Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 597/2014-T
Data da decisão: 2015-03-18   
Valor do pedido: € 110.947,96
Tema: IRC/EBF - Benefícios relativos à Interioridade
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CAAD: ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA

Processo n.º 597/2014 - T

Tema: IRC/EBF - Benefícios relativos à Interioridade

 

Decisão Arbitral

 

I. RELATÓRIO

 

As sociedades A... – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., Requerente com o NIPC … e B..., LDA., Requerente com o NIPC …, apresentaram um pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo (doravante Tribunal), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos de liquidação adicional de IRC:

a) Relativamente à Requerente A..., o acto de liquidação de IRC n.º 2014 ... de 2010, de 12.05.2014, e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 19.05.2014, e o acto de liquidação de IRC n.º 2014 ... de 2011, de 12.05.2014, e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 26.05.2014;

b) Quanto à Requerente B..., o acto de liquidação n.º 2014 ... de 2010, de 12.05.2014 e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 19.05.2014, e o acto de liquidação de IRC n.º 2014 ... de 2011, de 12.05.2014 e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 26.05.2014.

 

O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 15.04. 2014 e automaticamente notificado à AT.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal foi constituído em 28.10.2014.

   

No dia 8.01.2015, realizou-se, com as Partes, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta que se encontra junta aos autos, tendo sido decidido, em face do teor da matéria contida nos autos, prescindir-se da produção de prova testemunhal, tendo o Tribunal notificado a Requerente e as Requeridas para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias.

O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Nos termos do artigo 3.º do RJAT, quer a coligação dos Requerentes, quer a cumulação de pedidos é admissível, considerando que a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

 

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo arbitral e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2014…, OI2014…, OI2014… e OI2014…, foram determinadas acções inspectivas internas às Requerentes realizadas pela Direcção de Finanças de …;

B) Das acções inspectivas referentes aos anos de 2010 e de 2011, resultaram as correcções aritméticas constantes dos Capítulos III dos respectivos relatórios de inspecção;

C) As Requerentes assinalaram o campo 5 do quadro 03.4 e o campo 245 do quadro 8.1 da modelo 22 do IRC, tendo usufruído da taxa reduzida de 10% nos termos previstos no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);

D) A Requerente “A…” exerce uma actividade agrícola constante da secção A do CAE (CAE principal 01111 – Cerealicultura; CAE secundário 1130 Cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos);

E) A Requerente “B...” exerce uma actividade agrícola constante da secção A do CAE (CAE principal 01111 – Cerealicultura), dedicando-se concretamente à produção de milho;

F) As Requerentes foram beneficiárias do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), conforme atestam os documentos, extraídos do site oficial na internet do Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, e que comprovam o recebimento de verbas no 2.º semestre de 2010, no montante de €30.329,65 para a A... (página 14876) e de €2.2079,29 para a B... (página 14886), e de verbas no 2.º semestre de 2011, no montante de €27.416,38 para a A... (página 10427) (Documentos nº 1 e n.º 2, juntos com a contestação);

G) Na sequência das correcções aritméticas constantes do Relatório de Inspecção Tributária, as Requerentes foram notificadas, respectivamente, das seguintes liquidações e demonstrações de acerto de contas de IRC, conforme documentos n.º 1 a 8 juntos com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral :

1. Acto de liquidação de IRC n.º 2014 ... de 2010 - no montante de €53.398,53, datado de 12.05.2014, e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 19.05.2014;

2. Acto de liquidação de IRC n.º 2014 ... de 2011 - no montante de €49.514,18, de 12.05.2014, e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 26.05.2014, da qual resulta um imposto a pagar no valor de €49.514,18;

 

3. Acto de liquidação n.º 2014 ... de 2010, no montante de €5.512,58, de 12.05.2014 e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 19.05.2014;

4. Acto de liquidação de IRC n.º 2014 ... de 2011, no montante de €2.342,81, de 12.05.2014 e respectiva compensação n.º 2014 ..., de 26.05.2014.

 

H) Os actos de liquidação adicional de IRC acima identificados assentam no pressuposto de que as Requerentes não reúnem os requisitos legalmente exigidos para poderem usufruir do benefício fiscal à interioridade.

 

Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

Este tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos, que não foram alvo de impugnação pelas partes.

 

III. MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos prende-se com saber se as Requerentes podem ou não beneficiar do incentivo fiscal consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

III. A. Argumentos das Partes

A este propósito, as Requerentes alegam no seu pedido de constituição do Tribunal, em síntese, o seguinte:

 

1.     Com a aprovação da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, procurou-se estabelecer medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior, prevendo-se incentivos fiscais para as entidades cuja actividade principal se situe nas designadas áreas beneficiárias e segundo as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro;

 

2.     Nos termos do artigo 2.° da supracitada Portaria n.º 170/2002, de 28/02, excepciona-se das actividades económicas que podem beneficiar dos incentivos mencionados a agricultura e pesca, e, deste modo, o sector agrícola referente às empresas localizadas nas áreas do interior, designadas «áreas beneficiárias», ficou excluído do sistema de incentivos;

 

3.      Por outro lado, na publicação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), ao revogar a Lei n.º 171/99, de 18/09, e adicionar os benefícios à interioridade ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, regista-se no artigo 88.°, sob a epígrafe «Disposições – transitórias no âmbito dos benefícios fiscais», que a alínea I) da referida norma dispõe:

«(… ) às isenções de contribuições para a segurança social relativas à  criação líquida de postos de trabalho nas áreas com regime de  interioridade e aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos, respectivamente, no artigo 39. º da presente lei e no artigo 39.°-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n. º 310/2001, de 10 de Dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro).

 

4.     O Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, procede à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.°-B (actual artigo 43.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais «Benefícios fiscais relativos à interioridade». Neste diploma, entre, outras especificações, refere-se no n.º 1, do artigo 8.º que:

«As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente, no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.»

 

5.     No número 2 do mesmo artigo e diploma, o Governo mantêm as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação de nova portaria, mantendo-se, assim, a exclusão do sector agrícola do regime de benefícios relativos à interioridade;

 

6.     As Requerentes consideram que o n.º 2 do artigo 8.º do D.L n.º 55/2008, de 26 de Março é inconstitucional, porquanto o propugnado pelo EBF em matéria de benefícios fiscais à interioridade é integralmente derrogado pelos diplomas que visam regulamentar o acesso a tais benefícios.

 

 

7.     O artigo 8.º, n.º 2 do DL n.º 55/2008, ao dispor que Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior”, cria uma norma de incidência, na exacta medida em que a Portaria (cujo desiderato seria apenas regulamentar o acesso aos benefícios – ex vi n.º 7 artigo 43.º EBF) excluí, entre outras, a agricultura do acesso aos benefícios, e logo, nada, quanto a este ponto, regulamenta, antes sim cria, ex novo verdadeiras normas de incidência.

 

8.     Tal norma de incidência, ao ser definida por simples Portaria, viola claramente o Princípio da Reserva de Lei (Artigo 165.º, n.º 1, alínea i) CRP);

 

 

9.     O princípio da legalidade fiscal impõe que seja a lei, ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa, a criar os impostos e também a definir os seus elementos essenciais (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, da Constituição).

 

10.  Ora, a norma do n.º 2 do Artigo 8.º do D.L. n.º 55/2008, de 26 de Março não tem natureza meramente regulamentar, sendo, portanto, inconstitucional.

 

11.  A alteração introduzida pelo n.º 2 do Artigo 8.º DL 55/2008, de 26 de Março, é pois, uma norma inovadora, na medida que repristinou a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, a qual excluí do seu âmbito de aplicação actividades como a que está em causa nos autos - a agrícola; esta configura uma lei inovadora, visto não se ter limitado a regular as condições de acesso das entidades beneficiárias – como se propunha – antes sim introduziu na ordem jurídica algo que dela não decorria: a exclusão, entre outras, da actividade agrícola no que tange aos benefícios à interioridade;

 

12.  Salientam, ainda, as Requerentes que, mesmo que a norma do n.º 2 do Artigo 8.º do D.L. n.º 55/2008, de 26 de Março, tenha resultado da obrigação de transposição das directivas comunitárias, ainda assim, tal transposição teria que obedecer às exigências constitucionais da reserva de lei fiscal;

 

13.  Deve por isso ser julgada organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), a norma do n.º 2 do Artigo 8.º D.L. 55/2008, de 26 de Março, quando interpretada no sentido de ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras estabelecidas da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, extinguir, na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei que visa regulamentar instituiu.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

14.  No presente processo arbitral está em causa a aplicação do benefício fiscal à interioridade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF (anterior artigo 39.º-B, aditado ao EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, originariamente consagrado no artigo 7.º da Lei nº 171/99, de 18/09) e a sua execução de harmonia com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);

 

15.  O incentivo fiscal à interioridade constitui um auxílio de Estado com enquadramento a nível comunitário nos auxílios de mínimis para efeitos dos artigos 107.º e 108.º do TFUE (anteriores 87.º e 88.º do Tratado da EU);

 

16.  É a Lei nº 53-A/2006 que no seu artigo 83.º adita ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o, então, artigo 39º-B (actual artigo 43º) que consagrava o seguinte:

 

“Artigo 39.º-B Benefícios relativos à interioridade

1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas "áreas beneficiárias", são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) (…);

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 15% durante os primeiros cinco exercícios de actividade;

(…)

7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.”

 

17.  Também é a Lei nº 53-A/2006 que no seu artigo 87.º nº 3 revoga a Lei nº 171/99, de 18 de Agosto:

            “Artigo 87.º Revogação de normas no âmbito dos benefícios fiscais

            3 - São igualmente revogados:

            g) A Lei n.º 171/99, de 18 de Agosto.”

 

18.  E, também, é a Lei n.º 53-A/2006 que, no seu artigo 88.º l), mantém em vigor a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.

 

19.  Para além de a manter em vigor, é a Lei n.º 53-A/2006 que expressamente determina aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos no artigo 39-B do EBF são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 210/2001 (que viria a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 55/2008) e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro;

 

20.  Leia-se, então, esta disposição da Lei n.º 53-A/2006:

 

 

Artigo 88.º Disposições transitórias no âmbito dos benefícios fiscais

 

Às alterações introduzidas pela presente lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se o regime transitório seguinte:

            l) Às isenções de contribuições para a segurança social relativas à criação líquida de postos de trabalho nas áreas com regime de interioridade e aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos, respectivamente, no artigo             39.º da presente lei e no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.”

 

21.  Assim, e ao contrário do que as Requerentes afirmam na P.I., é a Lei n.º 53-A/2006 que mantém vigor a Portaria n.º 170/2002 e que determina a manutenção da sua aplicação ao artigo 39.º-B do EBF (actual artigo 43.º) enquanto não for aprovada nova Portaria;

 

22.  A aplicação da Portaria n.º 170/2002 não resulta da mera remissão do Decreto-Lei n.º 55/2008, pois antes de este Decreto-Lei entrar em vigor, já a Lei nº 53-A/2006 mantinha a aplicação da Portaria n.º 170/2002, nos termos supra referidos;

 

23.  O Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março estabeleceu as normas de regulamentação necessárias à execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, conforme previsto no EBF;

 

24.  Aos benefícios fiscais previstos no diploma em apreço, mantêm-se aplicáveis as regras anteriormente estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002 até à aprovação de uma nova, não havendo qualquer repristinação;

 

 

25.  Assim, e face ao exposto, não pode proceder o vício de ilegalidade decorrente de inconstitucionalidade orgânica por violação dos artigos 103.º n.º 3 e 165.º i) da CRP, conforme invocado pelas Requerentes.

 

26.  Acresce ainda que, prosseguindo no enquadramento jurídico da matéria em discussão, cumpre salientar que os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, por serem susceptíveis de ser considerados auxílios de Estado, estão sujeitos a análise pela Comissão Europeia, com vista a apurar a sua conformidade com as orientações comunitárias sobre essa matéria, ao abrigo do TFUE;

 

27.  No que respeita à actividade agrícola, a regulamentação comunitária sobre este sector de actividade económica encontra-se no Regulamento (CE) n.º 1860/2004, de 06/10, e no Regulamento (CE), n.º 875/2007, de 24/07;

 

28.  Estes regulamentos fixam uma regra de minimis para o sector da agricultura, referente a auxílios que os Estados-Membros poderão conceder, desde que verificadas as necessárias condições de controlo e aplicação, designadamente, o respeito por um limite de minimis por empresa, a que acresce um limite máximo global por Estado-Membro, que, no caso, de Portugal é de €17.832.000,00 para o sector da agricultura;

 

29.  Estes regulamentos consubstanciam uma autorização dada aos Estados-Membros para, no âmbito das políticas que considerem necessárias e oportunas, poderem conceder auxílios de Estado segundo as orientações comunitárias sobre esta matéria;

 

30.  A Portaria n.º 170/2002, exclui, do seu âmbito de aplicação, os apoios concedidos à actividade agrícola, em virtude de o seu objecto incidir apenas sobre a regulamentação dos auxílios de minimis concedidos ao abrigo do Regulamento (CE) nº 1998/2006, de 15/12, aplicável às empresas de todos os sectores da actividade económica, com excepção dos previstos no artigo 1.º deste regulamento, aí incluída a agricultura;

 

31.  Quer isto dizer que a Lei n.º 53-A/2006, que introduziu o artigo 39º-B do EBF, actual artigo 43º, ao prever a possibilidade de a redução de taxa de IRC se aplicar, também, às actividades do sector agrícola, consignou uma norma cuja exequibilidade estava dependente da aprovação de regulamentação específica, conforme estabelece o seu nº 7, necessária ao cumprimento do Regulamento (CE) nº 1860/2004 e, posteriormente, do Regulamento (CE) nº 875/2007;

 

32.  Assim, o Decreto-Lei n.º 55/2008, ao remeter para a Portaria n.º 170/2002 manteve a regulamentação já existente na ordem interna para a execução dos auxílios de minimis à generalidade dos sectores de actividade económica, com excepção, entre outros, do sector agrícola;

 

33.  Ou seja, a Portaria nº 170/2002 não é ilegal ou tão pouco inconstitucional, uma vez que o seu âmbito de aplicação incide sobre os auxílios de minimis contemplados para a generalidade das actividades económicas, em conformidade com as orientações comunitárias sobre esta matéria;

 

34.  Nestes termos, a medida de incentivo fiscal concretamente referente à redução de taxa do imposto sobre o rendimento, como vem a ser o caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, ora em discussão, embora consignada pelo legislador em moldes que admitem a sua aplicabilidade às empresas que exerçam uma actividade económica de natureza agrícola, vê a sua exequibilidade dependente da aprovação das normas regulamentares necessárias a garantir o respeito pelas orientações comunitárias emitidas ao abrigo do Tratado da UE, por força do primado do direito comunitário consignado no artigo 8.º da CRP;

 

35.  Atento o primado do direito comunitário, importa ter presente que o Regulamento (CE) n.º 1860/2004, posteriormente Regulamento (CE) n.º 875/2007, constitui um dos actos jurídicos, enumerado no artigo 288.º do TFUE, que integra a ordem jurídica da União, caracterizando-se por ser directamente aplicável na ordem jurídica dos Estados-Membros sem que deva ser objecto de qualquer acto interno de transposição;

 

36.  Assim, verifica-se que a alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF consignou a aplicabilidade de um benefício fiscal a uma actividade económica, no caso a actividade agrícola, que, por força do direito comunitário, está obrigada ao cumprimento das condições estabelecidas pelo Regulamento (CE) n.º 1860/2004, de 06/10 e, posteriormente, Regulamento (CE) n.º 875/2007, de 24/07;

 

37.  A inexequibilidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, para os efeitos pretendidos pelas Requerentes, retira qualquer sustentação legal à tese por si propugnada de que o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 ou a Portaria n.º 170/2002 estariam a derrogar o benefício fiscal consignado naquela alínea b) e, consequentemente, a violar o disposto no nº 2 do artigo 103.º da CRP e a alínea i) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 165.º da CRP;

 

38.  Na verdade, não está em causa a derrogação daquela norma, tanto mais que o âmbito de aplicação da Portaria n.º 170/2002, sendo distinto do pretendido pelas Requerentes, por não incidir sobre os auxílios de minimis à agricultura, não se revela minimamente apto a produzir a derrogação que as Requerentes alegam;

 

39.  A Portaria n.º 170/2002 não exclui ou derroga o benefício pretendido pelas Requerentes, simplesmente não o regulamenta porque o mesmo não faz parte do seu âmbito de incidência;

 

40.  Deste modo, atendendo à primazia do direito comunitário sobre o direito interno, não se pode considerar existir aqui qualquer inconstitucionalidade, nem tão-pouco ilegalidade alguma, na medida em que a legislação nacional se limitou a dar cumprimento aos actos jurídicos comunitários, vinculativos para o Estado Português;

 

41.  O nº 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei nº 55/2008, assim como a Portaria para a qual remete, não constituem normas inovadoras que extingam um benefício fiscal criado pela lei que visam regulamentar;

 

42.  O direito ao benefício fiscal consignado no artigo 43.º do EBF está dependente da verificação de pressupostos cuja definição não se compreende na regra mais geral contida neste normativo;

 

43.  Assim, sem a regulamentação que especifique e concretize os restantes pressupostos de que depende o benefício ali consignado em termos genéricos, não é tão pouco admissível falar de um qualquer direito a um benefício fiscal, uma vez que os pressupostos de que depende esse direito ainda não se encontram instituídos;

 

44.  Nestes termos, não é legítimo concluir que o artigo 43.º do EBF tenha consignado um benefício fiscal à interioridade também para as empresas que exerçam actividade agrícola e que esse direito tenha, posteriormente, sido derrogado pelos diplomas que visavam a sua regulamentação;

 

45.  O que existe é uma omissão de regulamentação quanto à aplicação daquele benefício também à actividade agrícola, a qual se afigura perfeitamente legítima e conforme às normas comunitárias que, não impondo a concessão de auxílios de minimis à agricultura, impõem, contudo, condições a observar caso os mesmos sejam atribuídos;

 

46.  O n.º 1 do artigo 43.º do EBF não pode ser interpretado como concedendo os benefícios fiscais em causa a todas as empresas, bastando que as mesmas exerçam uma qualquer actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, sem mais;

 

47.  Tal seria patentemente inconstitucional, pois que se não se verifica in casu a justificação para a atribuição do benefício fiscal a todas as empresas que exercem uma actividade daquelas naturezas, o que equivaleria à concessão de um privilégio fiscal, terminantemente proibido pelo princípio da igualdade constitucionalmente consagrado;

 

48.  Por outro lado, não se conformando dentro das razões justificativas para a atribuição do benefício, também a aplicação da redução de tributação não estaria em conformidade com o princípio de protecção da concorrência, pois que acabaria por funcionar como um auxílio de Estado contrário ao ordenamento comunitário.

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se as Requerentes podem ou não beneficiar do incentivo fiscal consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, aplicável à data dos factos, será necessário verificar se o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março é ou não inconstitucional.

III. B. Apreciação do Tribunal

Vejamos o que deve ser entendido.

a) Da interpretação do artigo 43.º do EBF

À data da verificação dos factos tributários em análise (2010 e 2011), dispunha o artigo 43.º do EBF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, o seguinte:

 

Artigo 43.º Benefícios fiscais relativos à interioridade

 

1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

 

a) É reduzida a 15 % a taxa de IRC, prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias;

 

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10 % durante os primeiros cinco exercícios de actividade;

 

c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até €500.000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua actividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30 %;

 

d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho, por tempo indeterminado, nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50 %, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais, nos termos do artigo 58.º do Código do IRC;

 

e) Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício nos termos do Código do IRC são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos sete exercícios posteriores.

 

2 - São condições para usufruir dos benefícios fiscais previstos no número anterior:

 

a) A determinação do lucro tributável ser efectuada com recurso a métodos directos de avaliação;

 

b) Terem situação tributária regularizada;

 

c) Não terem salários em atraso;

 

d) Não resultarem de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.

 

3 - Ficam isentas do pagamento de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições seguintes:

 

a) Por jovens, com idade compreendida entre os 18 e os 35 anos, de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano situado nas áreas beneficiárias, destinado exclusivamente a primeira habitação própria e permanente, desde que o valor sobre o qual incidiria o imposto não ultrapasse os valores máximos de habitação a custos controlados, acrescidos de 50 %;

 

b) De prédios ou fracções autónomas de prédios urbanos, desde que situados nas áreas beneficiárias e afectos duradouramente à actividade das empresas.

 

4 - As isenções previstas no número anterior só se verificam se as aquisições forem devidamente participadas ao serviço de finanças da área onde estiverem situados os imóveis a adquirir, mediante declaração de que conste não ter o declarante aproveitado anteriormente de idêntico benefício.

 

5 - As isenções previstas no n.º 3 ficam dependentes de autorização do órgão deliberativo do respectivo município.

 

6 - Para efeitos do presente artigo, as áreas beneficiárias são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.

 

7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.

 

8 - Os benefícios fiscais previstos no presente artigo não são cumulativos com outros benefícios de idêntica natureza, não prejudicando a opção por outro mais favorável.

Com relevo para a apreciação das questões submetidas a este Tribunal importa interpretar o disposto no n.º 1 b) do artigo 43.º, assim como os números 6 e 7 do referido artigo.

Uma vez que, para se apreender o sentido da Lei, a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação, conforme resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), vamos interpretar as normas em causa atendendo aos elementos de interpretação da Lei, a saber: o elemento literal, o elemento histórico e o elemento teológico/sistemático (artigo 9.º do Código Civil, adiante CC). Assim:

·       Elemento Literal

Considerando o elemento literal importará, em primeiro lugar, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei. Diz-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF que "1- Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

 

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10 % durante os primeiros cinco exercícios de actividade;"

 

Por sua vez, o n.º 6 do artigo 43.º vem estabelecer quais são os critérios que devem presidir à determinação das áreas beneficiárias, referindo-se a critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.

 

No n.º 7 do artigo 43.º, o legislador remete a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias e de todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, para portaria do Ministro das Finanças.

 

Assim, segundo uma interpretação literal das normas em causa, resulta que o benefício fiscal à interioridade é concedido: Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, remetendo-se a definição de áreas beneficiárias e todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do benefício fiscal para Portaria Regulamentar.

 

No fundo, o artigo 43.º do EBF estabelece um benefício fiscal, utilizando a técnica da remissão legislativa para densificar o conceito de áreas beneficiárias e estabelecer as normas regulamentares necessárias à boa execução do benefício fiscal.

 

Em consequência, o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, vieram estabelecer "as condições de acesso das entidades beneficiárias, as entidades responsáveis pela concessão dos incentivos, as obrigações a que ficam sujeitas as entidades beneficiárias, bem como as consequências em caso de incumprimento.”

 

Mais estabelece o referido Decreto-Lei, no n.º 2 do artigo 8.º que "Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da Portaria referida no número anterior."

 

À data dos factos relevantes para efeitos de apreciação da legalidade dos actos de liquidação sub judice, encontrava-se em vigor a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, não havendo, portanto, nenhuma repristinação daquela Portaria, pois, que só se represtinam normas revogadas (Vide artigo 7.º do CC).

 

Nos termos da referida Portaria, nomeadamente, do seu artigo 2.º, relevante na apreciação das questões colocadas a este Tribunal, "Podem beneficiar dos incentivos mencionados no número anterior todas as actividades económicas, com excepção das seguintes: a) Agricultura e pesca, identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE, revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio;"

 

Assim, atendendo ao elemento literal, a alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF só pode ser interpretada no sentido de que, apenas é aplicável o benefício fiscal aí previsto às actividades económicas que não sejam  excluídas, tal como a actividade agrícola.

 

·       Elemento Histórico e Teleológico

O artigo 43.º do EBF à data em vigor tem origem num processo negocial complicado entre o Estado Português e a Comissão Europeia. Na verdade, e na sequência de processos de notificação relativos a vários regimes vigentes no território nacional, incluindo o ora em análise, tinha vindo a desenvolver contactos e trocas de informação com a Comissão Europeia relativamente à sua aplicação, após Janeiro de 2007. Em resultado da mudança de quadro comunitário em matéria de Auxílios de Estado, a Comissão (DG Concorrência) considerou que os referidos diplomas tinham terminado a respectiva vigência, o que levou, a nível nacional, à suspensão da análise e tramitação dos respectivos processos.

 

Nesse sentido, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), veio proceder à revogação da Lei n.º 171/99, de 18/09, e adicionar os benefícios à interioridade ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, com uma perspetiva de alteração do regime. De acordo com essa mesma Lei (alínea l) do artigo 88.º), contudo, relativamente às normas regulamentares de boa execução, estabeleceu-se um regime transitório no qual continuam a ser aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro. De acordo, ainda, com a referida Lei (a mesma alínea l) do artigo 88.º) continuariam a ser aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, na qual são fixadas as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos, nomeadamente, as actividades económicas beneficiárias, as despesas elegíveis e o limite dos incentivos.

No entanto, e para garantir alguma estabilidade legislativa e segurança jurídica e garantir que a Comissão Europeia estava em condições de aceitar a alteração do regime vigente, só em 2008 é que o regime foi objeto de regulamentação pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que clarificou no seu artigo 8.º o seguinte:

 

- De acordo com o número 1: «As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente, no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.»;

De acordo com o número 2: «Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior».

Dado tratar-se de um Decreto-Lei, e tendo em conta que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, ainda estava em vigor por via do então número 7 do então artigo 39.º-B do EBF, este artigo 8.º número 2, veio apenas clarificar que até à aprovação da nova Portaria manter-se-ia em vigor a Portaria anterior, nunca antes revogada, aliás como já resultava da alínea l) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007). No mesmo ano, explique-se ainda que, através da aprovação do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, foi alterado e republicado o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, que passou a reunir no seu artigo 43.º (anterior artigo 39.º-B) o conjunto de benefícios fiscais relativos à interioridade, mantendo inalterado o regime.

 

Neste sentido, e recorrendo ao elemento histórico, percebemos que entre Janeiro de 2007 e Março de 2008 vigoraram não só o Decreto-Lei nº 310/2001, de 10 de Dezembro, como também a Portaria nº 170/2002, de 28 de Fevereiro. O contrário tornaria o regime inaplicável por via do artigo inserido no EBF respeitante à interioridade, sendo notório que a Administração sempre aplicou este artigo, bastando para tal consultar as declarações de IRC modelo 22, nos campos respeitantes ao regime da interioridade.

 

 

·       Elemento Sistemático

 

Como ensina Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp. pág. 183, Almedina, 1991, “o elemento sistemático compreende “a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a matéria interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos).”

Ora, a norma constante do artigo 43.º, n.º 1 b) do EBF não pode ser analisada sem se atender, também, aos propósitos que servem à criação de benefícios fiscais.

Na verdade, logo no artigo 2.º do EBF se estabelece que os benefícios fiscais são "medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem."

Neste sentido, não nos parece de todo defensável que a norma em apreço possa ser interpretada no sentido de que a mesma confere os benefícios fiscais previstos aos sujeitos passivos que possam ser contemplados pelo corpo do n.º 1 do artigo 43.º, quando resulta, claro, que a concretização dos benefícios fiscais aí previstos depende da sua regulamentação posterior.

Tal interpretação conduziria à violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

Acresce que, a regulamentação posterior do benefício fiscal veio claramente a excluir a actividade agrícola, por razões que se prendem com o interesse público na obtenção de outro tipo de apoios, no caso de origem comunitária, para a actividade agrícola.

Outra interpretação da norma levaria à atribuição de um benefício fiscal que violaria o princípio de protecção da concorrência, ao funcionar como um auxílio de Estado contrário ao ordenamento comunitário.

Em suma: da interpretação do disposto na alínea b) 1 do artigo 43.º do EBF, em conjugação com as disposições complementares, que tornam exequível o direito aí previsto resulta claro que os Requerentes não reuniam as condições para beneficiarem daquele benefício fiscal.

b) Da Inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março

Alegam as Requerentes no seu pedido de pronúncia arbitral, a ilegalidade dos actos de liquidação em apreço decorrente de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, da norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008.

A este propósito entendem as Requerentes que a norma prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, quando interpretada no sentido de ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras da Portaria n.º 170/2002, de 28/02, está a “extinguir, na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei que visa regulamentar institui” e que a própria remissão para a Portaria n.º 170/2002, enquanto norma hierarquicamente inferior, “dispõe de forma inovadora face ao conteúdo da norma que visa regulamentar, criando desta forma uma norma de incidência”.

Relativamente à alegada inconstitucionalidade por violação do n.º 2 do artigo 103.º e alínea i) do nº 1 do artigo 165.º da CRP decorrente da extinção do benefício fiscal pela Portaria n.º 170/2002, de 28.02 dir-se-á o seguinte:

O artigo 43.º do EBF não estabelece qualquer norma exequível per si, uma vez que resulta dos seus números 6 e 7 que os critérios e delimitação das áreas territoriais, assim como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do direito consagrado (benefício fiscal, em concreto) serão fixadas por Portaria.

Veio a suceder que, o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, remeteu para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro a determinação das regras aplicáveis que, por sua vez, excluía a actividade agrícola do âmbito de aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, por força do direito comunitário.

Não parece, por isso, defensável afirmar que o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, extinguiu o benefício fiscal instituído pelo artigo 43.º, n.º 1 b) do EBF, quando, na verdade, por força da remissão operada pelas suas normas, esse direito nunca existiu, no caso concreto em análise.

Deve, também, notar-se que, dado o carácter excepcional dos benefícios fiscais, de forma alguma poderá resultar concedido um desagravamento fiscal não exequível por si próprio.

Acresce que, não pode ser invocada uma qualquer inconstitucionalidade orgânica decorrente da criação de uma norma de incidência pela Portaria em discussão, pois, que a aplicação da Portaria ao benefício fiscal consagrado no artigo 43.º do EBF resulta originariamente da Lei n.º 53-A/2006, conforme explicado em III. a) da presente decisão.

Na verdade, foi a Lei n.º 53-A/2006, que introduziu o artigo 39º-B do EBF, actual artigo 43.º, prevendo a possibilidade de redução de taxa de IRC se aplicar, também, às actividades do sector agrícola, mas consignando a sua exequibilidade à aprovação de regulamentação específica, necessária ao cumprimento do Regulamento (CE) nº 1860/2004 e, posteriormente, do Regulamento (CE) nº 875/2007.

Em consequência, a exclusão tributária constante da Portaria em causa tem como fonte a Lei n.º 53-A/2006 e o Decreto-Lei 55/2008, de 26 de Março, sendo respeitado o princípio da legalidade tributária constitucionalmente consagrado.

Mas mesmo que assim não se entendesse, tem sido repetidamente entendido pelos Tribunais que “Os princípios constitucionais da legalidade tributária, da tipicidade e da reserva de lei formal não exigem que tenha de constar da lei fiscal a totalidade do critério de decisão dos elementos relevantes para efeitos da incidência dos impostos, exigindo apenas que seja assegurada aos interessados “uma suficiente densificação que sirva de critério orientador à actividade administrativa e à dos próprios tribunais, quando chamados a controlar o uso de tais conceitos pela Administração.” (Vide, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 24738, de 12.04.2000).

Sem mais delongas, não nos parece que a posição dos Requerentes possa proceder com este fundamento.

Também não nos parece que possa proceder o argumento invocado pelas Requerentes de que a Portaria n.º 170/2002, enquanto norma hierarquicamente inferior, “dispõe de forma inovadora face ao conteúdo da norma que visa regulamentar, criando desta forma uma norma de incidência.”

Na verdade, atendendo aos argumentos já explicitados supra, não consideramos que a Portaria regulamente de forma inovadora, uma vez que o benefício fiscal criado pela Lei n.º 53-A/2006 constitui um benefício condicionado.

Em todo o caso, e mesmo que assim não se entendesse, não podemos esquecer que o direito comunitário tem prevalência sobre o direito interno, como resulta do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual:

Artigo 8.º
Direito internacional

1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.

2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.

3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.

4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol.I, 4.º Edição, Coimbra Editora, pp. Pág. 265, em anotação ao n.º 4 do artigo 8.º da CRP “quando a Constituição portuguesa estabelece que as disposições dos Tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, isso significa que as normas dos tratados, bem como as normas emanadas pelas instituições europeias prevalecem sobre as normas de direito interno, incluindo as normas da própria constituição (…).”

Da consagração da primazia do direito comunitário decorre, assim, que as normas de direito ordinário internas que sejam incompatíveis com o direito da União Europeia sejam ineficazes.

Assim, os autores citados, pp. Pag. 271, defendem que “Em caso de conflito, os tribunais nacionais devem considerar inaplicáveis as normas anteriores incompatíveis com normas de direito da EU e devem desaplicar as normas posteriores, por violação da regra da primazia.”

O n.º 4 do artigo 8.º da CRP constitui, portanto, uma regra de colisão entre o direito da União e o direito interno no plano do direito constitucional português.

Ora, no caso em análise, o Tratado de Funcionamento da União Europeia prevê nos seus artigos 107.º e 108.º, o seguinte:

Artigo 107.º

1. Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

2. São compatíveis com o mercado interno:

a) Os auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais com a condição de serem concedidos sem qualquer discriminação relacionada com a origem dos produtos;

b) Os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários;

c) Os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afectadas pela divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens económicas causadas por esta divisão. Cinco anos após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode adoptar uma decisão que revogue a presente alínea.

3. Podem ser considerados compatíveis com o mercado interno:

a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível devida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, bem como o desenvolvimento das regiões referidas no artigo 349.o, tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social;

b) Os auxílios destinados a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum, ou a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-Membro;

c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;

d) Os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quando não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na União num sentido contrário ao interesse comum;

e) As outras categorias de auxílios determinadas por decisão do Conselho, sob proposta da Comissão.

Enquanto que o artigo 108.º dispõe o seguinte:

Artigo 108.º

1. A Comissão procederá, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados-Membros as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno.

2. Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.

Se o Estado em causa não der cumprimento a esta decisão no prazo fixado, a Comissão ou qualquer outro Estado interessado podem recorrer directamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, em derrogação do disposto nos artigos 258.º e 259.º.

A pedido de qualquer Estado-Membro, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir que um auxílio, instituído ou a instituir por esse Estado, deve considerar-se compatível com o mercado interno, em derrogação do disposto no artigo 107.º ou nos regulamentos previstos no artigo 109.º, se circunstâncias excepcionais justificarem tal decisão. Se, em relação a este auxílio, a Comissão tiver dado início ao procedimento previsto no primeiro parágrafo deste número, o pedido do Estado interessado dirigido ao Conselho terá por efeito suspender o referido procedimento até que o Conselho se pronuncie sobre a questão.

Todavia, se o Conselho não se pronunciar no prazo de três meses a contar da data do pedido, a Comissão decidirá.

3. Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior.

O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.

4. A Comissão pode adoptar regulamentos relativos às categorias de auxílios estatais que, conforme determinado pelo Conselho nos termos do artigo 109.º, podem ficar dispensadas do procedimento previsto no n.º 3 do presente artigo.

 

Por sua vez, o Regulamento (CE) n.º 1860/2004, de 06/10 e o Regulamento (CE), n.º 875/2007, de 24/07 regulamentam a actividade agrícola, fixando uma regra de minimis para o sector da agricultura referente a auxílios que os Estados-Membros poderão conceder, a que acresce um limite máximo global por Estado-Membro, que, no caso, de Portugal é de €17.832.000,00 para o sector da agricultura.

No Regulamento (CE) nº 1998/2006, de 15/12 determinam-se os auxílios de minimis aplicáveis às empresas de todos os sectores da actividade económica, com excepção dos previstos no artigo 1.º deste regulamento, aí incluída a agricultura.

Como tem sido entendido pelos Tribunais Judiciais, “As normas contidas em Regulamentos Comunitários são de aplicação obrigatória e imediata e integram-se na ordem jurídica nacional com um valor na hierarquia das leis semelhante às leis nacionais” – Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo 328/02, de 6.12.2005.

Assim, a Portaria n.º 170/2002 mais não faz do que assegurar o cumprimento das regras comunitárias aplicáveis ao sector agrícola, em conformidade com o primado do direito comunitário.

Por isso, tal como defende a Requerida, a exequibilidade da medida de incentivo fiscal constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, sempre esteve (e está) dependente da aprovação das normas regulamentares necessárias a garantir o respeito pelas orientações comunitárias emitidas ao abrigo do Tratado da UE, por força do primado do direito comunitário consignado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP.

Considerando que o Regulamento (CE) nº 1860/2004 e posteriormente Regulamento (CE) nº 875/2007 constituem actos jurídicos directamente aplicáveis na ordem jurídica dos Estados-Membros quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições materiais nele contidas são inaplicáveis.

Conclui-se, assim, que, por um lado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF não foi intencionalmente objecto da regulamentação necessária à sua execução, no que respeita à actividade agrícola, e por outro lado, tal não poderia, em qualquer caso suceder, por força do primado do direito comunitário.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que o Tribunal Arbitral decide:

A)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se, em consequência, os actos de liquidação sub judice;

 

B)      Condenar as Requerentes nas custas do presente processo, por serem a parte vencida e terem dado causa ao presente processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €110.947,96.

 

VI. CUSTAS

 

Custas a cargo das Requerentes no montante de €3.060, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa a este último.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Março de 2015

 

 

Os Árbitros

 

 

 

Manuel Luís Macaista Malheiros (Árbitro Presidente)

 

 

 

Guilherme D´Oliveira Martins (Vogal)

 

 

 

Magda Feliciano (Relator)

 

 

 

1 Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária), com versos em branco e por mim revisto.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.