Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 651/2014-T
Data da decisão: 2015-02-25  Selo  
Valor do pedido: € 26.822,80
Tema: Verba 28.1 da TGIS – Propriedade total; Hotel
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 651/2014 – T

Autora / Requerente: A…, LDA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA)

 

1. Relatório

Em 01-09-2014, a sociedade A…, LDA, pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, n.º …, …, …-… Porto, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação da liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, de 17-03-2014, referente ao ano de 2013, e efetuada ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), liquidação essa referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia …, concelho de Lisboa, sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e …, e constituído em propriedade total.

A Requerente alega que o prédio em causa não tem andares, nem telhado, que está nele a ser edificado, desde 2012, um hotel de quatro estrelas, pelo que deve ser classificado como um prédio afeto a serviços e por isso não sujeito a Imposto de Selo pela verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

A Requerente refere que as liquidações em crise são ilegais porque resultam de uma errónea qualificação dos factos e de uma errada interpretação da lei.

Entende também a Requerente que as referidas liquidações são ilegais por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade das normas fiscais, verificando-se ainda um erro sobre os pressupostos de direito por violação do artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012 que aditou a verba 28.1 à TGIS.

A Requerente pede ainda a condenação da ATA a devolver o imposto pago acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito a favor da Requerente, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 03-12-2014, na qual refere que o prédio em questão possui afetação habitacional já que na Modelo 1 do IMI apresentada em 2008 pelo proprietário à altura foi declarada a afetação do imóvel como sendo para habitação, e não foi posteriormente requerida a alteração da afetação constante da avaliação efetuada. Em relação ao pedido de juros indemnizatórios, a ATA refere que sendo o ato tributário válido e legal, não serão devidos quaisquer juros. 

Foi designada como árbitro único, em 17-10-2014, Suzana Fernandes da Costa. Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 03-11-2014.

Na sua resposta, a ATA pediu a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, assim como a dispensa da produção e alegações.

Notificada sobre este pedido de dispensa, a Requerente veio dizer, em 05-01-2015, que mantinha interesse na produção de alegações escritas e que não se opunha à dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

Em 07-01-2015 foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião, a fixar o prazo de 10 dias para as partes de forma sucessiva apresentarem as suas alegações, e foi designado o dia 25-02-2015 para a prolação da decisão arbitral.

Em 17-01-2015, a Requerente apresentou as suas alegações; não tendo a ATA apresentado alegações.

A Requerente veio em 25-01-2015 enviar ao processo um alvará de autorização para fins turísticos com data de 15-01-2015. Em 29-01-2015 foi proferido despacho a não admitir a junção aos autos do referido documento, uma vez que o mesmo só é válido para o futuro e não influencia a questão decidenda.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O processo é tempestivo, não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.     A Requerente A…, LDA é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e …, constituído em propriedade total, e com um valor patrimonial tributário de dois milhões, seiscentos e oitenta e dois mil duzentos e oitenta euros (2.682.280,00 €), segundo a caderneta predial junta ao pedido arbitral como documentos 2.

2.     A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, de 17-03-2014, referente ao ano de 2013, no valor de 26.822,80 €, efetuada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, conforme cópia junta ao pedido arbitral como documento 1.

3.     A Câmara Municipal de Lisboa emitiu, em 07-07-2009, o alvará de loteamento nº …/2009, referente ao processo municipal nº …/URB/2005, em nome de B… – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., na qualidade de gestora do C…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, que incidiu sobre os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e …, da freguesia de …, concelho de Lisboa, que foram anexados num prédio único inscrito na matriz sob o artigo … e que é o prédio a que respeita a liquidação objeto do presente processo, tendo a operação de loteamento sido aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, em 03-12-2008, através da deliberação nº …/CM/2008.

4.     Ainda de acordo com a mesma deliberação, a operação de loteamento a que respeita o alvará diz respeito à constituição de um lote único por emparcelamento dos prédios anteriormente inscritos sob os artigos … e …, destinando-se o lote a um estabelecimento hoteleiro, ficando o prédio resultante do loteamento inscrito na matriz sob o artigo nº … da freguesia de …, concelho de Lisboa.

5.     Foi também aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, em 03-12-2008, através da deliberação nº …/CM/08, pedido de licenciamento de obra de edificação –alteração- projeto de arquitetura, respeitante ao imóvel resultante do emparcelamento.

6.     Em 26-10-2010, foi concedida utilidade turística a título prévio ao Hotel a edificar no imóvel, através do despacho do Secretário de Estado do Turismo.

7.     Através do alvará de obras de alteração nº …/EO/2012, elaborado em 22.05.2012, foram aprovadas obras de alteração relativamente ao mesmo imóvel pela Câmara Municipal de Lisboa.

8.     O prédio resultante do emparcelamento não se encontra, nem nunca se encontrou, apto para habitação.

9.     O prédio apenas tem paredes, não tendo andares nem telhado.

10.  No ano de 2012 iniciaram-se no imóvel obras de edificação.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se, por um lado, nos documentos juntos aos autos pela Requerente e não impugnados pela ATA, e por outro lado, e nas posições tomadas pela ATA sobre os factos alegados pela Requerente.

A ATA não impugnou a realidade dos factos invocados pela Requerente, manifestando a sua discordância, não quanto aos factos alegados pela Requerente, mas em relação à aplicação do direito aos factos, por entender que a circunstância da matriz referir que o imóvel tem afetação habitacional e não a serviços, conduz à tributação do imóvel pela verba 28.1 da TGIS.

2.3. Factos não provados:

A Requerente não logrou provar que tenha efetuado qualquer pagamento da liquidação de Imposto de Selo em causa nos presentes autos.

2.4. Fundamentação da matéria de facto não provada:

No tocante à matéria não provada a convicção fundou-se na análise dos documentos juntos.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos saber se se aplica a verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo a um prédio cuja matriz refere afetação habitacional, mas no qual se encontre a ser construído um hotel.

Vejamos:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias constantes do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;”

A verba 28.1 da TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

A norma de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Por sua vez o art.º 6.º do CIMI indica as diferentes espécies de prédios urbanos, e determina que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” (vd. alínea a) do nº 1) do art.º 6.º CIMI).

Neste caso, a afetação do imóvel para habitação consta da matriz predial com base no modelo 1 do IMI que foi entregue em 23-10-2008.

Consta da matéria de facto provada que o imóvel em causa resultante do emparcelamento não se encontra nem nunca se encontrou apto para habitação, e foi, desde o ano de 2008, objeto de atos administrativos tendentes à construção de um hotel.

Ficou provado que a Câmara Municipal de Lisboa emitiu, em 07-07-2009, o alvará de loteamento nº …/2009, referente ao processo municipal nº …/URB/2005, em nome de B… – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., na qualidade de gestora do C… - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, que incidiu sobre os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e …, da freguesia de …, concelho de Lisboa, que foram anexados num prédio único inscrito na matriz sob o artigo … e que é o prédio a que respeita a liquidação objeto do presente processo, tendo a operação de loteamento sido aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, em 03-12-2008, através da deliberação nº …/CM/2008. Esta operação de loteamento a que respeita o alvará diz respeito à constituição de um lote único por emparcelamento dos prédios anteriormente inscritos sob os artigos … e …, destinando-se o lote a um estabelecimento hoteleiro, ficando o prédio resultante do loteamento inscrito na matriz sob o artigo nº … da freguesia de …, concelho de Lisboa. E foi também aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, em 03-12-2008, através da deliberação nº …/CM/08, pedido de licenciamento de obra de edificação –alteração - projeto de arquitetura, respeitante ao imóvel resultante do emparcelamento.

Logrou, assim, a Requerente demonstrar que o imóvel em questão, não obstante a presunção da matriz, não possuía uma afetação habitacional de facto.

O CAAD já teve oportunidade de se pronunciar sobre um caso semelhante, respeitante ao mesmo prédio, no processo n.º 205/2013-T.

Como se refere na citada decisão do CAAD: “Não parece, aliás, curial entender que as matrizes prediais tenham força probatória plena, quando o próprio CIMI prevê, para efeito deste imposto, a possibilidade do sujeito passivo reclamar a todo o tempo de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nos termos do art. 130º, nº 3 deste Código dispondo, na mesma linha, o nº 5 deste artigo que “o chefe do Serviço de Finanças competente pode, a todo o tempo, promover a retificação de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, salvo as que impliquem alteração do valor patrimonial tributário resultante de avaliação direta com o fundamento previsto na al. a) do nº 3 (…)”.

No caso em apreço, a Requerente não se limitou a gerar dúvidas fundadas sobre a afetação habitacional do imóvel, mas provou o contrário. A Requerente não estava impedida de demonstrar, como o fez, que apesar de constar da matriz que o imóvel em causa tem afetação habitacional, esta não era a realidade na data do facto tributário. À data do facto tributário o imóvel em questão não tinha afetação habitacional.

Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Por este facto, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

4. Do pedido de condenação da AT no pagamento do tributo indevidamente pago

A Requerente não provou que procedeu ao pagamento da liquidação de Imposto de Selo em causa nos presentes autos.

Pelo que, não tendo ficado provado qualquer pagamento, não poderá proceder o pedido da Requerente.

 

5. Dos juros indemnizatórios

A Requerente pediu a condenação da AT a devolver o tributo indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

No entanto, não tendo ficado provado qualquer pagamento, improcede o pedido de condenação da ATA a pagar juros indemnizatórios à Requerente.

 

6. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- declarar a não aplicação da verba 28 da TGIS ao prédio em questão;

- declarar a ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, do ano de 2013, no valor de 26.822,80 €;

- julgar improcedente o pedido de condenação da AT na devolução do imposto e no pagamento de juros indemnizatórios, formulado pela Requerente nos termos do artigo 43º da LGT, absolvendo-se a Requerida destes pedidos.

 

 

 

7. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 26.822,80 €.

 

8.   Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.530,00 €, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa