Acordam os Árbitros Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), Nuno Maldonado Sousa e Luís Janeiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 1 de setembro de 2014, a… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. (“A… SGPS”), sociedade com sede na Avenida …., n.º … – andar ……., …-… Lisboa, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal …, com o capital social de € 5.000.000 e B… , LDA. (“B…”), sociedade com sede no …, …, freguesia do …, concelho da Guarda, pessoa coletiva com o número …, com o capital social de € 50.000, tendo sido notificadas do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada conjuntamente contra a demonstração de liquidação de IRC n.º 2013 … e da demonstração de acerto de contas n.º 2013 …, respeitantes ao exercício de 2009, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de tribunal arbitral com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma, com os fundamentos que faz constar da petição inicial que aqui junta.
2. A Requerente solicitou a anulação da demonstração de liquidação de IRC n.º 2013 … e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2013 …, respeitante ao exercício de 2009.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 3 de setembro de 2014, e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”) no dia 04-09-2014.
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa (árbitro presidente), o Dr. Nuno Maldonado Sousa e o Dr. Luís Janeiro (árbitros vogais), tendo todos aceitado a nomeação nos termos legalmente previstos.
5. As partes foram notificadas, em 17 de outubro de 2014, da designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. No dia 3 de novembro de 2014, na sequência do árbitro-presidente Conselheiro Lino Alves de Sousa se encontrar temporariamente impossibilitado, por motivos de doença, para o cabal exercício das respetivas funções, por Despacho do Presidente Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foi designado o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, após sua disponibilização, para substituir temporariamente, enquanto durar o impedimento, o Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, árbitro-presidente deste processo.
7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 4 de novembro de 2014.
8. No dia 3 de dezembro de 2014, por já não se encontrar impossibilitado de exercer as suas funções, por Despacho do Presidente Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa retomou a sua função de árbitro-presidente deste processo.
9. No dia 4 de fevereiro de 2015, na sequência do árbitro-presidente Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa se encontrar impossibilitado, por motivos de doença, para o cabal exercício das respetivas funções, por Despacho do Presidente Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foi designado o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro-presidente deste processo.
10. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e procedeu à junção aos presentes autos do Processo Administrativo Tributário.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
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Matéria de facto
1.1. Factos que se consideram provados
A. A A… SGPS[1] iniciou a sua atividade em 1999-12-14 e tem por objeto social a gestão de participações sociais noutras empresas como forma indireta de exercício de atividades económicas estando enquadrado no CAE 64202 (22º RI[2]; 9º RAT[3]; PA[4], p. 108).
B. A A… SGPS, na qualidade de sociedade dominante, exerceu a opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e esta teve início em 01-01-2006 (10º RI; 10º RAT; PA, p. 108).
C. Em 2009, o perímetro fiscal do grupo passou a ser composto pelas sociedades (11º RI; 12º RAT; PA, p. 108):
(i) A… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. (Requerente nestes autos);
(ii) C… , Lda.
(iii) D…, Lda.
(iv) E…, Lda.
(v) F..., Lda.
(vi) G…, Lda.
(vii) H…, Lda.
(viii) I…, Lda.
(ix) J…, Lda.
(x) B…, Lda. (Requerente nestes autos)
(xi) K..., SGPS, S.A.
(xii) L…, Lda.
(xiii) M…, Lda.
D. A Requerente B…, Lda.[5] iniciou atividade em 26-04-2004 e começou a produzir durante o exercício de 2007, tem por objeto social a produção e venda de eletricidade, recorrendo à energia cinética dos ventos, e ainda a realização de qualquer atividade relacionada com energias renováveis e a CAE 35 113 e está enquadrada pela AT no regime geral de tributação (59º RI; 11º RAT; PA p. 123).
E. Pelas Requerentes foram entregues as declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC não liquidáveis, uma vez que dizem respeito aos resultados individuais da A… SGPS, S.A, nas quais foram apurados prejuízos fiscais de € 2.829.793,27 e € 634.856,64, nos exercícios de 2008 e 2009, respetivamente. (26º RI; PA, p. 109).
F. O lucro tributável declarado pelo grupo, no exercício de 2009, foi de 20.423.560,48 € que resultou da soma dos resultados fiscais apurados em cada uma das sociedades que o constituem (13º RI, doc. 1, p. 10; 13º RAT), designadamente:
(i) D…, Lda.: 283.951,74 €;
(ii) E…, Lda.: 705.811,89 €;
(iii) F… Monte, Lda.: 379.205,20;
(iv) H…, Lda.: 660.228,63 €;
(v) G… Grela, Lda.: 44.990,89 €;
(vi) C…, Lda.: 287.449,98 €;
(vii) A…, S.A.: (634.856,64 €);
(viii) J…, Lda.: 382.967,31 €;
(ix) L…, Lda: 7.137.679,30 €;
(x) I… – Energias Renováveis, Lda.: 11.543.062,76 €;
(xi) M…, Lda. (104,50 €);
(xii) B…, Lda.: (355.970,29 €);
(xiii) K..., SGPS, S.A.: (10.855,79 €).
G. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2012 … de 26-10-2012, procedeu-se a ação de inspeção interna à Requerente GA… SGPS, S.A. (4º RAT; PA, p. 108).
H. Através de análises internas às declarações individuais, não liquidáveis, modelo 22 de IRC relativas às sociedades A… SGPS e da B…, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2012 … e n.º OI2012 …, respetivamente, referentes ao exercício de 2009, a AT considerou existirem inexatidões com reflexo no apuramento da matéria coletável de cada uma das Requerentes. (6º RI,; doc. 1, p. 6; 8º RAT).
I. A A… SGPS contabilizou como custos nas contas POC os encargos financeiros seguintes (17º RAT; PA, p. 110):
Custos e Perdas Financeiros
|
2008
|
2009
|
6811 - Juros Suportados - Empréstimos Bancários
|
23.861.593,48 €
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11.597.434,35 €
|
6813 - Juros Suportados - Outros Empréstimos Obtidos
|
3.359.043,69 €
|
345.941,33 €
|
6818 - Juros Suportados - Outros Juros
|
5.289,67 €
|
301.201,94 €
|
682 • Perdas em Empresas do Grupo e Associadas
|
6.050.486,98 €
|
1.355.705.96 €
|
688 - Outros Custos e Perdas Financeiras
|
3.506.858,29 €
|
63.664.28 €
|
TOTAL
|
36.783.272,11 €
|
13.663.947,86 €
|
J. A…SGPS incluiu, no campo 225 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2009, entre outros valores, o montante de 11.149,22 € a acrescer ao resultado líquido do exercício (26º RI; PA, p. 42v).
K. A A… SGPS apresentou à AT novos mapas para os exercidos de 2008 e 2009 e neles apurou os montantes de €14.287,14 e de €11.687,62, respetivamente, como encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e no mapa elaborado para o exercício de 2009, a A… SGPS incluiu na rubrica de "Outros Ativos", o montante das prestações acessórias/suplementares contabilizadas nas subcontas POC "4131 -Empréstimos de Financiamento Empresas do Grupo", no valor total de € 238.601.750,00 €, tendo esclarecido que estes registos se referiam a prestações suplementares efetuadas às sociedades-filhas (RAT, 20º, 21º, 22º e 62º; PA, p. 111).
L. A A… SGPS foi notificada para exercer, o direito de audição sobre o projeto de correções do relatório da inspeção tributária através do ofício nº … de 2013/04/18 (40º RAT; PA, pp. 113-114)
M. Em resultado da ação de inspeção à A… SGPS relativa ao exercício de 2009 foi efetuada correção aritmética pela AT no montante global de 2.074.040,02 € (14º RI, doc. 1, p. 12; 5º, 6º, 7º, 14º e 47º RAT), com a seguinte discriminação (valores em euros):
Sociedade
|
Lucro/ Prejuízo
|
Declarado
|
Correções
|
Corrigido
|
A… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.
|
-634.856,64
|
1.801.393,79
|
1.166.537,15
|
B…, Lda.
|
-355.970,29
|
272.646,23
|
-83.324,06
|
Total do Grupo
|
20.423.560,48
|
2.074.040,02
|
22.497.600,50
|
N. Apesar da soma algébrica dos resultados fiscais corrigidos ser de 22.497.600,50 €, a matéria coletável apurada para o exercício de 2009, foi de 20.504.559,38 €, uma vez que o grupo apresenta prejuízos reportáveis cujo montante ascende a 1.550.260,92 € e as sociedades dominadas apresentam prejuízos reportáveis gerados na sua esfera individual, no montante global de 442.780,20 € (48º RAT; PA, p. 48).
O. As correções efetuadas, no que se refere ao tratamento dos encargos financeiros da A… SGPS, teve fundamento no entendimento da AT, de que “não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, as mais e menos-valias de partes de capital, nas quais se incluem as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares, assim como, os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas partes de capital.” (15º e 29º RI, 16º RAT; PA, pp. 112-113).
P. Em resultado das correções efetuadas pela AT, o total de encargos financeiros que não concorre para a formação do lucro tributável da A… SGPS, referente ao exercício de 2009, passou a cifrar-se em 1.812.543,01 € (33º RAT; PA, p. 47).
Q. No que se refere ao exercício de 2009 não foi aceite pela AT como custo fiscal, a importância de 1.812.543,01 €, em detrimento do montante acrescido pela A… SGPS de 11.149,22 €, originando correção desfavorável ao sujeito passivo no montante de 1.801.393,79 € (34º RAT; PA, p. 47).
R. Em 26-11-2008 a K…, SGPS, S.A. era devedora à A… SGPS do valor de 233.847.400,00 €, tendo nessa data declarado extinguir essa obrigação, por compensação com crédito de prestações acessórias de igual valor que detinha sobre a A… SGPS, que aprovou a operação (37º e 39º RI e documento n.º 5 junto a essa peça).
S. A A… SGPS nunca transferiu para a sua participada K…, SGPS, S.A. o valor das prestações acessórias (43º RI e documento n.º 5 junto a essa peça).
T. A A… SGPS tem registado na sua contabilidade de 2009 passivos remunerados nas contas “231 – Empréstimos Bancários” e “255 – Acionistas” (23º RI; PA, p. 116v).
U. Em 2008 o valor dos “empréstimos obtidos remunerados” (contas 231 e 255), apresentado pela A… SGPS, foi de 237.999.999,84 € e em 2009 foi de 203.555.618,51 € (48º RI; PA, p. 45).
V. Em 2008 os “empréstimos concedidos remunerados” pela A… SGPS era de 207.304.642,28 € e em 2009 era de 159.900.336,11 € (50º RI; PA, p. 45).
W. As correções efetuadas à B… são fundamentadas pela AT (16º RI; PA, pp. 124-125):
(i) Pelo seu entendimento de que “os custos de construção dos ramais de ligação, não podem ser enquadrados em despesas de investigação e desenvolvimento, não sendo por isso amortizáveis”;
(ii) No caso concreto “os custos suportados com a construção dos ramais, não se esgotam na sua totalidade no fim da sua construção e transferência para a N… SA, nem no período de 5 anos conforme o S.P. pretende efectuar (taxa de amortização de 20%), devendo por isso serem imputados pelo período esperado de produção de energia, uma vez que a N… SA fica obrigada a comprar toda a energia eléctrica enquanto for produzida, sem qualquer limite temporal, sendo também seu encargo os custos de manutenção, substituição ou conservação que tiverem de ser realizados nas linhas dos ramais.”;
(iii) Observa também que “A empresa constituiu direitos de superfície com os proprietários dos prédios para utilização dos mesmos (…), pelo periodo de 29 anos, sendo este, previsivelmente o período temporal mínimo durante o qual a empresa irá produzir energia eléctrica.”;
v Em consequência conclui que “o custo registado pelo sujeito passivo com base na amortização contabilística não poderá ser aceite fiscalmente (…)” e, não obstante, “(…) deve ser constituído como custo do exercício e distribuído de forma equitativa pelos 29 anos em que a empresa irá produzir energia eléctrica, as despesas com a construção dos ramais de ligação (…)”.
X. Em 30-12-2005 foi concedida pelo Ministério da Economia e Inovação à B..., licença de estabelecimento do Parque X… e do início dos trabalhos de estabelecimento da instalação (60º RI e doc. 9 junto a essa peça).
Y. Em 04-04-2008 a instalação do Parque X… foi vistoriada e em 07-04-2008 foi autorizada a sua entrada em exploração pelo Ministério da Economia e Inovação (60º RI e doc. 9 junto a essa peça).
Z. No Parque X… a B… exerce a atividade de produção e comercialização de energia elétrica mediante recurso à força do vento (61º RI e doc. 9 junto a essa peça).
AA. Este parque X… tem a potência de 8.000 KW (62º RI e doc. 9 junto a essa peça).
BB. A 22 de Novembro de 2007 a B… cedeu à N… S.A. as instalações que havia construído, com a seguinte designação e características (65º RI e documento n.º 7 junto a essa peça):
(i) “Linha mista a 60 kV desde a subestação AT/MT de … até à subestação AT/MT de … (EDIS), equipada com condutores ACSR de 160mm2 de secção e cabo de guarda ACSR de 130mm2 desde a subestação de … até ao apoio 51 e equipada com condutores ACSR de 325mm2 de secção desde o apoio 51 até ao apoio 56, e um cumprimento total de 11677,98m e equipada no troço subterrâneo com cabo LXHIOLE com 630 mm2 de secção e um cumprimento total de 95 m.”;
(ii) “Troço aéreo a 60 kV da linha Seia – …, entre o apoio 103 e o apoio 107 equipado com condutores ACSR de 325mm2 de secção e um comprimento total de 1010,32m.”
CC. Em termos de tratamento contabilístico e fiscal, os encargos suportados pela B… com a construção do referido ramal de ligação à rede recetora pública foram inicialmente registados contabilisticamente no seu ativo imobilizado incorpóreo, enquanto “despesas de investigação e desenvolvimento” embora a empresa reconheça que tais encargos deveriam ser qualificados contabilisticamente, ainda no âmbito do ativo imobilizado incorpóreo, como “despesas de instalação” (66º, 67º, 167º, 168º, 222º e 223º RI).
DD. Em 22-09-2008, O… constituiu direito de superfície sobre uma faixa situada na linha do viso da …, do seu prédio denominado e sito em …, freguesia de …, a favor da Requerente B… que “consiste no direito de nele construir torres aerogeradoras e/ou central de produção de energia eólica, com os respetivos dispositivos, acessos e parqueamento e/ou os meios de ligação à rede de distribuição elétrica relativos ao aproveitamento eólico da …”, com início nesse dia, pelo período de 29 anos e pelo preço de uma prestação anual de 1.465, 23 €, acrescida de 1.247,00 € por hectare suplementar de terreno utilizado (43º, 272º, 273º e 274º RAT e documento (autêntico) n.º 1 a este junto, onde se identifica rigorosamente o prédio e os contornos do direito constituído; PA, p. 124).
EE. A B… procedeu, no exercício de 2009, à amortização anual da importância de € 329.447,52 € referente aos encargos com a construção do ramal de ligação …, numa percentagem correspondente a 20% sobre o valor de 1.647.237,34 €, inscrito na conta 4.3.3.2.1.2.4. (71º RI; 37º e 224º RAT; PA, p. 124).
FF. A AT considerou que os custos suportados com a construção de ramais não se esgotam na sua totalidade no fim da sua construção pelo que deve ser constituído como custo do exercício distribuído de forma equitativa pelos 29 anos em que a B… irá produzir energia elétrica (288º RAT; PA, pp. 124-124v)
GG. No dia 24.05.2013 foi enviada à A… SGPS e por esta recebida, notificação do Relatório de Conclusão de Inspeção e das correções resultantes dessa análise interna (7º RI; doc. 1, p. 1).
HH. Em data posterior a 24.05.2013 a A… SGPS recebeu a demonstração de liquidação de IRC n.º 2013 … e a demonstração de acerto de contas n.º 2013 …, referente ao exercício de 2009, das quais resultou o valor a pagar no montante de € 747.181,57 (7º e 18º RI e respetivo doc. 2, pp. 1-2; 50º RAT).
II. Em documento datado de 25-10-2013 e com entrada registada pela AT em 28-10-2013, a A… SGPS e a B… apresentaram reclamação graciosa contra a demonstração de liquidação de IRC n.º 2013 … respeitante ao exercício de 2009, que foi indeferida por despacho de 30-04-2014, comunicado à A… SGPS em 08-05-2014 (18º RI; 51º RAT; PA, pp.4-97 e pp. 142-150).
1.2. Factos que se consideram não provados
1. Que a dívida de 233.847.400,00 € tenha resultado da compra, por parte da K…, SGPS, S.A., de participações sociais detidas A… SGPS (38º RI). O documento apresentado – a ata da assembleia geral da devedora – não é documento idóneo para provar a origem da dívida, que resultou de atos formais, designadamente contratos de cessão de quotas e de compra e venda de ações, muitos deles tipicamente sujeitos a registo (v.g. 80º-1 e 102º-1 CMVM, 3º-1 e 32º-1 CRC) e a declaração à AT (138º-1 CIRS, ex-vi 129º CIRC).
2. A A… SGPS nunca suportou qualquer encargo financeiro para efetuar as prestações acessórias à K…, SGPS, S.A. (42º e 45º RI). Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
3. Que os “empréstimos obtidos remunerados” (contas 231 e 255) serviram apenas para a A... SGPS efetuar empréstimos remunerados às suas outras participadas (49º). A Requerente indica como prova a referência que constaria da “p.9/129” do relatório de inspeção que juntou ao RI como documento n.º 1. Não se localiza qualquer referência a este tema no local mencionado nem se identificou noutro. De todo o modo ao referir que os empréstimos serviram também “para efetuar outras aplicações financeiras remuneradas”, sem que as discrimine ou que identifique valores, a Requerente acaba por inviabilizar a prova da finalidade a que se destinaram os empréstimos.
4. Que tenha sido em Junho de 2007 que a B…, iniciou a construção das infraestruturas do Parque X…, e que para o efeito tenha investido a importância total de cerca de € 13,5 milhões. (60º RI); Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
5. Que o parque eólico permita uma produção anual média de energia limpa na ordem dos 22 gigawatts, através de um recurso natural e renovável. (62º RI); Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
6. Este empreendimento, além de projetar benefícios diretos para o município (Guarda) onde se situa, contribui à sua escala, para o cumprimento das metas impostas pelo protocolo de Quioto, permitindo evitar a emissão de 13 mil toneladas/ano de CO2, bem como a redução da importação de fuel na ordem das 7,5 mil toneladas/ano. (63º RI); Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
7. Que a B… construiu o ramal de ligação entre o seu centro de produção de energia renovável – ou seja, o referido Parque X… – e a rede nacional de distribuição de eletricidade em média e alta tensão (64º RI); Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos, embora se tenha considerado provado em BB, matéria conexa.
8. Que em termos de tratamento contabilístico e fiscal, os encargos suportados pela B… com a construção do referido ramal de ligação à rede recetora pública, no montante global de € 1.647.237,34, foram inicialmente registados contabilisticamente no seu ativo imobilizado incorpóreo, enquanto “Despesas de investigação e desenvolvimento” (66º RI); Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
9. A ligação do Parque X… à RND, efetuada através do respetivo ramal, constitui uma condição necessária e indispensável ao funcionamento da infraestrutura produtora de energia (157º RI); Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
10. Os encargos com a construção do ramal de ligação constituem um investimento necessário para a operacionalidade do Parque X… (158º RI); Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
11. Durante o período que mediou a construção e a entrega do ramal de ligação à N…, a B…parte do seu ativo imobilizado corpóreo. Não é referenciada nem se localizou qualquer prova nos autos.
1.3. Fundamentação da matéria de facto provada
A convicção para determinar os factos que se consideram provados assenta na prova documental, referenciada concretamente para cada caso, principalmente a que consta no processo administrativo (PA) e também nos documentos juntos com o requerimento inicial das Requerentes e no documento junto pela AT à sua Resposta. Foi também levada em consideração a concordância das Requerentes e da AT quanto a alguns factos (referenciada com a remissão simultânea para os devidos locais das respetivas peças processuais) bem como a admissão de facto desfavorável pelas Requerentes (CC).
2. Matéria de direito
2.1. Correção (a acrescer ao Resultado Líquido) pela AT no montante de 1.801.393,79 euros relativa ao cálculo efetuado para o exercício de 2009 dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital considerados, para efeitos fiscais, pela A… SGPS
Relativamente a este ponto, dever-se-á ter em atenção o artigo 32º do EBF, a Circular 7/2004 da DSIRC e o art.º 42º do CIRC no que se dispunha relativamente a 2009. Apresentam-se seguidamente as partes dessas disposições legais que reputamos essenciais para fundamentar a nossa decisão, sendo os sublinhados e negritos nossos.
Artigo 32º do EBF
Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR)
1 - Às SGPS, às SCR e aos ICR é aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.
2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Circular 7/2004
Regime Fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais e Sociedades de Capital de Risco
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6. Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.
7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
Art. 42º do CIRC
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
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3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
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A questão nuclear relativamente a esta correção é se as prestações suplementares devem ser ou não consideradas partes de capital. A Requerida entende que sim baseada, em particular, no Parecer …/2010 do CEF e nos entendimentos propugnados pela DSIRC. Em sentido oposto entende a Requerente ao considerar que, à luz da legislação contabilística, jurídica e fiscal são partes do capital próprio mas não partes de capital.
Comecemos pela ótica contabilística: a conta correspondente ao capital social designava-se no POC (que era o diploma de normalização contabilística vigente em 2009) por “Capital” (Conta 5.1.). Repare-se que não se designa por “Capital social” mas ninguém duvidará que é esse que está referenciado nesta conta. Já as prestações suplementares, tinham essa mesma designação e correspondiam à conta 5.3. (refira-se, mais a título informativo, que hoje, de acordo com o SNC, mantém-se a distinção, sendo que a conta 5.1. manteve a designação de “Capital” e a conta 5.3. passou a chamar-se “Outros instrumentos de capital próprio”).
Conclui-se, pois, que são diferentes.
Juridicamente, nem valerá a pena aprofundar as diferenças dado que estas são mais do que evidentes na legislação respetiva, nomeadamente nos artigos 209º e 210º do Código das Sociedades Comerciais.
Chegamos à perspetiva que mais nos interessa: a fiscal. Para esse efeito, reproduzimos anteriormente extratos dos artigos do CIRC e do EBF que nos parecem mais relevantes e, ainda, parte da Circular 7/2004. Ninguém poderá (ou deveria…) considerar que não deve existir uma articulação entre o CIRC e as disposições do EBF relativos ao IRC ̶ tal consistiria em passar um atestado de incompetência ao legislador fiscal. Assim sendo, a simples leitura do artigo 42º do CIRC e do artigo 32º do EBF permite concluir que o legislador fiscal (tal como o legislador em matérias contabilísticas e o legislador em temas de direito societário) também não tratou, para efeitos de IRC, as prestações suplementares como partes de capital. O nº3 do art. 42º é inequívoco relativamente a esta questão. Face a isto, não podemos aceitar a douta doutrina da AT sobre esta questão pois colide com o que consta da lei fiscal. Aliás, outra coisa não faria sentido pois o que está em causa neste conjunto de normativos é não aceitar custos financeiros relativos a ganhos/perdas com a transmissão de partes de capital que também serão desconsiderados como ganhos ou perdas fiscais. Ora as prestações complementares não podem originar diretamente ganhos pois o mais que pode acontecer às entidades que as tenham prestado (de acordo com o que estiver disposto no Pacto Social) é haver o seu reembolso pelo valor nominal, o que é neutro em termos de apuramento de resultados. Poder-se-á argumentar que irão valorizar o capital próprio da sociedade que deles beneficia e, consequentemente, potenciar mais-valias na eventual venda das suas partes de capital. Ora aí uma eventual mais-valia seria desconsiderada para efeitos fiscais na empresa que vendesse essa participação tal como os encargos financeiros imputados de acordo com as regras da Circular 7/2004. Porém, isso passar-se-ia com a alienação da participação no capital social e não, repita-se, com as prestações suplementares de per si.
Para além disso, o conceito de «partes de capital» é utilizado no Código das Sociedades Comerciais e Plano Oficial de Contabilidade (em vigor no ano de 2009) mas, no n.º 2 do artigo 11.º da LGT estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei».
Desta norma resulta que, embora, em regra, os termos utilizados nas normas fiscais devam ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito (como decorre do n.º 1 do mesmo artigo 11.º), há uma excepção, que é decorrer diretamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.
Aliás, é uma exceção que está em sintonia com outra regra interpretativa geral, que é a de que a lei especial prefere à lei geral no seu específico domínio de aplicação. Isto é, se decorre diretamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, nem interessará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido diretamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser forçosamente o que se tem de adoptar e não o sentido com que é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.
De qualquer forma, do n.º 2 do artigo 11.º do EBF resulta que a primeira tarefa do intérprete da lei fiscal para apurar o alcance de um termo nela utilizado é apurar se da lei fiscal decorre diretamente o sentido desse termo. Só se não se estiver perante uma situação deste tipo, se poderá fazer apelo ao sentido dos termos utilizados noutros ramos de direito.
Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre diretamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 2 do artigo 42.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
Estabelece-se neste artigo 42.º, n.º 2, o seguinte:
A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».
As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará também «as outras componentes».
Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.
Se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Aliás, aquela referência às prestações suplementares não existia antes da redação daquele artigo 45.º do CIRC introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 ( [6] ), pelo que, sendo aquela referência introduzida com evidente alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio»
Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 42.º definição é feita para efeitos de determinação de menos valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.
Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 42.º do CIRC e a nova redação daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 42.º, n.º 2.
Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 42.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, neste termos:
“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um activo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais valias.
E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos valias.”
Conjugadas todas as disposições, é de concluir que não se aplicam às prestações suplementares as disposições sobre as mais/menos-valias e respetivos encargos financeiros imputados das SGPS. Este entendimento vai, nomeadamente, ao encontro das decisões arbitrais decididas no âmbito do Processo nº69/2012-T, do Processo nº12/2013-T e do Processo nº24/2013-T e à doutrina sobre o tema ̶ a este propósito, podem ler-se os ensinamentos de Rogério Fernandes Ferreira e de José Vieira dos Reis (Vd. “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal nº4, Ano III, pp35) e de Raul Ventura (Vd. “Sociedades por quotas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. I, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 1989, pp 238).
Por isso, ao aplicar o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF aos encargos financeiros suportados pela Requerente com prestações suplementares, a correcção efectuada ao lucro tributável, no montante de € 1.801.393,79, enferma de vício de violação de lei.
2.2 Correção (a acrescer ao Resultado Líquido) pela AT, no montante de 272.646,23 euros, relativa às amortizações do ramal de ligação …/… construído pela B… consideradas para efeitos fiscais por esta empresa no exercício de 2009
Já foi referido que a Requerida e a Requerente estão de acordo em que os encargos suportados com a construção deste ramal de ligação são um imobilizado incorpóreo amortizável. O pomo de discórdia reside no período em que deverá ser efetuada a amortização desse ativo.
A chave para uma decisão sobre este ponto deve ser encontrada no decreto regulamentar nº2/90 através da conjugação das disposições que surgem no artigo 1º, nº2, b), no artigo 2º, nº 1, a), nº2 e nº3, no artigo 3º, nº 1, nº2 e nº 3, o artigo 17º, nº1 e nº 2 e no artigo 18º, nº2 dado que era este decreto regulamentar que, à data de 2009, desenvolvia as matérias relacionadas com as amortizações e reintegrações.
A B… apresentou na sua contabilidade a construção do ramal como despesas de investigação e desenvolvimento, cujo período máximo de vida útil era, em 2009, de cinco anos (art. 3º, nº3 do decreto regulamentar 2/90), embora qualquer contribuinte pudesse optar por considerar essas despesas como custo no exercício em que fossem suportadas (art. 18º, nº1). Aqui chegados, interrogamo-nos por que razão não terá esta sociedade considerado a totalidade dessas despesas como custo fiscal ao abrigo dessa disposição legal se as qualificou contabilisticamente como despesas de investigação e desenvolvimento. Ter-lhe-ia sido fiscalmente mais favorável em sede de IRC.
Posteriormente (após a liquidação adicional resultante da ação inspetiva), a B… argumentou que essas despesas tinham sido, por lapso, qualificadas com “despesas de investigação e desenvolvimento” quando, na realidade, eram “despesas de instalação” ̶ como tal, amortizáveis num período máximo de cinco anos, conforme o disposto no art. 3º, nº3 do decreto regulamentar 2/90.
Neste caso, a questão sobre que nos devemos pronunciar é se as despesas com a construção do ramal atrás referido devem ou não ser consideradas “despesas de instalação” (a que se acrescentam as de expansão) e, caso não o sejam, qual deverá ser o tratamento fiscal mais adequado no que respeita ao apuramento do resultado para efeitos fiscais em termos de IRC. Da exemplificação de gastos de constituição (em nota explicativa ao POC, despesas com “estudos e projetos relativos à constituição e organização da empresa”), somos conduzidos a considerar que são gastos essencialmente de natureza legal essenciais ao funcionamento geral de uma empresa e não relativamente a um aspeto particular.
Poder-se-ia argumentar que apenas estavam previstas, para efeitos de amortização fiscal de imobilizado incorpóreo, as despesas de instalação (onde se encaixariam estas por não poder haver sequer o arranque da atividade da empresa sem a sua realização), as de investigação e desenvolvimento e alguns elementos de propriedade industrial, o que equivaleria a considerar que o artigo 17º do decreto regulamentar 2/90 era muito redutor, apesar deste mesmo artigo, no seu nº1, começar por referir que são amortizáveis os elementos do imobilizado sujeito a deperecimento, designadamente por terem um vigência temporal limitada. Por exemplo, o que deverá ser feito num caso de direito de superfície relativo a um imóvel? Por exclusão de partes ̶ dado que não é qualificado como imobilizado corpóreo ̶ terá de ser (ou ser tratado) um incorpóreo. E aí revisitamos o nº1 do art.º 17º cuja tónica é a vigência temporal limitada. Também no art.13º do decreto regulamentar 2/90, que trata de ativos revertíveis, mais uma vez surge a questão de uma vida limitada até à reversão da concessão.
Por sua vez, o art. 2º esclarece sobre as rubricas que devem acrescentadas ao valor de aquisição para se chegar a uma base para efeitos de amortização ou reintegração, mencionando-se as despesas acessórias.
Sendo certo que não se pode concluir a partir da leitura de um artigo específico do decreto regulamentar 2/90 qual deve ser a taxa de amortização de uma imobilização incorpórea do tipo de um ramal de ligação, resta-nos uma interpretação (extensiva) baseada no todo em que se insere esta questão. E os principais fatores que nos aproximam da posição da Requerida nesta matéria são:
̶ o ramal está intimamente ligado ao funcionamento do parque eólico, coincidindo os seus benefícios económicos rigorosamente com o período em que aquele estará em atividade. Estamos, pois, perante uma vida limitada que, neste caso concreto, é medida pelo “elo mais fraco” que é a duração do direito de superfície de imóveis utilizados neste processo de transmissão de energia elétrica;
̶ assim sendo, ele deve ficar indelevelmente ligado ao parque eólico, nomeadamente em termos de contabilização do seu desgaste. Um caso ̶ embora relativo a um imobilizado corpóreo ̶ nitidamente semelhante é o da inclusão do IMT no valor de aquisição de um imóvel (também é um encargo legal que “acompanha” o imóvel ao longo de toda a sua vida útil);
̶ não será por não haver referências mais explícitas relativas a procedimentos em situações desta natureza que devemos encaixar a todo o custo um facto novo num “compartimento” que se lhe não adequa (entenda-se “despesas específicas com um ramal de ligação sem o qual não se consegue cumprir o objetivo para que foi criada a empresa” em “ despesas legais genéricas relativas à implementação de uma qualquer atividade”;
̶ o princípio da substância sobre a forma, em última instância, potencia um tratamento semelhante entre o direito de superfície de um imóvel e entre as despesas relativas a um ramal de ligação que também constituem um ativo incorpóreo com uma utilização limitada no tempo (ou em que seguramente deverá estar em funcionamento, não sendo líquido que venha a funcionar mais);
̶ considerar uma vida fiscal mais curta seria desligar o ramal do todo em que se insere, ou seja, o parque eólico.
Conclui-se, assim, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, quanto a esta correcção.
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3. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a correção no montante de 1.801.393,79 euros relativa ao cálculo efetuado para o exercício de 2009 dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital considerados, para efeitos fiscais, pela A… SGPS e, em consequência, anular o ato tributário impugnado, na parte em que assentou naquela correção;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a correção no montante de 272.646,23 euros, relativa às amortizações para o exercício de 2009 do ramal de ligação …/… construído pela B… e, consequentemente, manter a liquidação adicional da AT na parte respetiva.
4. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 747.181,57, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
5. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 10.710,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar por ambas as Partes, na proporção do respectivo vencimento, sendo 13,14% a cargo da Requerente e 86,86% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (nos termos dos artigos 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento).
Notifique-se.
Lisboa
6 de fevereiro de 2015
O Árbitro-Presidente
(Jorge Lopes de Sousa)
O Árbitro Vogal
(Nuno Maldonado Sousa)
O Árbitro Vogal
(Luís Janeiro)
[1] Por facilidade de expressão designa-se, nesta peça, a sociedade A… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. pela forma abreviada “A… SGPS”.
[2] Requerimento inicial apresentado pelas Requerentes.
[3] Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.
[4] Processo Administrativo incorporado nos autos.
[5] Por facilidade de expressão designa-se, nesta peça, a sociedade B…, Lda. pela forma abreviada “B…”.
( [6] ) A redacção anterior da norma correspondente, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, era a seguinte:
3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.