Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 563/2014-T
Data da decisão: 2015-03-31  Selo  
Valor do pedido: € 10.201,90
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS; terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

1.               Em 29 de julho de 2014, A… – …, Lda, contribuinte n.º …, com sede na …, em Lisboa, doravante designada por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.               A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. …, e a Requerida é representada pelos juristas, Dr. … e Dr. ….

3.               O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 1 de agosto de 2014.

4.               Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 …, relativa ao ano de 2013, no valor de € 10.201,90 (dez mil, duzentos e um euros e noventa cêntimos).

5.               Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.

6.               O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 1 de outubro de 2014, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.               Não houve lugar à primeira reunião do tribunal arbitral por ter sido dispensada, face ao requerimento contido na resposta da Requerida de 28.10.2014, e, por depois de notificada para o efeito, a Requerente nada ter dito.

8.               Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes, expressa e tacitamente (face ao silêncio da Requerente), o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

9.               O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 31 de março de 2015 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo a que foi sujeita, relativamente ao terreno para construção de que é proprietária, sito no distrito do Porto, concelho de Matosinhos, União das freguesias de … e …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:

a)       Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, porquanto, “Decorre do nº 28.1 da TGIS, que são três os elementos que constituem o facto tributário: a propriedade, o usufruto ou o direito de superfície sobre os prédios urbanos; que esses prédios urbanos tenham “afectação habitacional” e que tais prédios tenham um valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000. Que a Requerente é proprietária do imóvel aqui em causa e que tal imóvel tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000, são factos indiscutíveis. Mas já não está presente o terceiro pressuposto que integra o facto tributário: o imóvel em causa não tem “afectação habitacional”.

b)   Defende, a Requerente que: “os terrenos para construção são uma espécie de prédios urbanos distinta dos prédios habitacionais.”, com eles não se confundindo, face ao disposto no n.º 1 e 2 do artigo 6.º do CIMI.

c)       Mais, acrescenta que “não há nos terrenos para construção uma afectação, seja para habitação, seja para comércio, seja para serviços. Não há, desde logo, por uma razão “naturalística”: se são terrenos... para construção, um terreno não está afecto à habitação, nem a comércio. Não há, também, porque, em consonância com essa óbvia razão “naturalística”, o Código do IMI refere sempre o carácter habitacional, isto é, a afectação habitacional, em relação a “edifícios ou construções” (artº 6º, nº 2) ou “prédios edificados” (artº 41º).

d)   Entende, ainda, que: “os terrenos para construção não são prédios urbanos com fins habitacionais.” quanto muito, “destina[m]-se... à construção e não a uma qualquer afectação habitacional – caso assim fosse, isto é, se um terreno para construção se destinasse à “afectação habitacional”, não seria um terreno para construção, mas um prédio urbano com afectação habitacional. Ainda que o terreno se destine à construção de prédios afectos à habitação, essa afectação só se verifica com a efectiva construção do prédio, com a consequente eliminação da inscrição matricial do terreno para construção e a sua substituição por nova inscrição matricial do prédio urbano ou fracção autónoma construídos.

e)   Concluindo no sentido de que: “o terreno para construção, sobre cuja propriedade incidiu a liquidação de Imposto do Selo que teve como destinatária a Requerente, não cabe na previsão da verba 28.1 da TGIS.”

f)                Vício de violação do princípio da tributação sobre a riqueza e do principio da capacidade contributiva, porquanto, entende a requerente que, por um lado “a tributação em Imposto do Selo sobre os terrenos para construção, propriedade de empresas que os adquiriu ou, para venda, ou para construção, é um absurdo que viola a natureza da tributação,” porquanto, “o CIMI, estabelece a não tributação, nesse imposto, até ao quarto ano seguinte ao da sua aquisição, dos prédios propriedade de empresas que tenham por objecto a construção de edifícios para venda (alínea d)) e a não tributação, até ao terceiro ano seguinte ao da sua aquisição, de terrenos para construção de empresas que tenham por objecto a sua venda (alínea e))”.(artigo 9.º).

g)       Com efeito, considera a Requerente que “o IMI é um imposto sobre a riqueza detida pelos sujeitos passivos no seu património – ora, os prédios existentes no activo de uma empresa, enquanto aguardam venda ou enquanto são utilizados para a construção de edifícios, não revelam essa riqueza que o IMI pretende tributar.”

h)       Mais, defende a Requerente que: “a nova tributação em Imposto do Selo tem o mesmo objectivo: tributar a riqueza consubstanciada na propriedade sobre imóveis”, pelo que, a intenção de sujeitar a Imposto do Selo, terrenos para construção “que fazem parte do activo da Requerente como mercadoria ou como matéria prima, tal consubstancia uma violação frontal do princípio da tributação sobre a riqueza e, portanto, a violação do princípio da tributação da capacidade contributiva.”, uma vez que “a capacidade contributiva que o legislador quer “atingir” com o Imposto do Selo previsto no nº 28 da TGIS, é a riqueza expressa na titularidade de imóveis de elevado valor, e os terrenos para construção “não são demonstrativos de riqueza, na medida em que são, apenas e só, instrumentos produtivos.”

i)                Considera ainda a Requerente que a tributação dos terrenos para construção viola o princípio da igualdade, porquanto, “uma empresa que adquira para o seu activo, como mercadoria ou como matéria prima, outros tipos de bens, não está sujeita a esta tributação em Imposto do Selo. Ao invés, uma empresa que adquira imóveis como mercadoria ou matéria prima, nomeadamente, terrenos para construção, já está sujeita a uma tributação sobre o património, como é a estatuída no nº 28 da TGIS.”

j)                Conclui, assim, a Requerente no sentido de que: “a liquidação ora contestada é ilegal, por violação do nº 28 da TGIS.”

 

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem alegar, na sua resposta: 

a) Quanto ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações, entende a Requerida que: “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação. Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45º, nº 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.”

b) Defende a Requerida que: “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.”

c) Nesta sequência, entende, a AT, que “o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma,” uma vez que “o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do CIMI.”

d) Mais, refere que: “a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art.45º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno. (…) Quanto ao valor do terreno adjacente à área de implantação, este é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.”

e) Arrematando, no sentido de que: “(…) muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar, pelo regime jurídico da urbanização e edificação e pelos Planos Directores Municipais a afectação do terreno para construção”, pelo que,  falece a tese da Requerente quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnado.

f)  No que toca ao alegado vício de violação de lei constitucional – por violação do princípio da legalidade, igualdade tributária e da capacidade contributiva, - defende-se a Requerida referindo que: “a tributação em sede de imposto do selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, (…) a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para os outros interesses considerados relevantes.”

g) Concluindo, assim, no sentido de que “as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS”.

 

 

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

- A Requerente é proprietária do terreno para construção no distrito do Porto, concelho de Matosinhos, União das freguesias de … e …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo .... (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial);

- O terreno para construção foi avaliado como tal, em 2012, tendo sido determinado um valor patrimonial tributário (VPT) de € 1.020.190,00 (um milhão, vinte mil e cento e noventa euros) (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial);

- Na realização dessa avaliação patrimonial, entendeu a AT aplicar um coeficiente de afetação, o qual foi, neste caso, o da “habitação”, previsto no artigo 41.º do Código do IMI. (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial);

 - A Requerente foi notificada do ato de liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2013, efetuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 10.201,90 (dez mil, duzentos e um euros e noventa cêntimos) (cfr. Docs. n.º 1 e 3 juntos com a petição inicial);

 - A Requerente, no dia 30.04.2014, procedeu ao pagamento da quantia de € 3.400,64 referente à primeira prestação do Imposto do Selo impugnado. (cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial).

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

No presente caso, são três as questões de direito controvertidas:

1) saber se, no ano de 2013, os terrenos para construção estão sujeitos a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS;

2) saber se o disposto na verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como, do disposto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, por violação do princípio da capacidade contributiva, na interpretação que dele faz a AT.

3) saber se a Requerente, caso procedam as anteriores questões, tem direito a juros indemnizatórios.

 

Vejamos,

 

I – Enquadramento dos terrenos para construção no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS

 

1.       A Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012, de 29.10 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos. Não nos pronunciaremos sobre todos, mas apenas sobre os que consideramos com maior relevância para a análise do caso sub judice.

2.       Assim, na norma de incidência prevista no artigo 1.º do CIS, o legislador, determinou que, para além dos atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, o imposto do selo passaria também a incidir sobre “situações jurídicas”, agora, igualmente previstas na TGIS.

3.       A nova redação do nº. 4 do artigo 2º., passou a determinar que para essas “situações jurídicas”, são sujeitos passivos do imposto, os referidos no artigo 8º. do CIMI, ou seja, na maior parte dos casos, o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita.

4.       Nestas “situações jurídicas”, o imposto constitui encargo do sujeito passivo previsto no nº. 4 do artigo 2º. do CIS, ou seja, o acima identificado proprietário do imóvel (regra geral), por remissão para aplicação da regra do artigo 8º. do CIMI.

5.       Nestas “situações jurídicas”, a aplicação do princípio da territorialidade, faz com que o imposto seja devido sempre que os prédios estejam situados em território nacional, de acordo com o aditamento ao artigo 4º. do CIS do seu nº. 6, pela Lei nº. 55-A/2012.

6.       Quanto ao nascimento da obrigação tributária, para estas novas “situações jurídicas” ela considera-se constituída “… no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as devidas adaptações” (Vd. alínea u) do artigo 5 do CIS, aditada pela Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro), o que nos remete para as regras previstas nos artigos 9º. e 10º. do CIMI.

7.       Ora, a alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redação:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------------------------------------- 7,5%”

 

8.       Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:

a)      “prédios urbanos,

b)      com afectação habitacional,

c)     E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)

 

9.       Na verdade, a maior dificuldade com que o contribuinte se tem deparado, face às alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, com expressão no caso sub judice, tem-se manifestado na interpretação da expressão “prédio com afetação habitacional”.

10.    Conceito este que determina, ou não, a incidência, dos terrenos para construção, na verba 28.1 da TGIS, cuja liquidação aqui se impugna.

11.    Ora, o obstáculo surge da inexistência da definição do conceito “prédio com afetação habitacional” na legislação tributária, designadamente no Código do IMI, para o qual o CIS remete, como direito subsidiário, em conformidade com o seu artigo 67.º, introduzido pela Lei n.º 55-A/2012, 29.10.

12.    Na verdade, o CIMI dispõe, nos seus artigos 2.º a 6.º quanto: ao conceito de prédio (artigo 2.º), define o que se deve entender por prédios rústicos (artigo 3.º), o que se deve entender por prédio urbanos (artigo 4.º); o que se deve entender por prédios mistos (artigo 5.º) e enumera as espécies de prédios urbanos (artigo 6.º), para cuja redação remetemos.

13.    No entanto, nenhuma das normas legais acima identificadas admite o conceito de “prédio com afetação habitacional”, pelo que, e de acordo com as regras essenciais de hermenêutica jurídica e de interpretação das leis tributárias, teremos que recorrer em primeiro lugar, à letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, e depois à sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem, contudo descorar a intenção ou espírito do legislador.

14.    Assim, surge a questão de saber: o que é que o legislador terá pretendido quando redigiu a verba 28.1 da TGIS, ao indicar como pressuposto da sua incidência “prédio com afetação habitacional”. Terá o legislador querido abranger neste conceito os terrenos para construção – matéria que aqui nos ocupa -?

15.    Será que pretendeu interpretar a expressão “prédio com afetação habitacional” no sentido, que a Requerida faz, de que «o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma», porquanto «o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção de “ afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrada na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI.»?

16.    Ou, antes e, como refere a Requerente que «“prédios urbanos com afectação habitacional são, assim aqueles que, nos termos do respectivo processo de construção a que se referem os art.ºs 62.º e seguintes do Regime Jurídico das Edificações (RJEU, aprovado pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12) tiverem sido, licenciados ou em função das suas características físicas, tiverem como destino normal a habitação.»?

Vejamos,

17.    Pela clareza na exposição, e quanto à matéria do conceito de “prédios com afetação habitacional” recordamos o sufragado na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T, com a qual aderimos, segundo a qual:”  O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais. (…) No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.”

18.    Acresce ainda, e nesta sequência lógica, a posição assumida no Acórdão do STA proferido no rec. nº 317/14,  que acompanhamos, no sentido de que: “a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.

19.    Assim sendo, seguindo este caminho, com o qual aquiescemos na sua plenitude, parece ser de falecer a tese da Requerida, quanto à possível conexão do conceito de “afetação a habitação” a um terreno para construção, sem qualquer edificação passível de ser habitada.

20.    De referir ainda que, a imprecisão do conceito em apreciação – “prédio com afetação habitacional” - , foi alterado pelo Orçamento de Estado para 2014, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, 31.12, dando nova redação à verba 28 da TGIS, concretizando, agora, o seu âmbito de aplicação e incidência objetiva com a utilização de conceitos objetivos legalmente definidos no artigo 6.º do CIMI.

21.    Na verdade, esta alteração – a que o legislador não atribui caráter interpretativo – reforça o caráter inequívoco, para o futuro, de que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28 da TGIS (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00), nada referindo ou esclarecendo quanto às situações precedentes a esta alteração legislativa, nomeadamente a que se encontra sub judice, pelo que será de concluir que no ano de 2013, os terrenos para construção não se encontravam incluídos na previsão da verba 28 da TGIS.

22.    Ademais, invoca, ainda, a Requerida sustentando a sua posição, que «a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação do imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.” Mormente, porque e “ conforme resulta da expressão «---valor das edificações autorizadas», constante do art.º 45.º, n.º2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação de prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI».

23.    Concluindo, no sentido de que: «(…)para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada

24.    Ora, a verdade, é que também por aqui não nos parece ser de considerar e aceitar a legitimidade ou legalidade da liquidação de imposto do selo aos terrenos para construção nos termos aduzidos pela Requerida, porquanto, e conforme refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T, à qual aderimos na integra, “No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção.”

25.    Sobre este assunto pronunciou-se já, no CAAD, o processo n.º 158/2013-T, com o qual concordamos e aderimos, no sentido de que: “É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais. Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”

 

26.    Assim sendo, o que importa para efeitos de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é que o prédio seja urbano, que tenha um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 e que esteja efetivamente afeto a habitação, o que não sucede com os terrenos para construção, cuja liquidação se impugna nos presentes autos.

 

27.    É isto que resulta da jurisprudência dos tribunais arbitrais[1] e dos tribunais tributários superiores[2] que têm vindo a interpretar a verba n.º 28.1 do TGIS e os seus pressupostos de aplicação, e com os quais aderimos na íntegra.

 

28.    De referir, por último, a posição do Supremo Tribunal Administrativo, cujo sumário de um dos Acórdãos referenciados aqui se transcreve e que tem sido orientação nos diversos arestos proferidos naquele douto Tribunal, quanto à ilegalidade de imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre terrenos para construção:

“Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”

 

29.    Assim sendo, nunca poderia a AT sujeitar a recorrente ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2013, que ora se impugna, devendo, deste modo, ser a mesma anulada, por ilegal.

 

B -  Da violação de Lei Constitucional

 

30.    A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro da Lei n.º 55-A/2012, 29.10, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.

31.    Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.

32.    E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço coletivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.

33.    Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

34.    Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

35.    A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

36.    Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

37.    Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um terreno para construção não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.

38.    Na verdade, um terreno para construção pertencente a uma sociedade como a Requerente, não traduz uma riqueza passível de tributação, em sede de Imposto do Selo, dada a sua indexação como ativo, como mercadoria ou matéria-prima.

39.    Face ao exposto, ato de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2013, impugnado, no montante de € 10.201,90 é nulo, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS, do princípio da capacidade contributiva e do princípio da tributação sobre a riqueza.

 

C – Dos juros indemnizatórios

 

40.    A Requerente peticiona ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

41.    Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

42.    Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

43.    Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

44.    No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

45.    Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

46.    Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

47.    Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto, pelo valor efetivamente pago, até ao integral reembolso do referido montante.

 

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

1.     Anular o ato de liquidação de Imposto do Selo impugnado pela Requerente, relativo ao ano de 2013.

2.     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia que pagou, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso.

 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 10.201,90 (dez mil, duzentos e um euros e noventa cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de março de 2015

***

 

O Árbitro

 

 

(Jorge Carita)

 

 



[1] Acórdãos do CAAD proferidos nos processos n.º 50/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 181/2013-T, n.º 183/2013-T, n.º 185/2013-T,  n.º 248/2013-T, entre outros.

[2] Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 046/14, de 14.05.2014; n.º 0271/14, de 14.05.2014; n.º 0395/14, de 28.05.2014, 01871/13, de 14.05.2014, 055/14, de 14.05.2014, entre outros.