Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 573/2014-T
Data da decisão: 2015-03-27  Selo  
Valor do pedido: € 13.327,83
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical
Versão em PDF

CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa

Arbitragem Tributária

Proc. nº 573/2014 –T

DECISÃO ARBITRAL

Requerente: A...; B...; C..., D...; E...; F...; G...; H...; I...; J...; K...; L...; (doravante “Requerentes”)

Requerido: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e “Requerida”)

 

1. Relatório

A..., NIF …, residente na Rua …; B..., NIF …, residente na Av. …; C..., NIF …, residente na Av. …; D..., NIF …, residente na Rua …; E..., NIF …, residente na Rua …; F..., NIF …, residente na Av. …; G..., NIF …, residente na Rua …; H..., NIF …, residente na Av. …; I..., NIF …, residente na Rua …; J..., NIF …, Residente na Tv. …; K..., NIF …, residente na Rua…; L..., residente na Rua …, doravante designados por Requerentes, submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no valor global de € 13.327,83, conforme infra identificadas:

- 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014... e 2014...

 

Os Requerentes fundamentam a ilegalidade do ato tributário, assente nos seguintes vícios:

a) Errada interpretação da AT relativamente à Verba 28.1. da Tabela Geral do imposto de Selo (TGIS), na medida em que a maior parte das divisões do artigo predial urbano, além de autónomos, têm afectação de comércio e não de habitação, pelo que existe violação relativamente à versada norma de incidência; mais sustenta que existindo divisões autónomas, embora não constituídas em fracções autónomas, as mesmas não ascenderiam em termos de VPT individualizado, a um milhão de euros;

b) Interpretação inconstitucional do disposto da verba 28.1. da TGIS por violação do n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

Peticionando, a final, no sentido da anulação dos actos tributários supra identificado, reembolso do Imposto de Selo pago referente às liquidações/notas de cobrança objecto dos presentes autos, acrescido de juros indemnizatórios e bem assim na condenação da AT à prática de conduta omissiva no sentido de não emissão de novos actos tributários com referência à Verba 28.1. da TGIS do Código do Imposto de Selo, no que se refere ao artigo predial em apreço.

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, defendeu inexistir qualquer ilegalidade assacável aos actos tributários objecto da presente pronúncia arbitral, porquanto mesmo a existirem áreas de utilização independente referentes a um mesmo artigo predial, aquelas áreas não constituem prédio urbano na acepção do n.º 4 do artigo 2º do CIMI, logo não podendo deixar de se somar os valores patrimoniais tributários (VPT’s) de todas essas áreas ou andares de utilização independente, bem como pugnou inexistir qualquer violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, visto não se estar perante discriminações arbitrárias ou injustificadas, concluindo pela improcedência do pedido de anulação formulado pela Requerente e consequente absolvição da Requerida do pedido.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 01.10.2014.

Foi realizada primeira reunião arbitral para justa composição da tramitação processual, tendo sido decidida a inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes no dia 19 de Março de 2015, seguida de alegações orais; inquirição e alegações essas que vieram a ter lugar na data aprazada.

2. Saneamento

A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral e a coligação de autores, designados requerentes, em que estão em causa actos de liquidação de um mesmo imposto (do Selo), estão assentes na mesma base factual – natureza do artigo predial urbano designado sob o n.º... da Freguesia de ... - aplicando as mesmas regras de direito – eventual sujeição à Verba 28.1. da TGIS – pelo que se encontra plenamente conforme o princípio da economia processual consagrado no artigo 3º do RJAT.

O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O pedido foi apresentado tempestivamente, o processo não padece de qualquer nulidade, nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

  3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental e testemunhal produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.     Os ora Requerentes são comproprietários do artigo predial urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., cabendo a cada um deles a seguinte quota-parte:

-A...:   35/384

-B...: 36/384

-C...: 19/384

-D…: 51/384

-E…: 27/384

-F...: 33/384

-G...: 16/384

-H...: 51/384

-I...: 32/384

-J...: 9/384

-K...: 24/384

-L…: 51/384

 

2.     O identificado artigo predial urbano encontra-se inscrito na matriz predial urbana enquanto prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente;

3.     O artigo urbano em causa é composto por rés-do-chão, 1º, 2º, 3º, 4º e 5º andares, destinado a comércio e habitação;

4.     O artigo predial é composto por 6 pisos e 100 divisões, localizando-se na Rua …, Rua …, Rua … e Rua …;

5.     O artigo predial urbano encontra-se inscrito na matriz predial urbana com um Valor Patrimonial Tributário de € 1.242.560,00 e tem uma área de implantação do edifício 483 m2 e área bruta privativa de 2.808 m2;

6.     Do 1º ao 5º piso, o edifício encontra-se dividido em andares - lado esquerdo e direito - dispondo cada um deles entradas autónomas;

7.     No 2º andar esquerdo e 4º andar esquerdo e direito da Rua …, encontra-se instalado um hostel, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina M…, Lda;

8.     No 3º andar direito e esquerdo da Rua …, encontra-se instalado, por via de contrato de arrendamento, uma unidade de cuidados de saúde, por via de contrato de arrendamento em que é inquilina a N…;

9.     No 2º andar direito da Rua …, encontra-se instalado uma empresa de despachantes oficiais, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina a sociedade O…, Lda;

10.  No 5º andar esquerdo da Rua …, encontra-se afecto à habitação, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina P…;

11.  No 5º andar direito da Rua…, encontra-se instalada uma editora, por via de contrato de arrendamento, onde é inquilina a sociedade Q…, Lda;

12.  No rés-do-chão da Rua … encontra-se instalado um pronto-a-vestir, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina a sociedade R…, Lda;

13.  No rés-do-chão da Rua … encontra-se instalado um comércio de artigos turísticos, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina S…;

14.  No rés-do-chão da Rua …, encontra-se instalado um serviço de restauração, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina a sociedade T…, Lda;

15.  No 107/109 da Rua …, encontra-se instalado um pronto-a-vestir, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina a sociedade U…, Lda;

16.  No S/L, rés-do-chão e 1º andar da Rua de …, encontra-se instalado uma loja de decoração, por via de contrato de arrendamento, em que é inquilina a sociedade X…, S.A;

17.  Os Requerentes procederam ao pagamento das liquidações objecto do presente pleito, em conformidade com o que se evidencia infra:

-liquidação n.º 2014 ... – paga em 22.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 30.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 12.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 30.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 20.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 30.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 30.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 22.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 24.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 17.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 11.04.204;

-liquidação n.º 2014 ... - paga em 16.04.2014;

 

18.  Em 29.07.2014 os Requerentes apresentaram, via plataforma informática, o pedido de constituição de tribunal arbitral;  

19.  Os Requerentes procederam em 23.03.2015 ao pagamento da taxa de justiça subsequente;

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção deste tribunal arbitral fundou-se na prova documental junta aos autos, na prova testemunhal produzida, cujos depoimentos se afiguraram credíveis e espontâneos, bem como assim no posicionamento das partes quanto à matéria de facto trazida para estes autos pelos Requerentes (vide a este propósito o expendido no articulado 69º da resposta da AT).

 

4. Matéria de direito:

4.1.Objeto e âmbito do presente processo

O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo de 2013, no valor total de € 13.327,83, os quais se desdobram nos documentos de cobrança supra identificados, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2013, bem como a apreciação da aventada violação de princípio da igualdade consignado na Constituição da República Portuguesa

Adicionalmente, os Requerentes peticionam o reembolso do imposto pago por alegadamente indevido e o pagamento de juros indemnizatórios, bem como a condenação da Requerida AT a não emitir futuramente mais liquidações de Imposto de Selo relativamente ao prédio em causa.

 

4.2. Da alegada ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo, verba 28.1. da TGIS, por errada interpretação da AT relativamente à sujeição do prédio à Verba 28.1. da TGIS

Em síntese, está em causa perscrutar se a interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira de sujeitar o artigo predial urbano sob o n.º... da freguesia de ... a tributação a coberto da Verba 28.1. da TGIS é ou não legal, sendo que e em concreto, para tal desiderato imprescindível se torna aferir se a realidade imobiliária em causa se subsume ou não no âmbito da norma de incidência e tal passará, desde logo, por perceber se se encontra verificado o pressuposto da afectação habitacional do prédio e, em caso afirmativo, qual o VPT considerado relevante para efeitos de sujeição a Imposto de Selo relativamente à afectação habitacional.

A este respeito importa levar em consideração que o acto tributário em causa ocorreu na vigência da redacção conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, pelo que a actual redacção que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) não é aqui aplicável, uma vez que só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014.

E é sem perder de vista o entorno legislativo desta inovação ao nível da tributação em sede de Imposto de Selo que também deverá ser apreciada a questão relativa à valoração da amplitude da norma de incidência constante do artigo 28.1. da TGIS.

Vejamos assim e antes de mais, o enquadramento legal da liquidação de Imposto de Selo em apreço:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28.1. à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);”

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

O normativo de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito-base de prédio radica do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT ao teor do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Sendo que, nos termos daquele versado preceito legal:

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” (grifados nossos)

Sendo que o artigo 6º do CIMI esclarece que:

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a)     Habitacionais;

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”( grifados nossos )

O conceito do legislador relativamente a prédios e à subsequente divisão em urbanos é, para efeitos fiscais, indubitavelmente um critério assente no valor económico e autonomia funcional em razão da finalidade.

Ou seja, está-se perante um conceito de raiz material ou substantivo e não perante um conceito de recorte jurídico-formalístico, como parece pretender a Requerida AT.

Ora, no caso dos autos a Requerida AT não coloca sequer em crise que, em termos substantivos, o prédio em questão se encontre afecto a uma multiplicidade de finalidades (comércio, serviços e habitação), nem tão pouco que esse mesmo prédio se subdivida em áreas, andares ou divisões que na sua materialidade permitem a utilização independente (por arrendatários, por exemplo) desses mesmos andares ou áreas, dada a existência de entradas autónomas para cada uma delas.

O que, refira-se, não deixa de ser curioso, face ao facto de a caderneta predial descrever o prédio como não dividido em andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não obstante a própria caderneta predial referir que estamos na presença de 100 divisões.

Conforme ficou provado e no seguimento do quanto supra se assentou, tal susceptibilidade de utilização independente de andares e divisões não só existe, como é materialmente consumada através do arrendamento para diversas finalidades e por distintas pessoas e entidades, o que comprova a utilização independente que é dada aos diferentes andares que compõem o edifício em apreço.

Defende, no entanto, a Requerida e com relevante pertinência, que o facto de uma parte do artigo predial poder estar actualmente (à data do facto tributário gerador das liquidações sub judice) afecto a serviços e comércio, não significa que não possam essas mesmas áreas ser susceptíveis de ser afectadas e utilizadas em termos substantivos para fins habitacionais.

Embora se possa reconhecer o potencial argumentativo de tal linha de raciocínio, certo é que in casu se afigura existir, a montante, uma questão que carece de ser dirimida e tal questão passa por fixar que parte do artigo predial urbano é considerado, desde logo pela AT, via matriz a que se reporta a caderneta predial do prédio, como afecta a habitação e qual a parte que se destina a comércio.

Nos termos no n.º 1 do artigo 12º do CIMI: “ As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.”

Sendo que, o n.º 1 do artigo 91º do versado compêndio legal, refere que:

“1 - As matrizes urbanas devem especificar:

 a) O nome, identificação fiscal e residência dos proprietários, usufrutuários ou superficiários;

b) A localização e nome do prédio, quando o tenha, confrontações ou número de polícia, quando exista;

c) Descrição do prédio ou indicação da sua tipologia, quando esta exista;

d) Os elementos considerados para o cálculo do valor patrimonial tributário do prédio;

e) O valor patrimonial tributário.”

Resulta assim insofismável que na matriz predial urbana cuja informação consta da caderneta predial (nos termos do artigo 93º do Código do IMI) deverão estar expressos os elementos necessários para, nos termos legais, proceder à fixação do Valor Patrimonial Tributário do prédio, cfr. alínea d).

Ora, no caso dos vertentes autos, a caderneta predial é clara ao referir que o artigo predial em causa tem afectação habitacional e de comércio, sendo que em momento algum dá a conhecer que parte ou partes do prédio se devem considerar afectas a uma ou outra finalidade.

Tendo em consideração este facto objectivo, importa revisitar a norma legal que no entender da AT legitima a sujeição subjectiva da já identificada realidade imobiliária a Imposto de Selo.

 

A verba 28.1. da TGIS refere que deverão ser objecto de tributação nesta sede, os prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

O que o mesmo equivale por afirmar, a contrario, que todos os prédios urbanos com afectação prevista no quadro do artigo 41º do CIMI - à excepção da habitacional, evidentemente - não se encontram no âmbito de sujeição da norma de incidência tributária em apreço.

Não se afigurando dubitativo, ante o teor da norma de incidência em análise e o princípio interpretativo que deve guiar o intérprete e constante do disposto no artigo 9º do Código Civil, que a realidade objecto de tributação se circunscreve à realidade predial urbana habitacional e não à tributação cumulada desta e de qualquer outra afectação expressamente tipificada pelo legislador no artigo 41º do CIMI, de como o comércio e serviços são exemplo.

A sujeição do prédio em apreço à Verba 28.1. da TGIS equivaleria a que se tributassem afectações diversas relativamente àquelas que expressamente o legislador pretendeu tributar e que são os prédios urbanos com afectação de habitação e os terrenos para construção, ambos desde que com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

E esse resultado – tributação de prédios com afectação diferente das constantes da Verba 28.1. da TGIS – é justamente o que o legislador pretendeu manter fora do âmbito de incidência da norma, mas aquele que se obtém através das liquidações ora arbitralmente sindicadas, na justa medida em que ao levar em consideração a totalidade do artigo predial urbano em presença e o seu VPT, se está inexorável e indistintamente a tributar afectações distintas da prevista na versada norma, com a agravante dessas mesmas áreas não habitacionais concorrerem na medida da sua proporção quantitativa (a qual em concreto se desconhece) para o VPT do prédio, sendo inclusivamente questionável se as áreas com afectação habitacional conseguiriam ou não, de per se, perfazer um VPT igual ou superior à bitola mínima legal fixada pelo legislador na Verba 28.1. da TGIS para efeitos de sujeição - €1.000.000,00.

Está-se assim perante um prédio com duas distintas afectações, tal como decorre da informação constante da matriz (conforme se colhe da caderneta predial), em que o sujeito activo da relação jurídico-tributária não efectua a determinação de que parte tem afectação habitacional ou de comércio.

Se a esta factualidade acrescermos os factos dados como provados que vão no inequívoco sentido de que, efectivamente, a maioria dos andares ou divisões, além de substantivamente susceptíveis de utilização independente (através de entradas autónomas), se encontram afectas a comércio e serviços, facto este que, de resto, a Requerida não contestou, não se afigura sustentável que a AT pretenda sobre uma realidade que ela própria reconhece ter duas afectações diferentes, como que ficcionar que tal afectação de comércio não existe e com base nesse logro, tributar um prédio urbano relativamente à área com afectação de comércio e serviços.

O que, como já supra expendemos, é exactamente um resultado contrário àquele que o legislador pretendeu ao redigir a norma legal em apreço.

Destarte, tal solução não encontra qualquer acolhimento na norma legal de incidência em análise, pelo que não se pode deixar de concluir, face à existência de duas diferentes afectações, indeterminação quanto à parte ou partes a que correspondem essas mesmas afectações para efeitos de quantificação da eventual base tributável sujeita à TGIS e tributação indiscriminada sobre as três afectações existentes, que se encontra violada in casu a norma de incidência tributário em apreciação - Verba 28.1. da TGIS do Código do Imposto de Selo.

Face ao exposto, não pode deixar de se fazer recair sobre os actos tributários objecto da presente pronúncia arbitral, um juízo de desconformidade legal destes relativamente à ordem jurídico-tributária, em face do quadro normativo vindo de enunciar, declarando ilegais as liquidações de Imposto de Selo em apreço.

Assim, não pode deixar de se determinar a anulação dos actos tributários objecto dos presentes dos autos.

A não verificação do pressuposto relativo à afectação do prédio, nos moldes supra evidenciados, prejudica o conhecimento das demais questões que se colocavam em matéria de ilegalidade das liquidações em causa.  

 

4.3. Questões prejudicadas: inconstitucionalidade por violação do princípio da igualde legalidade fiscal e da coerência fiscal – n.º 3 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa

Como o tribunal arbitral singular acolheu o entendimento da inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, fica prejudicada por processualmente inútil a apreciação dos restantes vícios aduzidos e de que possam enfermar as contestadas liquidações.

Fica assim prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade da norma introduzida no TGIS (verba 28/28.1) pela Lei nº 55-A/2012, de 28 de Outubro, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.

4.4. Do reembolso à Requerente do Imposto de Selo pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios :

Em face de tudo o quanto supra se expendeu e concluiu no ponto 4.2. juízo de  ilegalidade que recaiu sobre os actos tributários objecto da presente pronúncia arbitral, importa atentar no pedido também formulado pela Requerente no sentido de lhe serem pagos juros indemnizatórios.

Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Dispõe ainda o n.º 2 daquele artigo da LGT que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

 Ora, no caso concreto, fica inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, já que as liquidações subjudice se mostram enfermadas de ilegalidade, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.

 são, por isso, os Requerentes credores da AT do montante correspondente ao Imposto de Selo indevidamente pago, no montante de € 13.327,83, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.

4.5. Da condenação da Requerida AT à não emissão futura de notas de liquidação de Imposto de Selo relativamente ao prédio em questão – artigo ... da freguesia de ...:

Peticionam os Requerentes, a final, no sentido de através dos presentes autos ser a AT condenada a a não praticar mais qualquer acto futuro de liquidação de Imposto de Selo relativamente ao artigo ... da freguesia de ....

Entende este tribunal arbitral que tal pedido se insere na lógica de um pedido subordinado, isto é na dependência do resultado à apreciação que viesse a ser efectuada relativamente ao pedido de anulação dos actos tributários, sendo que, apenas em caso de declaração de ilegalidade desses mesmos actos tributários, a questão da peticionada condenação da Requerida se colocaria, como acaba por ser a situação vertente, em face do que supra se assentou no ponto 4.2. da presente decisão arbitral.

Assim, importa analisar agora tal pedido, tendo presente o enquadramento legal em que gravita e é disciplinada a arbitragem enquanto meio alternativo da resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.

O nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril [Orçamento do Estado para 2010], na versão introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro [Orçamento do Estado para 2013])  dispõe, sobre a epígrafe de Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável, o seguinte:

“ 1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

Tal como se colhe do teor do citado normativo, o presente tribunal arbitral apenas dispõe de competência para apreciar e decidir pretensões relativas à declaração da ilegalidade de actos de liquidação de tributos, autoliquidação, retenção na fonte, pagamentos por conta, bem como assim relativamente a actos de fixação da matéria tributável não geradores de liquidação e ainda de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Temos assim, que o âmbito da competência da arbitragem tributária compreende apenas uma parcela limitada de pretensões, quando comparamos as pretensões previstas na norma vinda de citar com o espectro de pretensões susceptíveis de serem apreciadas pelos tribunais tributários, por força do artigo 49º e 49º-A do ETAF, artigo 101º da LGT e artigo 97º do CPPT.

Sendo que, a parcela susceptível de ser apreciada nesta instância arbitral, como supra se denota, compreende somente pretensões destinadas à declaração de ilegalidade e eventual consequente determinação da anulação do acto tributário arbitralmente sindicado.

Constituindo o elenco do n.º 1 do artigo 2º do RJAT um elenco de natureza taxativa ou de cláusula fechada, está este tribunal arbitral singular impedido de sobre tal pedido de condenação se pronunciar, visto o mesmo não ter manifestamente enquadramento no âmbito das competências legalmente atribuídas por via da versada norma, fundamento pelo qual não pode este tribunal arbitral conhecer de tal pretensão condenatória.

 

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta decide este tribunal arbitral:

1.     Julgar procedente, por provado, o pedido de declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo, identificadas em 17. dos factos provados, referente aos prédio identificado pelo artigo matricial urbano constante em 1., por vício de violação de lei quanto à norma constante na verba 28.1. da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito e consequente reembolso pela Requerida aos Requerentes do imposto pago por estes relativamente aos actos tributários objecto destes autos;

2.     Julgar procedente, por provado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida aos Requerentes desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, em conformidade com o estatuído no artigo 43º da LGT e no artigo 61º do Código do Procedimento e do Processo Tributário;

3.     Não conhecer do pedido de condenação da Requerida à não emissão futuras notas de liquidação de Imposto de Selo e referentes ao artigo ... da freguesia de ..., dado tal pretensão extravasar o âmbito de competência deste tribunal arbitral singular;

 

Valor da causa€ 13.327,83 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedidoa cargo da Requerida - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.

Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa, 27 de Março de 2015.

 

O árbitro singular

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.