Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 687/2014-T
Tema: Imposto Único de Circulação – Incidência subjetiva
I – Relatório
1. No dia 19.09.2014, a RequerenteA…, LDA., pessoa coletiva n.º …, com sede em …, Edifício n.º … – …, Porto Salvo, requereu ao CAAD a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2014… e, por via disso, da liquidação de Imposto Único de Circulação (“IUC”) n.º 2009 …, relativa ao ano de 2009, no montante global de EUR 200,35 correspondendo EUR 172,81 a imposto e EUR 27,54 a juros compensatórios.
Peticiona ainda a Requerente a condenação da Administração Tributária no pagamento no pagamento de juros indemnizatórios, computados sobre o montante global a restituir, desde a data do pagamento e até à emissão da respetiva nota de crédito;
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 24.11.2014.
3. Por despacho arbitral de 10.02.2015, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, com fundamento na sua desnecessidade.
4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, na petição inicial, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
i. A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, enquadrada no regime geral para efeitos de IRC e de IVA, que se dedica à importação, admissão e comercialização de veículos automóveis das marcas «B» e «C», maioritariamente em estado novo.
ii. Para proceder à comercialização dos referidos veículos em Portugal, a Requerente serve-se de uma rede de concessionários a quem confere o direito de comercializar, na fase de retalho, veículos automóveis das marcas em apreço, podendo ainda, em certos casos, proceder à comercialização de veículos junto das entidades financeiras do Grupo A em Portugal, os quais serão objeto de contratos de locação financeira ou aluguer de longa duração.
iii. São os concessionários que, em nome próprio e por sua conta, procedem à comercialização dos veículos junto do público em geral.
iv. Assim, e em regra, os futuros compradores dos veículos marca «B» ou «C» dirigem-se aos referidos concessionários com vista à escolha da viatura a adquirir e estes últimos, por sua vez, encomendam o respetivo veículo à Requerente.
v. Subsequentemente, a Requerente procede à entrega física da viatura ao concessionário para que este possa proceder à revenda da mesma ao cliente final.
vi. Nesse momento, a Requerente emite ao concessionário a respetiva fatura de venda do veículo automóvel, desse modo transmitindo para este a propriedade e o risco de perda do veículo em presença.
vii. Nos dias seguintes, na sua qualidade de operador registado para efeitos de Imposto sobre Veículos Automóveis, a Requerente desencadeia os procedimentos tendentes à introdução no consumo da viatura – i.e., ao pedido de atribuição de matrícula –, procedendo ainda a Requerente, em simultâneo, ao registo inicial de propriedade da viatura em nome do cliente final, nos termos do artigo 42.º, n.os 1 e 2, do Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro, que aprova o Regulamento do Registo Automóvel.
viii. O mesmo é dizer que no momento em que é atribuída a matrícula às viaturas que comercializa em estado novo, a ora Requerente já não é proprietária das mesmas.
ix. Do exposto resulta ainda que o registo inicial de propriedade do veículo em nome do cliente final é efetivado em respeito pelo prazo legalmente previsto para o efeito – i.e., dentro do prazo de 60 dias contados a partir da data de atribuição da matrícula, imposto pelo artigo 42.º, n.º 1, do Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro.
x. Nos termos do artigo 408.º do Código Civil, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso, veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato – bastando pois a emissão de declaração de vontade das partes envolvidas no negócio – pelo que a validade da compra e venda não está dependente da redução a escrito do acordo.
xi. A Requerente transmitiu para o seu concessionário (D… – …, S.A.) a propriedade sobre o veículo em momento anterior à atribuição da matrícula.
xii. Resulta inequívoco que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que antecedeu os presentes autos não se adequa ao regime ínsito nos artigos 1.º, 3.º, 4.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 1 e 3, e 17.º, n.º 1, do CIUC, sendo, como tal, ilegal e anulável, porquanto o ato de liquidação oficiosa de IUC em questão assenta numa errónea determinação do sujeito passivo o que determina a respetiva ilegalidade e anulabilidade, nos termos do artigo 135.º do CPA.
xiii. Em consequência, uma vez anulada a liquidação de IUC em referência, não poderá deixar de ser reconhecida a nulidade da correspetiva liquidação de juros compensatórios, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do CPA.
xiv. Caso não se conclua pela nulidade da referida liquidação de juros compensatórios, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do CPA, o que sem conceder se admite por mero dever de patrocínio, sempre deverá ser esse ato anulado porquanto não se encontram preenchidos os requisitos legais previstos no artigo 35.º da LGT.
xv. Com efeito, não obstante a natureza indemnizatória do direito ao pagamento de juros compensatórios, a necessidade de culpa do sujeito passivo constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Março de 1994 (Processo n.º 16.211), de 18 de Fevereiro de 1998 (Processo n.º 22.325) e de 3 de Março de 1999 (Processo n.º 20.181).
xvi. No presente caso, atenta a factualidade exposta e a argumentação jurídica acima expendida, é de sublinhar ter a ora Requerente agido sem culpa, porquanto a sua interpretação das normas supra citadas é legítima, plausível e de boa fé, não existindo qualquer atuação dolosa ou negligente, mas tão-só uma mera divergência de entendimento em relação à Administração Tributária.
5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
i. A Requerente dedica-se à comercialização e importação de automóveis no mercado nacional.
ii. No âmbito do Art.º 17.º do Código de Imposto sobre veículos, a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos (DAV).
iii. Tal emissão constitui o facto gerador do imposto nos termos e para os efeitos no disposto no Art.º 5.º do CISV.
iv. Nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 117.º do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao IMTT pela entidade que proceder à admissão ou introdução no consumo.
v. Por outro lado, determina o disposto no Artigo 24.º do Regulamento de Registo de Automóveis, aprovado pelo Dec Lei 55/75 de 12 de Fevereiro, e na redação dada pelo Dec. Lei 178-A/2005 de 28 de Outubro, cuja epígrafe contende com os Documentos para registo inicial de propriedade, que “1 –O registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos em Portugal tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo”.
vi. Em sede de IUC, estabelece o n.º 1 do Art.º 3.º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”
vii. No que concerne ao facto gerador e à exigibilidade do imposto, estatui o Art.º 6.º, nº 1 do CIUC que “ O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.”
viii. Da articulação entre o âmbito da incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto, decorrem inequivocamente do Art.º 6.º do CIUC as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja a matrícula ou o registo em território nacional.
ix. Quanto ao prazo de liquidação, estabelece o disposto no Art.º 17.º do CIUC que “No ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo.”
x. Por força da conjugação das normas expressas e em especial atenção ao disposto no Art.º 24.º do Regulamento de Registo de Automóveis (RRA), aprovado pelo Dec. Lei 55/75 de 12 de Fevereiro, e na redação dada pelo Dec. Lei 178-A/2005 de 28 de Outubrosubjaz que o registo inicial de propriedade, de veículos admitidos (como é o caso dos autos), tem por base o requerimento respetivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo.
xi. Ou seja, a emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da Requerente e o pagamento do correspondente imposto ISV, e origina automaticamente o registo da propriedade do veículo ao abrigo do Art.º 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à sua importação do veículo e pedido de matrícula, ou seja, a Requerente.
xii. Logo, o primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso, da Requerente.
xiii. Tal facto encontra-se bem patente no documento n.º 22 junto ao processo administrativo e proveniente da Conservatória do Registo Automóvel, no qual é perentório que a Requerente figura como primeira proprietária do veículo …-…-….
xiv. O facto gerador, em sede de IUC, é aferido nos termos do Art.º 6 do CIUC pelamatrícula ou pelo registo em território nacional.
xv. Como é consabido, o facto gerador da relação de imposto será aquele que conjugou os pressupostos previstos na lei tributária, ou seja, é a realidade com vigor jurídico bastante que lhe advém da lei para pôr em movimento, para combinar, os pressupostos tributários, considerados estes comoaquelas situações, pessoais e reais, previstas expressa ou tacitamente, pelas normas de incidência tributária.
xvi. A atribuição à Requerente de um certificado de matrícula consubstancia, nos termos do disposto do Art.º 6.º do CIUC, o facto gerador do imposto pelo que, tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto.
xvii. A fatura apresentada pela Requerente, desde logo, em sede de reclamação graciosa, não é meio de prova apto a comprovar a transmissão do referido veículo;
xviii. A Requerente mantém a qualidade de sujeito passivo do IUC incidente sobre o veículo com a matrícula …-…-…, independentemente da transmissão desse veículo para o respetivo concessionário, porquanto, nos termos do artigo 6.º do CIUC, o facto gerador é constituído pela propriedade do veículo tal como atestada pela matrícula ou registo do veículo em território nacional, sendo irrelevante quem detém a propriedade económica do veículo;
xix. Em qualquer caso, a Requerente não terá direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do CPPT, uma vez que não existe qualquer erro imputável aos serviços da Administração Tributária na prolação dos atos tributários objeto dos presentes autos.
6. Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas continuando a primeira a pugnar pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e a segunda pela sua improcedência.
De referir que, nesta peça processual, a Requerente alegou ainda que:
“Saliente-se ainda que de acordo com os elementos em posse da Administração Tributária – cfr. documentos n.os 22 e 24, junto ao processo administrativo –, à data relevante para a liquidação do imposto em questão, a sociedade D… – …, S.A., era a locatária do veículo em referência, tendo pois a respectiva propriedade económica do mesmo.
Ou seja: no momento relevante para a liquidação em crise nos presentes autos, a Administração Tributária dispunha de informação relativa à identificação do contribuinte que detinha a propriedade económica do veículo em referência, e que, nessa medida, assumia a qualidade de sujeito passivo de IUC, nos termos do artigo 3.º do CIUC.” (números 37 e 38)
7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
8.Cumpre apreciar as seguintes questões:
i.) Ilegalidade, e consequente anulabilidade, dos referidos atos tributários, por vício de violação de lei.
ii.) Ilegalidade dos juros compensatórios liquidados à Requerente por força da ilegalidade das correspetivas liquidações de imposto, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), ou caso assim se não entenda, por falta de preenchimento dos necessários pressupostos legais previstos no artigo 35.º da LGT;
iii.) Erro dos serviços da Administração Tributária na prolação dos atos tributários em referência e consequente direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
II – A matéria de facto relevante
9. O tribunal considera provados os seguintes factos:
1.A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, enquadrada no regime geral para efeitos de IRC e de IVA, que se dedica à importação, admissão e comercialização de veículos automóveis das marcas «B» e «C», maioritariamente em estado novo e no âmbito desta atividade procedeu à importação e matrícula do veículo automóvel a que veio a ser atribuída a matrícula …-…-….
2.A matrícula em causa ocorreu em 23/07/2009.
3.Para proceder à comercialização dos referidos veículos em Portugal, a Requerente serve-se de uma rede de concessionários a quem confere o direito de comercializar, na fase de retalho, veículos automóveis das marcas em apreço, podendo ainda, em certos casos, proceder à comercialização de veículos junto das entidades financeiras do Grupo A em Portugal, os quais serão objeto de contratos de locação financeira ou aluguer de longa duração.
4.A ora Requerente foi notificada da liquidação oficiosa de IUC n.º 2009 …, relativa ao ano de 2009, respeitante ao veículo automóvel com a matrícula …-…-…, no montante global EUR 200,35, datada de 14.10.2013, sendo 172,81€ de imposto e 27,54 € de juros compensatórios.
5.A fundamentação deste ato tributário foi a seguinte:
“Liquidação efetuada nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 2º, conjugado com os artigos 3º, 4º, 6º e 10º, todos os Código de Imposto único de Circulação, por não ter sido liquidado nem pago, até à data da liquidação e no mês referido no quadro e imposto referente do veículo identificado nestes documento”.
6.A Requerente contestou a legalidade do mesmo perante a Administração Tributária, requerendo a respetiva anulação no âmbito do procedimento de reclamação graciosa que correu os seus termos sob o n.º …2014….
7.No dia 23 de Junho de 2014, a Requerente foi notificada do indeferimento da referida reclamação graciosa, com os seguintes fundamentos:
«No CIUC, a sujeição a imposto, objectiva e subjectiva, é determinada pelo registo de veículos, independentemente do respectivo uso ou fruição (cf art.º 2.º, 3.º e 6.º do CIUC).
O IUC incide sobre a propriedade dos veículos, tal como é atestada pelo registo (cf. n.º 1 do art.º 6.º do CIUC), e não sobre o uso ou fruição dos mesmos.
Assim, a base de dados em que assenta a liquidação de IUC sobre bens móveis terrestres sujeitos a registo, é formada com os elementos fornecidos pelo Instituto dos Registos e Notariado, I.P. (IRN) e pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT).
O IUC é devido por inteiro em cada ano a que respeita até ao cancelamento da matrícula em virtude de abate efectuado nos termos da lei (cf. n.º 1 e 3 do art.º 4.º do CIUC).
O período de tributação, no caso de bens móveis terrestres sujeitos a registo, corresponde a um ano, contado a partir do facto tributário, o qual ocorre na data da matrícula ou dos seus aniversários (cf. n.º 2 do art.º 4.º e n.º 3 do art.º 6.º, ambos do CIUC).
O pagamento voluntário decorre no início de tributação (cf. n.º 1 e 2 do art.º 17.º do CIUC).
As decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral Tributário referem-se a uma situação em concreto, não consubstanciando Lei, e por isso mesmo não se aplicando no caso em análise.
[…]
De salientar ainda o disposto no n.º 1 alínea a) do artº 18º do Código do IUC a saber: “1. Na ausência de registo de propriedade do veículo efetuado dentro do prazo legal, o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido: a) ao sujeito passivo do imposto sobre veículos com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido»
8.Para evitar a cobrança coerciva da referida liquidação de IUC e juros compensatórios, a Requerente efetuou o respetivo pagamento em 18 de Dezembro de 2013.
10.Factos não provados
a)Que o veículo matrícula …-…-… fosse propriedade da sociedade, D… – …, S.A à data do facto tributário.
b) Que à data do facto tributário, a sociedade D… – …, S.A, fosse locatária do veículo em causa, no âmbito de contrato em que lhetivesse sido conferido direito de opção de compra.
11. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
i)Factos provados.
A prova dos factos considerados provados resulta dos documentos juntos aos autos, designadamente com o processo administrativo, e das posições das partes, não tendo ocorrido controvérsia sobre a matéria factual em causa.
ii) Factos não provados.
A decisão do Tribunal relativamente ao facto não provado referido em a) resultou da ponderação de vários elementos.
Antes de mais, foi ponderada a existência de uma fatura tendo como emitente a Requerente e destinatária a sociedade D… – …, S.A, datada de 26.03.2009 e que, segundo a Requerente, corresponde à venda do veículo em causa.
Por outro lado, o Tribunal não pôde deixar de ponderar que:
1)De fls. 22 de processo administrativo consta a Requerente como proprietária do veículo inscrita no registo em 6.08.2009; que de seguida consta, datada de 15.12.2009, a inscrição da propriedade no registo em nome de E…, SA.
2)Que, com data de 16.09.2009 aparece a sociedade D… – …, S.A, como titular de uma inscrição como locatária do veículo em causa.
3) Que, com data de 15.12.2009 constaF… como titular de uma inscrição como locatáriodo mesmo veículo.
Por outro lado, ponderou o Tribunal que no ponto 37 das alegações a Requerida afirmou o seguinte:
“de acordo com os elementos em posse da Administração Tributária – cfr. documentos n.os 22 e 24, junto ao processo administrativo –, à data relevante para a liquidação do imposto em questão, a sociedade D… – …, S.A., era a locatária do veículo em referência, tendo pois a respectiva propriedade económica do mesmo.”
Como é bom de ver, a mesma pessoa jurídica não pode ser simultaneamente proprietária e locadora do mesmo bem. Embora não seja impossível que a Requerente tivesse adquirido a propriedade do veículo em causa em Março e o tivesse vendido posteriormente tornando-se simultânea ou sucessivamente locatária do veículo, tal seria, no mínimo estranho e insólito à luz da atividade normal da D… – …, S.A.Por outro lado, a Requerente não dá qualquer explicação neste sentido, o que reforça a ideia de que tal hipótese, dificilmente equacionável à luz do “normal acontecer”, não se verificou.
Assim sendo, ponderando os elementos probatórios indicados e a afirmação da Requerente, é convicção do Tribunal, deque à data do facto tributário relevante,a sociedadeD… – …, S.A., não havia adquirido a propriedade do veículo em causa e não era proprietária do veículo em causa.
A decisão do Tribunal relativamente ao facto não provado referido em b) resultou da circunstância de não ter sido produzida prova referente ao mesmo.
Tendo sido feita a prova de que a sociedade D… – …, S.A. era, em 16.09.2009, titular duma inscrição comolocatária do veículo em causa, não foi feita prova do conteúdo de tal contrato, designadamente se no mesmo estava previsto direito de opção de compra, nem que tal contrato vigorasse à data do facto tributário.
-III- O Direito aplicável
12.Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”
Dispõe, ainda, o nº 2 do mesmo preceito que “São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”
Por outro lado, nos termos do art. 6º, nº 1 do mesmo diploma “O facto gerador de imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”.
Dispõe, também, o art. 4º do mesmo Código que “O imposto único de circulação é de periocidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita” (nº 1) e que “ O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, eo ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G.”
13. A matrícula do veículo em causa foi efetuada em nome da Requerente em 23.07.2009 constando, também, do Registo Automóvel, a inscrição da titularidade da propriedade datada de6.08.2009, em nome da Requerente.
À data do facto tributário, em função da matrícula efetuada em seu nome, a Requerente era, assim, presuntivamente, sujeito passivo do imposto face aos arts. 3º, nº 1 e 6º, nº 1 do CIUC,não tendo sido ilidida a presunção[1], pelas razões expostas em sede de fundamentação da matéria de facto.
14. Na verdade, a Requerente não logrou demonstrar que a sociedade D… – …, S.A., fosse, à data do facto tributário,locatária num contrato de locaçãoincidente sobre o veículo em causa, por força do qual lhe tivesse sido conferido o direito de opção de compra, nem que fosse proprietária do veículo.
Nesta medida, face à prova produzida, nem ao abrigo do nº 1, do art.º. 3º, do CIUC, nem nos termos do nº 2 do mesmo artigo, se pode concluir que o real sujeito passivo do imposto fosse esta sociedade.
Assim sendo, não pode a pretensão anulatória da Requerente deixar de improceder ficando, assim, prejudicada apreciaçãoda pretensão da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, bem como a pretensão de anulação da liquidação de juros compensatórios com fundamento na ilegalidade da correspetiva liquidação do imposto.
15. No que respeita ao pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios, com fundamento em falta de ocorrência dos requisitos previstos no art. 35º, nº 1, da Lei Geral Tributária, face à matéria de facto provada, não se pode concluir inexistir culpa daRequerente no retardamento da liquidação, designadamente por ter ocorrido uma “compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte ou a erro desculpável”, antes se verificadoo preenchimento dos necessários pressupostos legais previstos naquela norma, pelo que, também improcede a pretensão da Requerente à anulação da liquidação de juros compensatórios.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
Valor da ação: 200,35 € (duzentos euros e trinta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerente, no valor de 306,00 € (trezentos e seis euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Lisboa, CAAD, 16 deMarço de 2015
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[1] Acompanhamos a jurisprudência arbitral que, pacificamente, vem entendendo que o art. 3º, nº 1, do CIUC, consagra uma presunção ilidível. Cfr., entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos números 14/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T e 286/2013-T.