Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 454/2014-T
Data da decisão: 2014-12-04  Selo  
Valor do pedido: € 14.626,50
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 454/2014 – T

Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade Vertical

 

Autora / Requerente: A… –, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA)

 

1. Relatório

Em 30-06-2014, a sociedade A… –, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede no …, na qualidade de Sociedade gestora do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO …, património autónomo com o número de identificação fiscal …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto de Selo, da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativa ao ano de 2013, e ao prédio urbano em propriedade total e sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana de … sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ….

A Requerente alega que o prédio em questão não se encontra afeto à habitação, uma vez que nele funciona atualmente o estabelecimento …, sendo a sua utilização, normal e efetiva, para serviços. A Requerente entende que o prédio em causa não integra o âmbito da incidência da verba 28.1 da TGIS, pelo que a liquidação em causa é ilegal.

 A Requerente pede ainda a devolução do valor do imposto de selo pago, e que venha a ser pago na sequência da emissão das notas de cobrança relativas à segunda e terceira prestações de imposto de selo.

Por fim, a Requerente pede a condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) apresentou resposta, em 02-10-2014, defendendo a manutenção dos atos tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido, e alegando desde logo a ilegitimidade da sociedade A…–, S.A., por esta entidade não ser a proprietária do imóvel em causa. A ATA refere que uma vez que o Fundo de Investimento Imobiliário … tem personalidade judiciária, é o Fundo que tinha legitimidade para apresentar o pedido de pronúncia arbitral.

Quanto à questão de fundo, a ATA refere que a afetação do imóvel em causa é a habitação, já que é a que consta da caderneta predial e da avaliação do imóvel notificada ao contribuinte. A ATA alega que a Requerente não possui qualquer licença ou alvará que ateste e comprove a efetiva alegada utilização e afetação para serviços.

Foi designada como árbitro único, em 18-08-2014, Suzana Fernandes da Costa. Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 02-09-2014.

Foi agendada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT para o dia 19-11-2014 pelas 15:45 horas.

Na reunião, as partes pronunciaram-se oralmente sobre a matéria de exceção. Foi decidido nessa altura dispensar a realização de alegações, e designou-se o dia 04-12-2014 para a prolação da decisão arbitral.

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º1 alínea a) do CPPT.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, à exceção da ilegitimidade do autor do pedido arbitral.

a) DA EVENTUAL ILEGITIMIDADE DO REQUERENTE DO PEDIDO ARBITRAL

Nos termos do art.º 6.º do Regime Jurídico dos fundos de Investimento Imobiliário (republicado pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho) “A administração dos fundos de investimento é exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário…”

O pedido arbitral refere como proprietário do imóvel o Fundo – e não a sua sociedade gestora. Da interpretação da peça processual apresentada resulta claro que em nenhum momento se confunde o fundo com a respetiva sociedade gestora e que esta atua meramente em representação do fundo.

Pese embora os fundos tenham personalidade tributária, entendemos que a sociedade requerente não é parte ilegítima no presente pedido, podendo interpor pedidos arbitrais relativos aos fundos que administram, pela própria natureza jurídica dos fundos de investimento imobiliário.

O artigo 3.º do CPPT refere que a personalidade judiciária resulta da personalidade tributária. Esta por sua vez está regulada no art.º 15.º da LGT. Diz, por sua vez o art.º 16.º n.º 3 da LGT que os direitos e deveres das entidades sem personalidade jurídica são exercidos (…) pelas pessoas que administrem os respetivos interesses. Ora, nos termos da lei, a sociedade gestora administra os interesses do fundo de investimento, logo inexiste a nosso ver ilegitimidade. 

Assim, há que concluir que as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março), julgando-se improcedente a exceção invocada.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.     O FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO …, com o número de identificação fiscal …, é proprietário do prédio urbano em propriedade total e sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana de … sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, nos termos da caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 1.

  1. O prédio goza de licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de … em 31 de Agosto de 1976, da qual consta que o prédio se destina a habitação.
  2. O FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO … foi notificado da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2013, no valor de 14.626,50 €, conforme cópia junta ao pedido arbitral como documento 2.
  3. Da referida liquidação consta que o valor patrimonial tributário do prédio é de 1.462.650,00€.
  4. A data limite de pagamento da primeira prestação foi o dia 30-04-2014.
  5. A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação, em 09-04-2014, conforme comprovativo junto ao pedido como documento 3.
  6. O prédio foi dado em arrendamento à sociedade “B…”, destinando-se, nos termos do contrato, a estabelecimento de …. 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos:

- saber se tem afetação habitacional  para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo um prédio licenciado para habitação mas que se encontra efetivamente afeto a uma atividade comercial.

Vejamos:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;”

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

A norma de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Por sua vez o art.º 6.º do CIMI indica as diferentes espécies de prédios urbanos, e determina que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” (vd. alínea a) do nº 1) do art.º 6.º CIMI).

Sobre a interpretação que deva dar-se a este artigo pronuncia-se MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis Comentado e anotado, áreas Editora, 2004, pág. 146. Para este autor, quando existe licença mas não são respeitados os limites desta “a destinação normal é revelada pelos termos constantes da própria licença: o prédio será de classificar como sendo de habitação se na licença de ocupação constar exclusivamente tal ocupação, ainda que se encontre afeto, de facto, a outras finalidades” (pág. 146, 147). 

O prédio em questão está licenciado para habitação, consta da matriz como prédio para habitação e viu o seu VPT calculado como prédio com essa afetação em 2008.

Nos termos do art.º 13.º CIMI o proprietário do imóvel deveria ter comunicado à ATA no prazo de 60 dias quaisquer eventos suscetíveis de determinar uma alteração da classificação do prédio, o que, tendo em conta a informação disponível nos autos, não terá feito. Não o tendo feito, pretende agora afastar a afetação habitacional do prédio em questão.

Salvo melhor opinião, o ónus de comunicar a alteração do uso do prédio recai sobre o proprietário. O Fundo poderia ter comunicado a demolição do prédio anterior e a existência de um terreno para construção, primeiro, e a afetação a serviços, depois.

Diga-se que sempre poderá, na posse de documento superveniente que ateste retroativamente classificação do prédio como para serviços, apresentar reclamação ou impugnação da liquidação aqui posta em crise (cfr. 70.º, 4 CPPT).

Em conclusão, estando ainda em vigor a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de … em 31 de Agosto de 1976, da qual consta que o prédio se destina a habitação, não releva para os fins da verba 28.1 da TGIS a utilização efetiva do prédio em questão para serviços, devendo considerar-se estar-se perante um prédio com afetação habitacional para efeitos da verba 28.1 TGIS.

 

4.   Dos juros indemnizatórios

Sendo legal a liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 … no valor de 14.626,50 €, não são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto (primeira prestação) até ao integral reembolso por parte da ATA, nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º n.º 2 do CPPT.

 

5. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

- julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de imposto de selo º 2014 … no valor de 14.626,50 €.

 

 

 

 

6. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 14.626,50 €.

 

7.   Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, devidas pela Requerente do pedido arbitral

Notifique.

 

Lisboa, 4 de dezembro de 2014.

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa