Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 595/2014-T
Data da decisão: 2015-02-27  IUC  
Valor do pedido: € 14.593,43
Tema: Incidência subjetiva; Locação financeira
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Processo n.º 595/2014-T

 

            I – Relatório

 

            1.1. A… Automóveis, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Av. … Lisboa (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada do despacho do Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da DF de …, de 30/4/2014, que negou provimento à reclamação graciosa deduzida contra as autoliquidações de IUC, relativas ao ano de 2012, no valor total de €14.599,43, apresentou, em 31/7/2014, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 2.º, e da al. a) do n.º 1 do art. 10.º, ambas do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para que seja “declarada a ilegalidade e anulados os actos de autoliquidação de Imposto Único de Circulação do ano de 2012, e, bem assim, anulado o despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de … de 30 de Abril de 2014”, e a AT “condenada ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios”. 

 

            1.2. Em 2/10/2014 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, em 2/10/2014. A AT apresentou a sua resposta em 17/11/2014, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente. Alegou, também, ocorrer excepção por “cumulação ilegal de pedidos” e requereu a dispensa da produção da prova testemunhal indicada pela requerente na petição inicial. O processo administrativo foi junto aos autos em 15/12/2014.

 

            1.4. Por requerimento de 26/12/2014, a ora requerente pronunciou-se sobre a excepção invocada pela AT, requerendo que a mesma fosse considerada improcedente.

 

            1.5. Por despacho de 6/2/2015, o Tribunal considerou que, como a ora requerente já se tinha pronunciado sobre a excepção invocada pela AT – estando, por essa forma, cumprido o disposto no art. 18.º, n.º 1, al. b), do RJAT –, era dispensável, nos termos dos artigos 16.º, als. c) e e), e 19.º, n.º 1, do RJAT, a reunião do art. 18.º do RJAT, assim como a produção de prova testemunhal indicada pela requerente, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 27/2/2015 para a prolação da decisão arbitral.

 

            1.6. A 20/2/2015, a ora requerente solicitou, novamente, a inquirição de testemunhas. Por despacho de 25/2/2015, reafirmou-se ser a mesma dispensável, ao abrigo e nos termos dos artigos 16.º, als. c) e e), e 19.º, n.º 1, do RJAT, uma vez que a prova documental dos factos alegados pela ora requerente consta dos presentes autos, sendo a mesma suficiente para uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.

           

1.7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

            2.1. Vem a ora requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a presunção legal constante no artigo 3.º, n.º 1, do Código [do Imposto] Único de Circulação de que é proprietária do veículo a pessoa que surge identificada como tal no registo automóvel sendo, por isso, sujeito passivo do Imposto Único de Circulação e ficando responsável pelo pagamento do imposto, não pode ser qualificada como uma presunção de incidência subjectiva inilidível”; b) “ao abrigo do disposto no art. 73.º da Lei Geral Tributária, a pessoa que surge identificada no registo como proprietária do veículo poderá sempre afastar a presunção prevista no artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, ou seja, a presunção de que é proprietário do veículo e, consequentemente, sujeito passivo do Imposto Unico de Circulação”; c) “relativamente ao ano de 2012, o ora requerente importou, no exercício da sua actividade comercial, 46 veículos que foram matriculados e, posteriormente, facturados até ao termo do prazo legalmente concedido para registo e expedidos / exportados para outros Estados-Membros da União Europeia / terceiros Estados (cfr. Docs. 10 e 11)”; d) “embora matriculados em Portugal, os veículos em análise não tiveram como destino final o mercado português, uma vez que foram expedidos / exportados para outros Estados-Membros da União Europeia / Estados terceiros, sendo facturados antes do momento em que o imposto se tornou exigível, ou seja, antes do termo do prazo legalmente concedido para registo”; e) “contra o exposto não pode ser acolhido o entendimento segundo o qual o facto gerador e a exigibilidade do Imposto Único de Circulação ocorrem com a emissão da Declaração Aduaneira de Veículos em nome do importador e com o posterior pedido de emissão do certificado de matrícula do veículo, em nome do importador [porque] tal entendimento obnubila o disposto no art. 17.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código do Imposto Único de Circulação”; f) “o preenchimento e transmissão da Declaração Aduaneira de Veículo, por parte do Operador Registado, e a apresentação do pedido do certificado de matrícula não origina nem se confunde com o facto gerador do Imposto Único de Circulação”; g) “o entendimento da Administração Tributária de que o imposto se mostra exigível, é, também, manifestamente ilegal por violação do princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do Código do Imposto Único de Circulação”; h) “tendo a ora requerente logrado fazer prova, através da junção das facturas respectivas, que os veículos em apreço foram vendidos, facturados e expedidos / exportados para outros Estados-Membros da União Europeia / terceiros Estados no prazo de 60 dias para registo, deverá concluir-se que a ora requerente logrou ilidir a presunção derivada do registo e prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação, pelo que deverá ser determinada a anulação das autoliquidações de Imposto Único de Circulação em apreço, com fundamento em ilegalidade das mesmas”; i) “o ora requerente importou também 35 veículos que foram transmitidos e facturados no prazo para liquidação e pagamento do Imposto Único de Circulação e exportados / expedidos para terceiros Estados ou para outro Estado-Membro da União Europeia (cfr. Docs. 13 e 14) [e] embora nestas situações residuais, os veículos não tenham sido vendidos e exportados / expedidos dentro do prazo legalmente concedido para registo, ou seja, no prazo de 60 dias após a matrícula, considera o ora requerente que o imposto também não se mostra exigível [porque] os veículos em causa foram transmitidos antes do termo do prazo para liquidação e pagamento voluntário do imposto”; j) “o entendimento da Administração Tributária sobre a exigibilidade do Imposto Único de Circulação nestas situações implicaria que, no ano da matrícula, o imposto fosse suportado não por aquele que, efectivamente, beneficiou da utilização do veículo, mas pelo Operador Registado que, no normal desenvolvimento da sua actividade económica, vendeu o veículo ao seu adquirente final, que beneficou da sua utilização e que, por esse motivo, deverá suportar o pagamento do imposto”; l) “no exercício da sua actividade comercial o ora requerente, no ano de 2012, vendeu e transmitiu 36 veículos a empresas suas concessionárias (cfr. Doc. 15) [e quanto às mesmas] não se mostra, uma vez mais, exigível qualquer Imposto Único de Circulação ao ora requerente [uma vez que este facturou] os veículos às empresas suas concessionárias antes do termo do prazo legalmente concedido para registo e, consequentemente, antes do imposto ser exigível”. Alega, ainda, a requerente que – tendo promovido o pagamento das autoliquidações (vd. Doc. 5) de que discorda, por invocada ilegalidade das mesmas –, lhe deve ser restituído o “montante de imposto pago indevidamente”, “acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.”     

 

            2.2. Conclui a requerente que deve ser “declarada a ilegalidade e anulados os actos de autoliquidação de Imposto Único de Circulação do ano de 2012, e, bem assim, anulado o despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de … de 30 de Abril de 2014”, e a AT “condenada ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios”.

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, em síntese, na sua contestação, que: a) “Pese embora a Requerente proceda ao fraccionamento das questões a serem sindicadas no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral (veículos expedidos/exportados até 60 dias, contados da data da atribuição da matrícula, veículos que foram expedidos/exportados entre o 61.º e o 90.º dia após a atribuição da matrícula e veículos que foram vendidos até 60 dias a contar da atribuição da matrícula), tendo em conta que as questões são transversais às normas legais aplicáveis, ir[á] proceder à apreciação dos argumentos da Requerente em bloco, e não de per si”; b) “No âmbito do Art. 17.º do Código de Imposto sobre veículos (doravante CISV), a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos (DAV), [emissão esta que] constitui o facto gerador do imposto nos termos e para os efeitos no disposto no Art. 5.º do CISV”; c) “Em sede de IUC, estabelece o n.º 1 do Art. 3.º do CIUC que «São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados» [e] no que concerne ao facto gerador e à exigibilidade do imposto, estatui o Art. 6.º do CIUC que «1 - O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional»”; d) “Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorrem inequivocamente do Art. 6.º do CIUC, as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja a matrícula ou o registo em território nacional”; e) “[...] por força da conjugação das normas expressas e em especial atenção ao disposto no Art. 24.º do Regulamento de Registo de Automóveis (RRA), aprovado pelo Dec.-Lei 55/75 de 12 de Fevereiro, e na redacção dada pelo Dec.-Lei 178-A/2005 de 28 de Outubro, subjaz que o registo inicial de propriedade, de veículos admitidos (como é o caso dos autos), tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo”; f) “Ou seja, a emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da Requerente e o pagamento do correspondente imposto ISV, e origina automaticamente o registo da propriedade do veículo ao abrigo do Art. 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à sua importação do veículo e pedido de matrícula, ou seja a Requerente”, g) “ [...] é peremptório que nos termos do Art. 24.º do RRA, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e nesse sentido é, de acordo com o estatuído no Art. 3.º e Art. 6.º ambos do CIUC, sujeito passivo de imposto”; h) “[...] o facto gerador em sede de IUC, é aferido nos termos do Art. 6.º do CIUC pela matrícula ou pelo registo em território nacional. Ou seja, o facto gerador deixou de ser operado como nos diplomas anteriores (extintos Imposto Municipal sobre Veículos Imposto de Circulação e Imposto de Camionagem), através do uso ou fruição”; i) “[...] o legislador tributário no Art. 6.º do CIUC estabeleceu claramente as premissas quanto ao facto gerador do imposto, bem como da sua exigibilidade, consignando inequivocamente que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional. Ora, o entendimento que a Requerente esgrime de que poderá ser afastada a tributação em caso de, no prazo de 60 dias, o veículo ser exportado para outro país, ou nos casos que ocorrem entre o 61.º e o 90.º dia, não encontra guarida na letra da lei, ou seja, não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal”; j) “[...] o legislador tributário não ficcionou que poderia ser ilidida a presunção legal de propriedade até nos 60 dias a que alude o n.º 2 do art. 42.º do RRA, o qual seria pago nos 30 dias posteriores nos termos do Art. 17.º do CIUC. E muito menos ficcionou que os importadores não obstante figurarem como primeiros proprietários dos veículos importados, poderão ver afastada a tributação em sede de IUC, caso no prazo de 60 dias o veículo seja registado em nome de outro proprietário, o qual liquida e paga o IUC no prazo de 30 dias nos termos do Art. 17.º do CIUC”; l) “[...] é a Requerente que enquanto importadora dos veículos – a qual preenche a DAV, paga o ISV e solicita o pedido de matrícula – preenche o facto gerador do IUC e, concomitantemente, a incidência subjectiva do imposto”; m) “[...] pese embora a Requerente alegue que vendeu dentro do prazo para registo ou [entre o] 60.º e 90.º [dias] para liquidação e pagamento, tal facto é irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no Art. 6.º do CIUC”; n) “[...] o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como sujeitos passivos de imposto os proprietários em nome das quais os veículos se encontrem registados”; o) “[...] a vexatio quaestio reside no registo automóvel para efeitos de incidência de imposto, mormente no que contende à exigibilidade do IUC, consagrado nos Arts. 6.º e 3.º, ambos do CIUC. Ora, encontrando-se os veículos registados em nome da Requerente, é-lhe exigido o imposto nos termos dos Arts. 6.º e 3.º do CIUC, não sendo possível afastar a incidência subjectiva do imposto”; p) “[...] tomando por exemplo o entendimento dado pela Requerente de que não deveria suportar o IUC sobre os veículos, porquanto, os vendeu não tendo por esse facto beneficiado da sua utilização - à luz do princípio da equivalência – levaria a que o titular de um veículo que não o utiliza estivesse legitimado a não pagar o IUC, porque não beneficiou do veículo. Decerto, que não foi essa a intenção do legislador”; q) “[...] a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à lei fundamental [por se considerar que o] entendimento propugnado pela Requerente com vista a afastar a incidência subjectiva e tributação do IUC, não tem acolhimento legal e viola os princípios constitucionais da legalidade e justiça tributária, da capacidade contributiva, da igualdade, da certeza e da segurança jurídicas”; r) “[...] se a Requerente pretende reagir contra a presunção de propriedade que lhe é atribuída, então forçosamente terá de reagir pelos meios próprios previstos no Regulamento do Registo Automóvel e nas leis registais subsidiariamente aplicáveis e contra o próprio teor do registo automóvel, pois que seguramente não é pela impugnação das liquidações de IUC que se ilide a informação registal”; s) “[para efeitos da] (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC”, uma “factura não é apta a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente”; t) “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral”; u) “não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços [pelo que] não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”. A AT requereu, por fim, a “a dispensa da produção de prova testemunhal”.

 

Conclui a AT que “deverá a excepção invocada [excepção por alegada “cumulação ilegal de pedidos”] proceder, absolvendo-se a Requerida da instância. Ou, caso assim não se entenda, deverá ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se em conformidade a entidade Requerida do pedido.”

 

            2.4. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) O presente pedido tem por objecto as autoliquidações de IUC relativas ao ano de 2012, no valor total alegado de €14.599,43 (rectius: €14.593,42 = €10.379,49 + €4213,93), praticadas pela ora requerente (vd. Doc. 2 apenso aos presentes autos e quadro no ponto 5.º da petição inicial).

 

            ii) Não conformada com as referidas autoliquidações de IUC, e com o entendimento constante do Ofício n.º …, de 18/11/2013, do SF de Lisboa …, a ora requerente deduziu reclamação graciosa contra as mesmas (vd. Doc. 3 apenso aos autos).

 

            iii) Pelo Ofício n.º …, datado de 30/4/2014, da Divisão de Justiça da Direcção de Finanças de Lisboa, a ora requerente foi notificada, a 5/5/2014, do Despacho do Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa que determinou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as referidas liquidações (vd. Doc. 1 apenso aos autos).

 

            iv) No âmbito da sua actividade, a ora requerente importa veículos que, por motivos contratuais e comerciais estabelecidos com os fabricantes, são, por vezes, matriculados em Portugal mas posteriormente vendidos e expedidos para outros Estados-Membros da União Europeia ou, noutros casos, exportados para terceiros Estados. Do mesmo modo, a ora requerente, no âmbito da sua actividade comercial, importa também veículos que, em certos casos, são matriculados e posteriormente vendidos a empresas suas concessionárias.

 

            v) Como se pode ver pelo quadro-síntese que consta do ponto 13.º da petição inicial, as situações relativamente às quais a ora requerente autoliquidou IUC do ano de 2012 diziam respeito, em síntese, a 117 veículos (dos quais 81 para exportação e 36 para concessionárias). Em nenhum caso terá sido a requerente efectiva utilizadora dos veículos.

           

vi) Todas as situações relativas aos veículos supra referidos estão documentadas por factura anterior ao termo do prazo para registo ou dentro do prazo concedido para liquidação e pagamento do IUC: 1.1) 46 veículos que a ora requerente importou e que foram matriculados e facturados até ao termo do prazo legal para serem registados e expedidos para outros Estados-Membros da União Europeia / terceiros Estados (vd. Docs. 10 e 11; em certos casos, surge identificada a factura proforma no documento de expedição e, no que respeita à factura 12M0023, ocorre lapso de escrita, uma vez que, nos anexos a essa factura, é indicada a factura 12M0021, como se assinalou no ponto 37.º da petição inicial); 1.2) aqueles 46 veículos foram vendidos e facturados antes do termo do prazo para registo, como definido pelo art. 42.º, n.º 1 e 2, do Regulamento do Registo de Automóveis (RRA), i.e., dentro do prazo de 60 dias após a atribuição de matrícula (vd. Docs. 10 e 11); 2) 35 veículos que a ora requerente importou e que não foram vendidos e exportados dentro do prazo legal para registo mas que foram transmitidos e facturados no prazo de 30 dias (subsequente ao prazo de 60 dias) concedido para liquidação e pagamento do imposto, tendo sido matriculados e facturados no prazo para liquidação e expedidos para outros Estados-Membros da União Europeia / terceiros Estados (vd. Docs. 13 e 14); 3) 36 veículos que a requerente, também no exercício da sua actividade comercial, vendeu e transmitiu, no ano de 2012, a empresas suas concessionárias (vd. Doc. 15), dentro do prazo de 60 dias a contar do momento da atribuição da matrícula.

 

            vii) Relativamente aos veículos com as matrículas …-…-… e …-…-…, aos quais correspondem as facturas n.º 0502441, de 26/7/2005, e n.º 1100786, de 28/4/2011, em ambos os casos a requerente provou, através dos Docs. 16 e 17, que tais veículos foram transmitidos em ano(s) anterior(es) ao facto gerador do IUC em 2012.   

 

            viii) A cumulação de pedidos não é, ao invés do que alegou a AT, ilegal, atendendo à identidade dos factos tributários e dos seus fundamentos. O circunstancialismo de facto e de direito é basicamente o mesmo, o que foi também admitido em sede de reclamação graciosa (onde não se recusou a cumulação) e, implicitamente, na resposta da AT, quando refere que “as questões [dos vários «grupos» de veículos] são transversais às normas legais aplicáveis, [motivo pelo qual irá apreciar os] argumentos da Requerente em bloco, e não de per si”.

 

            2.5. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

           

            III – Questão prévia: Cumulação de pedidos

 

            Atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto no art. 104.º do CPPT e 3.º do RJAT, à cumulação em causa (vd. ponto viii) da matéria de facto provada).

 

            IV – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            No presente caso, são três as fundamentais questões de direito controvertidas: 1) saber se, como foi alegado pela AT, a venda, comprovada por factura, “dentro do prazo para registo ou [entre o] 60.º e 90.º [dias] para liquidação e pagamento, [...] é irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no Art. 6.º do CIUC”; 2) saber se o artigo 3.º do CIUC encerra uma presunção e se a mesma pode ser ilidida e, ainda, se, como entende a AT, uma “factura não é apta a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda”; 3) saber se, no presente caso, são devidos juros indemnizatórios à requerente. 

 

            Vejamos, então.

 

            1) Para a AT, a venda, ainda que comprovada por factura, se realizada “dentro do prazo para registo ou [entre o] 60.º e 90.º [dias] para liquidação e pagamento, [...] é irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no Art. 6.º do CIUC”; por seu lado, para a requerente, tal interpretação – que associa o facto gerador do IUC à entrega da DAV – desconsidera o que dispõem os artigos 17.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, al. a), ambos do CIUC, e o que refere o art. 42.º, n.º 2, do RRA, pelo que a venda dentro do prazo para registo (até ao 60.º dia após a atribuição de matrícula) ou no prazo concedido para liquidação e pagamento do imposto (61.º ao 90.º dia) permitem que se possa considerar “ilidida a presunção prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação, com o consequente afastamento da responsabilidade pelo pagamento do Imposto Único de Circulação”.   

 

            Atendendo ao que dispõe o artigo 6.º, n.º 1, do CIUC, verifica-se que constitui facto gerador da obrigação do imposto a propriedade do veículo, conforme atestado pela respectiva matrícula em território nacional.

 

Contudo, como se refere, em caso similar, na DA relativa ao processo n.º 43/2014-T, de 14/7/2014, que aqui se reproduz, por com ela se concordar:

 

“[Como] o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação consagra uma presunção ilidível, cumpre ainda analisar se esta presunção foi efectivamente ilidida por parte da Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis». Assim, deve a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veiculo e, nesse sentido, que foi considerada pela Requerida como sujeito passivo de imposto, demonstrar mediante elementos de prova disponíveis que não é o real proprietário do veiculo e, bem assim, que a propriedade foi transferida para outrem. Ora, no caso em apreço, a Requerente produziu prova documental [...] que demonstr[a] que à data das liquidações não se considerava proprietária dos veículos em causa. [...]. [...] entendemos que as facturas de venda apresentadas [...] gozam de presunção de veracidade e, neste sentido, de idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que resulta das liquidações, de acordo com o disposto no artigo 75.º da Lei Geral Tributária. Neste sentido, considera-se que a Requerida, ao não ter tido em consideração a prova documental junta pela Requerente, se encontra em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a anulação dos correspondentes actos de liquidação. Por outro lado, em matéria de liquidação e de pagamento do imposto, estabelece o n.º 1 do artigo 17.º do Código do IUC que, no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo. Sendo que, de acordo com o artigo 42.º, n.º 2, do Regulamento do Registo de Automóveis, tratando-se de registo inicial de propriedade, o veículo deverá ser registado no prazo de 60 dias a contar da data da atribuição da matrícula. Ou seja, no ano da matrícula, apenas é possível determinar o sujeito passivo do Imposto Único de Circulação findo o prazo para registo, ou seja, o prazo de 60 dias, contados da matrícula, pelo que apenas nesse momento o imposto se mostra exigível. Corroborando este mesmo entendimento, o Código do Imposto Único de Circulação estabelece no seu artigo 18.º, n.º 1, alínea a), («Liquidação Oficiosa») que, «Na ausência de registo de propriedade do veículo efectuado dentro do prazo legal, o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido: a) Ao sujeito passivo do imposto sobre veículos com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido». Ou seja, de acordo com esta disposição legal, apenas nas situações em que a propriedade do veículo não é registada no prazo legal de 60 dias (artigo 42.º, n.º 2, do Regulamento do Registo de Automóveis) é que o imposto é exigido ao sujeito passivo do Imposto sobre Veículos. No entanto, não pode confundir-se o sujeito passivo do Imposto sobre Veículos (in casu o Operador Registado) com o sujeito passivo do Imposto Único de Circulação. Na verdade, a Lei é clara, o sujeito passivo do Imposto sobre Veículos apenas fica responsável pelo pagamento do imposto se não for possível determinar o sujeito passivo do Imposto Único de Circulação findo o prazo legalmente estabelecido para registo. Deste modo, nas situações em que o sujeito passivo do Imposto sobre Veículos logra demonstrar que transmitiu os veículos em causa a terceiros antes do termo do prazo para registo, deverá concluir-se que logrou ilidir a presunção estabelecida no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação. Aqui chegados, impõe-se concluir que a Requerente [...] logrou demonstrar, através da junção dos meios de prova identificados [...] que no prazo de 60 dias para registo transmitiu os veículos a terceiros. Ou seja, a Requerente logrou demonstrar que os veículos em apreço foram transmitidos dentro do prazo de 60 dias para registo e, consequentemente, antes do imposto se tornar exigível. Em face do exposto, e no que diz respeito à exigibilidade do imposto, conclui-se que a propriedade dos veículos em apreço foi transmitida mediante contrato de compra e venda e, bem assim, que à data em que o IUC se tornou exigível a Requerente já não era proprietária, conforme resulta da prova documental junta por esta.” (Itálicos nossos.)

 

            Nestes termos, com os quais se concorda, conclui-se, do mesmo modo, que:

 

1.a) No caso das situações referidas nos pontos vi), 1.1) (46 veículos), e vi), 3) (36), da matéria de facto provada, tendo a requerente trazido aos autos facturas ou facturas proforma (que constituem meios de prova idóneos à luz do art. 75.º da LGT) – v. Docs. 10, 11 e 15 a 17 – para demonstrar que, no prazo de 60 dias, tinha transmitido os referidos veículos a terceiros, conclui-se que logrou provar que já não era, à data em que o IUC em causa se tornou exigível, a proprietária dos mesmos, tendo, por esta via, afastado, validamente, a presunção que sobre ela incidia. Esta conclusão abrange 82 veículos (IUC de €10.379,49 = €128,43 × 48 + €160,78 × 21 + €50,00 × 7 + €96,57 × 5 + €17,25 + €5,62 de juros), nos quais se incluem, também, os discriminados nas situações referidas no ponto vii) da matéria de facto provada.

 

1.b) No caso das situações referidas no ponto vi), 2) (35 veículos: IUC de €4213,93 = €128,43 × 26 + €96,57 × 9 + €5,62 de juros), da matéria de facto provada, a conclusão será diferente porque, como a ora requerente reconhece, nestas só houve transmissão dos veículos após o mencionado prazo de 60 dias. Ainda que não tenha havido uma utilização efectiva dos mesmos por parte da requerente (e tenham sido transmitidos nos 30 dias após o registo), certo é que, no momento de exigibilidade do imposto – que é o do registo –, a ora requerente era a proprietária, sendo, nessa medida, a responsável pelo pagamento do imposto.

 

2) Em reforço da conclusão supra retirada em 1.a), justifica-se apurar a interpretação do art. 3.º do CIUC, para: i) saber se a norma de incidência subjectiva, constante do referido art. 3.º, estabelece uma presunção; ii) saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal viola a unidade do regime legal ou desconsidera o elemento sistemático e o elemento teleológico; iii) saber – admitindo que a presunção existe (e que a mesma é iuris tantum) – se foi feita, no caso aqui em análise, a ilisão da mesma.

           

            i) O art. 3.º, n.os 1 e 2, do CIUC, tem a seguinte redacção, que aqui se reproduz:

 

            “Artigo 3.º – Incidência Subjectiva

           

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

           

A interpretação do texto legal citado é, naturalmente, imprescindível para a resolução do caso em análise. Nessa medida, afigura-se necessário recorrer ao art. 11.º, n.º 1, da LGT, e, por remissão deste, ao art. 9.º do Código Civil (CC).

 

            Ora, nos termos do referido art. 9.º do CC, a interpretação parte da letra da lei e visa, através dela, reconstituir o “pensamento legislativo”. O mesmo é dizer (independentemente da querela objectivismo-subjectivismo) que a análise literal é a base da tarefa interpretativa e os elementos sistemático, histórico ou teleológico são guias de orientação da referida tarefa.

 

            A apreensão literal do texto legal em causa não gera - ainda que seja muito discutível a separação desta relativamente ao apuramento, mesmo que mínimo, do respectivo sentido - a noção de que a expressão “considerando-se como tais” significa algo diverso de “presumindo-se como tais”. De facto, muito dificilmente encontraríamos autores que, numa tarefa de pré-compreensão do referido texto legal, repelissem, “instintivamente”, a identidade entre as duas expressões.

 

            Confirmando a indistinção (tanto literal como de sentido) das palavras “considerando” e “presumindo” (presunção), vejam-se, por ex., os seguintes artigos do Código Civil: 314.º, 369.º, n.º 2, 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 2, e 1629.º. E, com especial interesse, o caso da expressão “considera-se”, constante do art. 21.º, n.º 2, do CIRC. Como assinalam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, a respeito desse artigo do CIRC: “para além de esta norma evidenciar que o que está em causa em sede de tributação de mais-valias é apurar o valor real (o de mercado), a limitação ao apuramento do valor real derivada das regras de determinação do valor tributável previstas no CIS não poder deixar de ser considerada como uma presunção em matéria de incidência, cuja ilisão é permitida pelo artigo 73.º da LGT” (vd. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, pp. 651-2).

 

            ii) Estes são apenas alguns exemplos que permitem concluir que é precisamente por razões relacionadas com a “unidade do sistema jurídico” (o elemento sistemático) que não se poderá afirmar que só quando se usa o verbo “presumir” é que se está perante uma presunção, dado que o uso de outros termos ou expressões (literalmente similares) também podem servir de base a presunções. E, de entre estas, as expressões “considera-se como” ou “considerando-se como” assumem, como se viu, destaque.

 

            Se a análise literal é apenas a base da tarefa, afigura-se, naturalmente, imprescindível a avaliação do texto à luz dos demais elementos (ou subelementos do denominado elemento lógico). Com efeito, a AT alega também que a interpretação da requerente “ignora o elemento teleológico de interpretação da lei: a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e, bem assim, em todo o CIUC”.

 

            Justifica-se, portanto, averiguar se a interpretação que considere a existência de uma presunção no art. 3.º do CIUC colide com o elemento teleológico, i.e., com as finalidades (ou com a relevância sociológica) do que se pretendia com a regra em causa. Ora, tais finalidades estão claramente identificadas no início do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (vd. art. 1.º do CIUC).

            O que se pode inferir deste artigo 1.º? Pode inferir-se que a estreita ligação do IUC ao princípio da equivalência (ou princípio do benefício) não permite a associação exclusiva dos “contribuintes” aí referidos à figura dos proprietários mas antes à figura dos utilizadores (ou dos proprietários económicos). Como bem se notou na DA proferida no processo n.º 73/2013-T, de 5/12/2013: “na verdade, a ratio legis do imposto [IUC] antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o «proprietário económico» no dizer de Diogo Leite de Campos, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade.”

 

            iii) Do exposto retira-se a conclusão de que limitar os sujeitos passivos deste imposto apenas aos proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados – ignorando as situações em que estes já não coincidam com os reais proprietários ou os reais utilizadores –, constitui restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação.

 

            O registo gera, portanto, apenas uma presunção ilidível, i.e., uma presunção que pode ser afastada mediante prova em contrário (prova de que o registo já não traduz, no momento da obrigação de imposto, a verdade material que lhe teria dado origem).

 

            Seria, aliás, injustificada a imposição de uma espécie de presunção inilidível, uma vez que, sem uma razão aparente, estar-se-ia a impor uma (reconhecidamente discutível) verdade formal em detrimento do que realmente podia e teria ficado provado; e, por outro lado, a afastar o dever da AT de cumprimento do princípio do inquisitório estabelecido no art. 58.º da LGT, i.e., o dever de realização das diligências necessárias para uma correcta determinação da realidade factual sobre a qual deve assentar a sua decisão (o que significa a determinação do proprietário actual e efectivo do veículo).

 

            A este propósito, convém notar, também, que o registo de veículos não tem eficácia constitutiva, funcionando, como antes se disse, como uma presunção ilidível de que o detentor do registo é, efectivamente, o proprietário do veículo. Neste sentido, vd., v.g., o Ac. do STJ de 19/2/2004, proc. 03B4639: “O registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (art.s 1.º, n.º 1 e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º 2, do C.Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes.”

 

            No mesmo sentido, referiu, a este respeito, a DA relativa ao processo n.º 14/2013-T, de 15/10/2014, em termos que aqui se acompanham: “a função essencial do registo automóvel é dar publicidade à situação jurídica dos veículos não surtindo o registo eficácia constitutiva, funcionando (apenas) como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constante. A presunção de que o direito registado pertence à pessoa em cujo nome está inscrito pode ser ilidida por prova em contrário. Não preenchendo a AT os requisitos da noção de terceiro para efeitos de registo [circunstância que poderia impedir a eficácia plena dos contratos de compra e venda celebrados], não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para pôr em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda e para exigir ao vendedor (anterior proprietário) o pagamento do IUC devido pelo comprador (novo proprietário) desde que a presunção da respectiva titularidade seja ilidida através de prova bastante da venda.”

 

            Ora, no caso aqui em análise, verifica-se que a ilisão da presunção (por via de “prova bastante” das transmissões alegadas) foi realizada pela apresentação de facturas ou facturas proforma (v. pontos vi) e vii) da matéria de facto provada), as quais demonstram que, à data do imposto, a requerente já não era a proprietária dos veículos (vd. Docs. 10, 11 e 15 a 17).

 

            Por outro lado, o Tribunal também não vê razão para questionar tais documentos (nem foram apresentados elementos que permitam, fundadamente, duvidar da sua veracidade), e entende que os mesmos constituem prova suficiente para demonstrar que a requerente não era, à data do imposto, a proprietária dos veículos em causa.

 

A este respeito, veja-se, por ex., a DA proferida no âmbito do processo n.º 27/2013-T, de 10/9/2013: “os documentos apresentados, particularmente as cópias das facturas que suportam, desde logo, as vendas [dos veículos referenciados], [...] corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no n.º 1 do art. 3.º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT.”

 

            3) Uma nota final para apreciar, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da requerente (art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT).

 

            A este respeito, assinala a DA proferida no processo n.º 26/2013-T, de 19/7/2013 (que tratou de situação semelhante à ora em apreciação): “O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. [...] ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pela requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando, em consequência, o respectivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito [a juros indemnizatórios] a favor do contribuinte. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do art. 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.” No mesmo sentido, vd. as DA proferidas nos processos: n.º 170/2013-T, de 14/2/2014; n.º 136/2014-T, de 14/7/2014; n.º 230/2014-T, de 22/7/2014; e n.º 140/2014-T, de 29/8/2014.

 

            Atendendo à justificação citada, e com a qual se concorda, conclui-se, igualmente no presente caso, pela improcedência do referido pedido de pagamento de juros indemnizatórios.  

 

***

 

            V – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos actos de liquidação relativos aos 82 veículos supra identificados, e o reembolso das respectivas importâncias indevidamente pagas.

            - Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação relativos aos restantes 35 veículos, também supra identificados, absolvendo-se a entidade requerida do pedido quanto aos mesmos.

            - Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

Fixa-se o valor do processo em €14.593,42 (catorze mil quinhentos e noventa e três euros e quarenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €918,00 (novecentos e dezoito euros), a pagar pela requerente e pela requerida na proporção do decaimento, que se fixa em ⅓ e ⅔, respectivamente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e art. 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2015.

 

O Árbitro,

 

 

Miguel Patrício

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.