Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 750/2014-T
Data da decisão: 2015-03-16  Selo  
Valor do pedido: € 10.326,59
Tema: Verba 28.1 da TGIS. Terrenos para construção
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CAAD – Arbitragem Tributária

PROCESSO ARBITRAL N.º 750/2014-T

Tema: Imposto de Selo. Verba 28.1 da TGIS. Terrenos para construção.

 

DECISÃO ARBITRAL

1         RELATÓRIO

A…, sujeito passivo com o NIF..., residente na Avenida ..., em Leiria (doravante designado por Requerente) vem, ao abrigo dasdisposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), doRegime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito sob o artigo...daunião das freguesias de..., concelho de ... (da área do Serviço de Finanças de ... 1), no valor total de € 10 326,59, conforme os documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

A argumentação expendida pelo Requerente é,resumidamente, a seguinte:

a)     À data do pedido de constituição do tribunal arbitral, haviam sido notificadas ao Requerente as notas de cobrança com os números 2014...e 2014 ..., referentes às 1.ª e 2.ª prestações do Imposto do Selo de 2013, relativo ao prédio urbano identificado;

b)     No entanto, o Requerente alega não ter sido notificado da liquidação do Imposto do Selo, conforme o determinado no n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, que remete para o CIMI, na parte da liquidação, ou seja, para os artigos 113.º a 118.º, deste último Código;

c)     Alega o Requerente que a liquidação não se pode confundir com os documentos de cobrança e, sendo da iniciativa da AT, é previamente notificada ao contribuinte para que exerça o direito de audição, querendo, nos termos do artigo 60.º, da LGT (…);

d)     O Requerente reclamou graciosamente dos referidos documentos de cobrança do Imposto do Selo, reclamação graciosa que foi indeferida;

e)     A liquidação do Imposto do Selo reclamada, com cobrança repartida em três prestações, terá sido efetuada ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a incidir sobre o direito de propriedade do prédio urbano com o artigo matricial ...daunião das freguesias de ..., concelho de ..., com o valor patrimonial tributário de € 1 032 659,19, que é um terreno destinado a construção, inscrito na matriz desde 19de agosto de 2004, tendo por pressuposto que a edificação a erigir seria afeta a habitação;

f)      Sucede, porém, que no início de 2013, o ora Requerente apresentou junto da Câmara Municipal de ..., um pedido de informação prévia para a viabilidade de construção de um edifício destinado a comércio alimentar, a implantar no referido terreno para construção (pedido de informação prévia n.º …/2013, deferido por deliberação da reunião da Câmara Municipal de ..., de 19 de março de 2013);

g)     Porém, até concluídas as obras, a inscrição matricial mantém-se como terreno para construção, sendo que a suposta afetação a habitação não se coaduna com a obra futura projetada;

h)     Ou seja, embora não exista licença de utilização, que apenas poderá ser emitida após a conclusão da obra, concluída aquela, o prédio edificado nunca será afeto a habitação, mas sim a comércio;

i)      A afetação habitacional pressupõe uma abordagem funcional, e um terreno para construção ou uma obra em curso, com previsão de utilização para comércio, não é em si mesmo um prédio habitável;

j)      Erroneamente, a AT está, no caso concreto dos terrenos para construção, a aplicar um conceito de afetação virtual, quando a afetação atualmente constante da matriz é apenas um fim teórico, hipotético, mas não efetivo, sendo ilegal a liquidação de imposto do selo, ao abrigo da verba 28.1, da TGIS;

k)     Nem mesmo após a alteração introduzida à verba 28.1 da TGIS, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pois a nova redação da referida norma não tem caráter interpretativoe teve início de vigência em 1 de janeiro de 2014, produzindo efeitos apenas para o futuro;

l)      Contudo, na anterior redação da norma em causa, a incidência objetiva do imposto era sobre prédios urbanos com afetação habitacional, sem que o Código do Imposto do Selo definisse o que fosse “prédio urbano com afetação habitacional”;

m)   E mesmo por remissão para o Código do IMI (nos termos do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo), não encontramos a definição do que seja “prédio urbano com afetação habitacional”, expressão que pressupõe uma efetiva utilização e não uma mera possibilidade, potencialidade ou expetativa que o prédio possa vir a ter;

n)     Para estar abrangido pela incidência objetiva do imposto, o prédio urbano com afetação habitacional apenas se reconduz ao prédio urbano previsto no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI e não ao terreno para construção;

o)     Mas mesmo que assim não seja, na redação atual da Verba 28.1 da TGIS, o direito de propriedade sobre o prédio aqui em causa não está abrangido pela previsão normativa, uma vez que no terreno para construção está prevista e projetada a construção de uma edificação destinada a comércio;

p)     O Requerente entende ainda haver uma dupla tributação do terreno, pois a incidência objetiva e subjetiva é idêntica no Imposto do Selo e no IMI, o que torna a liquidação ilegal por violação do princípio da proibição da dupla tributação;

q)     A introdução da verba 28 na TGIS suscita dúvidas de constitucionalidade quanto à sua retroatividade, (…) pois trata-se de tributar direitos reais sobre imóveis, independentemente da data da sua constituição, através de uma lei publicada em 29 de outubro de 2012 e vigente no dia seguinte (…) que se aplicará a situações constituídas antes da data da sua entrada em vigor;

r)      Suscita-se ainda a inconstitucionalidade da tributação por dirigir-se apenas aos imóveis para fins habitacionais, ferindo o princípio da igualdade do artigo 13.º da CRP (…) por diferenciar a sujeição com base na aptidão dos imóveis;

s)     (…) Esta situação fere, assim, princípio elementares de justiça, da não discriminação e da exigência constitucional da igualdade na tributação, tributando a propriedade de prédios que são fonte de rendimentos prediais, tributados em sede de IRS/IRC;

t)      O pedido é tempestivo, dado que o Requerente foi notificado do indeferimento da reclamação graciosa, em 16 de outubro último.

Termina a Requerente, na sequência do anteriormente exposto, por formular o pedido de declaração da ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo – Verba 28.1, da TGIS, do ano de 2013, relativo ao prédio identificado.

 

Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contestação a que fez juntar o processo administrativo (reclamação graciosa n.º ...) e um requerimento, no qual propôs que fosse dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, por não ter suscitado a verificação de qualquer exceção que obstasse ao conhecimento do mérito da questão controvertida, nem haver lugar à produção de prova adicional.

 

Na resposta, em que diz entender não assistir razão à Requerente, vem a Requerida defender que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar uma correta interpretação da Verba 28, da TGIS, com os seguintes fundamentos:

a)     A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro de 2012, veio alterar o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e aditar à TGIS a verba 28. Com esta alteração legislativa, o Imposto do Selo passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00;

b)     O imposto do selo incidiria assim sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens;

c)     Na ausência de qualquer definição legal dos conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional em sede de Imposto do Selo, há que recorrer às disposições do Código do IMI, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, segundo o qual às matérias não reguladas neste Código, respeitantes à Verba 28, da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no Código do IMI;

d)     O n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção, isto é, “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações…”;

e)     A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a avaliação (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação;

f)      Conforme resulta da decisão proferida no Acórdão n.º 04950/11, de 14/02/2012, do TCA Sul: “O regime de avaliação dos terrenos para construção está consagrado no art. 45.º do CIMI. O modelo de avaliação é igual à dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respetivo projeto, é que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expetativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas caraterísticas e com um determinado valor. Será essa expetativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. Art. 6.º, n.º 3 do CIMI).

“Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supraidentificados, nomeadamente o coeficiente de afetação previsto no art. 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção”;

g)     Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação e de aplicação da verba 28 da TGIS, tendo em conta que:

a.      Na aplicação da lei aos casos concretos há que determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida (artigo 9.º, do CC, ex vi artigo 11.º, da LGT);

b.     O artigo 67.º, n.º 2 do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

c.      A afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação e determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção;

d.     A verba 28 da TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI;

h)     A AT entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, pois o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção de “afetação habitacional”, expressão mais ampla, cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI;

i)      A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do artigo 45.º do CIMI que manda separar as suas partes do terreno – aquela onde vai ser implantado o edifício a construir e a área do terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efetivada;

j)      O valor do terreno adjacente à área de implantação é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano;

k)     Salienta-se que o regime jurídico da urbanização e edificação tem como pressuposto as edificações já construídas, [mas] o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos de número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, nos termos da alínea a) do artigo 77.º do RJUE;

l)      O mesmo artigo 77.º do RJUE contém especificações obrigatórias para os alvarás de operações de loteamento ou de obras de urbanização, e para as obras de construção, assim como os Planos Diretores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas (…) de organização espacial do território municipal;

m)   Nestes termos, muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção;

n)     Quanto à alegada violação de princípios constitucionais, não pode a AT deixar de notar que a Constituição da República, obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante;

o)     A AT entende que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional, [pois] incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel, sendo uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito;

p)     (…) A diferente aptidão dos imóveis (habitação, serviços, comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais;

q)     (…) encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável;

r)      Por todo o exposto, a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a conclusão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.

 

O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 30 de outubro de 2014, foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 3 de novembro de 2014.

O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto noartigo 6º, nº 1, do RJAT, foi a signatária designada pelo SenhorPresidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunalarbitral singular, encargo que aceitou nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral singular foi regularmente constituído em 8 de janeiro de 2015e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Por despacho arbitral de 12 de fevereiro de 2015, regularmente notificado às partes e a que estas se não opuseram, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações.

 

2         MATÉRIA DE FACTO

2.1        Factos que se consideram provados:

2.1.1       Em 31 de dezembro de 2013, o Requerente era proprietário do prédio urbano inscritona matriz predial sob o artigo ...da União de freguesias de ..., classificado como “terreno para construção”;

2.1.2       O referido prédio urbano foi inscrito na matriz na sequência da apresentação de uma declaração modelo 1 de IMI, em 29 de setembro de 2004 – ficha de avaliação n.º …, de que constava ser um terreno afeto à construção de habitação;

2.1.3       Em 17 de abril de 2014, viria o Requerente a apresentar nova declaração modelo 1 de IMI – ficha de avaliação n.º …, tendo em vista a alteração da afetação do prédio, que passou a destinar-se à construção de um edifício para comércio;

2.1.4       Aliquidação de Imposto do Selo do ano de 2013 foi emitida pela AT, em 18 de março de 2014, nos termos da Verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1%, sobre o VPT de 1 032 659,19, pela quantia de € 10326,59, a pagar em três prestações;

2.1.5       À data da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, o Requerente tinha sido notificado para efetuar os seguintes pagamentos de Imposto do Selo, por referência ao prédio urbano antes identificado:

2.1.5.1      Documento de cobrança n.º 2014 ..., da quantia de € 3 442,21 – 1.ª Prestação – abril de 2014;

2.1.5.2      Documento de cobrança n.º 2014 ..., da quantia de € 3 442,19 – 2.ª Prestação – julho de 2014;

2.1.6       Não se conformando com a liquidação do Imposto do Selo constante das referidas notas de cobrança, o Requerente apresentou reclamação graciosa, em 5 de agosto de 2014;

2.1.7       A reclamação graciosa n.º ...foi indeferida, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., de 14 de outubro de 2014, conforme a notificação expedida à M. I. Mandatária do Requerente, pelo ofício n.º …, da mesma Direção de Finanças, da mesma data, a coberto do registo n.º RF … PT.

 

2.2        Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópias das notificações para pagamento das primeira e segunda prestações da liquidação impugnada, da deliberação da reunião da Câmara Municipal de ..., de 19 de março de 2013 e da decisão proferida no processo de reclamação graciosan.º ...), bem como da que foi junta com a resposta da AT (cópia integral do processo de reclamação graciosa identificado).

 

2.3        Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3         MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1        Questão a decidir

A principal questão trazida aos autos pelo Requerente é a de saber se a norma de incidência da verba nº 28.l, da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redação originária, dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, abrange terrenos para construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 ou se estes, ainda que avaliados no pressuposto de neles vir a ser erigida construção destinada a habitação, podem integrar o conceito de prédios urbanos “com afetação habitacional”, condição de aplicabilidade da referida verba.

3.2        Ordem de apreciação dos vícios do ato impugnado

Os vícios imputados pelo Requerente à liquidação do Imposto do Selo do ano de 2013 são a falta da sua fundamentação de facto e de direito, bem como o vício de violação de lei.

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não sendo imputados à liquidação de Imposto do Selo ora impugnada vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada entre eles uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, assegure mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

No caso em apreço, o vício imputado pelo Requerente ao ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral, que fornece mais estável e eficaz tutela dos seus interesses, é o que respeita ao erro sobre os pressupostos na emissão da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013, que, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de renovação do ato tributário impugnado.

De facto, embora o Requerente invoque os vícios de falta de notificação e de fundamentação da liquidação, por apenas ter sido notificado dos documentos de pagamento do imposto nela apurado, o certo é que, ainda que tais vícios pudessem levar à anulação daquele ato tributário, sempre a AT o poderia repetir, dentro do prazo de caducidade, após sanação dos vícios que lhe vêm imputados, atendendo à sua natureza meramente procedimental.

 

3.3        Do conceito de prédio urbano com afetação habitacional

Tal como é indicado pelo Reclamante e confirmado pela decisão de indeferimento do processo de reclamação graciosa n.º ..., bem como pelo teor da resposta prestada pela Requerida, o prédio urbano sobre o qual incidiu a liquidação do Imposto do Selo objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, foi inscrito na matriz em 2004, no pressuposto de que a edificação a erigir seria afeta a habitação.

Na sua redação inicial, aplicável à situação em análise, a verba 28, da TGIS, dispunha que se encontravam sujeitas a imposto de selo as seguintes situações:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma ínsita na Verba 28.1, da TGIS, que o imóvel a tributar seja um prédio urbano “com afetação habitacional” e que o seu valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.

No que respeita ao valor patrimonial tributário do prédio sobre o qual incidiu a liquidação de Imposto do Selo objeto do pedido de pronúncia arbitral, não restam dúvidas de que é superior ao limite estabelecido pela norma de incidência.

Resta, assim, determinar se o referido imóvel, classificado como terreno para construção, integra o conceito de “prédio com afetação habitacional”, como defende a Requerida AT, expressão que, segundo esta, “compreende quer os prédios edificados, quer os terenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma (…)”.

 

É de há muitopacificamente aceite pela doutrina que as normas tributárias se interpretam como quaisquer outras normas jurídicas, solução que consta hoje expressamente do n.º 1 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária (LGT), ao estabelecer que “1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

De entre os elementos de interpretação, aquele de que o aplicador da norma deve partir é, precisamente, do elemento gramatical, ou seja, do texto da lei, havendo no entanto a salientar que, na determinação do sentido e valor da norma, não pode o intérpretedeixar de considerar o elemento lógico ou, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º, do Código Civil, deixar de “reconstituir (…) o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

A norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, utiliza a expressão “prédio de afetação habitacional”,cujo conceito se não encontra definido no Código do Imposto do Selo, nem em qualquer outra legislação de natureza tributária.

Tratando-se de uma expressão polissémica, que poderá comportar mais do que uma significação e, a fim de determinar o seu exato sentido e alcance, no respeito pela unidade do sistema, deverá o intérprete ter em consideração as “disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins[1].

As disposições legais a ter em conta serão, no caso em apreço,as normas do Código do IMI, para cuja aplicação subsidiária remete, em bloco, o n.º 2 doartigo 67.º, do Código do Imposto de Selo, aditado pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de29 de outubro, ao estatuir que “2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.

Não será, desde modo, aceitável a afirmação da Requerida, segundo a qual “A verba 28 da TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI”,desde logo, por a tal se oporem os princípios da legalidade e da tipicidade da lei de imposto.

Contudo, não obstante a remissão expressa para o Código do IMI, que o legislador quis consagrar no n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Impostos do Selo, por referência às matérias respeitantes à Verba 28, da TGIS, também aqueleCódigo nos não dá o conceito de “prédios com afetação habitacional”.

Na verdade, o artigo 6.º, do Código do IMI, inserido no Capítulo I - Incidência, não utiliza aquela expressão ao enumerar, no seu n.º 1, as espécies deprédios urbanos, que poderão classificar-se como: a) Habitacionais; b)Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros,delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada umadaquelas designações.

Assim, “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins” (n.º 2) e terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos” (n.º 3).

Do confronto entreo teor dos números 2 e 3 do artigo 6.º, do Código do IMI, parece resultar evidente que o legislador distinguiu muito claramente entre prédios habitacionais e terrenos para construção eque a espécie de prédios urbanos que melhor corresponde ao conceito de “prédio com afetação habitacional” é a de prédios habitacionais, enquanto edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).

Defendea Requerida que “A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a avaliação (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”, louvando-se no Acórdão do TCA Sul, proferido em 14/02/2012, no processo n.º 04950/11, que parcialmente transcreve.

Porém, o vocábulo “afetação” apenas surge nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI, inseridos sistematicamente no Capítulo VI – Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos; Secção II – Das operações de avaliação.

Concretamente, o artigo 41.º daquele Código, sob a epígrafe “Coeficiente de afetação”, determina que este “depende do tipo de utilização dos prédios edificados” (sublinhado nosso).

Poderá assim concluir-se, seguramente, que, de acordo com o artigo 41.º, do Código do IMI, o “Coeficiente de afetação”se refere sempre a edificações ou construções, pois que “depende do tipo de utilização dos prédios edificados”;donde parece resultar também segura a conclusão de quea palavra “afetação” tem o significado de “utilização”.

Todavia,os artigos 38.º e seguintes,do Código do IMI, encontram-se sistematicamente inseridos no Capítulo relativo à determinação do valor patrimonial tributário.

Constituindo este a matéria coletável sobre a qual irá incidir a taxa do imposto, dificilmente se poderá aceitar que das regras relativas à avaliação dos prédios urbanos se possa extrair qualquer regra de incidência, enquanto fase queprecede, logicamente, a da determinação da matéria coletável.

E, ainda que o“coeficiente de afetação” possa ser utilizado na avaliação dos terrenos para construção, por poder reportar-se a edificações futuras, autorizadas ou licenciadas para determinado tipo de utilização, como foi admitido pelo supracitado Acórdão do TCA Sul (em sentido contrário, veja-se o Acórdão do STA, de 18/11/2009, processo 0765/09), tal nãodeterminará, certamente, que os terrenos para construção sejam tidos como“prédios com afetação habitacional”, dada a classificação taxativa dos prédios urbanos, estabelecida pelo já citado artigo 6.º, do Código do IMI, enquanto norma de incidência objetiva, que distinguenitidamente entre prédios habitacionais e terrenos para construção.

Efetivamente, de acordo com a jurisprudência reiterada do STA(desde o Acórdão de 9 de abril de 2014, no processo n.º 1870/13, até aos mais recentes Acórdãos de 5 de fevereiro de 2015, no processo n.º 1312/14 e no processo n.º 1387/14, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/de que tomamos a liberdade de transcrever alguns trechos), “Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afetação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI)”.

Por seu turno, tal como tem sido referenciado pela jurisprudência quer do STA, quer do CAAD, “Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente: “O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

De acordo com o que se vem expondo, se a letra da lei – da Verba 28.1 da TGIS – (elemento gramatical) se não apresenta suficientemente clara para precisar o conceito de “prédio com afetação habitacional”, já o elemento lógico (“o elemento sistemático e a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”), para que aponta o n.º 1 do artigo 9º, do Código Civil, permite concluir, antecipando a decisão, como tem vindo a ser concluído pelo Supremo Tribunal Administrativo nos supracitados Acórdão, que, “(…) resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”, o que justifica a anulação da liquidação impugnada, por erro nos pressupostos em que assentou a sua emissão.

 

3.4        Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar,abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento finaldo n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderesde cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, porremissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenhamsubmetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pelasolução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada à questão relativa ao conceito de “prédio com afetação habitacional”, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelo Requerente, nomeadamente as da eventual dupla tributação (económica) e da invocada inconstitucionalidade da norma de incidência contida na Verba 28.1, da TGIS, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.

 

4         DECISÃO

Com base nos fundamentos acima enunciados e, nos termos do artigo 2º do RJAT,decide-se:

4.1        Julgar procedente o pedido de declaraçãode ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnada, por erro nospressupostos de direito;

4.2        Determinar a anulação da liquidação de Imposto do Selo impugnada, com todas as consequências legais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processosde Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10 326,59 (dez mil, trezentose vinte e seis euros e cinquenta e nove cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nosProcessos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00, acargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Lisboa, 16 de março de 2015.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 



[1] MACHADO, J. Baptista, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 183.