Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 607/2014-T
Data da decisão: 2015-01-23  IRS  
Valor do pedido: € 232.517,19
Tema: Juros compensatórios; alienação de partes de capital; preços de transferência
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 607/2014-T

Tema: IRS; juros compensatórios

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Sérgio de Matos e Dr. Paulo Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 09-10-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, S.G.P.S., S.A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …, que apresentou das liquidações de retenção na fonte de IRS n.ºs 2013 … de 9.977,61€, 2013 … de 81.740,86€, 2013 … de 59.606,60€ e 2013 … de 50.606,60 e liquidações de juros compensatórios n.ºs 2013 …, 2013 …, 2013 … e 2013 …, respectivamente com os valores de 2.014,11€, 11.007,67€, 5.474,00€ e 3.089,74€, no montante total de 232.517,19€, correspondente aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 05-08-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-08-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 24-09-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 09-10-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 11-12-2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

 

 

a)     A R. foi constituída, sob a denominação “B…- …, Lda.com um capital social de € 222.000,00, distribuído da seguinte forma:

ooxWord://word/media/image1.png

 

       
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

b)     Em 31-07-2008, foram celebrados contratos de compra e venda de acções entre os accionistas da C… (alienante) e a Requerente (adquirente) dos quais se destacam os seguintes elementos:

 

 
  ooxWord://word/media/image2.png

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

c)     Nos contratos celebrados com D e E, ficou acordado que o preço seria pago “anualmente em uma ou mais tranches ”com o valor mínimo anual de 175.000,00€ e 115.000,00;

d)     Nos restantes contratos, o preço foi pago à data da venda;

e)     O valor unitário médio de € 22,50 por acção foi determinado tendo em conta o relatório de avaliação da C… - …, S.A. efectuado pelo BANIF - INVESTMENT BANKING/ BANIF - BANCO DE INVESTIMENTO, SA, datado de Agosto de 2007, cuja cópia consta do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido, em que se entendeu que o valor daquela empresa seria entre 4,3 e 6,3 milhões de euros e o valor do património da sociedade se encontrava entre € 4.900.000,00 e € 6.800.000,00; 

f)      Em 2010, a R. foi transformada em sociedade anónima, adoptou a denominação “A…-SGPS, S.A.” mantendo o mesmo capital social, representado por 222.000 acções nominativas com o valor nominal de 1,00€ cada, e a correspondente participação no mesmo:

ooxWord://word/media/image3.png

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

g)     A sociedade C…-…, S.A, foi constituída em 11-06-1990, inicialmente sob a forma de sociedade por quotas e sob a designação “F…–…, Lda”;

h)     Em 02-02-2006, a F… –…, Lda passou a sociedade anónima, com a denominação C…–…, S.A, , com um capital social de 222.000,00€ (222.000 acções nominativas com o valor de 1,00€ cada) distribuído pelos seguintes accionistas:

ooxWord://word/media/image4.png

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

i)      Em 13-08-2009 a C… – … aumentou o capital social de 222.000,00€ para 300.000,00€, distribuído da seguinte forma:

 

 

 

ooxWord://word/media/image5.png

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

j)      Com o aumento do capital social deram entrada três novos accionistas, um dos quais G;

k)     Em 31-07-2008, a maioria dos accionistas da C…- … alienou parte/totalidade das acções à R., num total de 251.370 acções, conforme se descreve:

ooxWord://word/media/image6.png

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

l)      D e H, casados entre si, são accionistas da R. e da C… – …;

m)   I e E, casados entre si, são accionistas da R. e da C… – ….

n)     Os montantes pagos aos accionistas alienantes, constam da contabilidade da R. nas diversas subcontas “261110x – Fornecedores de imobilizado – Conta corrente – mercado nacional” (anos 2008 e 2009) e “2711110x – Outras contas a receber e a pagar – Fornecedores de investimento conta corrente – mercado nacional” (anos 2010 e 2011);

o)     À data da alienação de parte do capital social da C… – …, a participação do capital nas empresas intervenientes na operação era a seguinte:

 

ooxWord://word/media/image7.png

 

 

 

 

 

 

p)     Em 13-08-2009, G adquiriu 28.716 acções no capital social da C… - …, S.A., representativas de 9,57% do capital social, através de uma operação de aumento de capital, realizado a valor nominal (acta n.º 8, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

q)     A entrada de G no capital social da C…- …, S.A. deveu-se ao seu prestígio, competência internacional e rede de contactos e credibilidade internacionais, no momento em que a sociedade se preparava para investir num novo segmento/oportunidade de negócio: os pagamentos electrónicos através de canais electrónicos fixos e móveis (depoimentos de D e da testemunha G);

r)      A entrada de G no capital social da Requerente representava a 'aquisição' de uma mais-valia imprescindível para o novo negócio que se projectava desenvolver na empresa J…, S.A., criada pela Requerente, face à sua reconhecida competência técnica nessa nova área complementar de negócios móveis (depoimentos de D e da testemunha G);

s)     O projecto de investimento no referido negócio dos pagamentos electrónicos não se concretizou, em virtude de a regulamentação respectiva, que foi conhecida depois dessa entrada, não o permitir para todas as empresas, mas apenas para instituições de crédito e de pagamento, categoria em que não se enquadrava a J…, S.A. (depoimentos de D e da testemunha G);

t)      Em resultado desta alteração de circunstâncias, deixou de se justificar a presença de G na estrutura accionista da C… - …, S.A., pois a mais-valia que os seus conhecimentos representavam deixou de ter a relevância económica que se projectava, face à perda da oportunidade de negócio, e aquele optou por não voltar definitivamente para Portugal e retomar a sua actividade em Londres (depoimentos de D e da testemunha G);

u)     Em 28-12-2009, a Requerente celebrou com G um contrato de compra e venda de acções da sociedade C…-…, S.A, ao qual adquiriu 28.716 acções representativas de 9,57% do capital social, pelo respectivo valor nominal de 1,00€;

v)     Este preço de € 1,00 por acção foi acordado como forma de facilitar a saída deste sócio, que apenas deteve as respectivas acções pelo período de cerca de cinco meses, até serem definitivamente goradas as expectativas da sua intervenção no novo sector de mercado da J…, sendo fixado esse preço por ser o mesmo pelo qual entrara no capital da C…-…, S.A (depoimentos de D e da testemunha G);

w)   Dá-se como reproduzido e provado o conteúdo das declarações IES - Informação Empresarial Simplificada relativas aos anos de 2007 a 2011 e o seguinte quadro comparativo de resultados líquidos, que constam da parte 4 do processo administrativo:

ooxWord://word/media/image8.png

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x)     A operação de compra de participações sociais à C… foi objecto de inspecção, cujo relatório concluiu no sentido de se proceder às correcções que originaram as liquidações a que respeitam estes autos;

y)     Na sequência das correcções, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as seguintes liquidações de IRS e juros compensatórios, relativas a retenção na fonte, todas com termo de prazo de pagamento voluntário em 15-07-2013:

–      de IRS n.º 2013 … de 9.977,61€, e de juros compensatórios  nºs 2013 … de € 2.014,11, relativas ao ano de 2008;

–      de IRS n.º 2013 … de € 81.740,86, e de juros compensatórios n.ºs 2013 … e 2013 …, nos montantes de € 1.743,74 e € 9.263,93, respectivamente, relativas ao ano de 2009;

–      de IRS n.º 2013 … de € 59.606,60 e de juros compensatórios n.º 2013 … de € 5.474,00, relativas ao ano de 2010;

–      de IRS n.º 2013 … de € 59.606,60 e de juros compensatórios, n.º 2013 …, de €  3.089,74, relativas ao ano de 2011;

z)     A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas, que teve o n.º …;

aa)  A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 30-04-2014, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que manifestou concordância com uma informação de que consta, além do mais o seguinte:

«As liquidações de retenções na fonte de IRS e dos respetivos juros compensatórios colocadas em causa, foram originadas pelo decorrer de procedimento de inspeção, cujo objetivo, foi analisar os efeitos fiscais decorrentes da aquisição de partes de capital pela empresa a entidades relacionadas em âmbito parcial dirigida à análise do IRC. Segundo o Relatório de Inspeção (fl.301 vs.) dos autos, através do documento n° 120.007 de 2008.12.31 do diário de operações diversas, foi registado pelo sujeito passivo a aquisição de partes de capital da sociedade C…-…, SA (fl.321).

No mesmo relatório se afirma que a operação que releva para aplicação das regras dos preços de transferência respeita à aquisição de partes de capital da empresa C…-…, SA pela A…-SGPS, SA a sujeitos passivos de IRS, operação esta efetuada entre entidades com relações especiais (fl.305).

De acordo com o atual art° 63° do CIRC considera-se existirem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamnente uma influência significativa nas decisões de gestão da outra.

Deste modo para que os sujeitos passivos possam aplicar o principio da plena concorrência, no n° 2 do art° 63° do CIRC é referido que para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, os sujeitos passivos devem adotar o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efetuam e outras substancialmente idênticas, em situações de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco. Para o efeito são enunciados no n° 3 do art° 63" do CIRC quais os métodos a utilizar - método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado e dentre outros.

Verifica-se que em 31.07.2008, foram alienadas 215.370 ações da empresa C…, à empresa A… pelos acionistas D e esposa, H, E e esposa, I, por um montante global de € 4.845.825.00 a que corresponde um preço médio de venda de € 22,50 por ação. Os acionistas que procederam à alienação das partes de capital, são comuns em ambas as sociedades e detém a mesma participação de capital superiora 10% a saber: D e H com 58,21%, E e I com 38,81%. (fl. 307).

Conforme já foi exposto, o n.º 2 do atual art° 63° do CIRC determina o método a adotar que permita o ajustamento dos preços de transferência ao principio da plena concorrência previstos no n° 3 do art° 63°, tendo sido no caso em apreço aplicado o método do preço comparável do mercado tendo por base o contrato de compra e venda de ações outorgado em 28.12.2009 entre a A… e G, sócio este que entrou para a sociedade aquando da operação de aumento de capital realizada em 13/08/2009 (fls.308 fls/vs.e 316).

Este contrato refere-se a 28.716 ações representativas de 9,57% do capital social da C…-…, SA com um valor nominal de € 1,00 cada.

Analisado, à luz do n° 4 do art° 63° do CIRC, a relação existente entre a C…-…, SA, a A… SGPS, SA e o Sr. G verifica-se que não existem relações especiais entre este e aquelas sociedades.

Em relação ao BANIF Investment Bank (BIB) foi contatado pelos acionistas da C… - … SA na qualidade de assessor financeiro para avaliar o valor da empresa face a vários cenários, incluindo a seleção de um parceiro estratégico (fl.309).

Com base na informação da avaliação os contratos que suportam a aquisição, os titulares de capital alienaram as participações pelo valor global de € 4.845.825,00 (fls. 302 frt/vs e 314 vs.).

Como já foi exposto, a alienação de partes de capital da empresa C…-…, SA pelos seus acionistas à empresa A…, SA, por ter sido efetuada entre entidades com relações especiais, encontra-se sujeita ao regime de preços de transferência.

No exercício de 2008, concretamente a 31.12.2008, foram alienadas 215.370 ações da empresa C… -…, SA à empresa A… pelos acionistas D e esposa, H, E e esposa, I, pelo montante de € 4.845.825,00 a que corresponde um preço médio de venda de € 22,50 por ação. No caso concreto, comparando o valor médio unitário de venda que serviu de base â operação ocorrida em 31.12.2008 (€ 22,50) e à operação de 28.12.2009 (€ 1,00), verifica-se que a política de preço adotada não foi a mesma, criando uma divergência no valor de alienação de € 21,50 por ação, verificando-se uma diferença temporal entre ambas de cerca de um ano (fl.315).

Comparando as duas operações de compra e venda de ações da C…, SA, verifica-se que o preço estabelecido com o acionista G foi bastante diferente e inferior ao acordado para os restantes acionistas, denotando uma divergência dos preços acordados nas aquisições/alienações de ações da C…, SA pelas entidades intervenientes de € 22,50 para € 1,00.

Assim sendo, considerando que o valor normal de aquisição das partes de capital da C…-…, SA é aquele que foi adotado para a entidade independente, Sr. G (€ 1,00) por ação, o valor remanescente de € 21,50 por ação por se tratar de um crédito a favor do acionista na sociedade adquirente A…, SGPS.SA será considerado um adiantamento por conta de lucros sujeito a retenção na fonte.

Conforme estabelece o n° 4 do_ art° 6° do CIRS os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros, art. 5°, n.º 2 al. h), sendo considerados rendimentos de capitais sujeitos a retenção na fonte nos termos do art° 7°, n° 3 al.a), n° 2.

Assim sendo a A…, SA, na qualidade de entidade devedora dos rendimentos, encontra-se por força deste preceito legal, obrigada a efetuar a retenção na fonte à taxa liberatória em vigor ao tempo da ocorrência dos factos, tendo a Inspeção Tributária efetuado essas correções no montante global de € 232.517,19.

Atendendo às alegações efetuadas pela reclamante, o certo é que existiram duas operações substancialmente nos mesmos termos, exceto na quantificação do valor da venda por ação, existindo um diferencial de € 21,50 por ação alienada pelo que, por tudo o que acima foi exposto, se considera correta a análise efetuada pela Inspeção Tributária não sendo de atender à pretensão da reclamante.»

bb) A Requerente pagou:

–      em 12-07-2013,  as quantias liquidadas nas liquidações referentes ao ano de 2008; 

–      em 12-07-2013, as quantias liquidadas nas liquidações referentes ao ano de 2009;

–      em 14-07-2013, as quantias liquidadas nas liquidações referentes ao ano de 2010;

–      em 15-07-2013, as quantias liquidadas nas liquidações referentes ao ano de 2011; (documento n.º 14 junto com a reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido);

cc)  Em 04-08-2014, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.2. Factos não provados

Não se provou que o valor normal para aquisição de acções da C…-…, SA entre entidades independentes fosse o de € 1,00 por acção, que foi adoptado para aquisição das acções a G.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto   

A fixação da matéria de facto baseia-se no Relatório da Inspecção Tributária, nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com a reclamação graciosa, cujos teores se dão como reproduzidos e nos depoimentos de D e G, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que depuseram.

Para além disso, a credibilidade da explicação para o preço de aquisição de que este último beneficiou é reforçada pelos documentos juntos à reclamação graciosa sobre o sistema de payware e sua implementação e pelo curriculum vitae que constitui o documento n.º 12 junto com a mesma reclamação graciosa, cujos teores se dão como reproduzidos.

 

3. Matéria de direito   

As liquidações de retenção na fonte de IRS e juros compensatórios têm como pressuposto essencial que «o valor normal de aquisição das partes de capital da C… – …, SA é aquele que foi adoptado para a entidade independente, Sr. G (€ 1,00) por acção». 

Com base nesse pressuposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que o valor de aquisição pela Requerente de acções da empresa C…- …, S.A., alienadas em 2008, ao preço de € 22,5 por acção, por accionistas que detinham igualmente participação social na Requerente, era superior em € 21,5 por acção ao preço que seria normalmente acordado entre pessoas independentes, pelo que efectuou a correspondente correcção, ao abrigo do artigo 63.º, n.º 1, do CIRC (anterior artigo 58.º, n.º 1), considerando que a diferença constituíam créditos a favor dos accionistas da Requerente que deviam ser considerados adiantamento por conta dos lucros, nos termos do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS.

A prova produzida, especialmente a avaliação efectuada pelo BANIF, não deixa qualquer dúvida sobre a conclusão de que o valor de € 1,00 por acção era muito inferior ao valor real das acções e que foi um preço especial destinado a obter o ingresso do G, que era altamente qualificado em pagamentos electrónicos. O abandono do projecto, passados poucos meses levou a sua saída do capital da empresa, pelo mesmo valor. 

Os n.ºs 1 a 4 do artigo 63.º do CIRC (anterior artigo 58.º) estabelecem o seguinte:

 

          – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

          – O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco. 3 – Os métodos utilizados devem ser:

a)     O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b)     O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 – Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a)     Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto;

b)     Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto;

c)     Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d)     Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

e)     Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f)      Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;

g)     Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:

1)     O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de knowhow detidos pela outra;

2)     O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;

3)     Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;

4)     O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra;

5)     Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional.

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

             

Como se vê, o preço a considerar, nos casos de transmissões entre pessoas com relações especiais (definidas no n.º 4), é o que normalmente seria contratado, aceite e praticado entre entidades independentes em operações comparáveis (n.º 1) e é necessário assegurar o maior grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que o sujeito passivo efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as «características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas» (n.º 2).

Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446C/2011, de 21 de Dezembro, «duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas».

Isto é, para a aquisição de acções pelo G ser utilizada como comparável seria necessário que não existisse a especial apetência da C… – …, S.A. em obter a sua colaboração, que, no caso, manifestamente levou a que fosse praticado naquela operação um preço que, à face da prova produzida (inclusivamente a avaliação efectuada e o valor do capital próprio e passivo daquela empresa que consta da IES relativa a 2008), será mais de 20 vezes inferior ao valor real das acções no momento da aquisição.

Tanto basta para concluir, com segurança e evidência, que a correcção efectuada não tem qualquer correspondência com a realidade e que a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira violou as referidas do artigo 63.º do CIRC e da Portaria n.º 1446-C/2001.

Sendo a correcção efectuada ilegal, as liquidações que a tiveram como pressuposto enfermam do mesmo erro sobre os pressupostos de facto e de direito que afectam aquela correcção, o que justifica a sua anulação, bem como a da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que as manteve.

Fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos actos impugnados.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios 

 

A Requerente pagou as quantias liquidadas, como se considerou provado na alínea bb) da matéria de facto fixada.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido das quantias referidas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade dos actos de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios serão pagos relativamente a cada uma das liquidações desde a data em que a Requerente efectuou o respectivo pagamento até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 5. Decisão 

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)Julgar procedentes os pedidos anulação das seguintes liquidações que, assim, são anuladas:

–      de IRS n.º 2013 … de 9.977,61€, e de juros compensatórios  nºs 2013 … de € 2.014,11, relativas ao ano de 2008;

–      de IRS n.º 2013 … de € 81.740,86, e de juros compensatórios n.ºs 2013 … e 2013 …, nos montantes de € 1.743,74 e € 9.263,93, respectivamente, relativas ao ano de 2009;

–      de IRS n.º 2013 … de € 59.606,60 e de juros compensatórios n.º 2013 … de € 5.474,00, relativas ao ano de 2010;

–      de IRS n.º 2013 … de € 59.606,60 e de juros compensatórios, n.º 2013 …, de €  3.089,74, relativas ao ano de 2011;

 

b)     Julgar procedente o pedido de anulação do despacho de 30-04-2014, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa que inferiu a reclamação graciosa n.º …, despacho esse que, assim, é anulado;

c)Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar as quantias liquidadas e pagas;

d)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre cada uma das quantias pagas referidas na alínea bb) da matéria de facto fixada, desde a data do respectivo pagamento até à data do reembolso, à taxa legal supletiva.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 232.517,19.

 

7. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 23 de Janeiro de 2015

 

 Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa) 

 

(Sérgio de Matos)

 

(Paulo Ferreira Alves)