação no sentido que acima se referiu, para além da consideração que se trata de prédio urbano da espécie “terreno para construção” “com capacidade construtiva de imóveis para habitação” em termos hipotéticos, o que se configura ser insuficiente.
Pedido de juros
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, refere-se que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Embora as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não façam referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Pelo que pode ser aqui proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
O artigo 43º da LGT “não faz senão estabelecer um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão (…)”Acórdão do STA de 2-11-2006, processo 604/06, disponível in www.dgsi.pt”
No caso em apreço, provou-se que a Requerente pagou o valor total das liquidações que lhe foram notificadas em processo de execução fiscal (em oito prestações, conforme inciso 9 da parte III desta decisão), pelo que tem direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento, total ou parcial, das liquidações do imposto ora anuladas até à data da emissão das respectivas notas de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.
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Como consequência do acima exposto terá que julgar-se procedente os pedidos formulados pela Requerente, uma vez que a liquidação de IS levada a efeito pela AT não está em conformidade com a lei.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se:
1. Procedente o pedido da Requerente visando a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, tendo por referência o ano de 2012, com a identificação de documento 2011 …, com data de 07.11.2012 (identificação do acerto de contas 2012 … com data de 26.11.2012), geradora de uma colecta global no valor de 15 969,40 euros (VPT de 3 193 880,00 x 0,5% = 15 969,40 euros), relativa ao prédio urbano de que é proprietária plena, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de … (distrito de Faro) sob o artigo …, anulando-se a liquidação.
2. Procedente o pedido de anulação do acto silente de indeferimento da revisão oficiosa apresentada pela Requerente à AT em 9 de Junho de 2014, cuja presunção se formou em 09 de Outubro de 2014.
3. Procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios à Requerente, contados desde a data do pagamento das prestações tributárias de IS, no todo ou em parte, até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.
Consigna-se, ainda, que o direito da Requerente em obter o reembolso de todos os valores entregues à AT é decorrência legal da anulação do acto de liquidação que esteve na origem, no caso, do procedimento coercivo.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 15 969,40 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 17 de Março de 2015
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto
no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.