DECISÃO ARBITRAL
1.RELATÓRIO
1. A,S.A. (doravante designada por Requerente), contribuinte fiscal nº …, com sede na Avenida … Lisboa, apresentou em 4 de Agosto de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 104º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi do artigo 29º nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante designado por RJAT) um pedido de constituição de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) com vista à anulação de autoliquidação de IRC, de 03 de Julho de 2012, com o número 2012 …, referente ao ano de 2011.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 07 de Agosto de 2014, e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o Dr. José Coutinho Pires, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 09 de Outubro de 2014, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT.
5. Por despacho proferido em 03 de Dezembro de 2014, devidamente notificado às partes foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o artigo 18º do RJAT.
************
6. Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese e com relevo:
i. É uma sociedade comercial anónima com sede em território nacional, dedicando-se, conforme resulta do seu objecto societário, à venda a retalho de confecções para homem, senhora e criança,
ii. Sucede porém que, ao contrário da esmagadora maioria dos sujeitos passivos de IRC, (…) não adopta o período normal de tributação coincidente com o ano civil, portanto de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, como, em regra, prevê o disposto no artigo 8º nº 1 do Código do IRC,
iii. (…) por razões de reporte da sua informação financeira à Casa Mãe em Espanha, adoptou, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 8º nº 2 do Código do IRC, um período de tributação que vai desde 01 de Fevereiro a 31 de Janeiro do ano subsequente (…)
iv. Com referência ao exercício de 2011, e conforme previsto nos artigos 117º nº 1 alínea b) e 120 nº 2 ambos do Código do IRC (…) submeteu, por via electrónica, e em 29 de Junho de 2012, a respectiva Declaração Modelo 22 de IRC,
v. (…) do acto tributário de liquidação, foi apurado um montante de EUR 127.591,49 a título de Derrama Estadual, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 87º - A do Código do IRC,
vi. (…) de tal acto, reagiu através de reclamação graciosa que mereceu indeferimento.
vii. Tece ainda a Requerente várias e abundantes considerações acerca do poder tributário das Regiões Autónomas, e do seu cotejo com as disposições da Constituição da República Portuguesa, dos Estatutos Politico - Administrativos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e das Leis das Finanças destas,
viii. Concluindo que o valor da Derrama Estadual, prevista no artigo 87º- A do CIRC, nunca poderia incidir sobre o lucro imputável às actividades desenvolvidas nas Regiões Autónomas dos Açores.
ix. Culminando com o pedido da “devolução do montante de 2.086,53 € por inexistência no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores de norma de incidência que preveja a aplicação da derrama estadual nesse território” ou, em alternativa “a devolução da derrama estadual cobrada em excesso (…) no montante de Eur. 9.600,72” [1],
x. Formulando ainda o pedido de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto nos artigos 43º e 100º da LGT e 61º do CPPT.
7. A AT, na sua resposta e desde logo, suscita a excepção dilatória da ineptidão de petição inicial, por ininteligibilidade do pedido, e quanto à matéria impugnada sustentou posição contrária à apresentada pela Requerente, em consonância com a posição por si já assumida em sede de reclamação graciosa.
8. Relativamente à referida excepção, alega em síntese que: tomando por base a “identificação do pedido” formulado pela Requerente sob os artigos 2 a 5 do seu pedido de pronúncia arbitral, do seu cotejo com o vertido sob os artigos 49º e 62º e 63º e com o pedido formulado a final, se concluiu, “que (…) não é possível discernir qual será o eventual pedido principal e qual será o hipotético pedido subsidiário”.
8.1. Estar-se-á perante a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, nos termos da previsão do nº 1 e da alínea a) do nº 2 do artigo 186º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do RJAT, ou seja,
8.2. Face uma situação de ininteligibilidade do pedido que conduz à ineptidão da petição inicial que é de conhecimento oficioso.
8.3. Para tanto sustenta ainda a Requerida – em brevíssima síntese - que na inicial IDENTIFICAÇÃO DO PEDIDO pretende a Requerente identificar como ilegal a autoliquidação em causa, por inaplicabilidade do artigo 87- A do CIRC às Regiões Autónomas dos Açores e na Madeira, para,
8.4. Adiante anunciar que “(…) pretende discutir a questão aqui controvertida, referente à legitimidade de cobrança de derrama estadual na RAA e ao seu cálculo, em termos gerais”,
8.5. Para mais à frente defender “(…) que não deveria ter sido cobrada Derrama Estadual sobre o lucro tributável imputado às suas actividades desenvolvidas na RAA”,
9. Tendo, por impugnação, sustentado posição contrária à apresentada pela Requerente quanto à aplicação da norma geral do artigo 87º- A do CIRC, em consonância com a posição por si já assumida em sede de reclamação graciosa, reconduzindo o seu ponto de vista, em brevíssima síntese, a que: o lucro tributável imputável às instalações da Requerente que se situam na Região Autónoma dos Açores, se encontra sujeito à derrama estadual, nas condições previstas no artigo 87º - A do CIRC e que, a falta de previsão (ao tempo) de uma derrama regional no orçamento da RRA, não afasta tal incidência.
10.Procedento para o efeito a uma análise dos poderes tributários autonómicos em sede da Constituição da República, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas e do Estatuto Politico – Administrativo dos Açores.
11.Veio a Requerente proceder à resposta à excepção suscitada pela Requerida, a coberto do artigo 16º a) do RJAT, tendo aí pugnado pela inexistência de quaisquer vícios quanto ao seu pedido de pronúncia arbitral, concluindo ainda com o pedido de alteração de ordem dos pedidos então formulados
12. Vieram ainda as partes, ao abrigo do disposto no artigo 18º do RJAT, apresentar alegações escritas, onde, fundamentalmente, defenderam as posições que haviam já expressas nos seus articulados.
13. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a), 5º e 6º nº 1 do RJAT.
14.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
15. Inexiste, desde modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II- DECISÃO
A.DA EXCEPÇÃO
A excepção suscitada pela Requerida que, por poder obstar ao conhecimento do pedido e ao julgamento de mérito do objecto do processo é necessário apreciar e decidir a título prévio é a seguinte:
- ineptidão da petição inicial
Conforme já referido, AT defende que o pedido de pronúncia arbitral, enferma de ininteligibilidade, que tal circunstância é determinativa da ineptidão da petição inicial, face à aplicável alínea a) do nº 2 do artigo 186º do Código de Processo Civil, pelo que e em consequência deve ser absolvida da instância a coberto do normativo dos artigos 278º nº 1, alínea e), 576º nºs 1 e 2 e 557º alínea b) do referido diploma legal ex vi do artigo 29º nº 1 alínea e) do RJAT.
A Requerente no exercício do contraditório, veio responder à excepção convocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos também já assinalados, pugnando não se verificar qualquer vício determinativo da ineptidão da petição inicial, culminando com o pedido de alteração da ordem nos pedidos formulados na sua petição inicial.
Vejamos então;
De acordo com o disposto no artigo 186º do Código de Processo Civil (redacção da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho) é “nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”, densificando o seu nº 2 as circunstâncias em que se verifica essa ineptidão, nomeadamente e para o que releva nos presentes autos, a petição será inepta, de acordo com a sua alínea a) “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”
Nulidade essa que de conformidade ao estatuído no artigo 196º do aplicável Código de Processo Civil é de conhecimento oficioso.
O tema da ineptidão da petição inicial, pela verificação da causa apontada (ou pelas demais decorrentes das restantes alíneas do nº 2 do artigo 186º do Código de Processo Civil), profunda e amplamente tratada pela doutrina, e jurisprudência, tem subjacente o princípio da economia processual na medida em que “não vale a pena prosseguir com a acção, sujeitando o réu a incómodos e a despesas, se pela simples leitura da petição o juiz se persuadir de que não pode conhecer do mérito da causa ou de que a pretensão do autor não pode prosperar” [2]
Os pedidos formulados pela Requerente no seu articulado inicial, bem como o contributo que adveio da resposta à excepção dilatória, no sentido da alteração da ordem dos mesmos, não sendo, com todo o muito respeito, um modelo de perfeição técnica, afiguram-se contudo suficientemente explícitos para permitir a qualquer “declaratório normal colocado na posição do real declaratório” (artº 236º do Código Civil) ou a um diligente pai de família compreender os contornos da relação material controvertida.
O próprio nº 3 do artigo 186º do Código de Processo Civil, exclui a procedência da ineptidão de petição inicial, quando, não obstante convocado o vício da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, o réu na contestação tenha interpretado conveniente a petição inicial.
Ora,
Nos presentes autos a Requerida interpretou convenientemente e de forma laboriosa, diga-se, a pretensão da requerente, pelo que, e sem necessidade de mais considerações, não se verifica a ininteligibilidade do pedido, propendendo-nos mais para entender que se estará perante uma não total clareza, improcedendo assim, a excepção da ineptidão invocada pela AT.
B.MATÉRIA DE FACTO
B.1. Factos dados como provados
1. A ora Requerente é uma sociedade comercial anónima que gira comercialmente sob a designação “A, S.A”. com o NIF … e sede e domicílio fiscal na Av. …em Lisboa.
2. Exerce a sua actividade comercial no âmbito do comércio a retalho de vestuário para adulto (CAE …).
3. Para efeitos fiscais encontra-se registada junto do serviço periférico local territorialmente competente, no caso o 10º Serviço de Finanças de Lisboa, encontrando-se sujeita a IRC de conformidade ao preceituado np nº 1 do artigo 2º, e artigos 3º e 5º do CIRC.
4. Tendo adoptado um período de tributação não coincidente com o ano civil que se inicia a 01 de Fevereiro.
5. Em 2012-06-29 procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 IRC relativo ao exercício de 2011, tendo a mesma originado a liquidação nº 2012 … com data de 2012-07-03 que definiu um montante de derrama estadual a pagar no total de 127.591,50 €.
6. O montante da derrama referido no número anterior foi calculado com base no lucro tributável da Requerente, tendo por base o volume de negócios alcançado no território do continente e das regiões autónomas da Madeira e dos Açores.
7. A Requerente veio manifestar a sua discordância com tal liquidação, tendo apresentando para o efeito em 2014-03-05 reclamação graciosa, a coberto do disposto nos artigos 68º e 131º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
8. A reclamação graciosa em causa foi alvo de despacho de indeferimento notificado à Requerente através do ofício nº …, de 07 de Maio de 2014.
9. Em 04 de Agosto de 2014, a Requerente apresentou o seu requerimento de pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD.
B.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
B.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º nº 2 do CPPT e artigos 607º do CPC [3], aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) e e) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão os factos supra elencados, reconhecidos e aceites pelas partes.
C. DO DIREITO
O thema decidendum que se coloca nos presentes autos (uma vez que não é posta em causa pelas as partes a factualidade que dos mesmo subjaz) reconduz – se em saber se a derrama estadual prevista no artigo 87º A do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas (CIRC) se aplica ao lucro tributável gerado pelas instalações da Requerente situadas na Região Autónoma dos Açores (RAA) e se é legítimo aos sujeitos passivos de IRC com sede no Continente e titulares de instalações na Região Autónoma dos Açores determinar a incidência objectiva da derrama estadual, por referência ao lucro tributável a cada uma das regiões autónomas, apurado em condições similares das que decorrem do anexo C da Declaração Modelo 22 do IRC, para efeitos da apuramento da colecta.
Impor-se-á, antes de entrar na questão de fundo, algumas, ainda que breves considerações, sobre (i) o poder tributário das regiões autónomas e (ii) a derrama estadual, introduzida no sistema jurídico fiscal português pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho.
(i) O poder tributário das regiões autónomas
Segundo o artigo 227º da Constituição da República Portuguesa (CRP) as regiões autónomas dos Açores e da Madeira exercem “ poder tributário próprio, nos termos da lei” tendo ainda o poder de “adaptar o sistema fiscal, nacional às especificidades regionais, nos termos da lei - quadro da Administração da República”, dispondo ainda “nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado”, estabelecida esta “de acordo com um princípio que assegura a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhe sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas”.
São claros os poderes tributários das regiões autónomas elencados, que decorrem das alínea i) e j) do nº 1 do artigo 227º da CRP.
Estar-se-á, segundo J.L. Saldanha Sanches [4] perante “um poder tributário de adaptação, ou derivado, um poder tributário próprio, um direito a determinadas receitas e um direito de participação politica”.
O exercício do poder tributário próprio – alínea i) do nº 1 do artigo 227º da CRP, na vertente da possibilidade da criação de impostos regionais conduz-nos à Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro e alterada pela Lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de Março [5].
Aí com efeito, e com relevo se dizia:
Artigo 53º
Competências tributárias
(…)
2 – A competência legislativa regional, em matéria fiscal é exercida pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, mediante decreto legislativo, e compreende os seguintes poderes:
a)O poder de criar e regular impostos, vigentes apenas nas Regiões Autónomas respectivas, definindo a respectiva incidência, a taxa, a liquidação, a cobrança, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, nos termos da presente lei;
b)o poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, dentro dos limites fixados na lei e nos termos dos artigos seguintes.
Consagrando então o artigo 55º da LFRA a possibilidade das regiões autónomas lançarem “adicionais, até ao limite de 10% sobre a colecta dos impostos em vigor (…)”.
Já quanto ao poder de “adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais”, o seu quadro normativo estribava-se no artigo 56º da LFRA e, para o que releva, aí se previa a possibilidade de “diminuir as taxas nacionais dos impostos sobre o rendimento (IRS) e (IRC) e do imposto sobre o valor acrescentado, até ao limite de 30%, e dos impostos especiais do consumo, de acordo com a legislação em vigor” (nº 2); (…) “determinar a aplicação nas Regiões Autónomas das taxas reduzidas do IRC definidas em legislação nacional, nos termos e condições que vierem a ser fixados em decreto legislativo regional”, e ainda sob o seu número 4, se previa que as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podiam “conceder deduções à colecta relativas aos lucros comerciais, industriais e agrícolas reinvestidos pelos sujeitos passivos”.
Se numa primeira análise, que está longe de ser exaustiva, se poderá concluir no sentido de uma grande autonomia quanto ao exercício em sentido amplo do poder tributário próprio das regiões autónomas, encontra o mesmo, naturalmente, limites. Limites estes de ordem interna e constitucional, bem como advindos da ordem jurídica comunitária.
De entre os primeiros a prevalência das normas fiscais nacionais, determinará, desde logo, que “o poder tributário das Regiões está, pois, limitado a um direito constitucionalmente atribuído sobre os impostos cobrados na Região, à criação de novos impostos relacionadas com um interesse específico das regiões, se esse novo imposto tiver alguma razão de ser que possa considerar-se extraída de alguma particularidade existente no território das Regiões, e à adaptação não derrogatória do sistema fiscal nacional (sem a possibilidade de esta lei fiscal vir a revogar ou derrogar as leis gerais da República em matéria fiscal” [6].
Ora,
Conforme assinalado, o nº 2 ao artigo 53º da LFRA acima transcrito, ao prever a possibilidade de criar impostos exclusivos para as regiões autónomas e o poder de adaptação às mesmas no que concerne aos impostos de âmbito nacional, não determina nem a sua obrigatória criação nem a sua adaptabilidade às regiões autónomas.
Estar-se-á perante opções de índole política de natureza fiscal e financeira que competirão aos legisladores regionais, em perfeita consonância, de resto, com o que se verifica no quadro das derramas municipais.
O que não se poderá verificar, em nosso entender, e aqui subscrevendo a posição sufragada pela Requerida, é que “o eventual não exercício desse poder pelo legislador regional nunca poderia ter como consequência a derrogação da lei fiscal nacional aprovada pela Assembleia da Republica no exercício da sua competência legislativa”.
Isto posto :
(ii)-A derrama estadual, introduzida no sistema jurídico fiscal português pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, foi criada no quadro do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) de 2010, com vista (ao de da mesma se extrai) à “consolidação orçamental que visam estabelecer a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida publica” veio introduzir (para além de outras de carácter transversal) medidas fiscais, no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, tendo o seu artigo 2º procedido ao aditamento de vários artigos do CIRC e para o que releva nesta sede, ao aditamento do artigo 87º - A no seguinte sentido:
“Artigo 87º - A
Derrama estadual
1.Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes ao território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5%.
2.Quando seja aplicável o regime especial da tributação de grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante
3. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120º”.
Procedendo igualmente ao aditamento do artigo 104º- A do CIRC respeitante ao modo de pagamento da derrama estadual no sentido seguinte:
“Artigo 104º -A
Pagamento da derrama estadual
1. As entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e os não residentes com estabelecimento estável devem proceder ao pagamento da derrama estadual nos termos seguintes:
a) Em três pagamentos adicionais por conta, de acordo com as regras estabelecidas na alínea a) do nº 1 do artigo 104º;
b) Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias entregues por conta nos termos do artigo 105º A;
c) Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias já pagas.
2. Há lugar a reembolso ao sujeito passivo, pela respectiva diferença, quando o valor da derrama estadual apurado na declaração for inferior ao valor dos pagamentos adicionais por conta.
3. São aplicáveis às regras de pagamento da derrama estadual não referidas no presente artigo as regras de pagamento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectiva com as necessárias adaptações”.
As disposições em causa, e face ao artigo 20º nº 1 da Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, entraram em vigor no dia imediatamente a seguir ao da sua publicação, em seja em 01 de Julho de 2010, não prevendo o normativo qualquer disposição relativa à vigência temporal das medidas em causa, sendo que o artigo 87º A) do CIRC se mantém em vigor com as alterações que lhe foram introduzidas pelas leis dos orçamentos de 2012 e 2013, respectivamente Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro e Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro e mais recentemente pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro.
Embora não seja alvo nos presentes autos a análise da natureza jurídica da derrama estadual, ainda assim e mesmo que sinopticamente, as seguintes observações: consideramos que perante a tipologia de impostos que usualmente é acolhida pela nossa doutrina, dúvidas parecem não se suscitaram quanto ao acolhimento das derramas (estadual e municipal) como impostos de carácter geral, ordinários e directos, reais e alegadamente com carácter periódico, isto no que concerne à derrama estadual, (a ter em conta a justificação que esteve subjacente à sua criação conforme supra referido).
Já quanto à dicotomia (principal/acessório) ou tricotomia (principal/acessório/dependente) se a questão assumia algum relevo relativamente à derrama municipal no seu regime anterior à Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro, que até aí, parecia convergir quanto ao seu carácter acessório relativamente ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, deixou a mesma a partir de então de assumir tal natureza de acessoriedade uma vez que deixou claramente de atender, quer à matéria colectável, quer à própria colecta de IRC enquanto pressupostos da sua aplicabilidade.
A doutrina parece convergir no sentido de estarmos perante um “adicionamento” ao IRC, pelo facto de, entre outros, ter passado a ser calculada a partir do lucro tributável, e já não a partir da colecta.
As derramas, raciocínio que se aplica indistintamente quer para as municipais quer para a derrama estadual que nos ocupa, têm agora no que respeita à sua relação com o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas uma relação absolutamente restrita, unicamente para efeitos do seu cálculo por razões de simplicidade e operacionalidade.
Se no que concerne à derrama municipal, após a redacção de 2007, à Lei das Finanças Locais se poderá afirmar que a partir daí assumiu um carácter autónomo relativamente ao IRC apenas se socorrendo das regras deste para efeitos de apuramento do lucro tributável somos da opinião, que o mesmo se afigura relativamente à derrama estadual introduzida pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho.
Por outro lado, e atenta a redacção ao tempo do normativo em causa (artigo 87- A do CIRC), outro critério se não alcança que não seja, a sua incidência sobre o lucro tributável na parte excedente e dois milhões de euros e não isento de IRC.
No apuramento do lucro tributável para efeitos de incidência sobre o mesmo da “taxa adicional de 2,5%” não se vislumbra qualquer critério específico ou particularizado quanto à sua determinação.
Já quanto à incidência subjectiva da derrama o normativo em causa determina que a mesma se aplica aos “sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português” como é definida pelo nº 1 do artigo 2º do CIRC.
A redacção (ao tempo) do artigo 87º A) do CIRC, parece não levantar dúvidas quanto ao que acaba de ser dito: “sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5%”.
Valendo pois por dizer, que a base de incidência objectiva da derrama é o lucro tributável apurado pelos sujeitos passivos sujeitos e não isentos de IRC, sem qualquer segregação ou destrinça, quanto à circunscrição territorial das suas instalações, ao contrário do que efectivamente se verifica no Anexo C da Declaração Modelo 22 IRC onde se determina um valor de lucro tributável imputável a cada uma delas.
Tal declaração tem em vista as operações de apuramento das receitas atribuídas às Regiões Autónomas, com vista à aplicação das taxas regionais à matéria colectável imputável às mesmas, é determinada com base na proporção entre o volume anual total de negócios de determinado exercício fiscal, correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual de negócios do mesmo período.
Inexistindo qualquer relação com a incidência objectiva da derrama estadual, que efectivamente, face à redacção então conferida ao artigo 87º - A do CIRC toma por base a globalidade do lucro tributável do sujeito passivo à mesma sujeito sem destrinça ou exclusão em função da “localização” do lucro tributável.
Deste modo, e sem necessidade de quaisquer outros considerandos entende-se ser de manter a liquidação em causa, relativa à derrama estadual que incidiu sobre o lucro tributável global da Requerente, com referência ao ano de 2011, apurado nas condições previstas no artigo 87º - A) do CIRC na redacção ao tempo conferida pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho.
D. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a. julgar improcedente a arguida excepção de ineptidão da petição inicial formulada pela Requerida,
b. julgar improcedentes os pedidos formulados pela Requerente, quando à ilegalidade da autoliquidação com referência ao ano de 2011, mantendo o acto tributário impugnado, e consequentemente improcedente o pedido formulado relativo o juros indemnizatórios.
c. condenar a Requerente nas custas do processo.
E. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º A) nº 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 9.600,72 €.
F. CUSTAS
A cargo da requerente, nos termos dos artigos 2º e 4º do Regulamento da Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT.
NOTIFIQUE-SE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
Lisboa, trinta de Janeiro de dois mil e quinze
O árbitro
(José Coutinho Pires)
[1] Alteração da ordem dos pedidos em resultado da resposta da Requerente à excepção de ineptidão da petição inicial suscitada pela Requerida.
[2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 246.
[3] Na redacção dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho
[4] Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra Editora, 2007, páginas 99 e seguintes.
[5] Entretanto revogada pela Lei Orgânica nº 2/2013, de 2 de Setembro.
[6] Obra e autor citados, página 106.