Acordam os Árbitros Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), José Pedro Carvalho e Manuela Roseiro, reunidos no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 21 de Agosto de 2014, A..., S.A., (doravante designada abreviadamente por “A...” ou “Requerente”), pessoa colectiva n.º …, com sede social na Rua …, Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de indeferimento da reclamação graciosa e, parcialmente, de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) respeitante ao exercício de 2009, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, objecto daquele.
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A Requerente pretende a declaração da ilegalidade parcial do acto tributário de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2009, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, alegando, em suma, que um sujeito passivo, poderá, nos termos dos artigos 73.º e 74.º da Lei Geral Tributária, ilidir as presunções subjacentes às normas que determinam a tributação autónoma de determinados gastos, e que, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.
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No dia 25 de Agosto, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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O Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o ora Relator, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a AT indicou como árbitro a Sr.ª Dr.ª Manuela Roseiro. Por acordo, os árbitros nomeados pelas partes indicaram para presidir a este Tribunal Arbitral o Sr. Conselheiro Dr. Jorge Lopes de Sousa, que, no prazo aplicável, aceitou o encargo.
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Em 14 de Outubro de 2014, as partes foram notificadas dessas designações, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, nada tendo objectado ou requerido.
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Em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 29 de Outubro de 2014.
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No dia 27 de Novembro de 2014, a Requerida, dentro do prazo legal para o efeito, apresentou a sua resposta, informando que que o despacho inicialmente proferido no âmbito do processo de reclamação graciosa foi revogado a 30/09/2014, tendo a Requerente sido notificada através de ofício com carta registada com aviso de recepção a 03/10/2014. No mais, defendeu-se a Requerida por impugnação, sustentando, em suma, que lhe não lhe “parece que a utilização de motos e motociclos no serviço de entrega se enquadre no âmbito da exclusão prevista no art.º 88º nº 6 al. a) do CIRC, uma vez que aquelas viaturas não estão afectas à exploração de serviço público de transportes, nem tão-pouco se destinam a ser alugadas no exercício da actividade normal da Requerente” e que “parece-nos clara a conclusão de que a interpretação da AT é aquela que efectivamente visa os fins pretendidos pela lei, evitando designadamente abusos como aqueles que irão ter lugar caso vingue a interpretação da Requerente.”.
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Por despacho de 27/11/2014, foi decidido:
“Uma vez que as Partes não requerem a produção de qualquer prova, não se vê qualquer utilidade em realizar a reunião do artigo 18.º do RJAT.
Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º e determina-se que o processo prossiga com alegações escritas facultativas por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do presente despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente ou com o termo do prazo para a apresentação das mesmas, sem que hajam sido apresentadas o prazo para alegações da AT.”.
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Foi ainda indicado o dia 26-01-2015 para prolação da decisão arbitral.
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Subsequentemente, o Requerente e a Requerida apresentaram, de forma sucessiva, as respectivas alegações escritas, nas quais, para além de manterem e desenvolverem as posições anteriormente assumidas e defendidas nos seus articulados, a Requerente veio declarar que não obstante “os atos de fundamentação da decisão do processo de reclamação graciosa posto em crise” terem sido revogados, “mantém interesse na pronúncia, nos termos e com os fundamentos originalmente formulados no Requerimento inicial.”.
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Por despacho de 23/01/2015 foi prorrogado o prazo de apresentação da decisão final dos presentes autos até ao dia 05/02/2015.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- No âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2013..., a DSIT procedeu a uma acção inspectiva externa de âmbito parcial na esfera da ora Requerente, relativa ao IRC do período de tributação de 2009.
2- Em resultado desta acção de inspecção, a Requerente foi notificada, em 17 de Julho de 2013, do Projecto de Conclusões de Inspecção Tributária (“Projecto de Conclusões”), o qual veio propor diversas correcções, conforme descrito na tabela infra:
3- Em 12 de Agosto de 2013 a Requerente procedeu à regularização do montante de imposto em falta, o qual ascendia a €49.021,74 (montante este que já inclui juros compensatórios).
4- A Requerente não exerceu o direito de audição prévia sobre o Projecto de Conclusões, pelo que, tendo procedido à regularização voluntária das correcções propostas, foi notificada em 23 de Agosto de 2013 do resultado da acção de inspecção, o qual não reflectiu qualquer correcção adicional.
5- A Requerente não se conformou com a correcção promovida pela DSIT relativa à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, no montante de €45.262,07, pelo que em 10 de Dezembro de 2013 deduziu reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação do IRC do exercício de 2009, na parte correspondente.
6- Os argumentos apresentados pela ora Requerente não foram acolhidos pela Autoridade Tributária, tendo a Requerente sido notificada, em 1 de Abril de 2014, do projecto de indeferimento de reclamação graciosa, tendo exercido o respectivo direito de audição prévia em 16 de Abril de 2014.
7- Os argumentos da ora Requerente não foram acolhidos pelos serviços de Inspecção Tributária, pelo que em 14 de Maio de 2014 a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, na qual a Divisão de Justiça Administrativa (“DJA”) manteve as correcções promovidas pelos Serviços de Inspecção Tributária.
8- A Requerente tem como actividade a fabricação, transformação, distribuição e comercialização de produtos alimentares.
9- Para o desenvolvimento da sua actividade de comercialização e distribuição de produtos alimentares, a Requerente necessita de colocar ao dispor dos seus funcionários veículos para a entrega dos seus produtos aos clientes.
10- No âmbito da prossecução da sua actividade de prestação de serviços de distribuição de produtos alimentares, a Requerente é proprietária de diversos motociclos que se encontram devidamente registados na sua contabilidade como activos tangíveis e aos quais se encontram associados diversos encargos, nomeadamente depreciações, seguros, manutenção e conservação e combustíveis.
11- A correcção ao imposto a pagar no montante total de € 45.262,07, indicada no quadro constante do ponto 3 supra, é relativa a encargos suportados pela Requerente no exercício de 2009, com os motociclos referidos no ponto que antecede.
12- Os motociclos supra mencionados são unicamente utilizados para a entrega dos bens alimentares e apenas durante o horário de funcionamento da A..., não sendo permitida a utilização dos mesmos a título pessoal pelos funcionários.
13- O Manual de Procedimentos interno de utilização dos motociclos da Requerente, dispõe que a utilização de motociclos pelos funcionários da Requerente se cinge, única e exclusivamente, ao exercício da sua actividade, referindo-se, expressamente, que os motociclos “destinam-se à realização de entregas ao domicílio”.
14- O mesmo Manual dispõe que cabe a cada colaborador a quem foi atribuída uma mota, a cada início e fim de período de trabalho, a responsabilidade pela recolha e estacionamento daquela na garagem ou parqueamentos afectos à Loja em causa, devendo igualmente proceder à devolução à equipa de gerência da Loja, das chaves da mota e da garagem/estacionamento.
15- Está também previsto no Manual de Procedimentos que a eventual utilização abusiva dos motociclos (nomeadamente para fins alheios à actividade da Requerente) constitui uma infracção disciplinar.
16- A utilização de viaturas comerciais revelar-se-ia inadequada para a actividade de entrega de produtos ao domicílio, na medida em que dificultaria a circulação dos colaboradores encarregues das entregas, quando comparada com a utilização de motociclos os quais, pela facilidade de circulação, permitem que seja realizado um maior número de entregas em menor tempo, aumentando a facturação.
17- Analisada a facturação mensal da Requerente em 2009, de acordo com a contabilidade da Requerente, a facturação decorrente de entregas ao domicílio tem o peso na facturação exposto na tabela infra:
valores em euros
Mês
|
Local
|
Domicilio
|
Total
|
Peso do domicílio na
facturação/mês
|
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
|
1.000.291,95
867.393,12
862.337,55
826.464,39
982.759,97
897.418,15
1.027.234,55
1.093.302,71
964.078,65
950.042,72
933.118,56
1.117.242,08
|
1.488.260,81
1.226.608,81
1.234.761,45
1.254.770,60
1.350.922,04
1.233.747,36
1.270.387,37
1.276.439,32
1.407.498,65
1.429.876,31
1.508.162,98
1.723.763,57
|
2.488.552,76
2.094.001,93
2.097.099,00
2.081.234,99
2.333.682,01
2.131.165,51
2.297.621,92
2.369.742,03
2.371.577,30
2.379.919,03
2.441.281,53
2.841.005,66
|
60%
59%
59%
60%
58%
58%
55%
54%
59%
60%
62%
61%
|
TO TAL
|
11.521.684,41
|
16.405.199,26
|
27.926.883,67
|
|
Peso na facturação
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41% 59%
|
|
|
18- De acordo com a contabilidade da Requerente, facturação nos pontos de venda foi, em 2009, a constante da tabela infra:
19- A Requerente possui oficinas próprias e exclusivas, destinadas à reparação e manutenção dos motociclos da A..., certificadas e homologadas por uma reconhecida marca de motociclos (a Honda), beneficiando das mesmas condições que qualquer concessionário da marca usufrui.
20- De acordo com a política comercial da Requerente, não há qualquer valor a somar ao da refeição, no caso de a mesma ser entregue ao domicílio, sendo que a quantia correspondente ao serviço de entrega não consta expressamente discriminada nas facturas que emite.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
Em especial, no juízo de prova dos factos a que se referem os pontos 9, 10, 16 e 19 foi tida em particular consideração a falta de contestação, apreciada, nos termos do artigo 110.º/7 do CPPT, à luz da experiência comum das coisas, aí se integrando a notoriedade pública da actividade da Requerente e a forma como a exerce.
Para além do referido, no juízo de prova do facto a que se refere o ponto 12, teve-se ainda em consideração o teor do Manual de Procedimentos interno de utilização dos motociclos da Requerente, que, apesar de ser interna, não foi questionada quanto à sua autenticidade e aplicação, sendo, como tal, normal, que a utilização dos motociclos se dê nos termos ali prescritos.
B. DO DIREITO
As questões que se colocam nos presentes autos, tal como, de resto, foram expressamente formuladas pela Requerente são as de saber, em primeiro lugar, se a norma em que assenta a tributação autónoma que aquela contesta tem subjacente uma presunção, se, em caso afirmativo, será legalmente possível ilidir tal presunção, e, por fim, se, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.
Vejamos então.
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A tributação autónoma em questão nos presentes autos, incidiu sobre gastos da Requerente, com depreciações, seguros, manutenção e conservação e combustíveis, relativos a motociclos.
A este respeito, dispunha o artigo 81.º do CIRC vigente à data do facto tributário em questão nos autos (actual artigo 88.º), no que para aqui interessa, que:
“3 - São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
(...)
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
6 - Excluem-se do disposto no nº 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade, normal do sujeito passivo, bem como as reintegrações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no nº 8) da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS.”
Antes de mais, diga-se que, não obstante as partes terem despendido parte das respectivas alegações na matéria, não está em causa nos autos a aplicação do n.º 6 que se vem de transcrever.
Com efeito, não se verifica, nem sequer a Requerente alega tal, que os veículos - motociclos – em questão nos autos tenham por finalidade ser alugados no exercício da actividade normal da Requerente.
Daí que, desde logo, para a discussão a encetar, sejam irrelevantes quer a Ficha Doutrinária relativa ao processo …/2005, quer as circunstâncias de a Requerente não somar o valor do transporte ao valor facturado aos seus clientes domiciliários, nem o fazer constar da factura.
Assim, e em suma, o que ora se trata é de apurar a ratio legis da previsão do artigo 81.º/3/a) acima transcrito, verificar se a mesma assenta numa presunção e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma foi, ou não, in casu, ilidida.
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Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:
o Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);
o Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);
o Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).
Esta precisão torna-se importante porquanto se entende que, atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, será nesta sede não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.
A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.
Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.
Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[1], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.
Naturalmente que quem considere as tributações autónomas que ora nos ocupam um tributo directamente incidente sobre a despesa, concluirá que a norma sob interpretação, do artigo 81.º/3/a) do CIRC vigente à data do facto tributário, não integrará qualquer presunção, formulando, directamente, o objecto da sua incidência – a despesa.
Não se considera, todavia, que seja esse o entendimento mais correcto, entendendo-se, antes, que as tributações autónomas em causa se poderão configurar como um imposto “híbrido” , incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente.
Neste quadro, as tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC, que dispõe que:
“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.
Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respetiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados. Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afetado por tal dedução.
Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.
O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será, objetivamente, inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida diretamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas coletivas.
Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objetivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a atual redação, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).
Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:
a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.
Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.
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Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efetivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).
Confrontado com tal dificuldade[2], o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC[3]), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.
Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.
E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente).
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Face à conclusão que vem de se operar, cumpre então apurar se a presunção que se identificou, é, ou não, susceptível de ser ilidida.
A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil:
“As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”
Em coerência, dispõe o artigo 73.º da LGT:
“As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”.
Face ao quadro legal apontado, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada no art.º 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT[4], quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.
Por seu lado, a própria Administração Tributária, se assim o entender e considerar que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora[5].
Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
a) não deduzir a despesa[6];
b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária, de discutir a questão da empresarialidade da despesa;
c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma[7].
O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.
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Aqui chegados, torna-se necessário, então, aferir se, em concreto, a presunção da norma do artigo 81.º/3 do CIRC vigente à data do facto tributário, acima determinada, foi, ou não, ilidida.
Os motociclos são, em geral, um meio de transporte que não é utilizado na actividade comercial ou industrial, pois é mais rentável que um trabalhador conduza uma veículo com maior capacidade de transporte.
Mas, no caso em apreço, a utilização dos motociclos está perfeitamente explicada como sendo os «veículos que melhor se adaptam à sua actividade e que de forma mais efectiva permitem aumentar o número de entregas, pela rapidez na sua deslocação, e por sua vez aumentar o lucro tributável gerado pelo aumento das vendas».
Notoriamente, não há outra forma de entregar pizzas quentes nos domicílios dos clientes, à hora de ponta do trânsito e a entrega de pizzas naquelas condições é obviamente importante para o negócio, como, de resto, a contabilidade da Requerente, que não é posta em causa pela AT, evidencia. Por outro lado, é igualmente notoriamente consabido que os motociclos são veículos mais económicos ao nível do custo de aquisição, consumos e manutenção, assistindo à sua utilização, quando se destinem ao transporte de apenas uma pessoa e carga ligeira, uma inegável racionalidade económica.
No caso concreto, inexistem quaisquer dúvidas quanto à utilização dos motociclos no exercício da actividade da Requerente, podendo ser mesmo considerado facto notório, do conhecimento geral. De resto, nem é impugnada a liquidação quanto à fixação da matéria tributável e à face da redacção do CIRC em 2009, só incidindo tributação autónoma sobre encargos dedutíveis, a própria posição da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a aplicação da tributação autónoma tem ínsita a aceitação da dedutibilidade e, implicitamente, o enquadramento das despesas no artigo 23.º, n.º 1.
Restaria, então, verificar se, de facto, como acima se expôs, essa utilização dos motociclos no exercício da actividade da Requerente se demonstra, para lá de qualquer dúvida razoável, como ocorrendo em contexto exclusivamente empresarial, não existindo margem para que os seus colaboradores, órgãos sociais ou sócios, retirem benefícios da sua disponibilidade para efeitos pessoais.
Face aos factos dados como provados, haverá, então, que considerar que, no caso, é isso que acontece.
De facto, verifica-se que motociclos em causa são unicamente utilizados para a entrega dos bens alimentares e apenas durante o horário de funcionamento da A..., não sendo permitida a utilização dos mesmos a título pessoal pelos funcionários.
Ora, se é certo que em pequenas empresas, de dimensão familiar, com maior personalização de dirigentes e trabalhadores e conhecimento por aqueles das necessidades particulares destes, é provável que haja alguma promiscuidade na utilização dos motociclos para fins da empresa e fins privados, ficando ao critério dos gerentes a utilização dos veículos, entende-se que isso terá de se considerar uma hipótese remota quando está em causa uma empresa com dimensão nacional e multinacional, em que os colaboradores e suas necessidades de transporte pessoal são presumivelmente ignorados por um conselho de administração remoto e é crível que tenha uma regulamentação interna sobre a generalidade das matérias, não deixando ao critério dos anónimos colaboradores a utilização dos bens para os seus fins privados.
Neste contexto, conclui-se, então, que será de considerar ilidida a presunção do artigo 81.º/3 do CIRC vigente à data do facto tributário, pelo que, demonstrando-se que os motociclos a que se reportam as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão no presente processo arbitral têm um afectação 100% empresarial, não deverão as mesmas ser objecto de incidência daquela tributação.
Face ao exposto, deverá a presente acção arbitral ser julgada procedente e, consequentemente, a liquidação de objecto do presente processo ser anulada, nos termos peticionados.
Tendo em conta que consta da resposta da AT a tabelar alegação de que “Por último, não podemos deixar de referir que a interpretação da norma, tal como apresentada pela Requerente configura uma flagrante e grave violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, nos termos do art.13º, do art.103º nº1 e 104º nº1, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP)”, desde já se consigna que se considera que a mesma não formula qualquer questão concreta de constitucionalidade que gere para este Tribunal uma obrigação de pronúncia, na medida em que se trata de uma mera formulação genérica de um suposto entendimento não concretizado, onde não se indica, para além do mais, qual a específica norma ou segmento normativo a cuja interpretação se refere (sendo que a inserção sistemática parece sugerir tratar-se da norma onde o Requerente funda o pedido de juros indemnizatórios), nem como, em que medida e porquê a suposta interpretação apresentada pela Requerente viola cada uma das normas constitucionais que arrola.
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Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência da notificação da liquidação ora anulada.
É pressuposto da atribuição de juros compensatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável[8].
No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
É também claro nos autos que a ilegalidade do acto de liquidação de imposto impugnado é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada apreciação dos factos juridicamente relevantes e consequente aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.
Assim, a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios são devidos aos Requerentes desde data em que efectuaram o pagamento da prestação do imposto em causa nos autos, até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular parcialmente o acto tributário de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2009 da Requerente, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, no valor de €45.262,07, bem como o acto de decisão da reclamação graciosa que sobre o mesmo incidiu;
b) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente;
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €45.262,07, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa
02 de Fevereiro de 2015
O Árbitro Presidente
(Jorge Lopes de Sousa)
O Árbitro Vogal
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Manuela Roseiro - Vencida)
Declaração de voto de vencida
Não votei favoravelmente a decisão que fez vencimento porque a interpretação que faço do artigo 73º da LGT não coincide totalmente com a perfilhada pelos Ilustres Colegas Árbitros. Por outro lado, ainda que admitisse que subjaz à tributação autónoma em causa nos autos uma presunção ilidível, consideraria exigível produção de prova mais aprofundada quanto à respectiva situação factual.
Fundamentando mais em detalhe:
1. O disposto no artigo 73º da LGT e as presunções
O acórdão aprovado por maioria adopta uma interpretação do disposto no artigo 73º da LGT que exige a possibilidade de ilisão de qualquer juízo presuntivo subjacente a normas de incidência tributária, entendidas estas em sentido lato.
A esta visão contraponho uma outra que admita que o art. 73º da LGT deve ser interpretado, em conjunto com o art. 104º, nº 1 e 2, da CRP, como uma recomendação ao legislador no sentido de utilizar tanto quanto possível presunções juris tantum, evitando presunções inilidíveis e ficções, de forma a que, conjugando os artigos 73º e 74º da LGT, se distinga, no conjunto das presunções juris et de jure, as totalmente vedadas (casos das que presumem a existência de rendimentos em si), as não recomendadas (relativas a normas de incidência oneradoras do sujeito passivo) e as não proibidas (relativas a normas de incidência em sentido amplo que permitam chegar ao rendimento líquido ou considerar despesas que diminuam a capacidade contributiva) [9].
A adoptar-se este tipo de distinção, “as normas de incidência que impliquem dedução de despesas, custos e outros encargos, para a determinação do rendimento líquido ou relacionadas com a capacidade contributiva, e também os benefícios fiscais, enquanto normas desoneradoras”, não estão abrangidas pelo art. 73º da LGT, nem violam a Constituição, desde que as tipificações não se afastem da realidade. A tipificação legal das normas desoneradoras “cuja fiscalização individual é muito difícil de assegurar” seria até “recomendada pelos princípios da praticabilidade e da igualdade” [10].
2. A ratio legis das tributações autónomas e os encargos com veículos
A evolução legislativa revela como as tributações autónomas em IRC, tal como em IRS, visam combater formas de evasão fiscal ou comportamentos empresariais que o legislador considera susceptíveis de causar injustificável erosão da base tributária daqueles impostos.
Relativamente a despesas com veículos afectos à actividade da empresa o legislador terá procurado, numa situação identificada como de difícil definição exacta, e passível de evasão fiscal, uma solução baseada no seguinte equilíbrio:
- tributar autonomamente, como regra geral, os encargos dedutíveis relativos a despesas relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, indústria ou agrícola (nº 3 do art. 81º do CIRC), deixando de fora os encargos referentes a pesados e a ligeiros de mercadorias;
- excepcionar da tributação contida na regra definida no nº 3, os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo (...) (nº 6 do artigo 81º).
A razão da opção do legislador terá sido, como indica a própria Requerente, a de considerar que este tipo de veículos é, em abstracto, susceptível de utilização indiferenciada, simultaneamente privada e empresarial
Tornando-se extremamente difícil apurar a realidade, o legislador prevê desde logo uma tributação autónoma que significa, na prática, porque aplicada conjuntamente com a dedutibilidade do encargo, uma limitação na dedução destes custos da actividade.
Da dificuldade em efectuar a prova da real distribuição entre afectação empresarial e privada são excluídos casos em que os veículos são, indiscutivelmente, utilizados como instrumento do desenvolvimento de uma actividade, sendo descritos na lei como afectos à exploração de “serviço público de transporte, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo” (nº 6 do art. 81º).
Sendo assim, não parece curial que a “regra” (art. 81º, nº 3) seja desaplicada em casos diferentes dos previstos na “excepção” (nº 6 do artigo 81º), fazendo depender a aplicação do nº 3 do mesmo artigo da produção de prova, a realizar casuisticamente e em qualquer sector de actividade, sobre a efectiva afectação da utilização dos veículos abrangidos pela norma.
É que se o legislador desenhou a solução de equilíbrio acima identificada por entender tratar-se de situações muito difíceis de controlar rigorosamente (a veracidade, apesar de existência de contabilidade, da distribuição de gastos imputados a diferentes tipos de veículos, a dificuldade de controlo da efectiva utilização, etc.), admitindo apenas a excepção prevista no nº 6, uma interpretação que aceite a admissibilidade de prova, a fazer caso a caso, de que os veículos estão exclusivamente afectos à actividade da empresa parece tornar inútil a redacção adoptada.
Assim, e de acordo com o atrás referido (no ponto 1. desta declaração) defendo que o artigo 81º (posteriormente 88º) do CIRC não contém uma presunção ilidível por aplicação do artigo 73º da LGT. Trata-se antes de uma norma que, tendo subjacente um juízo presuntivo da dificuldade de controlo rigoroso de certos casos, opta por tipificar situações de aplicação de tributação autónoma, traduzidas, na prática, na redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria colectável.
3. A situação da Requerente face aos princípios da capacidade e da igualdade tributárias e da não discriminação
Mas, sendo o artigo 81º do CIRC uma norma de incidência em sentido amplo (com implicação na dedução de despesas, custos ou outros encargos, para a determinação do rendimento líquido), esta interpretação porá em causa os princípios da capacidade tributária e da igualdade tributária?
Como também observa Ana Paula Dourado (ob. cit. pp. 621 e 633), pode duvidar-se se é justificável a manutenção actualmente dos preconceitos em relação às presunções legais, ligados entre nós à tributação dos rendimentos “normais” no âmbito dos impostos cedulares. E, atenta a caracterização actual dos códigos de imposto sobre o rendimento, considera: “as tipificações, incluindo as quantitativas, não são contrárias mas sim imprescindíveis para a realização da igualdade no Estado de Direito. A única questão de constitucionalidade que se pode colocar diz respeito às presunções absolutas nas normas de incidência real (presunções absolutas de que o sujeito passivo obteve um determinado rendimento)” (idem, ibidem, p. 622).
A matéria das tipificações inilidíveis não implica inconstitucionalidade desde que “dentro dos espaços de conformação do legislador e ligados à realidade”, como acontece com muitos dos limites de encargos dedutíveis previstos para a actividade empresarial ou profissional[11]. O legislador tem um espaço de liberdade para “regulações generalizadoras, tipificantes e mesmo forfetárias”, servindo o princípio da igualdade, na medida em que não põe em perigo a execução igual da lei que se poderia perder nos meandros dos detalhes individuais” [12], podendo mesmo dizer-se que “a capacidade contributiva individual só pode ser apreendida de forma tipificada”, significando a tipificação que “o legislador abrange num Tatbestand o caso médio e trata os casos diferentes de forma igual, segundo este caso médio” [13]
Voltando ao caso dos autos, e aderindo a considerações doutrinárias acima referidas, entendo que está em causa a aplicação de uma norma (então artigo 81º do CIRC) que tipifica situações para as quais determina, na prática, redução dos custos dedutíveis, não sendo pelas razões expostas, violadora dos princípios da igualdade e capacidade tributárias[14].
Mas será o âmbito da exclusão (nº 6 do art. 81º) demasiado restrito? Podendo admitir-se isso, verifica-se contudo que a Requerente não terá colocado à administração tributária as suas dúvidas e sugestões (a exemplo do que fizeram outras empresas, relativamente à exclusão da aplicação do nº 3 do art. 81 aos serviços de transporte de passageiros prestados pelos hotéis e agências de viagem e que deu origem ao despacho de 14/09/2006 no processo 2879/2005).
Tratando-se de questão pelo menos duvidosa, parece razoável que a admissibilidade de aplicação do regime de exclusão fosse acompanhada de especiais cuidados na comprovação da situação factual.
Ou seja, mesmo a admitir-se a tese da possibilidade de ilisão do juízo presuntivo subjacente ao disposto no nº 3 do art. 81º do CIRC, creio que o tipo de provas que a empresa invoca (contabilização das despesas com os motociclos, regulamentos internos de utilização, competências de controlo dos gerentes de cada loja) levanta dúvidas sobre a respectiva suficiência para ilisão, sendo certo que no caso de aplicação do nº 6 do mesmo artigo, não basta e verificação desse tipo de pressupostos, exigindo-se a facturação dos serviços prestados com os veículos [15].
Quanto à questão, também levantada pela Requerente, da violação do princípio da não discriminação por não lhe poder ser dado o mesmo tratamento fiscal que aos sujeitos passivos que utilizem viaturas pesadas e ou ligeiros de mercadorias, poderia ganhar relevância[16] se se verificasse, efectivamente, a possibilidade da concorrência invocada (comparação entre empresários que produzem e distribuem pizzas ou outros produtos de restauração actuando com diferentes tipos de veículos). Mas não parece o caso, sendo a sugestão de utilização de veículos pesados, crê-se, bastante irrealista.
Por outro lado, a admissibilidade da ilisão casuística defendida no acórdão, sem exigências reforçadas de controlo, pode tornar inútil o objectivo pretendido pela lei que reduziu, com excepção de situações de âmbito muito limitado, o montante dedutível com certo tipo de custos devido à dificuldade do seu efectivo controlo (existência de juízo presuntivo de fácil evasão).
E não reputo decisivo o argumento de que o caso dos autos se refere a uma empresa nacional e multinacional dotada de grande disciplina no controlo de custos, diferente do que aconteceria com uma pequena empresa de dimensão familiar facilitadora de maior confusão na utilização para fins empresariais e privados. É que esse critério casuístico de decisão é susceptível de levantar outros problemas (e dúvidas, já que ao actuar localmente através de franquia as empresas franquiadas podem ter outras características que levem à não observância rígida das regras gerais) originando litigância, precisamente o que o legislador terá pretendido evitar com a tipificação efectuada. Cuja perfeição e adequação serão certamente discutíveis, e até eventualmente de reponderar, mas de jure constituendo.
Pelas razões expostas consideraria o pedido improcedente.
2 de Fevereiro de 2015
Maria Manuela Roseiro
[1] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.
[2] Note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer.
[3] A discricionaridade do processo legislativo licenciaria que o legislador aplicasse o mesmo mecanismo que entendeu adequado para as despesas a favor de sociedades off-shore, a outras despesas, designadamente as aqui em questão.
[4] Sendo certo que a norma em questão será, sem dúvida, uma norma de incidência tributária objectiva, já que prevê que determinados factos – os gastos com determinados bens que se presumem de afectação mista (empresarial e particular) – implicam uma determinada obrigação de imposto.
[5] Em tal caso, de resto, dever-se-á entender que o montante eventualmente liquidado a título de tributação autónoma deverá ser anulado, e qualquer montante pago restituído/compensado, assim se afirmando, também por esta via, a patente imbricação das tributações autónomas com o regime do IRC, que integram.
[6] Não se está aqui a sustentar, evidentemente, que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete ao sujeito passivo (neste sentido, cfr. p. ex. o Ac. do STA de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11, disponível em www.dgsi.pt).
Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam “omitir despesas”. Efetivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é, precisamente, o oposto da sua omissão.
[7] Esta admissibilidade não será contraditória com o reconhecimento, atrás feito, de que a presunção subjacente ao art.º 81.º/3 do CIRC vigente à data do facto tributário (actual 88.º/3), assenta num juízo de dificuldade de prova. Com efeito, a circunstância de se lograr num caso concreto uma prova difícil, não significará que a mesma não seja, por regra, difícil, e isto mesmo que no caso concreto tenha sido fácil tal prova. Ou seja, uma excepção não invalida a regra, sendo certo que até pode não ser excepção, por se ter, com efectiva dificuldade, logrado a prova.
[8] Cfr. artigo 43.º da LGT.
[9] Cf. Ana Paula Dourado, in “O princípio da legalidade fiscal, Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação”, pp. 630 a 632, Almedina, 2014, reimpressão.
[10] Ana Paula Dourado, ob. cit., p. 632.
[11] A partir da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, o artigo 33º do CIRS, prevê, relativamente à determinação dos rendimentos empresariais e profissionais (anteriormente, art. 26º para o trabalho independente), limites à dedutibilidade de encargos (mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício) para efeitos de determinação do rendimento, prevendo-se, com essa reforma, “para além das limitações previstas no Código do IRC”, tais como “50% da totalidade dos encargos suportados com viaturas de turismo, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, utilizadas no exercício da actividade empresarial e profissional, com excepção das que sejam afectas à exploração de serviço público de transporte ou destinadas a serem alugadas no exercício da actividade normal do respectivo sujeito passivo”; os custos suportados com a representação profissional do sujeito passivo, com a sua valorização e a de membros do seu agregado familiar que com ele trabalham, na parte que exceder, no seu conjunto, 10% do total dos proveitos contabilizados, sujeitos e não isentos deste imposto e os custos suportados com deslocações, viagens e estadas do sujeito passivo ou membro do seu agregado familiar, na parte que exceder, no seu conjunto, 10% do total dos proveitos contabilizados, sujeitos e não isentos deste imposto (alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 33º e que “os custos referidos no nº 1 não podem exceder, no seu conjunto, 25% do total dos proveitos contabilizados, sujeitos e não isentos deste imposto” (nº 5 do art. 33º, posteriormente nº 4, revogado pelo OE para 2002). O mesmo artigo passou a prever (nº 6) que “quando o sujeito passivo afecte à sua actividade empresarial e profissional parte do imóvel destinado à sua habitação, os encargos dedutíveis com ela conexas, designadamente amortizações, juros, rendas, energia, água e telefone fixo, não podem ultrapassar 25% do total dos proveitos contabilizados, sujeitos e não isentos deste imposto”.Compreendendo este tipo de limitações à dedutibilidade de custos, apesar da existência de contabilidade organizada que supõe a delimitação precisa dos bens afectos à actividade, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, “Incidência Real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra editora, 2007, p. 199.
[12] Cf. Ana Paula Dourado, ob. cit., p. 626, citando Paul Kirchhof.
[13] Monika Jachmann, citada por Ana Paula Dourado, ob. cit., pp. 626 e 627.
[14] Segundo Tipke (também citado por Ana Paula Dourado, ibidem, p. 614) ”as ficções de situações e montantes forfetários servem para poupar esclarecimento dos factos, prosseguem igualdade e reserva da vida porque é impossível à administração de massas assegurar fiscalização do universo de contribuintes.
[15] Recorde-se as exigências impostas pela lei na comprovação de certos encargos, levando a sua falta à consideração como não dedutíveis ainda que contabilizados como custos ou perdas. Cf., por exemplo, condições ao tempo previstas no artigo 42º do CIRC, alíneas f) (facturação, mapa de deslocações, tempo de permanência, objectivos, identificação de viatura) e i) (não ultrapassagem de consumos normais) (actualmente, h) e j), do nº 1 do art. 23º-A).
[16] “A faceta negativa da igualdade – o princípio da não discriminação – não pode ser, em qualquer caso, violada”, Ana Paula Dourado, citando Josef Isensee, ibidem, p. 634.