CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA
TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR
Processo nº 127/2012-T
Requerente:
…, contribuinte fiscal nº … , residente em …, no Luxemburgo;
Requerida:
Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui representada pelos doutos juristas da Direcção dos Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso da Direcção Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, Exmo. Sr. Dr. … e Exma. Sra. Dra. ….
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RELATÓRIO
… (de ora em diante designado apenas por “Requerente”), contribuinte fiscal nº …, com os demais sinais nos autos, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e nº 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração da ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2012 …e juros compensatórios, identificado sob o documento nº 2012 … relativo ao ano de 2011, na importância de € 5.231,11, por erro na determinação do rendimento colectável, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa deduzida do supra identificado acto.
Para o efeito, alega, em síntese que:
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Em Agosto de 2011, procedeu à alienação de um bem imóvel, do qual era comproprietário, sito no concelho da Mealhada;
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Em 25.07.2012, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação do IRS na sequência da declaração de rendimentos auferidos em 2011, que apresentou, na qualidade de não residente, sendo aquela acompanhada por um único anexo – Anexo G – “Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, no qual declarou exclusivamente aquela operação de transmissão onerosa de património imobiliário;
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Na referida demonstração, constata-se que, na determinação do rendimento colectável foi considerado a totalidade das mais-valias realizadas, não tendo deste modo a tributação daquelas sido calculada da mesma forma para os residentes, enfermando aquele de erro de direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50% daquele valor, atento o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS, numa interpretação mais conforme ao direito comunitário, nomeadamente, quer o disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondia ao anterior artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia), ao excluir daquela limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia, quer a jurisprudência comunitária e nacional, invocando o Acórdão do TJUE de 11/07/2007, proferido no âmbito do processo nº C-443/06, bem como jurisprudência do STA;
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O Requerente defende ainda que, além do campo 4 “ Não residente” do Quadro 5-B, do citado Anexo G, não assinalou os restantes campos 5 a 13, não tendo assim efectuado nenhuma escolha de regime em particular. Salienta ainda que, a escolha entre o regime de tributação geral aplicável a não residentes e o regime de tributação aplicável a residentes, sempre o conduziria a validar um regime fiscal discriminatório, citando quanto a esta parte, o douto Acórdão deste Tribunal Arbitral, proferido no âmbito do processo nº 45/2012-T;
Conclui pelo pedido de anulação do acto tributário de liquidação de IRS do ano de 2011 e juros compensatórios.
Juntou à petição 6 documentos.
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O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que foi designado árbitro singular pelo CAAD, de harmonia com o preceituado no nº 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.
O Tribunal Arbitral ficou constituído em 24-01-2013, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.
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Notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta, na qual, invoca, em síntese, sob a epígrafe - enquadramento jurídico - a existência de dois regimes de tributação. O primeiro destes regimes é aplicável aos sujeitos passivos residentes em território português, nos termos do qual a tributação sobre as mais-valias que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis incidem apenas sobre 50% do respectivo saldo, em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 43.º do Código do IRS, as quais são de englobamento obrigatório. Acrescenta ainda que, os sujeitos passivos residentes são tributados quer pelos rendimentos obtidos em território português, quer os auferidos fora deste, sujeitos a uma tabela de taxas progressivas.
Por sua vez, quanto ao regime aplicável aos sujeitos passivos não residentes, a Requerida refere que o imposto incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em Portugal, não ocorrendo o englobamento obrigatório, sujeitos à aplicação de uma taxa proporcional de 25% sobre a totalidade daqueles, nos termos do nº 1 do artigo 72.º do Código do IRS, ou por opção, no caso de mais-valias resultantes da alienação de imóveis sujeitos a uma tributação, conforme a prevista para os residentes.
A Requerida impugnou ainda o pedido, considerando, em síntese, que foi o Requerente que optou pela tributação pelo regime geral dos não residentes, de forma livre e consciente e, como tal, comete abuso de direito ao pretender a anulação de um acto tributário que foi por si despoletado.
Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Juntou ainda o processo administrativo.
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Em 8 de Março de 2012, realizou-se, na sede do CAAD, a primeira (e única) reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º do RJAT. Nesta, o Requerente requereu a junção aos presentes autos certidão de residência no Luxemburgo, o que, após ouvido o representante da Requerida, foi admitido. Requereu ainda a junção do comprovativo da declaração periódica de rendimentos, do ano de 2011, extraído da consulta ao seu registo no portal das Finanças, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para a Requerida exercer o contraditório, tendo igual prazo sido concedido ao Requerente para se pronunciar sobre a eventual resposta da Requerida, o qual nada referiu.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente.
O processo não enferma de nulidades.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Inexistem excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO
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De facto
Compulsados os presentes autos e com interesse para decisão, dão-se como provados os factos seguintes:
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No ano de 2011, o Requerente é residente no Grão Ducado do Luxemburgo.
(cfr. facto alegado no artigo 1º da petição inicial, processo administrativo e documento junto aos autos na reunião arbitral).
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O Requerente, em Agosto do ano de 2011, procedeu à alienação da sua quota-parte, de 50%, que detinha sobre o prédio urbano afecto a habitação sito na Rua do …, inscrito na matriz predial urbana, da referida freguesia, sob o artigo …. Prédio esse que havia sido adquirido por herança, em Fevereiro de 2009.
(cfr. facto alegado nos artigos 2º e 3º da petição inicial, documentos 1 e 5 juntos com a petição inicial e processo administrativo).
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Em 2012-05-29, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos de IRS – Modelo 3, relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2011, acompanhada apenas pelo Anexo G - Categoria G, sob o título “MAIS-VALIAS E OUTROS INCREMENTOS PATRIMONIAIS”, tendo sido ali unicamente declarado a alienação onerosa do imóvel acima identificado, na referida proporção.
(cfr. facto alegado no artigo 3º da petição, documento 5 junto com a petição inicial e processo administrativo).
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Na citada declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, o Requerente no quadro 5, sob a epígrafe “Residência Fiscal”, apenas assinalou o quadro 5B, campo 4, como “NÃO RESIDENTE”, em Portugal.
(cfr. documento 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e processo administrativo).
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Mais nada tendo sido inscrito no referido quadro 5B, tendo os campos 5 a 13 deste quadro permanecido em branco, concretamente, o Requerente não assinalou que pretendia a tributação pelo regime geral - campo 6 do quadro 5B -ou que optava por um dos regimes abaixo indicados - campo 7 daquele quadro.
(cfr. documento 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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No citado Anexo G da referida declaração de rendimentos, o Requerente inscreveu no quadro 4 os valores, a seguir transcritos:
(cfr. Facto alegado no artigo 3º da petição inicial e documento 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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Em 2012-07-18, a AT procedeu à liquidação nº 2012 …, cuja demonstração de liquidação de IRS é titulada sob o documento 2012 …, nos termos da qual o rendimento global resultante da mais-valia realizada pelo Requerente, apurado por aquela entidade foi de € 20.924,41.
(cfr. documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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A AT considerou a totalidade da mais-valia apurada, no montante de € 20.924,41, na determinação do rendimento colectável do Requerente.
(cfr. Facto alegado no artigo 4º da petição inicial e documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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A AT apurou imposto a pagar, no montante de € 5.231,11, resultante da tributação à taxa especial de 25% sobre o referido rendimento colectável.
(cfr. documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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Não foram liquidados juros compensatórios.
(cfr. documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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Por não concordar com a determinação do citado rendimento colectável pela totalidade da mais-valia calculada, em vez de 50% do seu valor, conforme preceituado no nº 2 do art. 43.º do Código do IRS, o Requerente, em 29-08-2012, apresentou reclamação graciosa do acto tributário de liquidação supra identificado, que correu termos sob o nº … .
(cfr. processo administrativo)
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Por despacho do Chefe de Finanças de Lisboa …, proferido a 2012-10-31, a referida reclamação graciosa foi objecto de indeferimento
(cfr. documento 4 junto com a petição inicial e processo administrativo).
A factualidade provada teve por base a petição inicial, a resposta e documentos juntos aos autos, acima discriminados, os quais não foram impugnados, bem como o processo administrativo junto.
Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
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Do direito
A questão a decidir nos presentes autos arbitrais consiste em saber se, ao tributar-se a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis por sujeitos passivos não residentes em Portugal, mas que são residentes noutro Estado-membro da União Europeia, interpretando e aplicando, assim, o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal, está em desconformidade com o direito comunitário, particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao anterior art. 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia), constituindo uma situação de discriminação entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado-membro da União Europeia.
Conforme resulta da factualidade assente, a AT na determinação do rendimento colectável do Requerente considerou a totalidade da mais-valia realizada resultante da alienação da sua quota-parte do imóvel supra identificado, localizado em Portugal, no ano de 2011, no montante de 20.924,41 euros.
Alega o Requerente que, na determinação do referido rendimento, apenas deveria ter sido considerado 50% do seu valor, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS, pois aquela entidade (AT) ao limitar aquela base de incidência somente aos residentes em Portugal, excluindo dessa limitação as mais-valias realizadas por residente noutro Estado-membro da União Europeia, não está a agir em conformidade com o direito comunitário, nomeadamente com o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (correspondente ao anterior artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia – “TCE”), atenta a discriminação entre residentes em território português e residentes noutro Estado-membro da União Europeia, nem com a jurisprudência comunitária e portuguesa.
Por sua vez, a Requerida defende que, para beneficiar da tributação prevista para os residentes, o Requerente, na sua declaração periódica de rendimentos (Mod. 3), deveria ter assinalado a “opção pelas taxas gerais do art. 68.º do CIRS – relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – art. 72.º, nº 7 do CIRS” e não assinalar que “pretende a tributação pelo regime geral”.
Vejamos.
Importa, previamente, fazer uma breve referência às normas do Código do IRS que estão aqui em causa.
Em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), determina a alínea a) do nº 1 do artigo 10.º do Código do IRS que, os ganhos resultantes que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis constituem mais-valias, estabelecendo-se no seu nº 4 que o referido ganho é constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição, líquidos das partes qualificadas como rendimento de capitais.
No que respeita à tributação de não residentes em território português, dispõe o nº 1 do artigo 13.º do Código do IRS que “Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”, acrescentando o nº 2 do artigo 15.º do mesmo diploma legal que, quanto aos não residentes, aquele imposto “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”, sendo que as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis nele situados constituem rendimentos obtidos em território português, de harmonia com o previsto na alínea h) do artigo 18.º do Código em referência.
Por sua vez, sob a epígrafe “Mais-Valias”, dispõe o nº 1 do artigo 43.º do Código do IRS que, o “valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, prevendo ainda o nº 2 daquele artigo que “ O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.”
Preceituando o nº 1 do artigo 72.º do Código do IRS – sob a epígrafe “ taxas especiais”, na redacção ao tempo dos factos que, “as mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributados à taxa autónoma de 25%, ou de 15% quando se trate de rendimentos prediais, salvo o disposto no n.º 4”,.
Sobre a questão em apreço, tal como mencionado e na qual se baseou o Requerente, já se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão proferido, em 11 de Outubro de 2007, no processo C-443/06 (Acórdão Hollman), o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no processo nº 0439/2006, em 16-01-2008 e no processo nº 01031/10, em 22-03-2011, e, mais recentemente, este Tribunal Arbitral, no Acórdão proferido no processo nº 45/2012-T, em 05-07-2012.
Com efeito, o mencionado Acórdão Hollmann do TJUE (disponível para consulta em http://eur-lex.europa.eu), veio considerar que, o disposto no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS, cujo regime se mantem igual à data dos factos em questão, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria colectável em IRS, “constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE”, (correspondente ao actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).
Na sequência do citado Acórdão Hollman, o STA, em obediência ao primado do direito comunitário, veio igualmente decidir, no mencionado Acórdão proferido no processo 0439/2006, pela incompatibilidade da aplicação do nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS e consequente violação do preceituado no então artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Atento o princípio do primado do direito comunitário, em observância ao disposto no nº 4 do artigo. 8.º da CRP , nos termos do qual “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”, do qual resulta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de outra forma nos presentes autos, tendo igualmente em consideração que as questões ali decididas e a ora decidenda são semelhantes, bem como o dispositivo legal sobre o qual as mesmas se fundaram.
Aliás, é doutrina assente do STA que, em sede de direito comunitário, a jurisprudência do sobredito TJUE vincula os tribunais nacionais.
Neste sentido, convoque-se o Acórdão proferido por este Tribunal Arbitral, no processo nº 45/2012-T (disponível para consulta em www.caad.org.pt), chamando à colação a doutrina vertida no já citado Acórdão Hollmann:
“ Na jurisprudência Hollmann, o TJUE conclui que a norma nacional vertente [n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS] viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros.
Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais:
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Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;
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No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;
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Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%;
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Este regime torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;
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A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objectivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25%, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento colectável do residente, não existindo, objectivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.
Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”
(destaques nossos)
Pelo que, aderindo à fundamentação jurídica constante no citado Acórdão proferido por este Tribunal, bem como no Acórdão Hollman, a interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência unicamente a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE (correspondente ao anterior artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia), por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os residentes noutro Estado membro da União Europeia.
Na sequência da prolação do citado Acórdão Hollman, atenta a incompatibilidade da norma em questão com o direito comunitário, o legislador português, com propósito de afastar essa incompatibilidade, veio estabelecer um regime opcional de equiparação dos não residentes, mas sendo residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, aos residentes, através da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008). Para o efeito, aditou um nº 7 e 8 ao artigo 72.º do Código do IRS que, com a redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, aqueles números foram renumerados e correspondiam aos números 8 e 9 na redacção ao tempo dos factos sub judice (actualmente correspondem aos números 9 e 10, em face da renumeração operada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro), que a seguir se transcrevem:
“ 8 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.os 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
9 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Quanto à referida opção consagrada nos citados nº 8 e 9 do artigo 72.º do Código do IRS, alega o requerente que tal escolha não afasta em si a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado membro da União Europeia, patente no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS.
Vejamos.
Com efeito, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não-residentes neste território mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto no nºs 1 e nº 7 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais: o “regime geral de tributação”, nos termos do qual, aqueles rendimentos são sujeitos a uma taxa especial de 25% (à data dos factos) e; um outro regime, de “opção de equiparação” aos sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à “taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Sobre esta questão, o regime de opção de equiparação, também já pronunciou este Tribunal Arbitral no já citado Acórdão proferido no processo nº 45/2012-T, cuja doutrina aqui se acolhe, ao referir que:
«Para além de (…) a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa.
Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Salienta aquele órgão jurisdicional que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
E continua aquele tribunal revelando o paradoxo: “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório”.
Conclui o TJUE que o Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»
Assim, a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.
E, consequentemente, ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.
Não tem assim razão a Requerida ao alegar que o Requerente comete abuso de direito, “sob a forma de venire contra factum proprium”, dado que “opta de forma livre e consciente pela tributação segundo o regime geral dos não residentes, assim despoletando o acto tributário (…) solicitando a sua anulação com base na pretensa ilegalidade da opção que tomou, reitera-se, de forma livre e consciente”.
Pois, conforme resulta da factualidade assente, o Requerente apenas assinalou na declaração de rendimentos a sua qualidade de não residente, no campo 4 do quadro 5B, permanecendo em branco os restantes campos, não tendo efectuado qualquer opção pelo regime de tributação. E, segundo a Requerida, “quando o sujeito passivo não efectua qualquer opção, a tributação opera pelo regime regra, ou seja, pelo regime geral”, pelo que, foi a própria Requerida que, perante a declaração de rendimentos do Requerente, liquidou o imposto, à taxa de 25%, prevista no nº 1 do artigo 72.º do Código do IRS, considerando a totalidade da mais-valia realizada por aquele e não apenas sobre 50% daquela, nos termos prescritos do nº 2 do artigo 43.º do mesmo Código, numa interpretação e aplicação desta disposição legal que não está conformidade quer com o direito comunitário, na qual se inclui a jurisprudência comunitária, quer ainda com a jurisprudência portuguesa.
Neste sentido, como exposto no Acórdão proferido pelo STA no processo nº 1013/10 de 22-03-2011, “foi a Administração Fiscal que, perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário” (disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Em face do exposto, procede o vício de violação de lei invocado pelo Requerente, pois a interpretação e aplicação do nº 2 do art. 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, declarando-se assim a ilegalidade do acto tributário de liquidação do IRS, objecto de pronuncia arbitral, com a consequente anulação do mesmo acto.
No que respeita ao pedido de anulação de juros compensatórios, conforme resulta do teor da nota de demonstração da liquidação do IRS em causa, junta à petição inicial como documento 2, os mesmos não foram liquidados ao Requerente, pelo que, não há lugar à anulação de juros compensatórios, por inexistirem.
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IV. DECISÃO
Nestes termos e nas disposições legais citadas, julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS nº 2012 …, de 2012-07-18, identificado sob o documento nº 2012 …, relativa ao ano de 2011, na importância de € 5.231,11, com a consequente anulação do mesmo acto.
Fixa-se o valor da causa em € 5.231,11.
Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de € 612,00, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 12.º do RJAT e do nº 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Maio de 2013.
A árbitro,
Conceição Pinto Rosa
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária.
Na redacção da presente decisão não se adoptou o recente acordo ortográfico.)