Decisão Arbitral
I. - RELATÓRIO
A - PARTES
A… - …, LDA, sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva n.º …, com sede no …, …, doravante designado por “Requerente”, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras, à Direcção-Geral dos Impostos), a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.
B - PEDIDO
1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 24 de Julho de 2014 e notificado à AT em 28 de Julho de 2014.
2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 10-09-2014, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
3 - As Partes foram, em 10-09-2014, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 16-10-2014.
5 - No 07 de Abril de 2015 realizou-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta, que se encontra junto aos autos, prescindindo, então, ambas as partes da apresentação de alegações, tendo a Requerente sido notificada para juntar aos autos informação sobre as datas das matrículas dos veículos em causa no autos, e sobre a desagregação do valor económico do pedido, e a Requerida notificada para proceder à junção aos autos de informação aperfeiçoadora dos elementos de prova oportunamente apresentados.
6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:
a) - Declare a ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC), referentes aos anos de 2008 a 2012, respeitantes aos veículos identificados nos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
b) - Condene a AT ao reembolso do imposto que venha a ser coerciva e indevidamente pago;
c) - Declare a anulação das coimas associadas ao não pagamento das quantias correspondentes às liquidações de IUC referenciadas no presente processo;
C - CAUSA DE PEDIR
7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:
8 - Que é uma sociedade comercial, cuja actividade principal consiste na construção civil, na venda e transporte de materiais de construção, de decoração e de ferramentas e equipamentos para construção civil.
9 - Que vendeu quatro veículos automóveis à sociedade comercial holandesa B…, com as matrículas ...-...-...; ...-...-...; ...-...-... e ...-...-..., matrículas que relativamente à identificada por ...-...-..., deve considerar-se como referindo-se a ...-...-..., tal como se retira dos autos, o que, seguramente, resulta de um manifesto lapso de escrita.
10 - Que os três primeiros veículos, ou seja, os detentores das matrículas ...-...-...; ...-...-... e ...-...-... foram vendidos em 30-06-2010, e o veículo de matrícula ...-...-... foi vendido em 23-07-2007.
11 - Que não foi notificada pela AT das liquidações oficiosas de IUC relativamente aos anos de 2008 a 2013, embora tenha conhecimento de que foram instaurados processos de execução fiscal em que são executados os montantes referentes às referidas liquidações e às correspondentes coimas, pelo não pagamento de tais montantes.
12 - Que, no ano a que respeitam as liquidações de IUC atrás mencionadas, já não era proprietária dos veículos automóveis com as matrículas ...-...-..., ...-...-...; ...-...-... e ...-...-..., dado que, anteriormente à data da exigibilidade do referido imposto, a propriedade dos veículos já havia sido transferida, nos termos da lei civil, para a empresa B…,
13 - Que a adquirente dos mencionados veículos não efectuou oportunamente o seu registo na Conservatória do Registo Automóvel, pelo que os mesmos continuaram a figurar nesse registo, como sendo propriedade da Requerente.
14 - Que a função essencial do registo automóvel é apenas a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, constituindo tal registo uma presunção ilidível de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.
15 - Que a norma constante do art.º 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção, que dizendo respeito a uma norma de incidência tributária só pode ser ilidível, admitindo sempre prova em contrário, de acordo com o estipulado no art.º 73.º da LGT.
16 - Que os meios de prova apresentados, relativamente à venda dos veículos em questão, estão suportados em documentos, designadamente cópias das facturas de venda e cópias das guias de transporte dos veículos para as instalações da adquirente, que têm a seu favor a presunção de veracidade que lhes é conferida pelo disposto no art.º 75.º da LGT.
D - RESPOSTA DA REQUERIDA
17 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta em 18-11-2014, tendo procedido à junção da cópia do Processo Administrativo Tributário em 17-11-2014.
18 - Na referida Resposta, a AT suscita a excepção de caducidade do direito para deduzir o pedido de pronúncia arbitral, além de defender que os actos de liquidação de IUC impugnados não enfermam de quaisquer ilegalidades, o que, em síntese e no essencial, se consubstancia no seguinte:
POR EXCEPÇÃO
QUANTO À INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
19 - A Requerida, embora na sistematização da sua resposta, não configure expressamente como excepção a falta de competência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, o certo é que a ela se refere em diversos artigos da referida resposta. Com efeito,
20 - É entendimento da Requerida que o processo arbitral, face ao disposto no art.º 2.º do RJAT, tem por objecto nuclear a declaração de ilegalidade de actos tributários, sublinhando que as referidas coimas aplicadas em sede de processo contra-ordenacional fiscal não configuram, por um lado, um acto tributário e, por outro, não podem ser apreciadas e decididas pelo Tribunal Arbitral por falta de competência em razão da matéria.
QUANTO À CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
21 - A Requerida entende que não é feita qualquer prova, por parte da Requerente, nem sobre as datas das liquidações do IUC, nem sobre as datas fixadas para o seu pagamento voluntário.
22 - Considera, também, a AT que a Requerente embora alegue não ter sido notificada das liquidações oficiosas relativas aos anos de 2008 a 2012, refere, no entanto, ter conhecimento, quer dos processos de execução fiscal em que são executadas as liquidações oficiosas em crise nos autos, quer das respectivas coimas.
23 - A AT considera ainda que, relativamente aos veículos com as matrículas ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., a Requerente foi devidamente notificada das respectivas liquidações de IUC, cujos prazos de pagamento voluntário terminaram nos anos 2012 e 2013, pelo que o pedido de pronúncia arbitral apresentado no CAAD em 22-07-2014, no que respeita aos aludidos veículos, só pode ser considerado extemporâneo.
POR IMPUGNAÇÃO
24 - Entende também a AT que as alegações da Requerente no sentido de não ser sujeito passivo do IUC, dado que, por um lado, considera que vendeu os veículos com as matrículas ...-...-..., ...-...-... e ...-...-... em 30-06-2010, e o veículo de matrícula ...-...-... em 24-07-2007 e, por outro, entende que a norma de incidência subjectiva inscrita no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC admite que a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado possa demonstrar não ser sua proprietária na data a que o imposto respeita, não podem de todo proceder. Com efeito,
25 - O legislador tributário ao identificar no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários dos veículos, considerando como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (Cfr. art.º 17.º da Resposta)
26 - O referido legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (Cfr. art.º 18.º da Resposta)
27 - A redacção do art.º 3.º do CIUC não permite manifestamente invocar, como faz a Requerente, que estamos perante uma presunção, dado que se trata de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos do IUC, fossem considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.
28 - Neste sentido, acrescenta que tal entendimento foi “já adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais”, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº 210/13.OBEPNF. (Cfr. art.º 28.º da Resposta)
29 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio na lei. (Cfr. art.º 29.º da Resposta)
30 - Relativamente à ignorância da “ratio” do regime, a AT considera que, a interpretação propugnada pela Requerente é manifestamente errada, na medida em que o que se visou consagrar no CIUC foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo, tal como constante do registo automóvel. (Cfr. art.º 47.º da Resposta)
31 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. (Cfr. art.º 48.º da Resposta)
32 - A interpretação veiculada pela Requerente é, também, no entender da AT, para além do que já foi referido, desconforme com a Constituição, designadamente porque entre outros, viola o princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte. (Cfr. art.º 64.º da Resposta)
33 - Refere, também, que a Requerente não logrou produzir prova idónea dos factos constitutivos do direito que alega, não sendo a prova apresentada bastante para efectuar prova concludente da transmissão dos veículos em causa nos autos, dado que a mesma é consubstanciada em meras facturas de venda dos veículos.
34 - Acrescenta, ainda, que a Requerente não faz qualquer prova de ter realizado o pagamento das importâncias que contesta, seja ao nível do imposto, seja no respeitante aos juros ou às coimas,
35 - Refere, também, não ter sido a Requerida quem deu azo ao pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”.
36 - Por fim, face a toda a argumentação que aduziu, considera que, face à conformidade legal dos actos tributários em questão, deverá o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida.
E - QUESTÕES DECIDENDAS
37 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.
38 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, é necessário apreciar e decidir sobre:
a) A excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
b) A excepção de caducidade do direito de acção;
c) O estabelecimento, ou não, de uma presunção na norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC;
d) O valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto;
e) Se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado, embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, o sujeito passivo do IUC, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nº. 1, do CIUC, é o anterior proprietário ou o novo proprietário;
F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
39 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
40 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
41 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.
42 - Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi remetida pela AT, e a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa nos seguintes termos.
G - DAS DEDUZIDAS EXCEPÇÕES
43 - Tendo em conta, por um lado, o disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e considerando, por outro, o disposto nos artigos 97.º, 576.º, 577.º, 578.º e 608.º do CPC aqui aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, deverão, as referidas excepções ser, antes de mais, conhecidas, uma vez que o seu conhecimento precede o de quaisquer outras matérias.
DA EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
44 - A Requerida, como já atrás se referiu, entende que o processo arbitral, face ao disposto no art.º 2.º do RJAT, tem por objecto nuclear a declaração de ilegalidade de actos tributários, considerando, por isso, que as coimas aplicadas em sede de processo contra-ordenacional fiscal não configuram, por um lado, um acto tributário e, por outro, não podem ser apreciadas e decididas pelo Tribunal Arbitral por falta de competência em razão da matéria.
Vejamos,
45 - A Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral solicita, quer a anulação das coimas que lhe foram aplicadas, decorrentes do não pagamento do IUC constante das liquidações identificadas nos autos, quer o reembolso do imposto que venha a ser coerciva e indevidamente pago.
46 - O âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários face ao disposto no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, compreende: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.
47 - O que a lei manifestamente privilegiou, relativamente às competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária, foi o julgamento de causas que nos tribunais administrativos e fiscais revestem a forma processual de impugnação judicial, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 101.º da LGT e nas alíneas a) a f) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, cabendo notar que, mesmo neste domínio, há limitações, como resulta, designadamente, do disposto no n.º 2 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
48 - A este propósito, refere o Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, p. 105 que ficam “[…] assim, de fora da competência destes tribunais arbitrais a apreciação de litígios gerados […] em processos contraordenacionais tributários”.
49 - As coimas aplicadas no âmbito dos ilícitos contra - ordenacionais tributários, enquanto sanções, de natureza administrativa, não são confundíveis com os impostos, não se inscrevendo, face ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 1.º da LGT e do art.º 30.º deste mesmo diploma, nas relações jurídico-tributárias, que implicam, para além dos sujeitos activo e passivo, dessa relação, que o seu objecto respeite à liquidação e cobrança dos tributos ou à resolução dos conflitos daí decorrentes, o que evidencia a ausência de competências dos tribunais tributários para efeitos de apreciação das decisões relativas à aplicação de coimas.
50 - Assim, o pedido deduzido pela Requerente de anulação das coimas que lhe foram aplicadas pelo não pagamento do IUC, identificado, quer no pedido subjacente ao presente processo, quer nos documentos que, na sequência da realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, integram os autos, não se inscreve no quadro das pretensões arbitráveis, dele não podendo conhecer este tribunal.
51 - Nestas circunstâncias, não sendo este Tribunal Arbitral competente em razão da matéria, para conhecer de tal pedido, conclui-se no sentido de que a excepção em causa, invocada pela Requerida, é procedente.
52 - No quadro da apreciação da competência deste tribunal em razão da matéria, deve também salientar-se o pedido formulado pela Requerente solicitando a condenação da Requerida ao reembolso do imposto que venha a ser coerciva e indevidamente pago.
53- O referido pedido não pode, com efeito, ser apreciado por este tribunal, posto que, face ao que se deixou dito sobre as suas competências, não lhe compete apreciar e decidir o reembolso dos montantes constantes dos diversos processos de execução fiscal referenciados nos autos, os quais integram o valor económico do processo, enquanto impostos, juros e custas a ser coerciva e oportunamente cobrados.
54 - Sobre esta matéria, cabe, de novo, referir Jorge Lopes de Sousa, idem, quando nos diz que ficam “[…] assim, de fora da competência destes tribunais arbitrais a apreciação de litígios gerados em processos de execução fiscal […]”.
55 - Nestas circunstâncias, não pode este Tribunal Arbitral conhecer, em razão da matéria, do requerido pedido de reembolso do imposto que venha a ser coerciva e indevidamente pago.
56 - A propósito da competência deste tribunal arbitral, importa ainda lembrar a situação de um dos veículos referenciados nos autos, qual seja, o que vem identificado com a matrícula ...-...-....
57 - Relativamente ao mencionado veículo, deve salientar-se que não foram carreados para os autos, nem por parte da Requerente, nem por banda da Requerida, quaisquer documentos que identifiquem os actos de liquidação que se visam impugnar, não existindo, pois, nem nos documentos inicialmente integrados no processo, nem nos que foram juntos aos autos, na sequência da realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, quaisquer informações, sejam respeitantes a Notificações para Audição Prévia ou a Notificações de Liquidações de IUC.
58 - Nestas circunstâncias, não existindo, de todo, quaisquer referências aos actos de liquidação que a Requerente visa impugnar, o pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo revela-se, nesta parte, falho de objecto, pelo que o tribunal arbitral constituído é materialmente incompetente para, no que tange às liquidações associadas a este veículo, apreciar e decidir o pedido
DA EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
59 - Como já atrás se referiu, a Requerida considera que, relativamente aos veículos de matrículas ...-...-...; ...-...-... e ...-...-..., a Requerente foi devidamente notificada, quer das notificações para audição prévia, quer das liquidações oficiosas de IUC, tendo as respectivas datas limite de pagamento terminado nos anos 2012 e 2013, pelo que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral não observou o prazo previsto no n.º 1 do art.º 10.º de Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Vejamos.
60 - Antes de mais, importa referir que, face aos elementos inscritos no Sistema Electrónico de Gestão Processual (SGP), o pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado no CAAD em 22-07-2014.
61 - Por outro lado, há que ter em conta, face aos documentos integrados nos autos, sejam os inicialmente constantes do Processo Administrativo (PA), sejam os integrados no processo na sequência da realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, que as liquidações notificadas à Requerente apenas respeitam aos veículos ...-...-... e ...-...-..., sendo que tais liquidações, quanto ao primeiro veículo, são referentes aos anos de 2008; 2009; 2010; 2011 e 2012 e, quanto, ao segundo, ao ano de 2008.
62 - Sobre as notificações de liquidações, importa lembrar que as mesmas, face ao disposto no art.º 38.º do CPPT, designadamente as relativas às liquidações de impostos periódicos, nos quais se inscreve o IUC, podem, tal como se dispõe no n.º 9 no referido artigo, ser efectuadas por via da transmissão electrónica de dados, tendo sido esse, no caso, o formato utilizado na notificação à Requerente, devendo, igualmente, notar-se que, de harmonia com o estabelecido no n.º 9 do art.º 39.º do aludido Código, as notificações efectuadas pela mencionada via, consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica.
63 - A caixa postal electrónica, face ao disposto no n.º 2 do art.º 19.º da LGT, integra o domicílio fiscal do sujeito passivo e, nos termos do n.º 9 do referido artigo, os sujeitos passivos de IRC, como é o caso da Requerente, são obrigados a possuir caixa postal electrónica e a comunicá-la à Administração Tributária.
64 - Os documentos constantes dos autos, relacionados com as notificações das liquidações de IUC efectuadas à Requerente, especialmente os que respeitam aos registos inscritos no histórico da caixa postal electrónica, mostram que, relativamente ao veículo com a matrícula ...-...-..., a liquidação referente ao ano de 2008, que tinha como termo do prazo para pagamento da prestação tributária o dia 09-01-2013, foi integrada na caixa postal electrónica ViaCTT em 29-11-2012 e acedida pela Requerente em 29-11-2012, data em, como atrás se referiu, a mesma se considera notificada.
65 - As notificações das liquidações referentes aos anos de 2009; 2010; 2011 e 2012, igualmente relativas ao veículo com a matrícula ...-...-..., indicavam como termo do prazo para pagamento da prestação tributária o dia 21-11-2013, foram integradas na caixa postal electrónica ViaCTT em 23-10-2013 e acedidas pela Requerente em 24-10-2013, data em a mesma se considera, legalmente, notificada.
66 - No que respeita ao veículo com a matrícula ...-...-..., os documentos constantes dos autos, mostram apenas a existência de uma liquidação de IUC, referente ao ano de 2008, que mencionava como termo do prazo para pagamento da prestação tributária o dia 09-01-2013, cuja notificação foi integrada na caixa postal electrónica ViaCTT em 30-11-2012 e acedida pela Requerente em 30-11-2012, data em que a mesma se considera notificada.
67 - Nestas circunstâncias, verificando-se, por um lado, que a Requerente foi notificada das liquidações atrás indicadas e que, por outro, o termo do prazo mais recente para pagamento da prestação tributária corresponde ao dia 21-11-2013, verifica-se que, tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral sido apresentado no CAAD em 22-07-2014, o prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral para impugnação das liquidações de IUC em questão, que deve, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, conjugado com o estatuído no n.º 1, alínea a) do artigo 102.º do CPPT, ser deduzida no prazo de 90 dias, contado a partir do dia seguinte ao termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária, ou seja, a partir do dia 22-11-2013, terminava em 28-02-2014.
68 - Assim, conclui-se, no que respeita aos veículos de matrículas ...-...-... e ...-...-... e às liquidações de IUC que lhe estão associadas e atrás referenciadas, pela intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, procedendo, assim, a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida o que, constituindo uma excepção dilatória, determina, consequentemente, que se absolva a Requerida da instância.
DAS NOTIFICAÇÕES PARA AUDIÇÃO PRÉVIA
69 - Os documentos retromencionados, especialmente os que respeitam aos registos inscritos no histórico da caixa postal electrónica, mostram, de igual modo, que a Requerente foi destinatária de notificações para audição prévia, sendo que, como resulta das operações constantes do aludido histórico, relativamente ao veículo com a matrícula ...-...-... e referentes aos anos de 2009; 2010; 2011 e 2012, a correspondente notificação para audição prévia foi integrada na caixa postal do ViaCTT em 27-07-2013 e acedida pela Requerente em 29-07-2013, data em que a mesma se considera notificada.
70 - No que respeita ao veículo com a matrícula ...-...-..., a notificação para audição prévia relativamente ao IUC, referente aos anos de 2010; 2011 e 2012, foi efectuada, face às informações constantes no histórico da caixa postal electrónica, em 27-07-2013 e acedida pela Requerente em 29-07-2013, data em que a mesma se considera notificada.
71 - Temos, assim, que, relativamente aos dois mencionados veículos, a Requerente foi destinatária e tomou conhecimento de notificações para audição prévia de liquidações de IUC respeitantes aos anos atrás indicados, não constando, porém, nos autos quaisquer outros elementos referentes a notificações de liquidações, a que aludem as referidas notificações para audição prévia.
72 - Relativamente a estas liquidações, a AT não faz prova de que notificou a Requerente, sendo que, por seu lado, a Requerente, afirma que não foi notificada dessas mesmas liquidações, o que permite considerar que a impugnação desses actos de liquidação só será possível quando e se os mesmos forem notificados, daí que o alegado pela Requerente no sentido da não notificação pela Autoridade Tributária das referidas liquidações oficiosas de IUC suscite a questão da ineficácia dos respectivos actos de liquidação.
73 - A notificação é um acto posterior e exterior ao acto de liquidação, sendo, consequentemente, autónomo relativamente ao acto de liquidação, o que, em matéria tributária, configura uma condição de eficácia. A falta de notificação, como, nomeadamente, decorre do disposto no n.º 1 do art.º 36.º do CPPT, do n.º 6 do art.º 77.º da LGT e do n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa, não afecta, pois, a validade da liquidação, mas sim a eficácia do acto correspondente.
74 - No caso dos autos, a Requerente, como já se referiu, invoca a não notificação das liquidações oficiosas de IUC, o que ocorre no quadro da instauração de diversos processos de execução fiscal, tal como identificados no processo.
75 - Estamos perante uma situação em que, por um lado, não se verificou, tal como atrás se referiu, a notificação das liquidações de IUC referentes aos veículos com as matrículas ...-...-... e ...-...-... e, em que, por outro lado, foram instaurados processos de execução fiscal, designadamente para cobrança das dívidas emergentes de tais liquidações, cujas notificações a Requerente alega não serem do seu conhecimento.
76 - O âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários, tal como atrás já se explicitou, não comporta a apreciação da não notificação das liquidações oficiosas de IUC, invocada pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, importando, assim, a este propósito, fazer apelo a outras normas legais.
77 - A falta de notificação da liquidação do tributo, dentro do prazo de caducidade, constitui, face ao previsto na alínea e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, fundamento de oposição à execução, cabendo notar os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, quando, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6.ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, anotação ao art.º 204.º, p. 485, refere que a inclusão da “[…] alínea e) entre os fundamentos de oposição à execução fiscal aponta no sentido de se ter entendido no CPPT que a falta de notificação afecta a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que será na oposição que, em princípio, deve ser invocada essa falta de notificação […]”.
78 - O texto constante da referida alínea e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, na sua dimensão literal, aponta linearmente no sentido de que a não notificação da liquidação dos tributos dentro do prazo de caducidade, como é o caso dos autos, deverá ser invocada em sede de oposição à execução fiscal.
79 - Assim, o presente tribunal arbitral não se considera competente para apreciar e decidir sobre a falta de notificação da liquidação do IUC, como vem alegado pela Requerente.
80 - Nestas circunstâncias, quanto à apreciação das decisões relativas à aplicação das coimas, conclui-se pela incompetência deste tribunal arbitral em razão da matéria, pelo que procede a excepção de incompetência suscitada pela Requerida, o mesmo se dizendo, quer quanto ao pedido de reembolso do imposto que venha a ser coerciva e indevidamente pago, formulado pela Requerente, quer no que respeita à apreciação e decisão da não notificação das liquidações de IUC, igualmente, invocada pela Requerente, que estão associadas às notificações para audição prévia, relativamente aos veículos com as matrículas ...-...-... e ...-...-....
81 - Quanto aos veículos de matrículas ...-...-... e …-…-… e às liquidações de IUC que lhe estão associadas, conclui-se pela intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, procedendo, assim, a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida o que, constituindo uma excepção dilatória, determina, consequentemente, que se absolva a Requerida da instância.
82 - Relativamente ao veículo com matrícula ...-...-..., conclui-se no sentido de que o pedido de pronúncia arbitral se revela falho de objecto, o que constituindo uma excepção peremptória, dá lugar, nesta parte, à absolvição da Requerida do pedido.
CONCLUSÃO
83 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, tendo em conta o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 576.º do CPC, conclui-se, no sentido, quer da procedência da excepção de incompetência deste tribunal arbitral em razão da matéria, quer da procedência da excepção de caducidade do direito de acção, quer da falta de objecto do pedido relativo ao veículo com matrícula ...-...-..., considerando-se, assim, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, prejudicada a apreciação das restantes questões levantadas, quer pela Requerente, quer pela Requerida.
III - DECISÃO
84 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
- Julgar procedentes as excepções de incompetência deste tribunal arbitral em razão da matéria, e de caducidade do direito de acção relativamente às liquidações referentes aos veículos com as matrículas ...-...-... e ...-...-..., bem como em relação à anulação das coimas correspondentes às liquidações de IUC referenciadas no presente processo, decidindo, em consequência e em conformidade com o disposto artigo 576.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira, respectivamente, da instância, e do pedido na parte respeitante ao veículo ...-...-....
- Declarar-se incompetente em razão da matéria, tendo em conta o disposto no n.º 1 do art.º 97.º do CPC, quer quanto ao reembolso do imposto que venha a ser coerciva e indevidamente pago, quer relativamente ao invocado desconhecimento das notificações das liquidações de IUC, abstendo-se, face ao disposto no artigo 278.º, n.º 1 alínea a), do Código de Processo Civil, de conhecer do pedido, na parte que respeita à não notificação das liquidações, absolvendo a Requerida da instância.
- Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo.
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e tendo em conta o erro verificado na soma das diversas parcelas que integram o valor do processo, fixa-se o mesmo em € 9.387,06.
CUSTAS
De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 918,00.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Abril de 2015
O Árbitro
António Correia Valente
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)